Sangue, Fogo e Estrelas escrita por Dafne Guedes


Capítulo 4
Sol, Estrelas, Dragões e Leões.


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo vai dar um pulinho de dois anos no tempo (até porque se eu fosse me propor a ir tintim por tintim deixaria de ser uma shortfic).
Também não é um capítulo de ação, mas de conversas, onde Aelora vai entrar em contato com as conspirações em ação na Fortaleza Vermelha.
Boa leitura!
XOXO



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Havia inverno em Westeros desde que o rei Aerys II fora resgatado de Valdocaso, e a Casa Darklyn extinta até os parentes próximos, os Hollard, com exceção de Sor Dontos Hollard, cuja vida fora um presente para sor Barristan Selmy. Os mais ousados diziam que era culpa do rei; devia ter morrido em cativeiro e, como não morrera, os deuses estavam tomando as vidas de seus súditos em compensação. Mas os que falavam isso rapidamente eram descobertos, pois havia um novo membro na corte de Porto Real; um eunuco lyseno que atendia pelo nome de Varys e nada mais, embora pelas costas fosse comum chamarem-no de A Aranha.

                Se possível, as relações entre Rei e Mão haviam ficado ainda mais tensas, com o rei Aerys apenas recebendo Lorde Tywin em sua presença com a Guarda Real como sua escolta. Além disso, proibira inteiramente objetos cortantes em sua presença, embora o próprio Trono de Ferro estivesse sempre rasgando sua pele, e toda a corte ainda estava se recuperando da morte da esposa de Lorde Denys Darklyn, que fora queimada viva na frente de toda a corte. Depois disso, os piromantes da Guilda de Alquimia da cidade podiam ser vistos entrando e saindo do castelo com frequência, embora o que fizessem em suas profundezas fosse desconhecido à Aelora.

—Talvez o Trono de Ferro o mate como fez com Maegor, o Cruel. –Disse Rhaegar certa vez, em tom mais triste que amargo, enquanto eles conversavam sobre o que podiam fazer que não fosse parricídio. –Já o chamam de Aerys, o Louco pela cidade, e fora dela também.

                Ela havia esboçado um sorriso naquela ocasião, mas, desde então, a alegria estava cada vez mais rara na Fortaleza de Maegor, embora talvez fosse apenas com ela. Ao voltar de Valdocaso, seu pai estava convencido, corretamente, de que Lorde Tywin queria destrona-lo. Para garantir um aliado forte, mandara o primo, Steffon Baratheon, seu Mestre das Leis, para buscar para Rhaegar uma noiva na Cidade Livre de Lys, onde os nobres ainda eram descendentes da Cidade Franca de Valíria, tal qual os Targaryen. O seu herdeiro havia argumentado que eles tinham uma noiva valiriana na corte; a própria Aelora, mas o rei argumentara que um casamento entre irmãos não era vantajoso naquele momento; era de aliados que eles precisavam, não de pureza.

                Aelora observara das muralhas do castelo a chegada de Elia Martell pela Colina de Aegon. Rhaegar tinha recebido sua futura noiva no Portão do Rei, para lhe dar as boas-vindas à cidade, e seguiram a cavalo, lado a lado, através de multidões que os aclamavam, com o príncipe cintilando numa armadura negra e a garota Martell magnificamente vestida de vermelho, com um manto de sóis laranjas florescendo em seus ombros.

                Aelora aguentara tudo sem dizer nada; diferentemente do irmão, que brigara e barganhara. Quando finalmente se viu só, a princesa chorara até dormir. Saber que não se casaria com Rhaegar devia quebrar seu coração em pedaços, mas ela apenas conseguia pensar que havia permitido que Arthur entrasse para a Guarda Real ao fim do Desafio de Valdocaso, e agora havia sido em vão.

                O cavaleiro envergara o Manto Branco para estar perto da princesa, como nos contos, mas ela seria mandada para longe, para casar com algum lorde distante sobre o qual ela nada sabia.

                Com a morte de Steffon Baratheon e sua esposa, Cassana, na costa de Ponta Tempestade, Aerys se virou para a sua própria Guarda Real à procura de uma noiva para o filho, e Lewyn Martell ofereceu a mão de sua sobrinha.

                A chegada da Princesa Elia de Dorne à corte deixou as coisas mais alegres. As pessoas pareciam esperar que Aelora fosse fazer da dornesa uma inimiga. Ao invés disso, a princesa Targaryen e sua dama de companhia, Alyssa Velaryon, haviam se juntado a Elia e sua dama, a senhora Ashara Dayne, para formar o grupo mais animado do castelo. Aelora até mesmo insistira para que Elia ocupasse a pequena fortaleza atrás do septo real, na longa construção com telhado de ardósia, que era chamada de Arcada das Donzelas desde que o Rei Baelor, o Abençoado, confinara ali as irmãs, para que a visão delas não o tentasse a ter pensamentos carnais. Junto às suas portas altas e esculpidas, as garotas criaram o costume de brincar e tecer comentários sobre as figuras que habitavam a corte.

Era raro que Rhaegar se juntasse a elas, mas às vezes as duas princesas e suas senhoras iam até a Fortaleza de Maegor, onde faziam companhia à Rainha Rhaella, que havia assumido ares distantes e frios desde que o rei Aerys voltou de Valdocaso.

Elia jamais perguntava a Aelora nada sobre Rhaegar, exceto impessoalidades; quais os livros preferidos do irmão, as canções, e as bebidas. Embora algumas vezes parecesse que ela tinha curiosidade sobre o tipo de relação cultivada entre os irmãos, a princesa dornesa jamais perguntou, e a princesa Targaryen tampouco ofereceu as informações.

Nenhum bem faria a Elia Martell saber que os beijos de Rhaegar haviam sido doces como a inocência da infância, e que haviam dormido de mãos dadas até os oito anos, e ainda parecia a ela que o encaixe havia sido feito em um molde apenas deles.

                Rhaegar e Elia se casaram numa fria manhã de inverno no ano de 280 d.C. Aelora ajudara a dornesa a vestir o vestido branco de seu casamento, e Ashara Dayne colocara o manto de donzela vermelho e laranja da Casa Martell por cima dos ombros da noiva.  Alyssa colocou pentes dourados em seu cabelo, e os olhos da Princesa Elia brilhavam como duas esferas de ouro polido.

                Elia estava no castelo desde do ano anterior para selar o noivado. Rhaegar era suficientemente gentil com ela, Aelora pensava, mas não parecia apaixonado de forma alguma. Um dia, se sentindo ousada do vinho do jantar, Aelora tivera coragem de perguntar a Arthur se achava que o príncipe amava a dornesa. O cavaleiro juramentado virou seus olhos lilases na direção de Aelora com hesitação.

—O Príncipe Rhaegar não me confidencia seus afetos, minha princesa. –Foi a resposta dele.

—Mas se você tivesse que conjecturar. –Aelora insistiu, empurrando para ele um cacho de uvas verdes. Haviam sido trazidas de Dorne, como parte do acordo de casamento; afinal, o inverno não atingia Dorne como as outras regiões de Westeros, pelo contrário; a chuva era bem-vinda nos Desertos Vermelhos.

                Naquela tarde, a princesa havia requisitado sor Arthur especialmente como seu guarda, enquanto ela passeava no Bosque Sagrado da Fortaleza Vermelha. Ela tentara fazê-lo aceitar comer com ela, e beber de seu odre de vinho, mas, desde que vestira o branco, sor Arthur havia sido perfeitamente fiel aos seus votos.

—A princesa é adorável. –Arthur disse, finalmente. Aelora se lembrou de que ele próprio era dornês. –O Príncipe, porém, parece alheio como sempre foi.

                Aelora se encontrou rezando aos deuses para que no dia do casamento seu irmão ao menos parecesse feliz e apaixonado. Afinal, a princesa Elia parecia alheia inteiramente ao distanciamento do Príncipe, e a irmã gêmea não podia culpa-la; Rhaegar sempre fora tão distante e comprometido com o dever, que era difícil imaginá-lo de outra forma, a não ser quando cantava sua harpa, e mesmo isso não era inteiramente alegria.

                Quando as moças levantaram a princesa, pronta para casar, de sua cadeira, Elia Martell fechou os olhos, e se agarrou ao vestido roxo de Aelora, com o rosto pálido. Aelora a apoiou de volta, e as mãos da princesa dornesa estavam frias como a morte. Não era incomum que Elia tivesse passamentos, então elas apenas esperaram que a princesa se recuperasse, ofereceram-na um copo de vinho, e partiram para a liteira que as levaria ao Septo de Baelor.

                Aelora era a única Targaryen representando a Casa do noivo. Seu pai, o rei Aerys, não saíra da Fortaleza Vermelha desde seu retorno de Valdocaso, e, vendo inimigos na própria sombra, proibira também a rainha e o jovem Viserys, de quatro anos, de comparecerem ao evento, embora muito dinheiro dos cofres reais houvesse sido gasto para fazer o casamento vir à tona.

                Como era o costume, as acompanhantes da princesa; Aelora, Alyssa e Ashara, entraram mais cedo no septo, e tomaram lugares nas primeiras fileiras de assentos. Alyssa ficou ao lado de seu pai, Lucerys Velaryon, Senhor das Marés, enquanto Ashara e Aelora tomavam lugares em cada lado de sor Arthur, que, com Lewyn Martell e Barristan Selmy, haviam sido mandados para a cerimônia, enquanto seus outros irmãos juramentados ficavam no castelo a cuidar do rei, rainha e do jovem príncipe.

                Toda Porto Real havia se enchido para acomodar as centenas de convidados que se juntaram para ver o Trono de Ferro fazer aliança com Dorne. Os senhores supremos tinham lugares especiais no casamento; Lorde Robert Baratheon, feito Lorde recentemente pela morte de seus pais no mar, Lorde Jon Arryn, de quem era protegido. O jovem Eddard Stark, representando o Norte, uma vez que seu pai e o herdeiro não puderam vir, Mace Tyrell e sua esposa, Alerie Hightower. Lorde Hoster Tully, e, claro a Mão do Rei, Tywin Lannister, com seus gêmeos.

                Os lugares de maior prestígio, porém, eram para a família da noiva. Oberyn e Doran Martell ocupavam lugares lado a lado, diferentes como o dia e a noite; um esguio, mas musculoso, com um corpo feito para as arenas, e o outro com dificuldades de locomoção, e rugas prematuras junto aos olhos.

                Viserys havia se agarrado aos joelhos da irmã mais velha quando soubera que não seria permitido a participar da cerimônia. A rainha Rhaella garantira ao seu caçula que o rei queria apenas protege-los, mas isso não impediu a ira de Viserys, que gritou, se jogou ao chão e, por fim, pediu aos soluços para que Aelora o contrabandeasse para o Septo com ela.

                A rainha apenas sorrira complacente para o filho caçula. Aelora compreendia; nunca houvera amor entre ela e o irmão-marido, e, quando Aelora e Rhaegar nasceram, haviam sido melhores amigos desde o primeiro momento. Viserys, por outro lado, era apenas dela; apaixonado pela mãe, e se recusava a sair do lado dela, houvesse o que houvesse.

                Quando ela se posicionou ao lado da Espada da Manhã que, como sempre, portava orgulhosamente sua Alvorada, Aelora sentiu um pouco de inveja. Ele e sua espada pálida seriam apenas separados na morte, mas Aelora seria separada muito em breve; assim que seu pai achasse tempo para pensar num casamento vantajoso para ela; já estava ficando velha.

                Ela sentiu o olhar de Arthur sobre si; percorrendo a seda justa e leve do vestido.  Ele se demorou encarando seus quadris e o decote baixo e arredondado de seus seios, mas não teceu comentários; a troca de votos era um momento silencioso, e não tão longo que ficasse entediante.

                Mesmo assim, sor Arthur, talvez sabendo que não estava apenas sendo desrespeitoso com o templo, mas também com o rei a quem servia, se inclinou para falar-lhe ao ouvido.

—Sabe que essas são as cores da Casa Dayne de Tombastela, minha Princesa. –Não era uma pergunta.

                Aelora ensaiou um sorriso e, quando falou, foi mais os lábios se movendo que o som saindo por sua boca, mas Arthur entendeu mesmo assim.

—Talvez, então, me leve para conhecer a sede de sua Casa, sor Arthur. –Ela o provocou de volta.

                Ela sentiu os ombros dele, lado a lado com ela, vibrarem de leve com uma risada. Quis olhar para trás, checar se Rhaegar via aquilo, mas Rhaegar não estava atrás dela, e sim à frente, vestido no negro e vermelho da Casa Targaryen, tomando a mão de Elia Martell. Apesar do sorriso não morrer em seus lábios, ela sentiu a garganta coçar de lágrimas, e o rosto ficar quente. Não deixou que escapulissem, ao invés disso, quando o irmão e a princesa trocaram beijos, ela bateu palmas alegremente como todos os outros.

                Os festejos foram levados a um dos pátios da Fortaleza Vermelha; pois o rei jamais permitiria que fosse feita festa dentro da Fortaleza de Maegor onde ele guardava seu herdeiro e a irmã-esposa. Para garantir a segurança destes, quatro dos sete membros da Guarda-Real ficaram tomando conta da ponte levadiça que era baixada sobre um fosso seco cheio de espigões e que guardava a entrada da fortaleza interna. Entre os que ficaram na festa para proteger o Príncipe Herdeiro, sua nova esposa e a irmã-gêmea, estavam Sor Arthur Dayne, Príncipe Lewyn Martell e sor Barristan Selmy.

—Dance comigo, sor Arthur. –A princesa pediu, um grande sorriso no rosto, decidida a esquecer que o casamento de seu irmão era o fim de toda a sua alegria. Ninguém julgaria um membro da Guarda Real por dançar em festividades.

                Finja que não sou princesa e você não é juramentado, era o que ela queria dizer, mas jamais poderia. Ele jamais aguentaria a ideia de profanar seus votos, uma vez que eles foram feitos.

                Mas sor Arthur não sorriu de volta. Ao invés disso, fez um gesto de cabeça para onde seu irmão estava, longe de sua nova esposa e da festa, meio escondido nas sombras, olhando tudo como se fosse efêmero e, por isso, trágico. Aelora pensava o contrário; era efêmero e, por isso, belo. Mesmo assim assentiu para Arthur com a cabeça e pediu licença para os parentes da noiva na mesa, e para a própria Elia, que recebia sozinha os parabéns pela união. Ela pegou uma taça de vinho de Dorne da mesa e partiu.

                Se o rei estivesse na festa, há muito já teria ido até o filho e ordenado que ele se juntasse à sua bela noiva. Mas Aelora sempre conhecera Rhaegar melhor que Aerys jamais poderia, e se aproximou dele como se fosse um animal selvagem; primeiro, mantendo uma distância respeitosa, e ganhando espaço conforme ele se abria.

—Ora, irmão. –Ela disse suavemente, o sorriso dos gracejos com sor Arthur ainda nos lábios. Às vezes, ela evocava a lembrança do único beijo que haviam compartilhado, apenas para saboreá-la como se fosse um vinho dourado da árvore. Ela entregou a taça que trouxe consigo na mão do irmão. –As festividades não o agradam?

                Ele a encarou. A maioria das pessoas parecia pensar que eles eram parecidos, mas Aelora sabia apontar em seus rostos os pontos de divergência. Ela era macia e arredondada onde ele era anguloso e duro. Na linha do maxilar, no nariz, no formato dos olhos. Eram dois quadros da mesma imagem, mas pintados por autores diferentes.

—O nosso real pai veio ter palavra comigo esta manhã. –Ele anunciou, como se não pudesse ouvi-la. –Parece pensar que eu e o Príncipe Lewyn orquestramos esse casamento para estreitar os meus laços com Dorne.

                Aelora tomou as palavras como se fossem um vinho amargo.

—Esquece-se ele de que você insistiu para casar comigo, e ele proibiu? –Ela perguntou, incrédula. Quando seu pai começava a perder contato com a realidade, eram os piores dias. Ele parecia esquecer coisas que fizera, ordens que dera. Desde que fosse conveniente esquecer, é claro.

                Aelora se lembrava da manhã em que ele anunciara que mandara Steffon Baratheon à procura de uma noiva para Rhaegar. Os três Targaryen, o Pequeno Conselho e a Guarda Real estavam todos reunidos em torno do Trono de Ferro, onde o rei se encolhia das pontas das espadas, agarrando-se a um manto vermelho já manchado de sangue.

                Rhaegar, que estava ajoelhado perante seu pai, levantou-se de supetão.

—Essa decisão é uma desonra com a princesa Aelora. –Disse ele com o rosto vermelho e afogueado, como raramente fazia. –O senhor meu real pai certamente pode ver isso.

—Há muito mérito na decisão. –Inseriu Paxter Redwyne, um dos aliados mais leais do rei, e que havia levado sua frota para bloquear Vadocaso durante o Desafio. –Afinal, em Westeros, basta que haja um filho homem para carregar a linhagem, e as filhas mulheres servem para criar alianças com outras grandes Casas.

                O posicionamento dele surpreendeu Aelora, pois o lorde Redwyne era ainda noivo da senhora Mina Tyrell e, sem filhos, nada tinha a ganhar naquele negócio, exceto a estima do rei, que era cada vez mais passageira naqueles dias.

—As Grandes Casas irão se enfileirar por uma oportunidade de fazer uma rainha. –Adicionou Lucerys Velaryon, cuja filha, Alyssa, certamente tinha idade o suficiente para casar com Rhaegar, além de ancestralidade valiriana.

                Seu estômago se revirou com a ideia de ver a sua dama de companhia casada com seu irmão.

—Chega de Grandes Casas. –Dissera o rei Aerys, do alto de seu trono. –O que precisamos é de sangue antigo, e mandei Steffon buscar esta noiva na Cidade Livre de Lys, onde os nobres ainda carregam o valioso sangue da Antiga Valíria.

                Aquilo calara os nobres do Pequeno Conselho, e mesmo Lorde Tywin, com quem o rei estava sempre em desacordo naqueles dias, nada disse. Ele certamente ainda tinha uma lembrança amarga de quando oferecera a própria filha para ser a futura rainha.

                Aelora não prestara atenção em nenhum deles; não na ira de seu irmão, não nos olhos famintos do Pequeno Conselho. Arthur Dayne, o manto branco pesado caindo de suas costas, parado como uma estátua, mantivera os olhos no chão durante toda a discussão. Olhe para mim, ela quis dizer, mas não teve coragem, e ficou calada.

                A Princesa estava se perguntando se o irmão se lembrava das coisas da mesma forma que ela, e se estava pensando também naquela ocasião. A Princesa Elia era apenas uma distante conhecida à época, a quem Rhaegar jamais dera atenções especiais. As garotas sempre haviam caído de amores por ele; Cersei Lannister e seus olhares sensuais, Alyssa, sempre fazendo suas vontades; mas Rhaegar sempre olhava para elas com a mesma cortesia distante que reservava a quase todo mundo, com exceção, talvez, dela, Arthur e Jon.

                Muitas vezes Aelora havia se perguntando quando Rhaegar se tornara aquele garoto soturno, sem jamais dirigir a pergunta ao irmão. Talvez ele houvesse sido sempre assim; na infância, preferia os livros às espadas, e as conversas com Meistre Aemon na Muralha às outras crianças do castelo. Apenas fizera amigos de sua idade quando fora escudeiro.

                Ela abriu a boca para finalmente fazer aquela pergunta, mas Rhaegar interrompeu seus pensamentos com um anúncio.

—É hora de nos afastarmos; o pai e eu. –Disse ele, determinação colorindo sua voz quase como no dia em que falou em defesa da honra da irmã. –Sou o Príncipe de Pedra Dragão; é para lá que Elia e eu iremos, agora que estamos casados. Partiremos amanhã.

                Aelora engasgou com suas palavras pelo que pareceu um minuto inteiro, seu mundo sendo reconstruído. Nunca havia passado mais que algumas poucas semanas separada do irmão; agora ele iria embora de uma vez. O pai morreria um dia, mas até lá, já teria casado Aelora com um lorde distante. Além disso, pela primeira vez anos, com a presença de Elia e Ashara, ela havia visto a corte do pai alegre e cheia de música. Rhaegar estava levando isso dela também.

—Me leve com você. –Ela disse, tentando manter as lágrimas longe de sua voz, e as palavras firmes.

—Não. –Ele respondeu com firmeza, encarando-a nos olhos. –Se for comigo, o pai a associará a mim, e tentará a mandar para ainda mais longe. Além disso, alguém precisa ficar pela mãe, e pelo pequeno Viserys.

                Ela entendeu o que ele quis dizer; alguém precisava cuidar das feridas da mãe quando o pai a visitasse no quarto, e alguém precisava manter o jovem príncipe longe dos olhos do rei, para que não atraísse suas desconfianças como o mais velho fizera. Aelora apenas desejava que houvesse outra pessoa para fazê-lo.

—Além disso, as pessoas comentariam. –Continuou Rhaegar, agora olhando para o estrado onde as pessoas rodeavam a Princesa Elia, enchendo-a de elogios. Cersei Lannister estava lá, e fez uma mesura para a princesa, mas, quando se levantou para sair, tinha o peito empinado, e o queixo levantado alto. –Diriam que você é a Rhaenys para a Visenya de Elia.

                Embora ambas as irmãs houvessem sido esposas de Aegon, o Conquistador, os escritores diziam que Aegon havia casado com Visenya por dever, e com Rhaenys por desejo. Não era uma fama que mulher alguma gostaria de portar.

—Levarei comigo Arthur e Oswell, mas sor Barristan ficará ao seu lado, aconteça o que for, e há sempre o velho Sor Harlan...

                Rhaegar continuou a falar, mas Aelora já estava além da escuta.

—Não. –Dessa vez, ela não conseguiu evitar e a palavra foi pouco mais que um soluço. Ela fez um esforço para pôr os pensamentos em ordem antes de conseguir falar. –Rhaegar, eu teria sido sua Rhaenys? Teria casado comigo por desejo, se o pai houvesse permitido?

                O irmão olhou para ela com surpresa, mas Aelora precisava saber a resposta. Ela raramente havia apresentado a ela algo além de dever, familiaridade e amor fraterno, embora sempre o tipo de amor fraterno cultuado entre os Targaryen. Se fosse algo além disso, ela jamais poderia confessar a ele sobre Arthur, mas, se não, então talvez ele compreendesse que ela precisava do cavaleiro em Porto Real; que já era demais que um dia eles fossem ser separados pelo seu casamento.

                Talvez ele até mesmo compartilhasse suas próprias angústias se ouvisse as dela.

                O irmão abriu a boca, a testa franzida e o olhar alternando-se entre ela e a Princesa dornesa no estrado, como se temesse que, mesmo àquela distância, sua nova esposa pudesse ouvir a conversa, mas ele não chegou a ter uma chance de responder.

                Sobre os dois irmãos, uma sombra se agigantou. Para Aelora, era surpreendente que a sombra de Lorde Tywin fosse negra, e não dourada como o resto dele; sua barba era amarelo-ouro, assim como suas roupas. Mesmo sua pele tinha um bronze dourado do sol das Terras do Oeste. Ele olhou dos olhos brilhantes de lágrimas de Aelora para a expressão desconcertada de Rhaegar com interesse clínico.

—Príncipe Rhaegar, parece que sua presença é esperada para o recebimento dos presentes. –Anunciou com a voz sem tom que geralmente adquiria para falar com o príncipe, especialmente depois que Rhaegar se recusava a apoiar as decisões da Mão durante o Desafio de Valdocaso. –Princesa Aelora, os convidados estão começando a achar que é egoísmo seu manter o príncipe para si por tanto tempo.

                Aelora apenas olhou para ele em resposta, incapaz, pela sua criação, de elaborar uma resposta malcriada para replicá-lo, embora ela houvesse desejado ter as palavras certas.

                Rhaegar, por outro lado, limpara a expressão como se a conversa anterior não houvesse existido, e já estava pronto para se juntas à festa mais uma vez.

—Certamente, Lorde Tywin. –Ele disse, e se virou para Aelora muito brevemente. –Conversaremos mais tarde.

                Isso ela sabia ser mentira; era esperado do príncipe que fosse passar toda a noite no quarto com sua jovem noiva. Se ele partisse mesmo na manhã seguinte, como dissera que faria, então eles não se falariam pelas próximas voltas de lua, talvez até mesmo pelo ano inteiro, e ainda estavam apenas no começo deste. O irmão passou por ela, e Aelora ficou só com Lorde Tywin, mas se recusou a reconhecer a presença do Mão do Rei.

                Ele, porém, estava determinado a ter sua atenção.

—Agora que o Príncipe está casado, me parece que o rei voltará suas atenções à filha. –Disse Lorde Tywin, como quem não se importa. –Ele deve buscar um Lorde ou um herdeiro para tê-la em casamento.

                Um que Lorde Tywin não houvesse indicado, Aelora sabia. A princesa gostaria de lembrar ao Mão que fora a sua pretensão de casar o príncipe com a própria filha que fizera o rei Aerys desistir de casar os próprios filhos entre si. Ela se perguntou se Lorde Tywin teria o desapego de oferecer a mão de seu primogênito mais uma vez, e achou que sabia a resposta.

—Sim. –Ela respondeu simplesmente, sem saber onde o Mão pretendia chegar com aquela conversa.

—Me pergunto quem o Rei escolheria. –O Mão seguiu a conjecturar, e Aelora estava se perguntando aonde ele gostaria de chegar. –O herdeiro da Casa Tully não passa de uma criança. O herdeiro dos Stark está prometido; Doran Martell já é casado. O filho mais velho de Quellon Greyjoy é igualmente casado, assim como Mace Tyrell, e Robert Baratheon é noivo de uma loba.

                Ele deixou de fora a contagem de seu filho, Aelora não deixou de notar. Talvez, para que ela contasse ela mesma, ou talvez apenas não quisesse ser lembrado de como fora rudemente declinado de sua proposta pelo rei.

—Muitas vezes princesas Targaryen foram noivas de Casas menores. –Aelora lembrou a ele. –Como os Velaryon. Ou simplesmente casadas com segundos-filhos.

                Lorde Tywin assentiu. Ele conhecia a trágica história das filhas do Rei Jaehaerys I tanto quanto ela. A própria Aelora tinha um segundo filho em mente com quem gostaria de ter casado, antes de ele envergar o Manto Branco.

—Talvez, mas o senhor seu pai gostaria de aliados poderosos neste momento, e me parece pouco provável que os Velaryon, Celtigar, Westerling, Dayne ou outro conseguisse levantar um exército grande o suficiente para tentá-lo. Um Lorde Protetor seria ainda melhor.

—Lorde Arryn tem um herdeiro. –Aelora se imaginou vivendo nas altas montanhas do Vale, as quais ela nunca visitara. Diziam que a paisagem era bela, e inóspita, e tudo que se podia ouvir era o som do vento e de seus próprios pensamentos. A neve do Inverno ainda não havia chegado em Porto Real, embora o frio sim, mas certamente o Vale já estava repleto dela. Dizia-se que o próprio Ninho da Água ficava inabitável no auge do inverno, e nenhuma comida ou pessoas podiam circular por lá.

                A informação parecia deixar o Mão desgostoso. Aelora estava perdendo a paciência.

—Lorde Tywin, diga-me o que pensa. –Pediu, sentindo-se exausta.

                Ele não hesitou.

—Penso que poderíamos estreitar relações, o Rei e eu, se nossos filhos estivessem casados. –Ela não teve rodeios. –Isso seria mais fácil se a própria princesa pedisse.

                Ela riu. Jaime Lannister era sete anos mais novo que ela, e sempre parecera ter mais interesse em espadas que em princesas. Das vezes que o havia visto, os seus olhos haviam brilhado para Rhaegar e Arthur, não para ela.

—Por que eu pediria? –Questionou. –Nem conheço o jovem Jaime, ele nunca vem à corte.

—Pelo bem de sua casa. –Ele insistiu. –A Princesa Elia pode ser uma doce garota, mas soube que quase desmaia no dia de seu casamento, tem passamentos frequentes e quadris estreitos. Pode ser que nunca seja capaz de conceder um filho ao Príncipe. A senhorita pode estar longe na fila do trono, mas, se houvesse uma Grande Casa atrás de si, então seu filho poderia ser herdeiro.

                Aelora sentia-se enjoada e doente com as informações sendo jogadas em sua cara, mas, mais que isso, de repente também se sentiu vigiada.

—Esquece-se que tenho outro irmão, Lorde Mão. –Ela respondeu com severidade. –Viserys tem cinco anos, boa saúde e é herdeiro depois de Rhaegar e antes de mim. Além disso, minha mãe ainda é jovem, e pode dar ao rei mais filhos. Com sua licença, preciso cumprimentar os noivos.

                Ela não permitiu que o Mão tivesse uma chance de responder. Havia apenas um tanto de notícias ruins e conspirações que ela poderia aguentar por um dia. Além disso, acabou ocorrendo a ela que a festa estava sendo feita em um jardim, e os jardins eram cheios de aranhas, por todos os lados, tecendo suas teias entre as flores e os brotos.

                Ela andou cegamente para dentro da festa; as lágrimas haviam secado, e sua mente girava, cheia de informações. Se perguntou se deveria correr ao seu pai ou ao seu irmão com as informações dos planos de Lorde Tywin; sua palavra seria prova o suficiente, certamente, pois era princesa. Então lembrou-se do cheiro de carne queimada que se espalhara pelo castelo na morte da esposa do Lorde Darklyn de Valdocaso, e sua determinação falhou. O melhor que poderia fazer era torcer para que Varys, a Aranha, não houvesse posto ouvidos entre aquelas folhas específicas. Ela já tinha muito em seu prato sem fazer parte de intrigas dentro da corte.

                Quando ela olhou para frente mais uma vez, viu-se a beira de trombar com um servente, que carregava uma pesada bandeja de prata. Ele também parecia tê-la visto apenas agora, pois arregalou seus olhos. Ela tentou frear seus pés, mas parecia ser tarde demais, então fechou os olhos esperando a colisão. Ao invés disso, um par de braços fortes fechou-se ao redor dela, girando-a para longe, e ela pensou ter ouvido um suspiro aliviado quando abriu os olhos e o servente se afastou com pressa, a bandeja ainda equilibrada em sua mão.

                Arthur Dayne franziu suas hirsutas sobrancelhas castanhas para ela com uma certa severidade. Então seu rosto ficou mais suave quando estendeu uma mão e limpou uma lágrima que Aelora não se lembrava de ter derramado.

—As pessoas comentarão que a princesa chorou no casamento de seu irmão e a princesa de Dorne. –Sor Arthur disse suavemente. –Farão belas canções sobre isso.

                Aelora sentia-se exposta, como se sua pele houvesse sido tirada dela, e todos pudessem ver o coração por baixo.

—Serão canções tolas. –Respondeu a ele bruscamente. –Os cantores poderiam muito bem contar como o Príncipe levou do castelo o único cavaleiro com o qual a princesa gostaria de se casar, e assim ela foi obrigada a casar-se com um herdeiro Lannister ou Arryn qualquer, e viveu em tristeza no Vale ou nas Terras Ocidentais.

                Ela observou o olhar no rosto de Arthur ficar escuro, passando do violeta para o negro. Um músculo de sua garganta moveu-se e, por um segundo, ela pensou que ele a beijaria ali, pois uma única vez antes ela havia visto aquele olhar em seu rosto, e ele havia encostado os lábios no dela. Ela estava subitamente consciente de que havia ido longe demais, e olhou ao redor, constrangida que alguém a tivesse ouvido.

                Ela estava perto demais de Arthur. O suficiente para que a respiração intensa dele movesse mechas de seu cabelo. Quando ela desviou os olhos dele, encontrou, ao invés, o olhar de Ashara Dayne, cuja testa se franzia exatamente como a do irmão, em um olhar cheio de preocupação.

—Desculpe-me. –Aelora se encontrou murmurando. –Isso foi inadequado.

—Não. –Arthur segurou seu braço quando ela começou a se afastar. A urgência em sua voz a segurou no lugar mais adequadamente que a força de sua mão. –Se houvesse me dito antes, eu jamais teria aceitado. Teria falado com o Príncipe Rhaegar.

                Aelora riu, mas foi uma risada de desespero. Nada daquilo poderia ter acontecido, porque ela teria casado com Rhaegar, mesmo amando Arthur. Era seu dever, e ela o teria feito, mas todas as coisas que um dia foram seu dever haviam sido arrancadas debaixo de seus pés; ela achava que deveria ser esposa de seu irmão, e não seria. Achava que seria mãe de reis e rainha, mas isso apenas fora oferecido a ela na forma de traição, no horrível mundo em que seus dois irmãos estavam mortos e sem herdeiros.

                Ela abriu a boca para responder, e mais uma vez naquela manhã foi interrompida sem que desejasse por isso. Ela viu a moça se aproximando e quando Ashara Dayne se colocou entre os dois, segurando o braço do irmão com tanta firmeza que os nós de seus dedos ficaram brancos, Aelora não estava surpresa com sua chegada. Na verdade, tinha a sensação de que era o melhor que poderia acontecer.

—Irmão, o Príncipe parece procurar por você. –Disse Ashara, a voz tão tensa quanto os músculos do braço que o seguravam. –Vossa Graça.

                Aelora não tirou os olhos de Arthur quando cumprimentou a irmã dele. Ele também não desviou o olhar, como se ainda esperasse uma resposta dela.

—Arthur. –Chamou Ashara uma segunda vez, e ele finalmente a encarou, como se ela o houvesse acordado de um sonho com um tapa. Primeiro, incredulidade, depois raiva e, finalmente, lenta compreensão.

                Arthur deixou as duas com uma reverência, e tinha mais uma vez aquele olhar em seus olhos ao se afastar, como se pisasse em vidro. A irmã, por outro lado, encarava a princesa com uma expressão dura. Aelora e Ashara sempre haviam se dado bem, mas talvez, agora que tinha o favor da futura rainha, e Aelora estava destinada a ser apenas a senhora de um lorde, a garota Dayne se sentisse mais à vontade para falar com ela diretamente.

                Aelora deu um passo para trás com a hostilidade de seu olhar violeta. Ashara, cujo sorriso iluminava a corte.

—Quando soubemos da notícia do noivado da Princesa Elia e o Príncipe Rhaegar, em Dorne, passamos a noite rezando aos deuses que não houvessem sentimentos românticos entre o príncipe e sua bela irmã gêmea. –Contou Ashara, como quem começa uma história. –Foi um alívio sermos recepcionadas tão calorosamente em Porto Real, com muito mais delicadeza do que poderíamos ter sonhado. Vossa Alteza certamente transformou-se em uma amiga querida da Princesa Elia, e minha também. Acredite, se as coisas diferentes, não haveria outra mulher por quem eu desejaria que meu irmão nutrisse sentimentos. Mas, sendo as coisas como são, estou feliz que o Príncipe tenha decidido nos levar a Pedra Dragão, e espero que o tempo lá o cure de quaisquer pensamentos sobre a Princesa, pois é impossível.

                De repente, todas as aulas de etiqueta ministradas por velhas e jovens septãs durante a sua infância vieram à tona. Rhaegar a havia desestabilizado, e Lorde Tywin fizera ainda pior, mas as palavras de Ashara haviam cutucado seu senso de dever, mesmo que agora ele valesse tão pouco. Aelora juntou os cacos de seu coração, e elaborou um sorriso agradável, pois temia que alguém fosse fazer fofoca que elas haviam brigado.

—Senhora Ashara, por favor, informe a meu irmão que eu me senti mal e voltei à Fortaleza de Maegor. –Ela pediu com a voz doce. Ashara franziu a testa, como se não tivesse certeza de como responder. –Por favor, encaminhe minhas felicitações à Princesa Elia, pois não acho que a verei novamente por algum tempo. Com sua licença, agora eu irei me retirar.

                A princesa segurou suas lágrimas até passar pela ponte levadiça que guardava a fortaleza mais interna do castelo. Porém, uma vez lá dentro, descobriu que não tinha lágrimas a derramar; haviam todas secado durante a sua caminhada. Além disso, de que serviam suas lágrimas, agora que estava sozinha para lidar com elas?


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