Caçadores urbanos e o mistério do filho proibido escrita por Tynn, WSU


Capítulo 11
Capítulo 10 – Mistérios




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A Mercedes-Benz vermelha parou em frente ao Quartel General dos caçadores exatamente ao meio-dia. Vanessa saiu do banco de motorista com seu extravagante cachecol quadriculado, pisando com dificuldade no asfalto irregular da pista. Duas portas se abriram em seguida, do assento de caronas saiu o detetive Joseph, que encarou a residência com peculiar interesse, enquanto Carlos saltava do banco traseiro.

— Dudinha, eu estou indo te salvar! – ele berrava aos prantos, correndo para dentro da casa.

O detetive, próximo da casa dos quarentas, parou diante da porta e analisou as marcas deixadas pelo Corpo Seco quando ele invadiu o QG, provavelmente com as próprias mãos. Virou-se para Vanessa que o observava com desconfiança.

— Essa não é uma cena dos seus crimes fajutas – ela falou, depois de travar a o carro com a chave eletrônica. – Pelo que eu saiba você não é um vampiro, não fique com essa cara de bunda esperando que o convide para entrar.

— Essa superstição é antiga e ultrapassada, Vanessa – ele respondeu educadamente, dando espaço para que a mulher entrasse primeiro na casa. – Não pense que eu acreditei na sua repentina benevolência depois de tudo o que fez.

— Eu não preciso lhe dar satisfações nem provar nada. Se estiver incomodado, pode voltar para aquela espelunca que você chama de lar.

Depois que entraram, Vanessa percebeu que a fechadura estava danificada. Ótimo, ela teria que contratar um chaveiro para ajeitar o estrago do defunto. Antes mesmo que pudesse procurar pelo serviço na agenda do celular, percebeu a porta do seu quarto escancaradas. Os seus olhos se arregalaram e o nervosismo tomou conta de si. Ela correu com seus sapatos altos até o cômodo, desesperada para saber o que havia acontecido ali. O detetive Joseph já estava na cozinha, tentando decifrar as pistas deixadas pelo Corpo Seco, quando percebeu a mudança do comportamento de Vanessa. Correu atrás dela para o quarto.

Eduarda estava sentada na cama com a cabeça encostada no peito de Carlos. A garota chorava de soluçar, trêmula, sem conseguir explicar o que tinha acabado de acontecer há poucos minutos. Vanessa andou até a escrivaninha com detalhes em ouro e soltou um suspiro de alívio ao ver o objeto estava intacto, mas não demorou muito para ter outro surto de nervosismo. O espelho estava empurrado para a direita, deixando amostra a passagem que levava ao porão secreto. Antes que Joseph pudesse descer por ali, ela se colocou na frente dele e cruzou os braços.

— Parece que seus dias de boa samaritana acabaram. Deixe-me ver o que tem lá embaixo – Joseph falou, encarando a mulher.

— Pessoal, dá para pararem de brigar pelo menos uma vez na vida? – Carlos implorou, puxando os fios de cabelo que caiam nos olhos de Eduarda. – Duda, Dudinha, está tudo bem agora... O que aconteceu? Tem alguém aqui ainda?

A menina fungou mais uma vez, puxando os óculos e tentando ajeitá-los no rosto. Ela balançou a cabeça negativamente como resposta, engolindo mais uma crise de choro.

— Não… Não tem mais ninguém aqui – ela respirou fundo. – O Corpo Seco está morto.

Vanessa e Joseph se entreolharam intrigados, como isso poderia ser possível? A ruiva deu dois passos em direção de Eduarda, mas por instinto a garota mexeu o corpo para trás, afastando-se da mulher. Vanessa esboçou um sorriso de incentivo, sem sucesso.

— Você nunca encaminhou as entidades para o além-mundo – Eduarda desabafou. – Você as mantém presas, amontoadas, catalogadas… É como se fosse uma colecionadora! Parece, parece aquelas pessoas que juntam borboletas em filmes de policiais.

A reação de Joseph foi imediata: ele puxou a adaga prateada do sobretudo e aproximou-a do pescoço de Vanessa. A mulher deu um passo para trás assustada, erguendo os braços para o alto em posição inofensiva. Carlos abraçou Eduarda para mais próximo de si, como se tentasse protege-la de uma figura terrível.

— Oxê, que história é essa, Vanessa? – o moreno disparou. – Tá pensando que a gente é besta, é?

— Calma, pessoal – Vanessa engoliu em seco. – Detetive, é melhor guarda essa adaga, lembre-se de que você está dentro da minha casa e eu posso acionar a polícia a qualquer momento. Tenho certeza que terá dificuldade para explicar os inúmeros casos misteriosos que vem resolvendo por debaixo dos panos da PM.

— Agora está dando uma de coitadinha. Que conveniente... – Joseph aproximou ainda mais a faca. – Cadê os seus cães agora? Até quando vai manter a farsa na frente de seus caçadores?

— Cães? – Carlos perguntou confuso. – Ela odeia bicho de estimação, jogou fora o vira-lata que eu arrumei no canil aqui perto. Ainda bem que encontramos um lar para ele, saudades do Pingo.

— Todavia esses cães são diferentes – o detetive continuou. – Eles são cães infernais, serventes de demônios e pastores de almas do inferno. Apenas pessoas de mesma índole são capazes de ter um deles por perto, não é mesmo? E essa daqui tem logo dois no comando.

— Mas... – Dessa vez foi Eduarda que resolveu intervir. – Um laço criado com um cão infernal é eterno e precisa ser feito mediante um contrato oficial, além disso, eles não obedecem a humanos, apenas demônios e seres trevosos.

— Obrigada, Dudinha, por explicar da melhor forma isso – Vanessa falou em deboche. Em seguida, caminhou até a sua cama e sentou-se, mesmo com a faca de Joseph ficando a centímetros de distância a cada movimento. Ela revirou os olhos e cruzou as pernas. Carlos e Eduarda ficaram na outra ponta da cama. – O que é, eu não tenho uma doença contagiosa. Vocês se vangloriam por ser uma geração sem preconceitos, mas olha como agem! Tá bom, tá bom... Eu tenho sim cães infernais de estimação, só que não é porque eu sou um demônio, e sim porque eu já fui um demônio. Surpresa!

Dois enormes cachorros negros saltaram da cama em direção a Joseph, surgindo de uma fenda mística e rosnando como feras enfurecidas. A baba deles começou a pingar no chão do quarto, o que deixou Vanessa aflita. Carlos e Eduarda se levantaram de súbito, mas Vanessa não fez nenhuma objeção contra isso. Ela apenas aprumou o corpo mais um pouco, alisando o pescoço.

— Deixa de se tremer todo, detetive, eles não vão te fazer mal. Eu só queria poder falar sem ter uma faca sagrada perto da minha traqueia, só de sentir a presença desse troço já sinto um arrepio. – Vanessa assobiou e os cães se sentaram no chão, um de cada lado dela, enquanto a mulher alisava a cabeça deles. – Como podem ver, eles são inofensivos, não irão machucar nenhum dos meus caçadores. E, olhe bem, eu falei caçadores, classificação essa que o querido detetive não se enquadra.

— Vanessa, você escondeu dois cães enormes todo esse tempo da gente? – Carlos estava ao mesmo tempo apavorado e maravilhado. – O que eles comem? A gente pode levá-los na missão? Ah, não… Você foi um demônio?

— Fui sim – ela falou casualmente. – Vocês precisam parar de me olhar com essas caras de abestalhados. Eu passei décadas da minha vida sendo, bem, demônio. Fiz inúmeras crueldades, isso é verdade, até que um certo detetive resolveu me visitar em busca de informações. Vocês acham que esse detetive bateu na minha porta com um caderninho e tirou todas as dúvidas como um bom profissional? Claro que não! Ele me prendeu em uma armadilha, me torturou durante horas até que eu dissesse a localização do Cael, o demônio dos desejos. E depois que eu passei a informação, adivinha só? O imprestável saiu e me largou a própria sorte, presa em um círculo místico dentro da minha casa! Eu não podia sair para beber água, comer ou mesmo ter a dignidade de usar o banheiro. Eu passei dias, semanas, meses definhando... Só não morri porque eu era um demônio muito poderoso, diga-se de passagem.

Naquele momento, Joseph sentiu um enorme remorso atingir a consciência. Deu um passo para frente, contudo parou mediante os rosnados nervosos dos cães infernais. Eles estavam ávidos para atacar Joseph, impedidos apenas pela autoridade de Vanessa que os mantinha sob controle. O detetive olhou para Carlos e Eduarda, que agora o encaravam como se ele fosse o monstro.

— Não tinha sido a minha intenção, Vanessa! Eu fui para o local onde você apontou, onde Cael estava, só que tudo deu errado. Nós iríamos te libertar depois de ir em busca do demônio dos desejos, essa era a garantia que você não estava mentindo. Mas quando a investigação deu errada e Luísa morreu, eu entrei em luto e até mesmo me esqueci disso… Achava que você ia dar um jeito, afinal você era um demônio infernal!

— É por isso que eu odeio você e essa raça de super-heróis que se acham os próprios juízes do mundo. Não existe uma balança para decidir se a pessoa é boa ou ruim, para medir quantos quilos de maldade ou pureza hipócrita alguém pesa. Esses bandos de corrompidos brincando de heróis me enoja. – A voz de Vanessa ficou mais aguda, ela fez uma careta de escárnio para então se recompor. – Depois de meses presa, Cael apareceu com uma oferta. Ele sabia que eu era a única que poderia ter dado a localização para você. O contrato era simples: meus poderes de demônio em troca da liberdade. Que outra opção eu tinha naquela situação? Magra, faminta, fedendo, imprestável… Ele me libertou e, como consequência, virei uma humana, de carne e osso e sofrendo de rugas que nem todos vocês. – Vanessa levantou-se da cama e estalou os dedos, fazendo os cães infernais desaparecerem. – Pronto, queridos, história finalizada. Agora vá lavar esse rosto, Eduarda, e Carlos, trate de ajeitar a fechadura da porta. Eu ia chamar um chaveiro, mas já que não temos mais nada para discutir, você dá um jeito.

— Vanessa... – Eduarda sussurrou, apreensiva. – Isso não explica a coleção de assombrações que você tem lá embaixo.

Antes que Vanessa pudesse rebater, detetive Joseph virou-se e se arremessou em direção da escadaria. A mulher desceu obstinada atrás dele, sendo seguida por Carlos e Eduarda.

O primeiro a chegar lá embaixo foi o detetive, que observou as prateleiras cheias de ectoplasma presos em vidros semelhantes a tubos de ensaio. Ele viu que uma etiqueta intitulada “Boca-de-Ouro” estava com o frasco de vidro faltando. Percebeu cacos de vidros caídos no chão misturados com cinzas que preenchiam todo o chão. Por mais que aquele pó pudesse ter sido da assombração quebrada, precisaria de, pelo menos, uns 40 vidros daquele tamanho para despejar tanta poeira negra. Aquela cinza era resquício de outra entidade.

— Você matou o Corpo Seco – Joseph concluiu assim que Eduarda chegou ao porão. Vanessa e Carlos também havia descidos e olhavam para tudo perplexos. – Com a ajuda do Boca-de-Ouro. Mas como isso aconteceu?

— E-eu... – A garota abaixou a cabeça. Ela não queria tocar naquele tema agora, mas sentiu os braços de Carlos a abraçando, dando-lhe forças para continuar. – O Corpo Seco me seguiu pela casa toda. Ele falou sobre o filho proibido, que vai ficar forte quando matar milhares de pessoas. E aí, eu me escondi aqui dentro, mas ele me achou. E, por desespero, libertei o Antônio. Quer dizer, o Boca-de-Ouro, ele se chamava Antônio quando estava vivo.

— Ele não te fez mal? – Carlos perguntou aflito.

— Não... Na verdade, ele tentou. Mas o Corpo Seco foi o assassino do Boca-de-Ouro, sabe, quando ele era Antônio. E ele me ajudou a matar o Suassuna, o Corpo Seco.

— E cadê o Boca-de-Ouro agora? – Vanessa indagou curiosa.

— Ele foi para o outro mundo. Virou luz, desapareceu, disse que escutou a voz da mulher que ele amou quando estava vivo. Acho que ele encontrou a paz eterna.

Joseph colocou a mão no queixo pensativo, eram raras as vezes que ele escutava história de pessoas capazes de encaminhar entidades para o outro plano. Na maioria dos casos, não passavam de charlatões metidos a profeta. Mas aquela garota foi capaz de destruir uma das lendas mais poderosas do submundo e isso era inquestionável. O detetive olhou para Vanessa e depois apontou para os frascos catalogados nas prateleiras.

— Será que vou ter que te explicar tudo? Você é detetive, chegue nas suas próprias conclusões sobre minha suposta coleção.

— Por não ser capaz de fazer o que Eduarda fez, você acredita que é melhor ter entidades presas no seu porão do que soltas por aí assombrando cidadãos de bem.

Vanessa deu três aplausos de deboche e subiu as escadas. Eduarda foi a segunda, sendo seguida por Carlos. Joseph passou alguns instantes naquele cômodo, observando que existiam inúmeras escrituras em latim preenchendo as paredes e o teto do ambiente, marcas de feitiços protetores, para manter as entidades confinadas e ocultas. Um lugar com tantos seres, com certeza, chamaria a atenção do submundo. Natanael provavelmente fora o responsável por criar tais rituais mágicos, ele era especialista em círculos arcanos. O detetive caminhou para fora do porão e ficou encarando a escrivaninha, esse fora o primeiro objeto que Vanessa olhou assim que entrou no quarto. O homem aproveitou que estava sozinho no cômodo e analisou a parte de trás do objeto, tentando encontrar algum tipo de fundo falso. 

Ele deu leves batidas em cada parte do objeto a procura de alguma mudança de som ou textura. Na quinta averiguação, percebeu um compartimento no canto direito inferior do objeto. Ele empurrou a madeira e conseguiu abrir uma pequena portinhola, onde um pergaminho amarelado estava enrolado com uma fita azul. Sentiu o corpo estremecer, pois conhecia muito bem aquele documento: era o contrato com o demônio Cael. Então Vanessa não estava mentindo de todo. Ele puxou o papel da escrivaninha e abriu o pergaminho, tirando uma foto com o seu celular do conteúdo. Não teria tempo para ler o contrato agora. O detetive guardou o celular no bolso e amarrou o pergaminho novamente, colocando-o dentro do compartimento secreto. 


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