Entre o Céu e a Terra escrita por Helgawood
Atrás da mesa degastada de madeira, o diretor das minas espalhava pilhas de documentos sobre o objeto. A sua frente estava sentada os príncipes reais lendo os relatórios de despesas e gastos do lugar. Muna observara que a mina usava mais dinheiro do que era disponibilizado a eles, criando dívidas com o rei e seus ministros. A forma plausível para sana a dívida era extraindo mais minerais.
— Já tentaram cortar alguma coisa? — indagou Tamujin sem tirar os olhos do papel.
— Praticamente tudo, vossa alteza. Não há muita opção quando não se tem nada. — respondeu Chatai, descansando o rosto na mão fechada, com o cotovelo apoiado na mesa.
Muna franziu os lábios.
— Poderíamos pedir que trouxesse gado pra cá. Encontrar um bom lugar para uma fazenda.
— Pra quê? — Tamujin soergueu uma das sobrancelhas.
— Comida — respondeu Chatai. — Com uma fazenda próxima teríamos carne, grãos e leites exportados para cá. Os presidiários deixariam de comer sopa e pão-duro. Contudo, vossa alteza, se esquece que o terreno dessa área é infértil. Para tal coisa precisaríamos estender o território ao do Clã de Kouga.
— Não é má ideia. — Observou Tamujin. — O Clã de Kouga são nossos parentes.
— Parentes que escravizamos — retrucou muna. — Não temos nenhum laço sanguíneo com eles, apenas histórias.
— Servidão, Muna. Eles nunca foram escravizados por nós. — Tamujin corrigiu-a. — E isso foi na época de nosso bisavô, há décadas. Sua majestade fez questão de refazer a amizade.
Chatai suspirou.
— Como diretor, creio que os assuntos das minas devam permanecer no território de sua majestade. O Clã de Kouga nada tem a ver com nossos assuntos.
Tamujin pôs os papéis sobre a mesa suspirou, resignado.
— Então é melhor comprar chicotes e exigir que eles trabalhem o dia e a noite toda.
— Tamujin! — repreendeu Muna.
Ele deu de ombros.
— É só uma brincadeira, maninha.
— Não viemos pra cá para brincar, seu estúpido. — Virou-se para o diretor. — Peço desculpas por isso.
Chatai fez um gesto com a mão deixando o assunto de lado.
— Já pensei inúmeras vezes nisso. Acredito que sua majestade não impediria se eu pedisse sua permissão.
— Isso é ridículo! — Muna protestou.
— Mas um dia será necessário se nada for feito.
Tamujin cruzou os braços e refastelou na cadeira preguiçosamente.
— O que vamos fazer então?
— Não sei… realmente não sei. Será que sua majestade cederia mais dinheiro? — perguntou ela.
Chatai negaceou.
— Já pedi muito dinheiro ao rei nessa minha gestão. Pedi apenas 2% é capaz dele me tirar do meu posto.
Tamujin olhou para irmã.
— Alguma sugestão?
Ela fez um muxoxo.
— Cortar tudo, talvez. Administrar o dinheiro de forma que sobre no final do mês. Compra pouquíssimas coisas ou nada.
— Isso não parece uma solução — observou Tamujin. — Pode causa uma crise.
— É uma boa ideia — disse Chatai. — E os salários dos que trabalham aqui?
Muna ponderou.
— Talvez seja melhor não comentamos nada. Se eles vierem perguntar, podemos dizer que foi uma exigência do rei. Pode, sim, causa uma crise entre eles, mas será necessário. — Olhou para o irmão. — Tudo isso para prioriza um médico.
Muna esperou pela resposta de alguém, mas tanto Tamujin como Chatai pareciam ponderar sobre a questão. Era arriscado demais, pois ela desviava da vontade do pai em querer que a produção da mina aumentasse.
— Alguma outra sugestão, vossa alteza? — perguntou Chatai a Tamujin.
O príncipe entrelaçou os dedos e os colocou próximo a boca, pensativo. Logo depois negaceou.
— Não. Nada. Mas acho isso perigoso, Muna.
— Tudo aqui é perigoso. — Retrucou. — Senhor Chatai, creio que mesmo que sejamos filhos de sua majestade não podemos decidir qualquer coisa aqui sem antes sua autorização.
Ele empertigou as costas.
— Sinceramente, vocês estão aliviando as coisas para mim. Cortar absolutamente tudo é algo que desejei desde que administração desse lugar passou para mim. Na época já não tinha nada e pouco que recebíamos servia para pagar dívidas e salários. — Ele se inclinou para frente, apoiando os braços sobre a mesa. — Contudo, vossa alteza, onde fica a vontade de sua majestade nisso?
Muna deu um suspiro. Era certeza que se a ideia fosse acatada a produção diminuiria drasticamente e talvez complicaria mais o lugar. Ou não. A dívida que Nargabad tinha com o reino era grande por conta dos empréstimos, e a solução plausível para resolver era aumentando a produção de minérios.
— Pelo que vi nos documentos, não houve um aumento considerável tanto com sua gestão como a anterior — disse Muna. — E se a produção diminuir, o rei não ficara surpreso. A vontade dele será, sim, atendida. Mas primeiro vamos pensar nos que estão aqui para então agradar sua majestade. — Virou-se para o irmão. — Alguma objeção?
— Por um momento pensei está diante dele próprio — riu Tamujin, e então suspirou. — Concordo com minha irmã sobre cortar tudo, mas tem as pessoas da aldeia. Como eles ficarão?
— Bem, realmente não sei. Não há nada aqui pra aquelas mulheres e crianças.
— Então levá-los para de volta a capital? — Chatai soergueu uma das sobrancelhas.
— Podemos enviar uma carta ao rei sobre isso — sugeriu Tamujin. — Ele terá uma solução para isso. Afinal, se a aldeia for removida o reino não terá que se preocupar com despesas a mais com o de enviar comida pra eles mensalmente…
A discussão entre eles ocorreu por horas a fio. No fim, a proposta de Muna fora aceita e estavam prontos, apesar do receio, para cortar tudo. Chatai redigiu cartas para que fossem entregues aos fornecedores pedindo a comida mais barata que houvesse, pouco importava a qualidade. O dinheiro não seria mais gasto com vestimenta, tampouco com ferramentas de trabalho até a situação melhorasse. Para Muna, a melhora poderia vir em questão de dias e, então, produtos de melhor qualidade seriam trazidos e, principalmente, um médico e uma reforma na enfermaria.
A princesa foi deitar convicta que as coisas ocorreriam bem.
Se sentaram juntos na mesa do salão onde inúmeras mesas eram distribuídas. Sobre elas, bandejas improvisadas com pratos de metal servia a mesma refeição: Meio pedaço de pão e água.
— O que é isso! - esbravejou um dos condenados, batendo o punho sobre a mesa. — Por caso virei menos que um animal pra receber isso?
Chatai deu um breve suspiro.
— Apenas ignore, vossa alteza — disse ele a Tamujin e Muna. — Logo eles se aquietarão.
— Era melhor temos quebrado o dejejum no quarto, Muna, não aqui — Tamujin reclamou. Olhava para os homens sentados às mesas ao redor, todos com olhares frios e cruéis dirigidos a eles.
— Vossa alteza, talvez seja melhor saírem daqui — recomendou um dos soldados a Muna. A princesa negaceou.
— Eles estão apenas com fome. — Respondeu a ele. Virou-se para Chatai. — O senhor mencionou que o café da manhã era farto por causa do trabalho. Creio que esse seja meu primeiro erro, ter pedido para que diminuíssem a quantidade de comida nas refeições.
— Muna! — Tamujin reclamou. — Vai querer servir mais comida?
— Minha princesa, eles não são crianças. Não precisa atender à vontade deles com medo de que chorem. A maioria daqui são condenados, cometeram crimes horrendos e talvez mereçam menos do que a senhorita teve a gentileza de ceder.
Muna queria acreditar naquilo.
Subitamente, um prato foi arremessado na direção deles com brutalidade. Muna prendeu a respiração e sobressaltou os olhos, espantada. Um dos soldados puxou a espada da bainha e apontou para o condenado. Instantaneamente, o ar do salão ficou pesado e rarefeito.
— Tirem vossas altezas daqui! — Esbravejou Chatai aos soldados. Estava em pé olhando indignado para o homem que, em sua opinião, tentara contra a vida dos príncipes.
— Não! — Muna desvencilhou da mão de um soldado quando este tentou levá-la para fora. — Pare com isso, por favor. Não quero feridos ou mortos por aqui. — Estendeu as mãos para o condenado tentando aplacar a situação. — Eu peço desculpas…
— Muna! — censurou Tamujin. O príncipe era flanqueado por dois soldados da sua guarda, e ver sua irmã pedindo desculpas quando não havia erro algum era vergonhoso.
— Eu peço mil desculpas — continuou ela. — Isso foi erro meu. Agora mesmo vou pedir que traga mais de comida. — Virou-se para Chatai, as suas costas. —Senhor Chatai, por favor, traga mais comida.
Por alguns instantes Muna não entendeu a expressão assustada e retorcida do diretor. Apenas a compreendeu quando o soldado que a flanqueava a empurrou e, desferindo um corte cirúrgico, cortou a mão do condenado.
O grito ensurdecedor, a agonia e a confusão que sucederão a isso fez Muna congelar e lamentar sua existência.
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