Entre o Céu e a Terra escrita por Helgawood


Capítulo 7
Capítulo 7




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Sentia seu corpo confortavelmente quente. Abraçado pelo calor. O ar puro lhe dava a sensação de bem-estar, e o cheiro de carne a afastou do sono e despertou seu estômago. Se mexeu, mas sentiu a dor pungente em seu ombro e preferiu permanecer imóvel.

— Recomendo que não se mexa muito — alguém disse.

Muna abriu os olhos de supetão, assustada – não conhecia aquela voz – e encarou um rosto delicado e sorridente olhando-a. Percebeu então que não estava dentro da dungeon. Sentia o vento, o cheiro dos pinheiros, a grama sob sua mão e o calor da fogueira.

— Onde…? — Ergueu a cabeça olhando ao redor.

— Seu irmão está logo ali — Ele apontou para o outro lado. — Foi pegar mais gravetos pra fogueira.

Muna levou a mão para o ombro ferido e percebeu que sua túnica estava abaixada até a cintura e uma faixa cobria seus seios e o ombro esquerdo. Emitiu um som de susto, cobrindo-os com as mãos.

O homem de chapéu pontudo verde riu descontraidamente.

— Não precisa sentir vergonha. Graças a mim seu ferimento está tratado. Mas ainda precisa de cautela, foi um corte feio. — Observou ele.

— Você viu meus seios? — inquiriu ela.

— É essa a sua preocupação? — inclinou a cabeça e riu.

Ela virou o rosto para o lado, constrangida.

Não demorou para que Tamujin logo aparecesse trazendo gravetos em mãos. Ao ver a irmã acordada, ele estacou e suspirou aliviado.

— Como você está? — Ele se ajoelhou próximo a sua cabeça. — Sente alguma coisa? Alguma dor?

— Tirando a dor do meu ombro, só fome mesmo. — respondeu. — E... Tamujin, quem é ele? — ergueu a sobrancelha ao olhar para o homem desconhecido.

— Eu me chamo Yunan — ele respondeu, sorrindo. — É um prazer conhecê-la, princesa. Seu irmão aceitou minha humilde companhia. Ele dividiu fogo e comida comigo, e eu, da minha parte, cuidei do seu ferimento.

Tamujin sorriu grato ao homem, mas Muna ainda o olhava desconfiada.

— Tem minha gratidão, senhor Yunan. — disse estoica. Agora, ficarei mais grata se me derem um pouco de comida.

**

Sentados diante da fogueira, Tamujin cutucava o fogo com um graveto e Muna encarava Yunan. Era um homem estranho. Parecia ser um pouco mais velho que seu irmão, mas era tão delicado que parecia impossível estar perambulando por aquela região de mata. Além de suas roupas extravagantes, tinha consigo um bastão.

— Você irá conosco para Nargabad? — ela perguntou.

— Receio que não. Meu destino é outro lugar, bem longe das minas. Encontrá-los foi uma coincidência maravilhosa. — Seu sorriso era fácil.

— Eu que deveria dizer isso, Yunan — disse Tamujin. — Se não fosse você, Muna ainda estaria mal e talvez… não, é melhor não pensa nisso. Foi uma maravilhosa coincidência encontrá-lo, Yunan. Quando for a Olmak passe uns dias no palácio. Será nosso hóspede de honra.

— … Eu fico muito lisonjeado. — Ele coçou a cabeça, envergonhado e então pigarreou e mudou de assunto. — Senhorita Muna, eu poderia ver sua espada?

Ela piscou, até aquele momento não sentira falta de sua cimitarra. A bainha não estava em sua cintura, mas próximo aos objetos conquistados no calabouço, esquecido. Ela desembainhou a espada e a entregou para Yunan.

— Fique à vontade.

Ele a olhou minuciosamente e tamborilou os dedos sobre a estrela de oito pontas. A marca do djinn.

— Impressionante… — murmurou. — Recomendo que pratique bastante com sua espada agora, para que você e o djinn se conectem, e o magoi seja trocado de forma equivalente.

Muna e Tamujin piscaram surpreso.

— Já entrou numa dungeon, senhor Yunan? — perguntou Tamujin, curioso. — Parece saber tão bem sobre os equipamentos.

Yunan deu de ombros.

— Evito o máximo possível entrar numa dessas — riu. — Normalmente, eu as crio.

O espanto foi geral. Muna se inclinou para frente com os olhos sobressaltados, encarando o homem de vestes verdes e de rosto tão delicado e sereno.

— Você… as crias? — indagou Muna. — Então você é um…

— Magi — interveio ele.

—Isso é… incrível! — exclamou Tamujin, exultante. — Não acredito que estou diante de um mago da criação! Por que não me disse logo no início?!

Ele riu meio envergonhado, passando a mão pelos cabelos.

— Eu estava tão preocupado com a situação de sua irmã e com tanta fome que esqueci disso. — Deu um riso nervoso.

— Então essa dungeon foi você que ergueu? — indagou Muna.

O magi negaceou.

— Faz um tempo que deixe de erguê-las. Essa foi criada por outro magi. Estávamos perto de Kou, certo? Talvez o magi de lá tenha a erguido.

Muna ponderou.

— Sim, pode ser. O primeiro e o segundo príncipe de Kou estavam lá. O que aconteceu com eles depois que saímos?

— Provavelmente foram enviados a um local mais próximo de Kou. — Yunan respondeu. — É o que normalmente acontece. — Então bocejou. — Se me permitem, vou me deitar.

Muna olhou uma última vez para o irmão, boquiaberta. Estavam na companhia de um magi, algo que nem sequer seus irmãos haviam passado.

**

Muna ouvia com atenção a respiração pesada de Tamujin aos seus pés e o crepitar da fogueira que ia perdendo força. A princesa não conseguia dormir – ou melhor, recusava-se a isso. Em sua mente vinha em turbilhões os momentos dentro da dungeon e o quanto fora terrível.

Seus irmãos mais velhos haviam enfrentados diversas situações como aquelas, alguns voltando de mãos vazias, mas outras com o tão almejado prêmio: o djinn. Se eles haviam passado por desafios tão pesados quanto o dela, eles nunca haviam demonstrado. Riam e vangloriavam-se de seus feitos.

Mas ali no relento, Muna tinha medo de fecha os olhos.

— Senhorita Muna, — Yunan a chamou. Ele estava deitado próxima a cabeça da garota. — O que você vai fazer agora?

Olhou curiosa para o magi, mas ele a encarava com seriedade esperando uma resposta sincera.

— Volta para Nargabad. Cumprir meu dever com o rei, eu acho. Por quê?

— Você tem medo? — Seus olhos verdes não deixavam de fitá-la.

Ela abriu a boca, mas não emitiu nenhum som. Apenas aquiesceu.

— Por que as perguntas?

Ele sorriu.

— Acordei sem sono e vi que você estava acordada também. Desculpe incomodá-la. Posso fazer uma última pergunta?

Muna soltou um leve riso anasalada. Sentia que mesmo que negasse, o magi perguntaria de qualquer jeito.

— Você deseja poder?

Sem ser o som da respiração de Tamujin e o da fogueira, nada mais podia ser ouvido. Muna juntou as mãos sobre a barriga enquanto encarava o céu noturno.

Poder… ela queria poder?

— … é o que mais desejo. — disse ela, olhando as estrelas no firmamento. — Para qualquer rei ou rainha, o seu reino é o mais importante. O mais puro poder que se pode ter. É isso que quero! Em Olmak sou apenas a filha do rei com outra mulher, não recebo a atenção de uma princesa, o luxo, o poder… além do fato de minha mãe ter sido uma concubina, sou uma mulher o que pesa ainda mais em Olmak, onde uma mulher é duramente dependente de um homem. — Ela suspirou. — Eu venho lutando, conquistando tudo o que quero muito mais que meus irmãos, que recebem de mão beijada — encarou Yunan. — Se conquisto tudo com suor, não sou eu digna de poder? Não deveria ser eu uma rainha?

Yunan fechou os olhos e virou rosto. Por um momento pensara que a princesa fosse uma boa candidata para seguir e aconselhar, mas, assim como muitos, não passava de mais um focado na riqueza e ganância.

**

Aprontaram-se antes do amanhecer. Quebraram o desjejum com o pouco que tinha sobrado das provisões. Dividiram as bagagens sobre os castrados e partiram sobre a neblina e o orvalho da manhã. Yunan montara junto a Tamujin e o magi estava decidido a seguir o seu próprio caminho a pé pela estrada que desembocava entre as minas Nargabad e a aldeia, assim se despedindo dos dois.

Desmontou do cavalo com ajuda do príncipe.

— Tem certeza? — Tamujin perguntou. — Se for conosco para Nargabad poderá pegar um cavalo emprestado.

— Agradeço, vossa alteza, mas tenho meu meio de viajar

— Ao menos para pegar alguns suprimentos, Yunan — Muna sugeriu. — Magi ou não, precisa de comida.

— Eu agradeço muitíssimo, foram gentis comigo, mas tenho que ir senão me atraso mais do que é tolerável para um magi.

Muna sorriu e fez um breve maneio com a cabeça.

— Também lhe agradeço profundamente por ter nos ajudados.

— Lembre-se, se for para a capital, visite o palácio. Será bem-vindo. — Continuou Tamujin.

— Tenho certeza que sim.

Tamujin puxou a rédea, virando a cabeça do cavalo para a outra estrada. Entanto, Muna continuou no mesmo lugar, fitando o magi.

— Sobre ontem, Yunan… Eu… queria saber por que perguntou aquilo?

O magi mudou o peso de uma perna para a outra.

— Nada de mais, na verdade. Era apenas uma pergunta.

Muna olhou por sobre o ombro, verificando se o irmão estava longe o suficiente.

— Como magi, você acha que sou uma boa candidata? Seja sincero.

Ele ficou em silêncio por alguns longos segundos.

— Bom ou não, eu não tenho certeza. — Começou ele. — Você ainda é jovem, tem muito pra fazer antes de alguém julgá-la boa ou ruim. Mas tem um lado bom, Seire lhe escolheu. Talvez sua resposta esteja com ela.

Muna levou a mão ao cabo da espada. Ao menos o djinn a considerava uma boa candidata.

Ela fez uma mesura.

— Obrigada. Espero que possamos nos encontrar numa situação melhor. — Virou a cabeça do cavalo. — Boa viagem.

— Boa viagem.

A viagem prosseguiu em total silêncio, exceto pelos cascos dos cavalos. Tamujin e Muna não tinham muito o que falar e, de qualquer forma, preferiam ficar assim.

Embora a mina fosse desagradável, perigosa e insalubre, os dois ansiavam por chegar lá, ansiosos para ver Chatai e lhe mostrar os inúmeros ganhos. Além do mais, havia o pai. Acima de tudo, era a ele que eles queriam esbanjar suas conquistas.

Pararam diante a estrada que levava a enorme erosão que era a mina, e sorriram ao vislumbrá-la.

— Finalmente! — exclamou Tamujin. — O que será que aconteceu em nossa ausência?

Ali de longe a mina parecia intacta, exatamente igual ao dia que partiram escondidos, confiando Nargabad a seus soldados.

— Nada, espero. — Incitou o cavalo a andar. — Vamos? Temos feridas pra trata, cartas para escrever e homens pra comandar.

Tamujin sorriu e incitou seu castrado a acompanhar a irmã.


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