Sangue, Fogo e Estrelas escrita por Dafne Guedes


Capítulo 2
O Cavaleiro de Dorne


Notas iniciais do capítulo

Como o engajamento (os views) no primeiro capítulo foram bem escassos, vou postar mais um para ver se tenho uma melhor resposta!
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/809883/chapter/2

A princesa podia nomear o nome de seus três irmãos, que haviam nascido e morrido antes de aprenderem qualquer coisa. Houvera o seu irmão Daeron, que vivera apenas metade de um ano, Aegon, que nascera dois meses prematuro e vivera do fim de um ano ao começo do outro, e Jaehaerys que vivera nada mais que algumas voltas de lua. Chegara num ponto em que a rainha já não mais alardeava suas gravidezes aos filhos mais velhos até estarem bem adiantadas, então Aelora não podia dizer quantos irmãos havia perdido além desses três, e uma menina natimorta que a mãe chamara de Shaena.

Quando o seu jovem irmão Viserys veio ao mundo vermelho, gritando e batendo suas mãozinhas em punhos fechados, ela ficou encantada com o que parecia a realização de todos os seus desejos. Cansaço e orgulho brigavam no rosto de sua mãe quando ela fez força para erguer a pequena criança e coloca-la nos braços de sua primogênita, ladeada de perto pelo irmão. Os gêmeos tinham dezessete anos naquela época, e o pai não mais falara sobre seu casamento. Mesmo assim, por um segundo, Aelora tentou fingir que o bebê era seu.  

—Shhhh. –Ela disse ao irmão da primeira vez que o pegou nos braços, com Rhaegar atrás de si, segurando uma espada como se temesse que alguém tentasse tomar dela o pequeno garoto. Aelora deu um beijo em sua cabeça que cheirava a talco e a lágrimas de bebê e disse. –Cuidaremos de você.

                Durante o nascimento de Viserys, Rhaegar a havia levado em uma viagem até Solarestival, o castelo onde haviam nascido, escoltados por Sor Lewyn e Sor Barristan. Aelora fora de boa vontade, porque sabia que essa era a forma que o irmão tinha de distanciá-los, caso o bebê mais uma vez não chegasse a termo. Rhaegar a protegeria da ira de seu pai, das lágrimas de sua mãe, e eles podiam fingir que nada viam, se não estivessem presentes.

                Eles haviam cavalgado até o fim do Caminho do Espinhaço para as ruínas, onde paredes nuas se erguiam sem um teto acima delas, e colunas levantavam-se para segurar coisa nenhuma, pois a maior parte do castelo fora consumida pelo fogo. Lá, dormiram sob a estrelas, e o Príncipe Lewyn de Dorne contou histórias de seu povo, e Sor Barristan repetiu velhas conquistas da Guerra das Nove Moedas, e Rhaegar tocou sua harpa ao som de Jenny de Pedrasvelhas, e Um Cavaleiro dos Sete Reinos, a canção de Sor Duncan, o Alto, Comandante da Guarda Real que morrera no incêndio de Solarestival enquanto Rhaegar e Aelora eram trazidos ao mundo por sua mãe.

                Quando, debaixo das estrelas, Aelora confessara à Rhaegar estar com medo, ele solveu o sentimento de sua boca com beijos delicados, que tinham gosto de metal e sal.

                Agora, os irmãos estavam de volta à Fortaleza de Maegor, de onde sua mãe raramente era permitida sair, sempre acompanhada de duas septãs, que faziam as refeições com ela, observavam suas aias darem-na banho, e dormiram em sua cama, quando ela não recebia visitas do rei.

—O senhor meu pai mandou que a mão organizasse um torneio em homenagem ao nascimento da criança. –Disse Rhaegar à mãe, que não tirou os olhos do pequeno embrulho nos braços de Aelora. A irmã não deixou de notar como o príncipe dissera “criança”, ao invés de chamar Viserys pelo nome. Aelora pensou que devia ser mais fácil assim, para caso o bebê morresse como os outros.

—O rei me proibiu de ir. –Rhaella disse numa voz comedida; Aelora não conseguia imaginar o que sua mãe pensava. –Ficarei aqui com Viserys.

                Na semana seguinte ao nascimento da criança, centenas e mais centenas de nobres inundaram as ruas estreitas de Porto Real, espremendo-se uns contra os outros, fazendo vendedoras ambulantes brotarem como cogumelos após a chuva. Muitos nobres ficaram hospedados em hospedarias e pousadas na cidade, mas outro tanto se acomodou no castelo à pedido do rei, embora apenas na Fortaleza Vermelha, longe da Fortaleza de Maegor, e da rainha e jovem príncipe, que ficaram quase que escondidos dos hóspedes.

                Entre os que foram admitidos no castelo estavam Steffon Baratheon, o mestre da moeda, e sua esposa, que fora dama de companhia da rainha quando jovem, a senhora Cassana. Trouxeram à corte dois de seus três filhos; Robert, que, aos catorze anos era mais alto que a maioria dos homens-feitos, com densos cabelos negros e olhos muito azuis, e o irmão do meio, Stannis, a quem Aelora não vira sorrir uma única vez.

                O mestre dos navios de seu pai, Lucerys Velaryon, cuja filha, Alyssa, era dama de companhia da princesa, também trouxe o seu herdeiro, Monford Velaryon, para a corte. Por outro lado, Mace Tyrell, mestre das leis, estava em Jardim de Cima, com sua esposa grávida, aguardando o nascimento de seu segundo filho, e não pôde comparecer.

                A irmã mais velha do Príncipe Lewyn da guarda real também ficou acomodada no castelo; a Princesa Sarella Martell também já fora um dia uma das senhoras da rainha, e trouxe consigo seus dois filhos mais novos, Elia, que aos dezenove anos tinha uma compleição magra e apequenada, porém doces olhos escuros como café, e Oberyn, mais alto e esguio, cuja imobilidade lembrava os modos perigosos do tio.

                Também foi a Porto Real Jon Connington, que fora escudeiro ao lado do Príncipe Rhaegar quando eram mais novos, com cabelos e barba vermelho fogo. Os olhos de seu irmão brilharam alegremente ao dar de cara com o antigo companheiro, e ele correu em sua direção, não saindo de sua companhia, deixando Aelora para receber sozinha os Dayne, que chegaram numa manhã cinzenta em liteiras e cavalos, trazendo o estandarte lavanda de sua casa alteado.

                Os Dayne chegaram em trio; o irmão mais velho, Alyssen vinha montado em um dos famosos corcéis de areia de Dorne, com seu irmão mais jovem atrás, portanto alvorada, a espada de duas mãos branco-leite reluzente da família. Rezava a lenda que havia sido forjada no coração de uma estrela caída, pois seu metal tinha as mesmas propriedades do aço valiriano. Ao contrário da tradição da maioria das famílias de Westeros, Alvorada não era passada de pai para filho, mas era concedida apenas a um cavaleiro digno de portá-la, cavaleiro esse que fica conhecido como A Espada da Manhã.

De dentro da liteira, a única moça, Ashara, saiu com os cabelos castanho-escuros soltos e um sorriso que era como o sol nos desertos de Dorne. Aelora se encontrou alisando o seu vestido cor de creme com o tecido mimetizando escamas de dragões, subitamente muito consciente de sua aparência.

                Quando eles se aproximaram, ela desenhou um sorriso em seu rosto, desejando que Rhaegar se aproximasse; o irmão tinha alguma amizade com Arthur Dayne, o irmão do meio, pois os Dayne eram dorneses, e Rhaegar amava Dorne, mas Aelora nunca os havia visto na vida.

                Ao contrário da maioria dos dorneses, que tinham raízes roinares e dos primeiros homens, os Dayne tinham um fenótipo ândalo, com pele clara queimada pelo sol do deserto até ficar de um tom adorável de mel. Cabelos densos e escuros coroavam suas cabeças, mas foram os olhos que chamaram a atenção de Aelora; eram olhos cor de violeta, lilás e lavanda, mas não haviam raízes valirianas nos Dayne como ocorria com os Targaryen e Velaryon.

                Os três irmãos se ajoelharam diante dela, e Aelora fez um gesto amigável para que se levantassem. Com pais ainda vivos, nenhum dos irmãos tinha título de “Lorde”, mas o irmão mais jovem já fora armado cavaleiro, e toda moça nobre era uma senhora, independentemente de seu estado civil.

                Quando os três se levantaram, Aelora sentiu o olhar de Arthur Dayne sobre ela como se fosse um dos colares de pedra da família real; pesado, mas lisonjeiro.

—Senhor Alyssen, que você e seus irmãos sejam bem-vindos à Porto Real. –Ela disse formalmente, conforme fora-lhe ensinado. –Confio que tenham tido boa viagem de Tombastela até aqui?

                Ela virou-se para entrar no castelo, sentindo-se afobada e inadequada de uma forma que nunca ocorrera antes. Fez um gesto para que os Dayne a seguissem para dentro, enquanto os criados descarregavam seus baús.

—Nunca vimos o Caminho do Espinhaço tão movimentado, Princesa. –Respondeu o futuro Lorde Dayne. –Todo o reino se movimenta ao encontro do jovem Príncipe de Solarestival.

                Príncipe de Solarestival era como eram chamados os segundos filhos, uma vez que o herdeiro ao trono ficava conhecido como Príncipe de Pedra Dragão. Mesmo tendo o castelo sido destruído num incêndio, o título ainda era usado de forma alegórica.

                Aelora sorriu amigável para Alyssen, e respirou fundo antes de dirigir seu olhar para o Dayne mais jovem, cuja espada às suas costas brilhava incandescente.

—Sor Arthur, confio que você e sua Alvorada farão parte do torneio? –Aelora deixou que seus olhos purpúreos encontrassem o olhar violeta de Arthur Dayne, e ele segurou seu olhar.

—De fato, minha Princesa. –Ele concordou. –Confio que o príncipe de Pedra Dragão também participará do Torneio?

                Rhaegar e Arthur também eram amigos, ela se lembrou.

—O Príncipe Rhaegar está confiante nas liças. –Ela confirmou, então abriu um sorriso delicado, deliciando-se com a personalidade única de seu irmão. –Mas receio que sua verdadeira ansiedade seja para a competição de cantores.

                O sorriso de Arthur, quando o abriu para ela, era ainda mais impressionante que sua espada.

—Ele sempre está confiante, até que alguém o derrube. –Brincou Arthur, sem verdade em suas palavras. –Antes ele fosse tão bom com uma lança quanto com uma harpa.

—Ora, Arthur! –Interviu sua irmã, Ashara, alegremente. –Derrubar o filho do rei dificilmente o colocará sob uma boa perspectiva com ele. Além disso, a princesa certamente estará na torcida pelo seu irmão, não estará?

                Não era a primeira vez que Aelora estaria assistindo a um torneio, e desde que era jovem os cavaleiros viviam a pedir o seu favor, para dar-lhes sorte e força. Ela jamais o cedia, porém; seu favor estava sempre prometido ao príncipe Rhaegar, que o colocava ao redor da lança quando investia contra um inimigo; e a verdade era que seu irmão estava cada vez melhor nisso.

                Mas, daquela vez, ele ainda não tinha feito o pedido, então Aelora encolheu os ombros.

—Talvez. –Cedeu, sem olhar para Arthur. –A não ser que outro cavaleiro seja mais digno.

                O coração de Aelora galopava em seu peito, cheio de expectativa.

—Se me ceder o seu favor, minha princesa, então serei o cavaleiro mais digno de todos.

                Eles haviam parado diante do salão onde os Dayne deviam ficar acomodados; uma saleta, com três quartos acoplados, lavatório e vista para o jardim do castelo. Rhaegar escolhera pessoalmente aquelas acomodações, sabendo que Arthur estava a caminho. Aelora deu as costas aos Dayne com a desculpa de abrir as portas do salão, então deu espaço para que eles passassem na frente. Ashara entrou primeiro, sorrindo para o espaço amplo, e o irmão mais velho foi atrás dela. Mas Arthur Dayne não entrou; ao invés disso, parou na sua frente, e Aelora se viu forçada a encará-lo, em roupas roxas da cor de sua casa, de um tecido fino que ela conhecia como sedareia; muito comum nas áreas quentes de Dorne.

—Terá o meu favor, sor Arthur. –Disse ela, numa voz pouco firme. –Faça bom uso.

—Tem minha palavra, minha princesa. –Havia um sorriso em sua voz, mesmo que ela não tivesse encarado seu rosto.

                Aelora respirou fundo, ignorando a quentura de seu rosto, e colocou a cabeça para dentro do salão.

—Espero que as acomodações sejam de seu agrado. –Disse para os irmãos. –Os esperamos no banquete desta noite, em homenagem ao Torneio.

                Com essas palavras, ela fugiu dos aposentos tão rápidos que alguém poderia acusa-la de estar fugindo, seu coração batendo como se houvessem lobos em seus calcanhares, sua respiração baforando nos tornozelos.

 

                Aelora chegou ao torneio de Viserys, com a Septã Serena, uma das que dormiam na cama com sua mãe, e Rhaegar, numa liteira com cortinas de um vermelho tão fino que se conseguia ver através delas. Transformavam o mundo inteiro em sangue. Para lá das muralhas da cidade, tinha sido erguida uma centena de pavilhões junto ao rio, e a plebe chegou aos milhares para assistir aos jogos. O esplendor de tudo aquilo tirou o fôlego de Aelora; as armaduras brilhantes, os grandes cavalos ornados com prata e ouro, os gritos da multidão, os estandartes esvoaçando ao vento... e os próprios cavaleiros, um mais que os outros.

                Aelora e Rhaegar formavam um belo par naquele dia; ela vestida de vermelho-sangue se destacando na brisa outonal, e o irmão todo de preto. Juntos, pareciam o sigilo de sua família, sentados no estrado separado para os nobres. Cabeças se viraram para vê-los passar, e a multidão entoava alto o nome de seu irmão, que sorria e acenava adoravelmente.

                Viram os heróis de cem canções avançar, cada um mais fabuloso que o anterior. Os sete cavaleiros da Guarda Real desceram ao campo, todos com armaduras de escamas da cor do leite e mantos tão alvos como neve acabada de cair. Gerold Hightower, o Touro Branco, se erguia acima de todos os homens, exceto talvez, de Robert Baratheon, que usava um elmo com chifres de cervo para enfatizar sua altura.

                Além dele, lá estavam Paxter Redwyne, com um manto cor de vinho, e um cacho de uvas desenhado em seu peito. Também, Jon Connington, cujos cabelos ruivos voavam ao vento, e um cavaleiro nortenho, com um urso desenhado nas vestes.

                Havia outros competidores que Aelora não conhecia; pequenos cavaleiros dos Dedos, de Jardim de Cima ou das montanhas de Dorne, cavaleiros livres jamais celebrados e homens acabados de serem feitos escudeiros, os filhos mais novos de grandes senhores e os herdeiros de Casas menores. Homens mais jovens, muitos ainda não tinham realizado grandes feitos.

                Quando Arthur Dayne se juntou aos outros competidores, Aelora não podia tirar os olhos do rapaz com a espada lendária. Amarrado num braço, ele trazia o seu favor, nas cores de sua casa. Rhaegar, que estava pegando o elmo para se juntar ao grupo, parou e hesitou quando viu aquilo.

—Não separou seu favor para mim? –Rhaegar perguntou sem olhar para ela, os olhos lá embaixo, nos homens.

                Ela fingiu que não podia ver os irmãos de Arthur, sentados lado a lado, ligeiramente inclinados para ouvi-los.

—Sor Arthur pediu por ele. –Ela respondeu com sinceridade, mas sentiu-se subitamente consciente.

                Rhaegar assentiu, como se compreendesse, mas não se inclinou para dá-la um beijo na testa como normalmente fazia antes de descer para se juntar aos outros competidores.

                A justa prolongou-se por todo o dia e entrou pelo crepúsculo, com os cascos dos grandes cavalos de batalha batendo o terreno até transformá-lo num descampado irregular de terra revolta. Ao seu lado, uma dúzia de vezes a senhora Ashara e a princesa Elia gritaram em uníssono quando cavaleiros chocaram as lanças com estrondo, explodindo-as em lascas, enquanto os plebeus gritavam pelos seus favoritos, mas Aelora só estava interessada em dois competidores.

                Príncipe Rhaegar, recém-ordenado cavaleiro, lutou muito bem no torneio vencendo uma dúzia de cavaleiros habilidosos, entre eles Sor Barristan SelmyGerion, e Tygett Lannister. Além desses, venceu o senhor de Guardamar, sor Jason Mallister.

                Ao mesmo tempo, do outro lado das liças, Arthur bateu Oberyn Martell, Steffon Baratheon e o filho, Robert, e sor Simon Toyne. Ao derrubar Robert Baratheon de seu cavalo, o jovem caiu tão violentamente no chão, que houve um barulho de quebra, e todo prenderam a respiração, mas era apenas o chifre de ouro do seu elmo. Entregou o galho partido ao seu vencedor com uma vénia cortês.

                Quando Rhaegar e Arthur se colocaram de lados diferentes da liça, a lua já estava despertando no céu, e seu pai, Aerys, que não tinha torcido ou comemorado durante todo o torneio, tinha os olhos finalmente atentos de uma águia. Arthur e Rhaegar bateram ambos no flanco de seus garanhões, que correram um contra o outro com a força de cem homens. Eles riram quando as primeiras lanças se quebraram, mas, na décima segunda, já havia uma tensão no ar.

                Foi apenas a décima terceira lança que mandou Rhaegar para fora de seu cavalo. Muitos homens gemeram em desagrado; havia muito dinheiro investido no Príncipe Herdeiro, mas mais pessoas ainda comemoraram a vitória do jovem dornês, que correu para o Príncipe, que se levantava com cuidado. Rhaegar aceitou a mão estendida de Arthur, e os dois levantaram-se juntos, falando baixo, os cabelos, claro e escuro, inclinados na noite.

                Arthur montou mais uma vez, enquanto Rhaegar levava seu cavalo para fora da arena, e foi receber a coroa de flores vermelhas que lhe era devida. Eram bafos de dragão, colhidas no Bosque Sagrado da Fortaleza Vermelha pela própria Aelora mais cedo naquela manhã. Arthur deu uma volta no círculo uma vez, e parou seu cavalo na frente do estrado real, com a coroa de flores na ponta de sua lança, e a depositou no colo de Aelora.

—Pela sua confiança, minha Princesa. –Ele disse laconicamente, enquanto Aelora pegava as flores em sua mão. De repente, elas pareciam ainda mais bonitas do que haviam sido mais cedo.

 

                Enquanto os plebeus se dirigiam para suas casas, conversando sobre as justas do dia e os embates da manhã seguinte, a corte deslocou-se até a beira-rio a fim de dar início ao festim. Seis monumentais auroques estavam assando havia horas, girando lentamente em espetos de madeira, enquanto os ajudantes de cozinha os untavam com manteiga e ervas até a carne começar a crepitar. Mesas e bancos tinham sido montados fora dos pavilhões, e neles tinham sido colocadas grandes pilhas de ervamel, morangos e pão fresco.

                Na ausência da Rainha Rhaella, Rhaegar ficou com o lugar de honra à esquerda do rei, e Aelora imediatamente ao seu lado. Cantores sentavam-se perante o pavilhão do rei, enchendo o crepúsculo de música. Um malabarista manteve uma cascata de clavas em chamas rodopiando no ar. Rhaegar se remexeu impaciente na cadeira, ansioso que o pai cansasse e fosse embora, para que ele pudesse assumir um lugar diante da harpa, pois o Rei Aerys não aprovava das inclinações musicais do herdeiro.

                O estrado real era o mais silencioso; o pai ignorava inteiramente a Mão do Rei, de seu lado direito, e seu herdeiro, do lado esquerdo. Rhaegar não dirigiu a palavra a ela tampouco, perdido em um de seus humores melancólicos. Aelora invejava a mesa dos dorneses; onde a princesa Elia e a senhora Ashara conversavam de cabeças juntas, ou a mesa onde o jovem Robert Baratheon parecia tecer elogios a respeito de sua amiga, Alyssa Velaryon.

                E durante todo o tempo os pratos iam e vinham. Uma espessa sopa de cevada e veado. Saladas de ervamel, espinafre e ameixas, salpicadas de nozes esmagadas. Caracóis em alho e mel. Depois vieram trutas recém-pescadas do rio, cozidas em barro; seu príncipe-irmão a ajudou a partir a dura capa escamosa para expor a carne branca que se encontrava no interior. E, quando foi trazido o prato de carne, foi ele que a serviu, cortando uma porção digna de uma rainha e sorrindo ao depositá-la em seu prato.

                Aelora, que passara a noite inteira desejando estar em um estrado menos entediante, virou-se para o irmão surpresa.

—Não está chateado que não guardei para você meu favor no torneio? –Ela criou coragem para perguntar.

—Chateado com você? –O príncipe pareceu inteiramente chocado com a pergunta. –Deuses, Lora, certamente que não; embora, se foi o seu favor a dar sorte a Arthur, eu poderia. Mas não acho que tenha sido; ele é mesmo o melhor cavaleiro que jamais conheci. –Rhaegar abriu um sorriso que era mais sobre o amigo que sobre ela. –Estava torcendo, por ele, na verdade. Arthur tem esperanças de um dia integrar a Guarda Real, e acho que ele impressionou o Rei.

                Se o irmão houvesse admitido estar chateado com ela, ele não a teria chocado tanto. Algo afundou em seu estômago. Tola, disse a si mesma. Havia pensado que Arthur Dayne estava impressionado com ela, mas queria apenas impressionar o seu pai. Ela deveria ter sabido; todos queriam apenas impressionar o seu pai. Teria sido melhor haver dado o seu favor a Rhaegar, como ela sempre tinha feito.

                Ela se obrigou a concentrar-se na conversa com o irmão.

—Então o que há?

                Ao invés de responde-la, Rhaegar olhou de lado para o seu pai, distraído com a própria melancolia, e então fez um gesto para que ela saísse de sua cadeira, e o seguisse pelas tendas. O chão era rochoso e irregular, e a luz tremeluzente fazia com que parecesse mudar e mover-se sob seus pés. Manteve os olhos baixos, verificando onde punha os pés. Caminharam por entre os pavilhões, cada um com seu estandarte e sua armadura pendurada à porta, com o silêncio ficando mais pesado a cada passo.

                Rhaegar parou longe de todas as risadas e conversas, com as tendas apagadas, indicando estarem vazias. Os irmãos ficaram frente a frente.

—Lorde Tywin ofereceu a mão de seus filhos para nós dois essa noite. –Confidenciou ele num tom baixo e cuidadoso. Ela mesma teve dúvidas de que tinha ouvido da maneira correta. –Também ofereceu Jaime Lannister para ser meu escudeiro, mas o Rei, nosso pai, recusou. Disse que não casaria seus filhos com os filhos de um criado.

                Aelora hesitou. Sabia que as coisas não estavam bem entre seu pai e a Mão; como não estavam bem entre seu pai e a esposa-irmã, Rhaella. Não havia amor no casamento de seus pais, mas um sai houvera entre Lorde Tywin e o Rei Aerys. A Mão do Rei era perigosa e incansável; os homens gostavam de dizer que, embora o rei Aerys usasse a coroa, era Tywin quem governava o reino.

                Ela lembrou-se dos irmãos. Sete anos mais jovens, Cersei e Jaime tinha apenas dez anos. Cersei era uma dama na corte, e seu irmão vivia em Rochedo Casterly, de onde um dia seria herdeiro, e Aelora não podia lembrar-se de seu rosto.

—Bem. –Ela conjecturou. –O pai não gosta do que dizem sobre o governo de Lorde Tywin.

                Rhaegar pareceu impaciente.

—Ele pode não gostar, mas foi Lorde Tywin quem resolveu o problema com os bravosi dez anos atrás. A coroa ainda o deve esse dinheiro. –Rhaegar lembrou a ela; Aelora não tinha o costume de prestar atenção às questões do reino. –Um dia, o pai vai ofendê-lo verdadeiramente, e não podemos arcar com os custos de uma guerra com os Lannisters.

—Tywin Lannister não é amado. –Aelora lembrou a Rhaegar.

—Nem o rei. –Rhaegar respondeu. –Dispensando homens do Oeste, mandou arrancar a língua de sor Ilyn Payne. Antes ele simplesmente demitisse Lorde Tywin, mas humilhá-lo...

—O que você quer que seja feito? –Aelora gostava de pensar que conhecia as dificuldades do pai, e não precisava que elas fossem enumeradas à sua frente como um compendio de desgraças.

                Mas Rhaegar, ela via em seu rosto, não tinha respostas, não ainda; seu pai fazia provadores de comida beberem dos mamilos de uma ama de leite para que Viserys pudesse mamar, e os seus herdeiros não tinham maneiras de lidar com aquilo. Ela supôs que Rhaegar precisasse apenas falar em voz alta, para ter significado.

                Aelora considerou encostar os seus lábios na boca do irmão; ouvira falar que haviam mulheres que relaxavam as preocupações de seus maridos com beijos e carícias, mas era tarde demais, Rhaegar já estava retomando a compostura, e chamando-a de volta à festa. Aelora o seguiu de volta, se perguntando porque, quando pensara em beijar Rhaegar, não fora em seus olhos purpúreos que pensara, mas em olhos violeta que havia visto mais cedo.

                Como se pensar em sor Arthur o houvesse invocado, o cavaleiro a abordou imediatamente quando os gêmeos voltaram à festa, saídos das tendas. Aelora ainda usava sua coroa de rainha do amor e da beleza, com as flores vermelhas a combinar com o seu vestido, e viu sor Arthur sorrir ao perceber aquilo.

                Daquela vez, a princesa não esperou que o embaraço em estar diante do cavaleiro tirasse as vantagens dela, e falou com liberdade:

—Deve estar satisfeito, Sor Arthur. –Comentou honestamente. –Certamente chamou a atenção do rei com suas habilidades nas justas.

                Sor Arthur pareceu confuso por um momento.

—Creio que sim, minha princesa, pois o rei me convidou para ficar na corte, como companheiro do Príncipe Rhaegar.

                Aelora imaginou por um momento como seria; tê-lo pelo castelo para cima e para baixo, talvez acompanhando as viagens que ela e o irmão faziam até Solarestival.

—Isso deve ser um passo importante em sua ambição para membro da Guarda Real. –Aelora disse, um pouco sem forças.

                Sor Arthur olhou para ela por debaixo dos cílios. Se ficou surpresa que ela soubesse de suas ambições, não demonstrou.

—Sim. –Concordou subitamente sério. –Um irmão mais novo que não herde títulos ou terras deve encontrar outras formas de fazer seu nome.

—É a Espada da Manhã, sor Arthur. –Ela o lembrou gentilmente. –Seu nome não será esquecido.

                Quando ele respondeu, foi com igual gentileza.

—Nomes não conquistam princesas, Princesa Aelora. –Ele disse mansamente. –E assim estarei por perto.

                Aelora não disse que era exatamente aquilo que ela temia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que estão achando da nossa Aelora? E de Arthur, Rhaegar e o rei?
Deixe aqui sua opinião!
Não deixe de passar no meu perfil para ler minhas outras fics de ASOIAF, Filha de Gelo e Fogo e Tons de Violeta.
XOXO



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sangue, Fogo e Estrelas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.