Fúria escrita por alegrrdrgs


Capítulo 20
Capítulo 19 - Penélope (2022)


Notas iniciais do capítulo

Observação: as palavras em itálico nesse capítulo são ditas em francês, por isso alguns personagens na história podem não entender.



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"Don't blame me 

Love made me crazy

If it doesn't you ain't doin it right"

 

 

Depois de algum esforço para convencer Marcos que estava tudo bem e que queria conversar a sós com Franco, Penélope conseguiu ir para o quarto com ele. Os dois seguranças estavam na sala, parados como duas estátuas ao lado da porta. Ela não olhou para Marcos ou para Giovanna, que tinha acordado e fazia mil perguntas ao pai, antes de fechar a porta e ficar sozinha com Franco pela primeira vez em mais de um ano. 

— O que aconteceu com você, hein? - ele teve a audácia de brincar antes de lhe abraçar apertado, como se estivesse com saudades. Penélope o abraçou de volta, fungando - Como você veio parar aqui, queimada de sol como uma pescadora, morando com essa família?

— Como você... ? 

Ele se afastou, sentando na beirada da cama. Penélope podia ver como o comodo devia parecer aos olhos dele, um quarto pequeno e simples, com uma rede embolada em um dos lados. Ela não achou que ele iria até ali, e sim até a casa de Marcos. Aparentemente ele estava com pressa em chegar até ela, a ponto de investigar para onde eles tinham ido. A presença de Franco naquela casa era como a violação de um santuário, mas Penélope engoliu o sentimento.

Se sentou ao seu lado, pensando na última vez que tinham estado assim tão próximos. Ele acendeu dois cigarros, da cigarreira prateada que ela tinha lhe presenteado no seu último aniversário juntos, e lhe deu um.  

— Eu sinto muito. Eu queria ter feito alguma coisa, mas você sabe como Louis é - não tinha coragem de olhar para ela, Penélope percebeu. Ele sempre tinha sido um covarde. 

— Eu sei muito bem. Melhor do que você imagina. - ela riu sem achar graça, a voz embargada.

— Você devia ter me dito que estava grávida! Se eu soubesse... - acusou, e então balançou a cabeça. Quando ele lhe olhou novamente, seus olhos azuis estavam em dúvida, quase implorando - Ela era minha, não era?   

Penélope queria responder que a filha era dela e de mais ninguém.  Que depois do que os dois irmãos tinham lhe feito, seria um abuso quererem algum reconhecimento paterno. Mas ela sabia o que ele queria ouvir, então não foi esforço nenhum aperta sua mão livre e ficar emocionada.

— Eu deixei ele por você. Você sabe o que ele fez, não sabe? — Franco acenou com a cabeça, cabisbaixo. - Você não imagina o que eu passei... Você nunca vai conseguir entender o quanto eu sofri nas mãos dele.

— A minha filha... - sussurou, a voz embargada, lamentando. Penélope queria lhe bater. Que direitos ele tinha de lamentar a perda de Mia?

Ela se levantou e caminhou até a janela. Ficou grata pelo cigarro, pois lhe ajudava a se manter calma. Cobriu o rosto com as mãos, respirando fundo antes de lhe encarar novamente. Sabia como a luz 

— Por que você veio atrás de mim agora, Franco? Depois de tanto tempo.

— O meu pai morreu. Nós estamos brigando pela empresa, por tudo. Eu comecei a investigar sobre você porque achei que se descobrisse alguma coisa poderia usar contra ele. Ele me disse que você tinha perdido a bebê e então fugido de casa com um amante. Outro amante, foi o que ele disse. Eu não sabia que você estava grávida quando tudo aconteceu. Se eu soubesse... -  repetiu. Ele espalmou a mão sobre sua barriga vazia, como se esperasse que um filho brotasse ali entre eles dois. Quando os seus olhos se encontraram, Penélope ficou feliz em ver um reflexo da sua própria raiva. - Eu queria ele fora da empresa e fora do comando, Penélope, mas isso foi antes. Agora que eu sei o que ele teve coragem de fazer com a minha filha...

— Ele me arrancou da sua casa, agrediu nós dois em público, matou a nossa filha - endossouQuis acrescentar: e você deixou que ele me levasse, você permitiu que tudo acontecesse, mas se segurou. - Ele sabe que você está aqui? Ele sabe onde eu estou? 

Franco balançou a cabeça, com um olhar determinado.

— E você vai ter coragem de agir contra o seu irmão? Como eu sei que você não vai me abandonar de novo? 

Ela já sabia a resposta pela maneira como ele se empertigou, parecendo ofendido. Tão ávido para se provar, para mostrar ao mundo que ele era melhor que o irmão mais velho. Sempre tinha sido assim, bastava apenas uma pequena provocação e ele se transformava em um adolescente inconsequente, desesperado por atenção. 

— Ele matou a nossa filha, Penélope. Olho por olho, foi o que o meu pai me ensinou.

Foi uma das únicas coisas que o pai de Penélope tinha lhe ensinado, também. Ela se perguntou quanto tempo Franco demoraria para entender que, para ela, isso também incluia ele. Quando ele aproximou sua boca da dela, Penélope se deixou ser beijada.

— Você sempre vai ser a mãe da minha filha. Isso para mim vale mais que um casamento. Nós podemos ter tudo de novo, recomeçar de onde Louis nos interrompeu, e dessa vez tudo vai ser nosso. - ele fez um carinho no seu rosto, sério. Franco sempre parecia tão jovem, mesmo ali fazendo promessas de morte. Logo ele disse, em um tom de escárnio - E essa sua família substituta? Eu preciso me preocupar? 

Penélope devolveu o mesmo sorriso provocador. 

— Você é o pai da minha filha - usou as palavras dele, como sabia que ele gostava. Fazia com que ele se sentisse ouvido - Isso para mim vale mais que um casamento.

*

— Você me disse que não ia voltar para o seu marido! - Giovanna acusou. Estava chateada, falando alto, não queria que ela fosse. Gesticulava com as mãos enquanto falava - Qual é o seu problema? Por que você não quer ficar aqui com a gente? Você não pode ir assim! 

— Ele não é meu marido, Giovanna. - tentou lhe tranquilizar, e Penélope definitivamente não estava esperando sentir tanta vontade de chorar ao olhar para aquela garota irritada quanto sentiu. - Franco não vai me fazer mal algum. 

Giovanna olhou ao redor, exasperada. Estavam do lado de fora da casa, e Franco esperava por ela no carro com os seguranças. A película do carro era escura, mas Penélope podia sentir o olhar deles sobre ela, que estava parada na varanda da casa se despedindo. 

— Pai, faz alguma coisa! - exigiu, quase gritando. - Você vai deixar ela ir embora assim? 

Ela tinha tentado não olhar muito para Marcos. A expressão dele lhe fazia querer morrer. Se ele gritasse com ela, como Giovanna estava fazendo, talvez fosse mais fácil. Mas ao invés de raiva ele aparentava mágoa, o que era muito pior. Quando Marcos falou, sua voz estava limpa e ele olhava diretamente para Penélope:

— Ela não é nossa prisioneira, Giovanna. Pode ir quando quiser. 

Penélope deu um passo em direção a Giovanna, querendo lhe abraçar, mas a adolescente quase rosnou na sua direção, empurrando seus braços. Ela já não conseguia segurar suas lágrimas, e Penélope se sentiu terrível, como apunhalada no coração.

— Faz o que você quiser! A gente não dá a mínima! 

Ela marchou em direção ao carro de Marcos, batendo a porta do passageiro. Sozinhos, Penélope não podia evitar olhar para Marcos. Ela não sabia o que dizer. Ir embora no passado tinha sido muito mais fácil sem uma despedida, sem ter que ver a tristeza dele ao vivo e em cores. 

— Ela ficou chateada - ele constatou o óbvio. 

— Me desculpa. Eu não queria deixar ela triste. Ou você. 

— Eu te pedi pra ficar. Tantas, tantas vezes, Penélope. - ele parecia cansado, chateado. - Eu não vou pedir de novo, mesmo não querendo que você vá. Você não é criança, sabe o que faz. Se você acha que precisa disso, se acha que isso vai te fazer bem... Então o seu francês está te esperando no carro. Eu te vejo em casa. 

Marcos entrou no próprio carro, e Penélope girou para entrar no carro de Franco. Ele sorriu quando ela se acomodou ao seu lado. 

— A garotinha não gosta de você? O que ela estava gritando?

— Só brasilidades. Você não entenderia. 

Franco não insistiu, aproveitando o tempo na estrada para discutir detalhes da viagem. Ele tinha os documentos de Penélope, e pegariam um jato na noite seguinte. Lhe explicou que Caim, um dos seguranças que estava com ele e que tinha trabalhado para Louis no passado, tinha conseguido pegar eles na casa de Louis na Grécia. Ela ficou satisfeita em poder tê-los de volta, não só para sair do Brasil mas para poder ter mais liberdade de ir e vir quando voltassem para a Europa. 

Parariam primeiro na casa de Marcos para que Penélope pudesse pegar suas coisas, e ela não quis pensar como devia estar sendo o trajeto no carro de Giovanna e Marcos. Eles seguiam na frente, e boa parte das horas para voltarem à cidade Penélope ficou encarando as luzes traseiras do carro, tentando imaginar o que se passava dentro dele. Franco riu, questionando Penélope como tinha sido a estadia no Brasil depois de tantos anos, mas ela ignorou muitas de suas perguntas. Sua cabeça doía, um sentimento ruim que ela também resolveu ignorar. Franco não insistiu, se distraído com o celular.

Penélope não se esqueceria que o único motivo para ele ter lhe procurado, ter se informado se ela estava viva ou morta ou ainda uma prisioneira, era para usar essa informação contra o irmão. Principalmente, não se esqueceria que a única motivação para lhe ajudar era achar ser o pai da sua filha. Ela, sozinha, não bastava. Ela, que tinha comido o pão que o diabo amassou nas mãos de Louis. Ela, que quase morreu ao escapar dele e que carregaria as cicatrizes consigo para sempre, não era o suficiente. Mas ele tinha lhe dado os seus documentos e ele lhe ajudaria a agir contra Louis, e Penélope disse a si mesma que após isso tudo poderia se livrar dele também. 

E então... E então o que? Voltar para a casa de Marcos? Ela gostaria disso, mas era melhor não planejar tão a frente. 

Apesar da ansiedade, a estrada estava escura e o carro silencioso e gelado, e após um dia nadando sob o sol forte, ela acabou dormindo de cansaço. Quando acordou já estavam em frente à casa rosa, com uma enorme árvore na frente, que tinha lhe acolhido tão bem. Franco não entrou, mas mandou um dos seguranças lhe acompanhar. Era Caim, o mesmo que tinha trabalhado para Louis, e Penélope não tinha decidido se confiava nele ou não. Mandou que ele lhe esperasse na porta de entrada.

Giovanna se trancou no quarto assim que chegou, sem querer falar com Penélope. O corredor do andar de cima estava escuro exceto pela luz sob a porta de Giovanna, que foi exatamente onde Marcos parou. A voz dele estava diferente, entristecida.

— Espera aqui, vai. Ela vai se arrepender se não se despedir. 

— Ela não quer falar comigo, Marcos. Deixa, não vai obrigar. 

— Tem certeza. 

— Sim. Ela tá com raiva, eu entendo. Vai passar.

Já estava escuro, e quando abriram a porta do quarto de hóspedes Penélope sentiu o forte cheiro de gasolina. Marcos tossiu, cobrindo o rosto e a puxando para trás. Penélope ficou em alerta, mal se virou e deu de cara com Iago inclinado no batente da porta do quarto de Marcos. A pouca luz no corredor era suficiente para que ela o enxergasse agora.

— Eu não sabia qual era a sua cama - o corpo de Iago tremia, e o sorriso dele era grotesco. Ele abriu mais a porta, e o cheiro de gasolina ficou mais forte. - Então tive que molhar as duas. 

Marcos se colocou na sua frente, e tudo que Penélope podia pensar era em como tinha sido estúpida ao recusar a companhia do segurança. Ela abriu a boca para lhe chamar, mas Iago jogou o líquido sobre eles, rapidamente, e ela parou. Pouco respingou em Penélope, a maior parte estava na blusa de Marcos. Iago amassou a garrafinha pet que continha o líquido e a jogou no chão.

Sentiu o pânico surgir, tampando sua garganta e fazendo seu cérebro gritar. Ela tinha perdido Mia para o fogo, e agora perderia Marcos e Giovanna também. 

Se ela gritasse Caim viria correndo, mas ela tinha medo que não fosse rápido o suficiente. O líquido no seu corpo queimava suas narinas, e o irmão de Mimi tinha o isqueiro na mão, a porra do isqueiro que Giovanna tinha comprado para ela no que parecia uma vida atrás, e Penélope sabia que em segundos tudo ali poderia pegar fogo. Incluindo eles. Ficou grata por Giovanna estar trancada no quarto.

— O que significa isso, Iago? - ela tentou fingir calma, apertando a mão de Marcos para que ele entendesse que precisava ficar em silêncio. Ao fazer isso, percebeu que suas mãos também estavam pegajosas. Deu alguns passos em direção a Iago, devagar.

— Fica aí! - mandou, e então deu uma risada irônica - Você achou o que, hein, Pê? Que ia me passar pra trás e ia ficar por isso mesmo? Que mensagem isso fica pros outros? Que todo mundo pode fazer o que quiser e vai ficar por isso mesmo? 

— Como eu te passei pra trás? - o coração dela acelerou, e Penélope pensou que teria que viver tudo aquilo de novo. Ela não aguentaria viver tudo aquilo de novo. 

— Você sabe o quanto tá em dívida comigo? Fica me pedindo as coisas, pedindo e pedindo, e nunca me dá nada em troca. 

— Eu te dou o que você quiser. Hoje, agora. 

Penélope pensou que se ela conseguisse o enrolar por tempo suficiente, Franco e os seguranças estranhariam a sua demora e iriam atrás dela. Marcos estava tenso ao seu lado, sem conseguir disfarçar o quanto olhava para a porta de Giovanna, mas por sorte o foco de Iago não estava nele. Isso mudou assim que Penélope tentou se aproximar mais de Iago e Marcos apertou sua mão, não lhe deixando ir. Iago o empurrou contra a parede, o segurando pela camisa.

— E esse merdinha aqui... Nunca entendi que caralhos você viu nele. Vai, fala que vai quebrar a minha cara de novo agora, fala - ele riu. -  Agora não tá mais tão corajoso, né? Tem medo de fogo? 

Ela ficou feliz que Marcos tivesse o bom senso de não responder as provocações. Penélope sentia seu corpo tremer, tentando não deixar sua mente surtar. Sua vida era mesmo ridícula e uma grande piada. Mas... Mas Iago também estava molhado, e ele podia ser muitas coisas, mas era apaixonado demais por si mesmo para se colocar em risco. Era um teatro, ele queria apenas lhe assustar, e não devia saber que os seguranças já estavam ali. 

Marcos estava olhando para ela, preocupado, furioso, com medo por eles e por sua filha, à apenas uma porta de distância. Parecia esperar por algum direcionamento. Penélope resolveu se arriscar, mesmo que no passado não tivesse ajudado de muita coisa: gritou o mais alto que conseguiu por um segundo, antes de Iago avançar sobre ela, cobrindo a sua boca com as mãos assim que ambos tocaram o chão.

— Para com isso! Quer que os vizinhos escutem? 

Marcos o tirou de cima dela, puxando os braços de Iago para trás. Ele teve que se esforçar, porque Iago se remexia como um bicho sendo enjaulado. Penélope o chutou com força antes de bater na porta de Giovanna de uma forma tão desesperada que ela abriu, assustada com a cena que se deparou com corredor. Caim estava subindo as escadas com uma arma na mão, atento.

— O que... Que cheiro é esse? 

— Vai lá pra fora. Agora! - sibilou, e Giovanna começou a descer as escadas assustada, olhando para trás. 

— Pai? 

— Pra fora, Giovanna - foi o tom mais sério que ele usou para falar com ela durante todo o tempo que Penélope ficou hospedada ali. Ela arregalou os olhos para Penélope, questionando, e Penélope fez um sinal impaciente para que ela saísse logo.

— O que aconteceu, senhora? 

— Aconteceu que você é péssimo no seu trabalho, caralho. Isso que aconteceu. 

Iago parecia muito menos assustador com o rosto pressionado contra o chão, mesmo que ainda os xingasse, e Caim logo substitui Marcos, que desviou rapidamente de Penélope e entrou no quarto. Ela imaginou que ele estava com raiva, e com um olhar para que Caim não deixasse Iago sair de lá, o seguiu. O cheiro no quarto era muito mais forte e ela cobriu o rosto com as mãos, a cama e o tapete estavam enxarcados. 

— Marcos?

Ela o seguiu, e Marcos tinha jogado a blusa no chão e sua pele estava vermelha onde o líquido tinha tocado. Ele limpava com uma toalha molhada no banheiro, mas o cheiro no quarto era forte demais. 

— Esse bosta jogou em todas as roupas. - ele olhou para ela e Penélope pôde ver o quanto ele estava furioso. Deu um passo na sua direção e tocou o rosto dela, analisando sua pele, seu cabelo, mas quase nada tinha lhe tocado. A maior parte tinha caído sobre ele. - Vem, vamos descer, quero ver Giovanna.

Penélope não sabia o que dizer. Se sentia culpada, afinal ele bem que tinha brigado com ela por Iago ter ido até sua casa antes. E se ele tivesse feito alguma coisa com Giovanna? E se o segurança não estivesse lá? 

— Tira ele da minha frente - mandou. - Não quero ver nem ouvir ele, me entendeu? Com você eu converso depois. 

Iago ainda estava no chão do corredor, mas Caim logo o levantou, segurando suas mãos nas costas com força. 

— Eu vou acabar com a sua vida, me solta agora. Você sabe quem eu sou? - se sacudiu, mas Caim não se abalou, sequer entendendo o que ele dizia. Isso fez Penélope sorrir. 

— Não, Iago, ele não faz ideia. Ele só sabe quem eu sou, e são as minhas ordens que ele obedece. 

Ele começou a falar alto, entre xingamentos e tentativas de lhe convencer que era apenas uma brincadeira, mas Penélope fez um sinal para que o segurança o levasse logo. Ela se virou novamente para Marcos

— Marcos...

— Penélope, chega, tá bom? Não fala nada. Eu só quero ver a minha filha. 

Ele caminhou em direção a porta e Penélope pensou na ironia da sua estadia ali terminar daquele jeito. Quando tinha chego naquela casa, pensou que mesmo que Marcos não lhe deixasse ficar ela ainda assim gostaria de conversar com ele e pedir desculpas, e ele não apenas lhe deixou ficar como nunca exigiu perdão algum. E agora, com tudo que tinha acontecido entre eles, era Iago e ela quem arruivam tudo novamente. Era como estar presa no tempo. 

Eles estavam descendo as escadas quando Marcos segurou a sua mão. O segundo segurança tinha descido do carro e lhe aguardava na porta sala, com arma em punhos e atento a tudo que se movia, como se esperasse que uma orda de inimigos aparecesse a qualquer momento. Ela podia ver Penélope próxima ao carro, afilha e com os olhos vermelhos. A adolescente ficou aliviada quando os viu se aproximarem. Franco estava ao seu lado, também preocupado, e era a imagem mais esquisita que Penélope podia pensar, os dois ali um ao lado do outro. Marcos soltou sua mão assim que saíram da casa.

— O que aconteceu, mon coeur? 

Alguns vizinhos os olhavam das calçadas, curiosos. Penélope se sentiu como no dia que tinha chego ali naquela casa, alarmada por todos os olhares. Ela olhou ao redor, mas não viu Iago em lugar algum. Caim estava ao lado de Franco, e o outro segurança ao lado de Giovanna, que se adiantou para abraçar o pai. Franco se aproximou dela, preocupado.

— Onde ele está? - agora que seu pânico tinha passado, Penélope estava com raiva. 

— No nosso carro, amarrado. Tem muitas pessoas aqui, não da pra fazer muita coisa. 

 Eu quero que você dê um fim nele, Franco. Não quero nunca mais olhar para ele, entendeu?  

— É claro, querida.

Ele mal terminou de falar e a porta abriu, Iago correu até eles. Penélope não estava olhando na direção do carro, e demorou a entender o que acontecia quando os dois seguranças se posicionaram na frente dela e de Franco, um escudo humano. Os pulsos de Iago estavam vermelhos, como se tivessem apertados em algo, e ele ainda tinha o mesmo olhar dilatado e o corpo tremia como há momentos atrás. Tinha mesmo sido apenas alguns minutos atrás? Iago procurou por ela e, vendo que estava protegida, voltou sua atenção para os dois que não estavam.

Penélope gritou, mas nenhum dos três homens que estavam com ela se moveu. Os seguranças estavam preocupados em fazer o seu trabalho, e ela sabia muito bem que Franco não faria algo a menos que sua vida estivesse ameaçada. Como em um pesadelo, ela viu Iago avançar sobre Marcos com tanta força que o jogou no chão. Giovanna gritou, os vizinhos gritaram, e ela estava proxima o suficiente para ouvir o barulho que a cabeça de Marcos fazia contra o chão a cada vez que Iago a batia.

Seu olhar encontrou com o de Giovanna, aquela garota irritante e divertida que era uma pequena amostra de como as coisas poderiam ter sido em um universo diferente. O sangue de Marcos estava na calçada, e ela sentiu o seu próprio sangue ferver, seu coração acelerar, e não pensou duas vezes antes de enfiar a mão no casaco de Caim, puxando rapidamente assim que sentiu a firmeza da arma na sua palma.

Penélope já tinha atirado antes, em muitas ocasiões diferentes, mas nunca contra uma pessoa. Ela não contou os tiros. O primeiro foi o mais difícil, mirando em Iago sem o risco de atingir Marcos, com o espaço limitado que ela tinha entre os seguranças. Depois do primeiro, no entanto, eles se assustaram e abriram espaço para ela. Talvez eles tivessem lhe impedido se ela não tivesse sido tão rápida.

Iago caiu no chão, sangue saindo da sua boca, jorrando das feridas de bala. Giovanna ainda estava gritando, e Marcos tinha os olhos fechados. 

— Você enlouqueceu, Penélope? Vão chamar a polícia. Eu disse que íamos cuidar disso depois!

Ela não respondeu, se aproximando de Marcos devagar. Estava com medo. Morrendo de medo. A expressão dele era pacífica, e era quase como se estivesse dormindo. Giovanna estava ajoelhada de um lado, e Penélope se ajoelhou do outro. 

— Tire ele daqui. - indicou para Adrien, e ele logo arrastou o corpo do Iago para alguns metros longe deles. Penélope não queria que Marcos fosse sujo com o sangue dele. 

Ela não conseguia mais ouvir as palavras de Franco, ou dos vizinhos, e nem mesmo o que Giovanna lhe dizia. Sentiu seu corpo enrijecer como pedra quando tocou o rosto de Marcos e ele não reagiu. Sem um sorriso, sem um olhar preocupado, sem nenhuma resposta ao toque dela. Foi só quando viu suas lágrimas caírem na pele dele que Penélope percebeu que estava chorando.

Devia consolar Giovanna, falar para ela que tudo ficaria bem, mas não conseguiu. Os olhos de Giovanna já estavam inchados, mas Penélope se limitou a segurar a mão dela por cima do corpo de Marcos e não deixar que ninguém tocasse nele até que a ambulância chegasse. Ela viu Adrien tirar Iago do chão, o colocando no carro e dando partida. Provavelmente tinha levado a arma também, que já não estava mais ao lado de Penélope.  

Ela sentiu Franco se abaixar ao seu lado, tocando seu ombro.

— Eu vou cuidar de tudo. Não se preocupa com nada.

— Não tem câmeras aqui. - foi o que ela respondeu, sem  nem saber muito bem o que estava dizendo. - O nome dele é Santiago. Ele era traficante, quando era adolescente. Provavelmente ainda tinha negócios ilícitos. O pai dele é um pastor conhecido na cidade, tem muito dinheiro.

— Mais que eu? - Franco sorriu satisfeito quando ela negou. Parecia tranquilo, apenas um pouco incomodado - Então tudo bem. Nós damos um jeito e, se não dermos, vamos embora do país amanhã de qualquer jeito... Só preciso que você fique pra cuidar da tradução.

— Eu não posso deixar ela sozinha agora. 

— E eu não posso obstruir a justiça em francês - retrucou e ela odiava saber que era verdade.

Penélope se afastou para que os paramédicos levassem Marcos, pedindo que o levassem para o hospital onde ele trabalhava. Giovanna parou ao seu lado, confusa. Ela estava chorando de soluçar, assustada, e Penélope sentiu tanta raiva, de uma maneira que ela poucas vezes tinha sentido. De si mesma, e de toda a situação. Ela abraçou Giovanna, finalmente, e falou baixo para que ninguém mais ouvisse.

— Eu não posso ir com você. - ela fez um sinal, silênciando o protesto de Giovanna assim que começou - Vai com o seu pai, liga para a Lily, e pede pra ela ficar com você no hospital. Eu... a gente vai cuidar de tudo aqui. Não conversa com ninguém, não fala nada até eu te explicar  o que dizer.

— Papai vai querer te ver! E eu não quero ficar sozinha. - choramingou, e Penélope se sentiu péssima. 

— Vai ficar tudo bem - mas nem ela mesma acreditava naquilo.

— Não vai, não! - rebateu, com raiva. - Você tá inventando isso pra ir embora e me deixar sozinha!

— Vai com o seu pai - repetiu, firme, olhando nos olhos de Giovanna - Liga para Lily, eu vou te encontrar depois. 

Giovanna concordou relutante, subindo na ambulância, e olhou para trás. Penélope sabia exatamente o que ela estava vendo: uma mulher estranha, que tinha invadido sua casa e a sua vida, ao lado de uma poça de sangue do seu pai. Ela pensou que, naquelas condições, se alguém lhe dissesse que tudo ficaria bem ela também não teria acreditado.

 


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Notas finais do capítulo

É, gente, veio aí... A partir de agora é o que eu vou chamar de Dark!Penélope, que é basicamente ela sem o Marcos pra dar uma segurada enquanto ela se vinga de um monte de gente hahahahah Será que dá certo ou dá ruim?



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