Entre o Céu e a Terra escrita por Helgawood


Capítulo 14
Capítulo 14




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— Você não parece bem hoje, Muna — observou a primeira princesa de Kou. — Está se sentindo bem?

Muna levantou o olhar para princesa ao seu lado. Estava tão perdida em pensamentos que havia se esquecido que estava com Hakuei.

A princesa de Kou gentilmente a convidara para passar um tempo na biblioteca, mostrando-lhe os livros favoritos e objetos de estudo. O acervo de Kou era rico, com documentos jamais vistos por outras pessoas, de culturas extintas, pegos, obviamente, de reinos subjugados por eles. Havia também pergaminhos sem tradução para língua comum, lidos pelos príncipes que tinham conhecimento sobre a lendária Alma Torran.

— Eu estou bem... — sussurrou, e então sorriu para confirmar. —  Estou muito bem. Se incomodaria se eu terminar de ler este livro no meu quarto?

Hakuei segurou seu pulso, impedindo a intenção da princesa de levantar-se.

— Está nervosa, não é? — Perguntou gentilmente, inclinando a cabeça. — Não precisa ficar. Koumei é um ótimo guerreiro e um homem gentil, também. Com certeza ele vai pegar leve com você. Creio que ele irá desistir. Conheço bem ele.

— Mesmo? — Seus olhos brilharam com a esperança e no mesmo instante sumiram, sendo coberto pela sombra. — Acha que a imperatriz sabe disso?

— Creio que não. — respondeu. — Quando ela está com os sacerdotes são poucas as coisas que chama a atenção dela. Um duelo com Koumei não deve parecer importante para ela.

— Mas... eu sou uma convidada — Justificou sua preocupação. —, deveria manter respeito por ela e por sua família! É apenas meu segundo dia aqui e olhar o que estou fazendo! Eu deveria estar focada no que vim fazer aqui.

Hakuei folheava seu livro pouca interessada na preocupação de Muna.

— Olha, — começou ela com um suspiro. — Você não teria vindo pra cá se não tivesse capturado o Djinn, certo? Sua preocupação é totalmente voltada a imperatriz, quando na verdade também deveria se preocupar com Kouen e Koumei. Foi deles que você tirou o Djinn.

Ficou em silêncio. Hakuei estava certa. Temia a imperatriz pelo poder que ela exercia e por ser a toda soberana do império, mas não dava o devido valor aos príncipes.

O fantasma do conflito começara dentro da Dungeon, então por que pensara que só a imperatriz era o inimigo? Eles podiam muito bem começar uma guerra sem a necessidade da permissão de Gyokuen.

— Olhe, Muna, — chamou Hakuei, séria. — há uma tensão no palácio que você ainda não presenciou. Por isso tome muito, muito cuidado com que diz e faz por aqui.

Muna a olhou curiosa e indagou que tensão seria essa. Todo palácio tinha um ar pesado e cruel. Poderia Kou está abalado internamente? Não, pensava ela, isso era impossível. O grande império tinha inúmeros reinos subjugados, reis e príncipes sobre seu controle. Então que tensão seria essa? 

— Obrigada. — disse. — Tomarei cuidado.

Naquele momento, Nida entrara na biblioteca e se aproximou de Muna, segredando algum em seu ouvido. Ela se afastou e a princesa olhou surpresa para Hakuei.

— A imperatriz deseja me ver.

— Então vá. — disse Hakuei lhe sorrindo. — É melhor não a deixar esperando. Quando voltar podemos jantar juntas, vou chamar Kougyoku para se juntar a nós.

Muna aquiesceu veemente, contente pelo convite e saiu do aposento acompanhada pela dama de companhia.

— Sabe por que a imperatriz deseja me ver? — Perguntou enquanto davam pelos corredores.

A dama de companhia negaceou.

— Uma criada foi até seu quarto e me pediu para chamá-la, apenas isso. — respondeu. — Ela está no gabinete.

A princesa mordeu os lábios, receosa. Não imaginava que a imperatriz a chamaria tão cedo, tampouco que ficaria a sós com ela.

— Será que é por causa do que aconteceu mais cedo?

—Se os príncipes não se incomodaram, por que ela iria?

Muna tentou pensar nisso, mas era complicado imaginar outra coisa que não fosse uma reclamação da imperatriz.

Diante a porta do gabinete, empertigou as costas e esperou ser anunciada para que entrar.

A imperatriz Gyokuen estava sentada em um sofá mogno de estufado vermelho, com uma pequena mesa que dividia o móvel em dois. Estava rodeada por damas de companhia e criadas. Uma lhe estendeu uma bandeja com uma xicara de chá. Ela pegou, cheirou a bebida e pôs de volta na bandeja.

— Pode levar. — disse, dispensando a mulher que saiu do aposento levando a bandeja para fora. — Que bom que veio, Muna, eu precisava falar com você! Venha, sente-se ao meu lado.

Ela respirou fundo, fez uma reverencia com as mãos juntas e se sentou ao lado dela. Estava tensa e assustada e, pelo seu conhecimento, sabia que tinha de se sentar em uma cadeira ou qualquer assento próximo, e não ao lado dela.

— O que está achando de Kou?  — A pergunta simples a deixou surpresa.

— É um lugar impressionante, majestade. — respondeu. — É o palácio mais suntuoso que já vi. Eu adoraria poder conhecer a cidade, também.

A imperatriz sorriu.

— Tudo ao seu tempo. — disse. — Eu a chamei porque me senti mau em não poder lhe fazer companhia ontem. Estava tão cheia de compromissos que não conseguir lhe dar a devida atenção.

Abriu de leve a boca, surpresa. Estava aguardando qualquer coisa, menos aquilo. Jamais imaginara a imperatriz de Kou humilde.

— Eu entendo seu trabalho, majestade. — disse. — Espero que minha presença não esteja lhe aborrecendo.

— Não, nem um pouco. —  Segurou a mão de Muna. — Você veio em uma ótima hora, na verdade. É sua primeira viagem diplomática, não é? Eu sei como pode aparecer assustador.

Muna franziu os lábios.

— Hm... Já que mencionou isso. — começou ela, hesitante, talvez ousando de mais. — Poderíamos falar sobre...

— Primeiro — interveio Gyokuen, levanto o dedo em riste. O movimento de sua roupa soltava um cheiro delicado. — Um chá. Depois poderemos conversar sobre tudo que quiser.

Uma das criadas presente no aposento saiu e voltou logo depois com uma bandeja de chá. Muna bebericou o líquido quente e esforçou-se para não fazer uma careta ao sentir o gosto amargo na boca. Por outro lado, os biscoitos amanteigados eram deliciosos.

 Pôs a xicara no lugar e esperou a imperatriz terminar o dela para que pudessem conversar.

— Então, o que gostaria de falar? – perguntou Gyokuen.

Puxou o ar para o peito, tomando coragem e disse:

— Sobre a aliança entre vosso império com o reino de meu pai, a sua majestade Faizel.

— É uma boa aliança, não acha? — perguntou Gyokuen, cruzando as pernas. — Hakutoku foi quem insistiu nisso e prosperou bem no governo dele. Por outro lado, Koutoku foi rigoroso e criou outras tantas alianças com Olmak. — Ela sorriu. —É ótimo saber que temos um vizinho cheio de recursos naturais.

— Espero que essa aliança possa pendurar por muitos anos.

— Claro! E por que não? Somos vizinhos, aliados e bons comerciantes. Olmak sempre teve a proteção de Kou graças a Hakutoku. Nunca exigimos nada apenas que fossem nossos aliados e, ainda assim — seu tom de voz então mudou; era frio e cruel. —, ousaram nos desafiar!

Encolheu os ombros ao sentir um arrepio percorrer a espinha. De repente estava sem saber o que fazer e o que dizer. Se pedisse desculpas estaria se humilhado e humilhado Olmak também. Mas se não dissesse nada estaria sendo covarde, uma refém e, definitivamente, ela não era isso.

— De modo algum queríamos desafiar vocês — começou Muna, com a voz baixa, temendo ofendê-la. —  Não tínhamos conhecimento de que a dungeon foi erguida pelo Magi de Kou, tampouco que era para um dos príncipes conquistá-la. Não vou pedir desculpar por isso, pois não vejo necessidade. Vocês são fortes. um Djinn a menos ou a mais não faz diferença, creio eu.

 Por alguns instantes, a imperatriz olhou Muna longamente com o olhar indiferente, frio. A princesa tentou não se abalar com isso, mas soltou um suspiro de alívio quando ela riu.

— Aí, Muna, você é engraçada! — disse, escondendo o leve riso com a mão. — Agora entendo por que seu pai a enviou. E não se preocupe; com certeza vamos contornar esse problema. Não vamos acabar com séculos de amizade por causa de um djinn, não é mesmo?

 — N... não. — Balbuciou. Segurava as mãos com força, pois estava tremendo.

— Aceita mais um pouco de chá? — perguntou Gyokuen, estendendo sua xicara para que uma criada a enchesse. — Não? Tudo bem. Bom, não quero prende-la aqui comigo, então está liberada. Amanhã podemos conversar mais um pouco, e quem sabe posso te apresentar a alguns dos meus amigos?

A princesa aquiesceu, e pôs-se de pé. Fez uma reverencia antes de sair, entanto, antes que porta fosse aberta para ela, Gyokuen a chamou:

— Saiba que você é muito especial pra mim, Muna. Escreverei a Faizel dizendo o quanto você admirável.

— O-obrigada, vossa majestade.

Fora do gabinete, a princesa se debruçou sobre a balaustrada da varanda. Estava tremendo e suando frio. Não entendia seu medo por Gyokuen, afinal ela tinha sido gentil e se preocupava com Olmak. Então por quê?

Indagando e tentando controlar seu medo, viu uma borboleta preta pousar sobre sua mão. Ela ficou ali por alguns instantes mexendo suas asas e então tomou voou e sumiu no ar.

— Está se sentindo bem? — Alguém lhe perguntou.

Olhou sobressaltada em direção a voz e encontrou o irmão de Hakuei, o príncipe Hakuryuu, a encarando.

Ela o reverenciou e respondeu:

— Estou bem, sim. Obrigada.

— Tem certeza? — Ele inclinou a cabeça.

— Absoluta. — respondeu. — Talvez o fato de estar longe de casa ainda esteja me incomodando um pouco.

— Entendo — disse Hakuryuu, seu olhar a prescrutava minuciosamente. — Todos desejavam estar em qualquer lugar do mundo do que em Kou. — Quando ela o encarou surpresa, perguntou: — Estava com a imperatriz?

Ela aquiesceu.

— Eu sei como uma simples conversar com ela pode se transformar num pesadelo. — disse e caminhou até ela. —Sua dama de companhia não está aqui, não é? Eu vou te ajudar. Onde fica seu quarto?

O príncipe estendeu o braço a ela, que aceitou.

— Eu... Eu tenho um jantar com sua irmã, se poder me levar até ela eu ficarei imensamente agradecida.

Hakuryuu levou Muna até os aposentos de sua irmã mais velha, onde a princesa ficou até terminar o jantar. Comer com Hakuei e Kougyoku serviu para que Muna se distraísse e esquecesse por um tempo o medo que estava sentindo da imperatriz.

Arroz frito, chop suey, guioza e frango kung pao faziam parte da farta ceia oferecida por Hakuei.

— Há algum que preciso lhe falar. — disse Hakuei, pegando Muna de surpresa. —  Como tinha avisado mais cedo sobre Koumei, ele pediu que lhe avisasse que não poderá duelar com você amanhã.

Muna não escondeu o sorriso de alívio. Não sabia se conseguiria lutar com o príncipe Koumei depois da conversa que teve com a imperatriz. Na verdade, precisava pensar no meio de se aproximar dos dois e conversar sobre a relação de Kou e Olmak e o que o Djinn que haviam perdido significava para eles.

Kougyoku olhou surpresa para Muna e indagou:

— Você ia lutar com Koumei?

— Mas foi o segundo príncipe que decidiu isso. — Não queria que a quarta princesa pensasse outra coisa.

Ao retomar para seu quarto, a princesa se sentou em sua escrivaninha e pediu a dama de companhia folha e tinta para que escrevesse uma carta.

Meu amado rei e pai

 Espero que ao ler esta carta já tenha recebido a outra que lhe enviei e que a tenha respondido. Aguardo ansiosa por uma resposta sua e dos meus irmãos. Não quero que pense que estou com medo ou sendo sentimental demais, mas sinto muita sua falta. Na verdade, de tudo. Desde os pássaros, ao vento. Das pessoas aos animais. Kou é frio e não estou falando do clima. O senhor já veio aqui e talvez saiba do que estou falando.

Hoje conversei com a imperatriz sobre nossa aliança, aparentemente ela não gostou de eu ter conquistado a dungeon e disse que nos ousamos desafiar Kou e entre outras coisas. Ela também disse que, em suas palavras, “não ia acabar com séculos de amizades por causa de um djinn” e que “vamos contornar esse problema”. Sinceramente, ela me causa medo e desconfiança.

Peço que escreva urgentemente dando instruções de como proceder a partir de agora.

Afetuosamente,

Sua filha, Muna.


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