Entre o Céu e a Terra escrita por Helgawood


Capítulo 3
Capítulo 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/810177/chapter/3

Atrás da mesa degastada de madeira, o diretor das minas espalhava pilhas de documentos sobre o objeto. A sua frente estava sentada os príncipes reais lendo os relatórios de despesas e gastos do lugar. Muna observara que a mina usava mais dinheiro do que era disponibilizado a eles, criando dívidas com o rei e seus ministros. A forma plausível para sana a dívida era extraindo mais minerais.

— Já tentaram cortar alguma coisa? — indagou Tamujin sem tirar os olhos do papel.

— Praticamente tudo, vossa alteza. Não há muita opção quando não se tem nada. — respondeu Chatai, descansando o rosto na mão fechada, com o cotovelo apoiado na mesa.

Muna franziu os lábios.

— Poderíamos pedir que trouxesse gado pra cá. Encontrar um bom lugar para uma fazenda.

— Pra quê? — Tamujin soergueu uma das sobrancelhas.

— Comida — respondeu Chatai. — Com uma fazenda próxima teríamos carne, grãos e leites exportados para cá. Os presidiários deixariam de comer sopa e pão-duro. Contudo, vossa alteza, se esquece que o terreno dessa área é infértil. Para tal coisa precisaríamos estender o território ao do Clã de Kouga.

— Não é má ideia. — Observou Tamujin. — O Clã de Kouga são nossos parentes.

— Parentes que escravizamos — retrucou muna. — Não temos nenhum laço sanguíneo com eles, apenas histórias.

— Servidão, Muna. Eles nunca foram escravizados por nós. — Tamujin corrigiu-a. — E isso foi na época de nosso bisavô, há décadas. Sua majestade fez questão de refazer a amizade.

Chatai suspirou.

— Como diretor, creio que os assuntos das minas devam permanecer no território de sua majestade. O Clã de Kouga nada tem a ver com nossos assuntos.

Tamujin pôs os papéis sobre a mesa suspirou, resignado.

— Então é melhor comprar chicotes e exigir que eles trabalhem o dia e a noite toda.

— Tamujin! — repreendeu Muna.

Ele deu de ombros.

— É só uma brincadeira, maninha.

— Não viemos pra cá para brincar, seu estúpido. — Virou-se para o diretor. — Peço desculpas por isso.

Chatai fez um gesto com a mão deixando o assunto de lado.

— Já pensei inúmeras vezes nisso. Acredito que sua majestade não impediria se eu pedisse sua permissão.

— Isso é ridículo! — Muna protestou.

— Mas um dia será necessário se nada for feito.

Tamujin cruzou os braços e refastelou na cadeira preguiçosamente.

— O que vamos fazer então?

— Não sei… realmente não sei. Será que sua majestade cederia mais dinheiro? — perguntou ela.

Chatai negaceou.

— Já pedi muito dinheiro ao rei nessa minha gestão. Pedi apenas 2% é capaz dele me tirar do meu posto.

Tamujin olhou para irmã.

— Alguma sugestão?

Ela fez um muxoxo.

— Cortar tudo, talvez. Administrar o dinheiro de forma que sobre no final do mês. Compra pouquíssimas coisas ou nada.

— Isso não parece uma solução — observou Tamujin. — Pode causa uma crise.

— É uma boa ideia — disse Chatai. — E os salários dos que trabalham aqui?

Muna ponderou.

— Talvez seja melhor não comentamos nada. Se eles vierem perguntar, podemos dizer que foi uma exigência do rei. Pode, sim, causa uma crise entre eles, mas será necessário. — Olhou para o irmão. — Tudo isso para prioriza um médico.

Muna esperou pela resposta de alguém, mas tanto Tamujin como Chatai pareciam ponderar sobre a questão. Era arriscado demais, pois ela desviava da vontade do pai em querer que a produção da mina aumentasse.

— Alguma outra sugestão, vossa alteza? — perguntou Chatai a Tamujin.

O príncipe entrelaçou os dedos e os colocou próximo a boca, pensativo. Logo depois negaceou.

— Não. Nada. Mas acho isso perigoso, Muna.

— Tudo aqui é perigoso. — Retrucou. — Senhor Chatai, creio que mesmo que sejamos filhos de sua majestade não podemos decidir qualquer coisa aqui sem antes sua autorização.

Ele empertigou as costas.

— Sinceramente, vocês estão aliviando as coisas para mim. Cortar absolutamente tudo é algo que desejei desde que administração desse lugar passou para mim. Na época já não tinha nada e pouco que recebíamos servia para pagar dívidas e salários. — Ele se inclinou para frente, apoiando os braços sobre a mesa. — Contudo, vossa alteza, onde fica a vontade de sua majestade nisso?

Muna deu um suspiro. Era certeza que se a ideia fosse acatada a produção diminuiria drasticamente e talvez complicaria mais o lugar. Ou não.  A dívida que Nargabad tinha com o reino era grande por conta dos empréstimos, e a solução plausível para resolver era aumentando a produção de minérios.

— Pelo que vi nos documentos, não houve um aumento considerável tanto com sua gestão como a anterior — disse Muna. — E se a produção diminuir, o rei não ficara surpreso. A vontade dele será, sim, atendida. Mas primeiro vamos pensar nos que estão aqui para então agradar sua majestade. — Virou-se para o irmão. — Alguma objeção?

— Por um momento pensei está diante dele próprio — riu Tamujin, e então suspirou. — Concordo com minha irmã sobre cortar tudo, mas tem as pessoas da aldeia. Como eles ficarão?

— Bem, realmente não sei. Não há nada aqui pra aquelas mulheres e crianças.

— Então levá-los para de volta a capital? — Chatai soergueu uma das sobrancelhas.

— Podemos enviar uma carta ao rei sobre isso — sugeriu Tamujin. — Ele terá uma solução para isso. Afinal, se a aldeia for removida o reino não terá que se preocupar com despesas a mais com o de enviar comida pra eles mensalmente…

A discussão entre eles ocorreu por horas a fio. No fim, a proposta de Muna fora aceita e estavam prontos, apesar do receio, para cortar tudo. Chatai redigiu cartas para que fossem entregues aos fornecedores pedindo a comida mais barata que houvesse, pouco importava a qualidade. O dinheiro não seria mais gasto com vestimenta, tampouco com ferramentas de trabalho até a situação melhorasse. Para Muna, a melhora poderia vir em questão de dias e, então, produtos de melhor qualidade seriam trazidos e, principalmente, um médico e uma reforma na enfermaria.

A princesa foi deitar convicta que as coisas ocorreriam bem.

 

Se sentaram juntos na mesa do salão onde inúmeras mesas eram distribuídas. Sobre elas, bandejas improvisadas com pratos de metal servia a mesma refeição: Meio pedaço de pão e água.

— O que é isso! - esbravejou um dos condenados, batendo o punho sobre a mesa. — Por caso virei menos que um animal pra receber isso?

Chatai deu um breve suspiro.

— Apenas ignore, vossa alteza — disse ele a Tamujin e Muna. — Logo eles se aquietarão.

— Era melhor temos quebrado o dejejum no quarto, Muna, não aqui — Tamujin reclamou. Olhava para os homens sentados às mesas ao redor, todos com olhares frios e cruéis dirigidos a eles.

— Vossa alteza, talvez seja melhor saírem daqui — recomendou um dos soldados a Muna. A princesa negaceou.

— Eles estão apenas com fome. — Respondeu a ele. Virou-se para Chatai. — O senhor mencionou que o café da manhã era farto por causa do trabalho. Creio que esse seja meu primeiro erro, ter pedido para que diminuíssem a quantidade de comida nas refeições.

— Muna! — Tamujin reclamou. — Vai querer servir mais comida?

— Minha princesa, eles não são crianças. Não precisa atender à vontade deles com medo de que chorem. A maioria daqui são condenados, cometeram crimes horrendos e talvez mereçam menos do que a senhorita teve a gentileza de ceder.

Muna queria acreditar naquilo.

Subitamente, um prato foi arremessado na direção deles com brutalidade. Muna prendeu a respiração e sobressaltou os olhos, espantada. Um dos soldados puxou a espada da bainha e apontou para o condenado. Instantaneamente, o ar do salão ficou pesado e rarefeito.

— Tirem vossas altezas daqui! — Esbravejou Chatai aos soldados. Estava em pé olhando indignado para o homem que, em sua opinião, tentara contra a vida dos príncipes.

— Não! — Muna desvencilhou da mão de um soldado quando este tentou levá-la para fora. — Pare com isso, por favor. Não quero feridos ou mortos por aqui. — Estendeu as mãos para o condenado tentando aplacar a situação. — Eu peço desculpas…

— Muna! — censurou Tamujin. O príncipe era flanqueado por dois soldados da sua guarda, e ver sua irmã pedindo desculpas quando não havia erro algum era vergonhoso.

— Eu peço mil desculpas — continuou ela. — Isso foi erro meu. Agora mesmo vou pedir que traga mais de comida.  — Virou-se para Chatai, as suas costas. —Senhor Chatai, por favor, traga mais comida.

Por alguns instantes Muna não entendeu a expressão assustada e retorcida do diretor. Apenas a compreendeu quando o soldado que a flanqueava a empurrou e, desferindo um corte cirúrgico, cortou a mão do condenado.

O grito ensurdecedor, a agonia e a confusão que sucederão a isso fez Muna congelar e lamentar sua existência.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre o Céu e a Terra" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.