Entre o Céu e a Terra escrita por Helgawood


Capítulo 11
Capítulo 11




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/810177/chapter/11

— Vamos lá, Muna! — gritou Batbayar, seu irmão do meio. — Me mostre!

Com as mãos apoiadas no joelho, a garota ofegava e suava. O treino tinha começado de manhã, antes do sol nascer e agora, início da tarde, ainda não haviam parado. Batbayar exibia seu físico invejável e habilidades sem aparentar cansaço algum, diferente da irmã.

— Ih, acho que ela já se cansou! — caçoou Ganbaatar, o herdeiro. — Mostre do que é capaz, Muna!

Ganbaatar estava reunido com alguns soldados do lado oposto do pátio de treinamento, sobre a sombra do telhado. Estavam todos curiosos para ver o mais novo djinn adquirido.

— Eu não tenho culpa que meu ombro ainda ‘tá ruim! — gritou em resposta.

Batbayar se posicionou para atacar.

— Inventa outra, maninha.

O segundo príncipe correu em sua direção e deslizou a espada em um corte vertical. Muna defendeu com a cimitarra, mas o impacto a fez cambalear para trás. As lâminas se chocavam e dançavam. Vez ou outra Muna dava um salto para atrás a fim de recuperar folego, defender e atacar.

— Não está tão ruim quanto imaginava por ficar tanto tempo fora.  — Ele abaixou a espada, colocou a mão na cintura e deu um sorriso debochado: — Me mostre seu djinn, Muna. Ou é fraca demais? Estou vendo que o conquistador deveria ser o Tamujin.

De fato, estava exausta, seus irmãos pegaram pesado no treinamento, mas não deixaria o irmão debochar tão facilmente assim. A princesa deu um sorriso de lado e apertou o punhal da cimitarra com força. Seire havia lhe escolhido entre tantos candidatos dentro da dungeon, melhores do que ela em habilidade e em política.

Mas a escolhida fora ela, no final das contas, e tinha que mostrar por quê.

Respiro fundo e ergueu a espada sobre a cabeça. O octagrama de sua lâmina brilhou e, em voz alta, ordenou:

— Apareça, Seire!

Ao seu comando, uma densa nuvem negra surgiu do chão e subiu engolindo a princesa.  Dentro daquela nuvem, Muna se sentiu como num casulo, protegida de qualquer coisa externa, até mesmo da luz do sol. Enxergava seus irmãos e os soldados com dificuldades, mas conseguia ver nitidamente as sombras deles no chão.

Brandiu sua espada em um corte horizontal, dissipando a nuvem escura. Livre de seu casulo, percebeu que seus irmãos a olhava assustados e era até compreensível, afinal até ela havia também se assustado.

A lâmina de sua cimitarra estava preta e fumaça escura saia dela.

— Isso é incrível… — murmurou ela, impressionada.

— Muna! — chamou Batbayar. — Você está bem?

Ela não respondeu, estava concentrada demais em sua espada para presta atenção em seu irmão.

— Me ataque! —gritou ele, pondo-se em posição. — Vamos ver do que você é capaz agora.

Ela aquiesceu veementemente. Segurou a espada com as duas mãos e a sentiu pulsar entre seus dedos, como se tivesse ganhado vida própria.

Batbayar correu em sua direção pronto para o ataque, mas Muna sequer precisou se defender; assim que ficou perto suficiente da irmã, parte da sombra deslizou da lâmina e bloqueou o ataque.

O segundo príncipe foi para trás, boquiaberto.

— Você fez isso? — perguntou espantado.

Ela negaceou, olhando embasbacada para a espada.

— Foi sozinho... — Ela se posicionou com um sorriso debochado. — Quer ir de novo?

— Chega! — Interveio Ganbaatar, sério, abandonando seus soldados e se aproximando dos irmãos.

Ele pôs a mão no ombro de Muna.

— É melhor paramos por aqui. Seu Djinn parece incrível, Muna, parabéns.

Muna não queria parar agora que seu djinn havia se manifestado, mas algo no olhar de seu irmão mais velho obrigou-a aceitar. Aos poucos a sombra em volta da lâmina se dispersou, voltando a cor natural guardou a cimitarra na bainha.

— Isso foi muito interessante — comentou Batbayar. — E assustador também. Muna deveria continuar treinando até desenvolver o djinn equip.

— Mais tarde vemos isso. — disse Ganbaatar, virando nos calcanhares— Por enquanto é melhor focar no corpo a corpo.

(...)

Três meses haviam se passado excepcionalmente rápido para Muna. Nesses 90 dias, a princesa se dedicou aos estudos sobre império Kou e aos treinos, como Yunan lhe falaram meses atrás. Agora se preparava para viagem e, embora estivesse esperando por aquele momento, em frente ao espelho sentia medo pela primeira vez.

— Pode entrar! — respondeu a leve batida na porta.

Seu irmão Tamujin entrou e a olhou de cima a abaixo.

—Estou vendo que trocou de roupa. — comentou ele.

Sobre a cama estava um delicado sarafan azul que Muna nem chegara a experimentar.

A princesa usava um vestido verde de manga longa bordado com fios dourados na barra. Por cima, ia um colete longo de veludo verde escuro com padrão de flores dourada. Fez duas tranças simples no cabelo e colocou um toucado da mesma cor que a de seu colete.

— Prefiro meu próprio estilo. — Ela pôs as mãos na cintura. — Uma verdadeira princesa nômade, não acha?

Tamujin se sentou descontraído na cama.

— E trocou a liteira por um cavalo...

—Nasci e cresci sobre o lombo de um cavalo. — disse. — Chegarei lá representando Olmak em todos os sentidos.

Tamujin então deu um sorriso triste. A irmã se admirava no espelho, a roupa realmente cairá bem ao invés das costumeiras calças que usava, mas o irmão mais novo dos homens se sentia incomodado com a responsabilidade atribuída a irmã.

— Muna, — chamou ele. — E se fosse ao contrário?

Ela o olhou pelo reflexo do espelho. E se fosse Tamujin…, pensou.

Era isso que todos queriam e, talvez, bem lá no fundo, desejasse isso também depois de tudo. Ser um receptáculo de rei sempre foi seu sonho e o tinha realizado, mas agora estava custando muito.

Ela balançou a cabeça, dissipando tais pensamentos. Tinha que se grata, finalmente estava trabalhando em algo grandioso para o pai e para o reino.

— Bem, se fosse ao contrário, você é quem seria o receptáculo de rei! — respondeu, por fim.

— E você não precisaria ir pra Kou sozinha. — disse ele. — Nossas vidas seguiriam normais.

— Somos filhos de um rei, Mujin, não temos vidas normais. — respondeu ela, soerguendo uma das sobrancelhas. — Olha, não precisa ficar triste, está tudo bem pra mim. Vou volta em dois meses e farei o possível para que Kou seja nosso aliado.

O príncipe deu um profundo suspiro e inclinou a cabeça.

— … eu fico pensando como seria se fosse eu.  — a olhou então, profundamente. — O que você acha que aconteceria?

Muna engoliu em seco e apertou os dedos das mãos.

— Alguma princesa de Kou ficaria conosco por um tempo e, possivelmente, alguns de vocês se casariam com ela.

Ele sorriu.

— Isso é óbvio..., mas o quero dizer é o que aconteceria com você?

Muna se recusava veementemente a pensar no que aconteceria se tudo ocorresse a favor de Tamujin. Se sentou no banco da penteadeira e imaginou o mais provável.

— Provavelmente a rainha insistiria para que papai escolhesse um marido pra mim…

— E você recusaria — completou Tamujin, rindo.

Ela deu de ombros.

— Acho que eu... voltaria para Nargabad. — continuou. —  Ficaria mais de um ano lá. — Ela deu um sorriso sonhador. Não pensava muito em casamento, na possibilidade em ser unir a um estranho, ir para um lugar estranho e não ver mais seu amado lar. — Faria aquele lugar meu. Acho que sua mãe não se incomodaria, tampouco papai. Poderia de alguma forma transformar em um pequeno reino particular só meu. Teria filhos e muitos cava...

O momento entre irmãos foi interrompido com a entrada de Nida no quarto, avisando que todos estavam prontos e só faltava a princesa para que pudessem seguir viagem.

Tamujin pôs-se de pé, abraçou e beijou o rosto da irmã.

— Cuidarei de Nargabad até lá. Boa sorte.

**

Sobre o patamar das escadas em frente ao pátio, Muna ajoelhou-se diante de seu pai e da rainha Saada. A mão grossa do rei pousou sobre sua cabeça.

— Lhe desejo uma boa viagem, Muna, e que regresse com saúde e sabedoria o mais logo possível. — Disse, solenemente. — Espero que compreenda que não faço isso por maldade, mas é o destino de todos Saihin lutar por seu reino e povo.

Muna pôs-se de pé, juntou as mãos de seu pai nas suas e as beijou.

— Eu entendo perfeitamente, meu pai. Lutarei por Olmak.

O rei fez um breve maneio com a cabeça e beijou seu rosto. O séquito que acompanhara a esperava tomar seu cavalo, mas antes despediu-se de seus irmãos com breve palavras e abraçou Tamujin de novo. Montou em seu castrado.

Seguia a sua frente os porta-estandarte em seus cavalos machadores. Muna era flanqueada por dois guardas e por Nida, sua dama de companhia. Uma liteira era levada por precauções, mas a princesa preferia seu cavalo. Atrás vinha metade da guarda interna na qual Muna era comodante.

 Assim que deixaram os terrenos do palácio, passaram a ser ovacionado pela população que acenava e lançava grãos e frutas secas sobre a princesa.

Ela respirou fundo enquanto sorria para os súditos de seu país. Estava fazendo por eles, na esperança de que um dia eles fossem dela.

— Como será lá? — indagou Nida, inclinando-se para o lado para poder ser ouvida. — Como vão nos receber?

— Kou deve ser assustador. — respondeu. — E no mínimo é melhor nos receber com pompa.

Nida deu um sorriso debochado

— Vossa alteza é deveras exigente...

Muna deu de ombros.

— É o pouco que mereço.

Olhou para os campos verdes, montanhas e vales, todos lembravam o dia que deixara o palácio pela primeira vez e o quanto foi bom, apesar das intempéries. Mas agora não estava indo para Nargabad, logo mais deixaria os limites do reino para trás e se aproximaria do inimigo.

Quando anoiteceu, Nida convenceu a princesa para que dormisse na liteira e não ao ar livre junto aos soldados. Estava indo ao império Kou e precisava chegar lá apresentável, deixando o sangue nômade de sua mãe de lado e comportar-se como membro da realeza.

Seguiu assim por três dias, parando o necessário e seguindo viagem antes do sol nascer. No final da tarde já conseguiam ver as muralhas do império Kou, com seus altos pagodes e guarita amostra.

As mãos de Muna suaram quando adentrou na capital do império. Fez um possível para manter-se austera, centrada no caminho a frente, mas a curiosidade a fazia a olhar ao redor. Estranhava suas ruas, comércios, propriedades e seus cidadãos.              

Uma outra muralha circundava os terrenos do palácio, separando a população de seus soberanos. Os portões vermelhos foram abertos e Muna se surpreendeu; era uma cidade dentro de uma cidade.

— Princesa Muna, — um homem usando túnicas e véus brancos se aproximou deles. — Seja bem-vinda. Venha comigo, por favor, eu lhe guiarei.

Desmontou de seu cavalo e teve que se separar da metade de sua comitiva. Nida e alguns guardas acompanharam o emissário até o pátio central.

A princesa ficou boquiaberta ao ver o extenso corredor formado por soldados meticulosamente posicionados e alinhados em suas armaduras. Caminhou por entre eles impressionada.

Há poucos metros de distância estava uma mulher de aparência jovem, de cabelos negros e enfeitados por ornamentos dourados e de vestimenta rosa. Ela sorriu gentilmente para Muna, juntou as mãos e inclinou-se.

— Seja bem-vinda a Rakushou, vossa alteza. Sou Ren Hakuei, primeira princesa de Kou.

Muna fez os mesmos gestos acompanhada por sua comitiva.

— Prazer em conhecê-la, vossa alteza imperial. É uma honra imensurável ser recebida por você.

 — Vossa alteza é gentil. Espero que tenham ido bem de viagem.

—Transcorreu tudo tranquilamente, obrigada.

— Venha — convidou ela, gentilmente. — Com certeza deve estar cansada da viagem. Eu peço desculpa de antemão, pois a imperatriz estaria aqui para lhe dar as boas-vindas em pessoa, mas ela encontra-se numa emergência agora. Ela me pediu que desse suas mais profundas desculpas.

Muna fez um breve maneio com a cabeça.

— Eu compreendo.

Dentro do palácio, Muna admirou sua decoração e arquitetura. O vermelho era cor predominante por ali; colunas, cortinas e tapetes levavam a cor que dava nome ao império.

— Vou deixá-la aos cuidados dos criados. — Informou Hakuei. — Eles mostrarão seus aposentos e auxiliarão sua guarda, caso seja necessário.

Agradeceu mais uma vez e foi conduzida por duas criadas até seus aposentos. Ficava em um pátio aberto cercado por outros edifícios. Embora estranhasse o estilo do quarto, ficou grata por ser espaçoso e aconchegante.

— Vossa alteza, — chamou uma das criadas. — Amanhã alguém vira chamá-la para o desjejum com a imperatriz e os príncipes.

Muna assentiu.

— Obrigada.

Assim que a criada saiu, dois de se seus guardas ficaram em prontidão na porta e Nida cuidou de arrumar suas roupas e objetos.

— Dois meses aqui... — sussurrou, sentando-se em sua nova cama, assustada com a perspectiva. —  Deveria ter exigido menos.

—  É um pouco tarde para lamentar, não acha. —  Comentou Nida.

Muna olhou-a de relance e deu de ombros.

— Ao invés de ficar falando, por que não separar uma roupa para que eu use amanhã?

Nida juntou as mãos e se curvou.

— Se assim desejar, vossa alteza — Debochou.

Muna revirou os olhos, trocou a roupa pela camisola e deslizou para debaixo dos lençóis. Estava tão cansada que dispensou o banho e o jantar oferecido. Era primeira vez que estava tão longe de casa, e estranhava isso. Em Nargbad recebia cartas e sabia que tudo estava indo bem, porque, apesar da distância, ainda era Olmak ali. Contudo, havia uma distância tão grande entre Kou e Olmak, que se preocupava em ficar alheia com que poderia acontecer em seu lar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre o Céu e a Terra" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.