Fúria escrita por alegrrdrgs


Capítulo 9
Capítulo 8 - Marcos (2022)




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"Oh, goddamn

My pain fits in the palm of your freezing hand

Taking mine, but it's been promised to another"

 

— Então, você pediu pra minha filha de catorze anos te comprar cigarros?

Penélope engasgou com a fumaça, surpresa por ver Marcos ali, parado na porta do seu quarto. Marcos não estava chateado, não de verdade. Ela olhou para ele com a prova nas mãos, incapaz de negar, mas pareceu perceber que não ia levar uma bronca, porque relaxou.

— Você devia ficar mais preocupado por terem vendido para ela. Quer dizer, ela nem parece ser mais velha do que é, então não tinham essa desculpa.

— É verdade.

Ele se sentou ao seu lado, estranhando o fato dela estar no chão. Penélope usava uma das suas blusas de botões que cobriam os seus braços, e ainda que Marcos odiasse como ela sentia que precisava se esconder (nem todas as cicatrizes do mundo lhe deixariam menos bonita), ele também se sentia um pouco aliviado porque ver as feridas lhe deixava triste.

— Você não devia fumar, isso vai te matar.

— Não vai, não. Vaso ruim não quebra - ela retrucou, soprando a fumaça pela janela. - Achei que você fosse trabalhar hoje.

— Eu pedi folga, ia levar Giovanna no cinema mas ela saiu com uma amiga.

Marcos não queria admitir que tinha pedido isso pra ficar em casa com ela, mas Penélope parecia saber disso pela maneira como lhe olhou. Ela apagou o cigarro em um pires que aparentemente estava lhe servindo de cinzeiro, e Marcos pensou na ironia pois aquele tinha sido presente da sua mãe. Se sua mãe sequer adivinhasse que Penélope tinha voltado e estava ali com ele...

— Eu vou buscar ela no shopping, pensei que você podia vir comigo e a gente pode comprar roupas de verdade pra você - sugeriu.

— Essa é a sua maneira discreta de me oferecer caridade? - Penélope sorriu, achando graça.

— Foi a mais discreta que eu consegui. - ele deu de ombros, se levantando e oferecendo a mão para ela.

— Marcos... Eu não me sinto segura em sair de casa - confessou, evitando o olhar dele - Os meus cortes ainda doem, eu fico obcecada achando que todos estão me olhando e... E eu sei que não faz sentido, ok? Mas eu fico mesmo assim.

Marcos odiava ver ela assim mais que qualquer outra coisa. Nos dias que tinham se passado desde que ela tinha aparecido na sua casa, noventa por cento do tempo Penélope não demonstrava fraqueza. Ela agia da mesma maneira altiva e confiante com que sempre tinha agido, mas às vezes Marcos a percebia perdida em pensamentos, com uma tristeza maior que qualquer outra que ele já tivesse visto. Às vezes ele percebia raiva, também.

Se ajoelhou novamente, segurando suas mãos.

— Eu sei. Eu entendo, Penélope. Mas você não pode ficar trancada em casa e esperar passar, não é assim que funciona. - os olhos dela brilharam, como se ela fosse chorar, e isso partiu seu coração. Marcos odiava Louis mais que qualquer pessoa na sua vida, mais do que odiava o seu pai - Você não precisa ir se não quiser, mas você pode vir comigo e eu não vou sair do seu lado, ok? O primeiro olhar esquisito, a primeira pessoa que te aborde e nós vamos esperar a Giovanna no carro. Pode ser?

Penélope lhe encarou por um momento, de braços cruzados, como se considerasse sua proposta. Marcos queria, mais que qualquer coisa, que ela se sentisse segura. Que ele pudesse mantê-la segura.

— Tudo bem - cedeu.

— Sem brigas dessa vez? Por favor? - sorriu, tentando lhe deixar de bom humor.

Penélope cerrou os lábios, mas ele podia ver um humor no seu olhar.

— Você sabe que eu nunca posso prometer isso.

*

Mesmo com um vestido preto que ficava curto demais para ser longo e longo demais para ser curto, a blusa azul de botões fechada até o pescoço e o óculos escuro dele, Marcos pensou que ela ainda chamava atenção, como se fosse uma modelo desfilando. Ou talvez fosse coisa da sua cabeça.

Penélope caminhava rápido, mas de cabeça erguida. Estavam perto um do outro e Marcos estava atento a qualquer sinal dela, mas Penélope parecia mais tranquila do que estava antes de sair de casa. Ou, talvez, só estivesse fingindo muito bem

— Oi, amorzinho - ele atendeu o telefone, e pôde sentir Penélope lhe olhando do canto dos olhos - Já cheguei. Penélope veio comigo.

— A gente acabou de pedir uma pizza - Giovanna se lamentou. Marcos riu pelo drama na sua voz. Ele amava demais aquela garota.

— Tudo bem, vamos fazer umas compras e te encontramos na praça de alimentação. Você quer alguma coisa? Não queria um sapato novo?

— Eu olhei por aqui, mas não achei nada que gostasse.

— Poxa. Eu te levo naquele outro shopping amanhã - ela concordou, e então falou que alguém - Eu te aviso quando terminarmos aqui.

Ele desligou, indicando uma loja para Penélope.

— Você quer olhar aqui?

Ela assentiu, sem muita emoção. Era uma loja que Marcos gostava, pois nunca estava muito cheia e tinha uma iluminação indireta e confortável. O tipo de lugar onde ele nunca poderia ter ido quando era mais novo, mas agora que tinha um emprego bom podia se dar esses pequenos luxos que, para grande parte das pessoas, sequer era um luxo.

— Pode pegar o que quiser, você não pode ficar usando as roupas de Giovanna pra sempre.

— O que Lily vai achar disso? - de novo, Penélope lhe olhava de canto dos olhos enquanto fingia olhar as roupas na arara.

Aquilo era ciúme? Marcos não conseguiu identificar se ela estava apenas puxando assunto. Penélope era muito ciumenta quando namoravam, mas, é claro, aquilo tinha sido muito tempo atrás.

— Ela não se importa. Na verdade ela me pediu pra te incluir no jantar de sexta com a família dela.

— Nossa, isso aparece horrível - falou. E então se virou para ele, envergonhada - Quer dizer, não tenho absolutamente nada contra.

Marcos riu, e o atendente olhou para eles do balcão, curioso.

— Eu demorei pra me acostumar também - confessou. - Mas a família dela é bem diferente das nossas. Com a Aline eu não tive esse problema...

— Aline?

— A mãe da Giovanna - esclareceu - Eu não tive que lidar com a família dela porque ela não falava com eles. E então agora do nada eu tenho uma noiva com uma família gigante e amorosa que gosta de se ver toda semana.

— E é horrível? - perguntou, com um ar de graça. Seu longo cabelo escuro balançou quando ela se virou para ele - Pra mim isso parece tortura.

— É... diferente. Não é ruim, mas às vezes eu fico meio louco com todos eles falando ao mesmo tempo. Em casa é tão mais tranquilo, só eu e Gigi - era bom poder falar isso para alguém, era o tipo de sentimento que ele não podia admitir para Lily pois ela ficaria magoada.

Penélope cruzou os braços, lhe encarando por um momento. Então marchou até o atendente que lhes espiava, parecendo apressada.

— Eu quero cinco blusas de manga comprida de botões, três pretas, uma nude e uma branca. Duas calças jeans, uma clara e uma escura. Um short de moletom, de qualquer cor. Não vou experimentar, traga direto pro caixa.

O atendente lhe olhou surpreso, parecia até um pouco assustado antes de se afastar e começar a procurar as peças pela loja, apressado.

Marcos deu um sorriso. Aquela sim se parecia com a Penélope que ele conhecia, não a que tinha encontrado no chão do seu quarto mais cedo.

— Tem certeza que não quer experimentar?

Penélope fez uma careta, se aproximando dele para abaixar o tom de voz.

— Eu não quero ter que encarar o espelho do provador. É um lugar pequeno e tem toda aquela luz...

— Tudo bem - Marcos se apressou - É claro. Não tem problemas.

Deus, ele poderia matar Louis.

*

Depois das compras, entraram em uma loja para que Penélope pudesse comprar roupas íntimas. As atendentes não pareciam estranhar a presença de um homem, mas também ficaram um pouco desconcertadas quando Penélope deu ordens, tão direta quanto tinha sido na loja anterior. Compraram também sapatos em uma loja próxima, e mesmo que dessa vez Penélope tivesse concordado em experimentar, porque não precisaria tirar a roupa, Marcos tinha a sensação de que algo estava errado.

Ela parecia estar mais nervosa, mais desconfiada. Olhava ao redor, sem sair de perto dele em momento algum.

Marcos resolveu apressar o passo, carregando as muitas sacolas para ela até uma mesa na praça de alimentação, longe de onde Giovanna estava, porém perto o suficiente para que ela os visse e acenasse para eles.

Ele podia sentir o humor dela mudando, como ela começava a se fechar dentro de si. Talvez tivesse sido uma ideia ruim ir até ali, mesmo que fosse necessário.

— A gente já vai para casa - tentou tranquilizar. - Vamos só esperar a Giovanna terminar o lanche, não vai demorar.

Penélope acenou, sem responder. Ele percebeu suas mãos tremendo, e como ela as escondeu sob a mesa assim que captou o seu olhar.

Ele não pensou no que fazer, todas as aulas de como agir com um paciente tendo um ataque de nervos escapando da sua mente. Não era um paciente, afinal, era Penélope. Ele se sentou ao seu lado, lhe puxando para um abraço, e ela imediatamente soluçou, se escondendo no seu abraço. Ela não estava chorando exatamente, era mais uma respiração acelerada e Marcos sabia que ela estava tentando se controlar.

Para qualquer outra pessoa na praça de alimentação eles pareceriam um casal abraçado depois de gastar muito dinheiro em compras, e ele até preferia que essa fosse a verdade. Penélope ainda tinha a respiração acelerada, mas pelo menos não estava chorando. Fazer uma cena grande em público seria muito pior para ela depois, Marcos sabia disso.

Quando ela se acalmou, muitos minutos depois, e finalmente se afastou, o rosto estava vermelho e ela fungava, mas não tinha lágrimas no rosto. Marcos olhou ao redor, se sentindo estranhamente culpado, mas ninguém parecia notar os dois.

— Quer que eu chame Giovanna? Vamos pra casa.

Ela negou com a cabeça, rápido. Fungou novamente, passando a mão nos cabelos.

— Deixa eu me acalmar - sussurrou. - Não quero que ela me veja assim.

Marcos queria comprar uma água, mas não queria sair de perto dela. Então segurou suas mãos em cima da mesa enquanto Penélope respirava, voltando ao normal. Marcos se perguntou quantas vezes ela já tinha precisado se recompor tão rápido, porque parecia experiente naquilo.

Em alguns minutos era como se nada tivesse acontecido, exceto pela postura envergonhada dela.

— Marcos - ela quebrou o silêncio, levantando o óculos para lhe olhar, e apesar de estar olhando nos olhos a sua voz demonstrava nervosismo. De todas as coisas que ele pensou que ela diria, ela escolheu a que mais o surpreendeu: - Eu não sei ser sua amiga.

Mas era algo que não deveria surpreender, pelo menos não tanto assim. Mesmo que ele se esforçasse, o clima sempre acabava ficando estranho entre eles quando estavam sozinhos. Muitas coisas não ditas e mal-resolvidas, muitos sentimentos complicados. Ele tinha passado todos os seus anos de formação apaixonado por aquela mulher, tendo ela como melhor amiga, companheira e cúmplice, e mesmo que àquela altura ele tivesse passado mais tempo sem ela que com ela, quando Marcos a olhava era como se ainda fossem dois adolescentes problemáticos e perdidos, tendo só um ao outro. Por que ele não se sentia assim com Aline por todo o tempo que passaram casados? Ou até mesmo com Lily, por quem estava apaixonado? 

— Eu também não sei ser seu amigo - confessou - Foram vinte anos, Penélope... eu mudei, você mudou. Muita coisa aconteceu. Eu não gosto desse clima estranho entre a gente, dessa tensão no ar... e eu queria que fosse diferente.

— Você não mudou nada, Marcos - retrucou, ainda olhando para ele - E eu também não. E é por isso que eu não sei ser sua amiga.

Ele ficou surpreso, não sabia o que pensar daquilo. O que significava? Era uma confissão? Mas mesmo que quisesse se fazer de bobo, Marcos sabia exatamente o que significava porque ele pensava a mesma coisa. Mesmo que ele nunca tivesse a tocado por um motivo bom desde que ela tinha voltado, Marcos ainda sentia choques, borboletas no estômago e todo o pacote "amor juvenil" quando a pele dela encostava na dele, e isso não era bom sinal.

— Mas eu vou me esforçar. - Penélope sorriu quando ele lhe olhou, confuso - Eu vou me esforçar pra ser sua amiga. Vamos voltar pra sua casa, assistir a novela das 21h e então discutir sobre ela.

— Se agora você é minha amiga, vai me falar o que você está planejando? - tentou.

Ela riu baixinho, uma risadinha que não significava amizade. Um arquear de lábios que o fazia querer se inclinar sobre a mesa e beijá-la.

— Ah, nós não vamos ser tão amigos assim. Chama a Giovanna, tudo bem? Vamos voltar para casa, acho que nós já fizemos cena demais por um dia. - ela segurou o rosto dele por um momento, e Marcos sentiu a falta do toque quando se afastou.

— Está tudo bem mesmo?

Ela fez um gesto de descaso, como se não fosse nada. Como se absolutamente nada tivesse acontecido. Ele até teria acreditado, se ela tivesse olhado para ele quando fez isso.

Ele ligou para Giovanna, não confiando o suficiente em Penélope para lhe deixar sozinha enquanto ia até a filha lhe chamar pessoalmente.

*

— Aquela garota não gosta de você. - ela disse, assim que pararam num sinal vermelho.

Marcos ficou confuso, achando que ela falava com ele. Mas Penélope olhava para Giovanna por cima do ombro.

— A de cabelo rosa - esclareceu. - Que estava com você na mesa. Ela não gosta de você.

Giovanna riu, claramente sem acreditar. Cruzou os braços, olhando para Penélope.

— E como você saberia disso?

— Eu sei.

— Eu tinha esquecido como você é boa nisso. - Marcos resmungou, sem gostar do que tinha ouvido.

Penélope sempre tinha tido um faro para analisar as pessoas, algo que ele nunca conseguiu entender mas adora ver acontecer. Ela quase nunca errava.

— Ah, pai, me poupe, né. Que ideia mais sequelada. O que ela sabe dos meus amigos? - Giovanna revirou os olhos para ele, sem dar atenção.

— Giovanna. - era a voz de pai, que ele não usava com tanta frequência.

— Respeite seu pai - a voz de Penélope foi baixa e irritada, como um aviso.

A paternidade tinha sido uma eterna corda bamba para Marcos: ele não queria, jamais, ser como o pai, mas também não queria ser permissivo demais. E tinha passado tempo demais achando que era terrível, o pior pai possível, mesmo se esforçando para ser bom.

Pelo menos ele podia dizer que nunca tinha batido nela, ou gritado com Giovanna. Nunca tinha ofendido, ou lhe ignorado. Mas, mesmo assim, sentia sempre que estava falhando pelo menos um pouquinho com a filha. Aline dizia que era normal, que todo mundo se sentia assim, mas ele queria que não fosse.

Giovanna resmungou uma desculpa que não foi convincente, e então ignorou os dois até chegarem em casa. Marcos podia apenas imaginar o que ela tanto digitava no celular, provavelmente reclamando dele. Penélope balançou a cabeça para ele, como se soubesse que ele pretendia perguntar e isso fosse piorar as coisas, então eles seguiram em silêncio.

Quando estacionou em casa, Giovanna foi a primeira a sair, batendo a porta, e Marcos suspirou. Estranhamente, Penélope deixou escapar uma risada.

— O que?

— A sua filha é tão terrível quanto eu era - achou graça. - Você deve ter algum karma com adolescentes insuportáveis.

— Ah, mas isso não é justo com ela. Você era muito, muito, muito pior.

Eles riram, o ambiente ficando mais leve. Penélope ainda estava rindo quando apertou a sua mão, querendo lhe confortar.

— Toda adolescente é insuportável - falou devagar, querendo que ele entendesse - Você é um ótimo pai, não precisa se preocupar com isso. Um pai maravilhoso. Muito diferente do meu, muito diferente do seu... Você quebrou completamente a corrente, ok? E você tem razão, ela não é tão terrível assim.

O sorriso dela era tão brilhante, tão honesto, que Marcos acreditou. Sentiu vontade de chorar, mas se segurou. O momento estava bom e ele não iria estragar. Quis acreditar que ficaria tudo bem. 


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Notas finais do capítulo

Vocês acham que essa amizade sincera entre ex-namorados que estão morando juntos tem futuro?

Não esqueçam de curtir e comentar! ♥



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