Sangue, Fogo e Estrelas escrita por Dafne Guedes


Capítulo 1
Sangue e Fogo


Notas iniciais do capítulo

Eis o primeiro capítulo da fic. Não sei com quantos capítulos pretendo terminar, mas com certeza não mais de dez (dos quais já tenho quatro prontos para serem postados).
Se gostarem da minha escrita, tenho duas outras fanfics de ASOIAF: Tons de Violeta e Filha de Gelo e Fogo. A primeira é uma shortfic, e a outra longfic sendo postada.
Boa leitura a todos!



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Na noite em que Aelora Targaryen teve seu primeiro sangue, estrelas púrpuras piscavam por de trás do manto escuro do céu, visto por uma brecha de sua janela na Fortaleza de Maegor. O sangue se acumulou, molhado e escuro, no tecido que cobria seu colchão de penas. Ela podia sentir a umidade entre suas pernas, e, por curiosidade, tocou a pele entre as coxas, seu dedo deslizando pelo tecido facilmente, com as mãos vibrando de medo e expectativa.

                Ela levantou o dedo até o rosto, observando o sangue tão vermelho que era quase negro na luz difusa das tochas. Ela levou o dedo até perto do nariz, e o cheirou, mas era um sangue diferente daquele líquido vermelho-vivo que ela via nos torneios, com cheiro de ferro e sal. Ela baixou a mão e meditou a quem deveria contar as novidades; talvez ao Meistre Pycelle ou à sua mãe, Rhaella. Na manhã seguinte, quando suas aias viessem limpar o quarto, logo o castelo todo saberia, pois elas eram famosas por fazerem fofocas sobre a família real e, por isso, seu pai as trocava a cada poucas luas, impedindo que Aelora fizesse amizades duradouras com qualquer uma delas.

                “Fogo e Sangue” era o lema de sua casa, mas Aelora desconfiava que não era àquele tipo de sangue que as palavras se referiam. A maioria das pessoas que ela conhecia, na verdade, parecia pensar que se referia ao sangue vermelho, fresco e de cheiro intenso que era derramado nas justas e nas guerras, mas Aelora tinha uma ideia diferente sobre o assunto.

                Seus pais haviam nascido da mesma semente; plantada na barriga de sua avó. Os pais deles eram igualmente irmãos. Uma tradição antiga, que datava da época da Antiga Cidade Franca Valiriana, de onde viera a sua família, do outro lado do Mar Estreito. Os primeiros Targaryen em Westeros haviam chocado os costumes locais com seus casamentos incestuosos, mas seus antepassados sabiam que era preciso manter o sangue puro para que montadores de dragões habilidosos nascessem e crescessem saudáveis. Não haviam mais dragões, mas seu irmão gêmeo, Rhaegar, jurava para ela que isso era temporário, e que um dia sua família voltaria às raízes montados em monstruosas bestas voadoras capazes de cuspir fogo como se fosse saliva.

                Foi pensando em seu irmão que Aelora jogou as pernas para fora da cama, e depois impulsionou o resto do corpo a segui-las. Não chegou a limpar-se ou trocar seu vestido de noite manchado de sangue. Ela atravessou o quarto, iluminado mais pela luz das estrelas que entravam pelas janelas que pelas tochas quase se apagando, e segurou com força a maçaneta da porta, antes de girá-la lentamente.

                Se ela tinha esperança de se esgueirar sem ser percebida, ficou imediatamente decepcionada. Do outro lado da porta, Sor Gwaine Gaunt a observou com olhos de desaprovação. Os cavaleiros da Guarda Real se revezavam protegendo os membros da família, e naquela noite ela ficou com um dos mais experientes entre eles. Havia torcido para estar, naquela noite, sob cuidados de Sor Harlan, que, aos oitenta anos de idade, havia assumido para si o costume de tirar cochilos entre suas horas de vigia noturna. Ela poderia ter passado despercebida por ele, mas jamais por nenhum dos outros.

—Preciso ver meu irmão, Sor Harlan. –Ela disse com sinceridade. Rhaegar podia ser adorado por nobres e plebeus ao redor da cidade, que adoravam o doce som de sua harpa, e sua mania de distribuir moedas, mas ela era amada por sua sinceridade fácil e docilidade teimosa.

—Está tarde, princesa. –Sor Gwaine respondeu com um tom gentil, mas firme. Então ele a observou melhor. Seus olhos focalizaram o baixo ventre da menina, o vestido sujo, e sua voz, quando falou novamente, parecia um tanto tensa. –Está ferida, minha princesa? Devo leva-la ao Meistre Pycelle?

                Aelora moveu as mãos para a frente do vestido, tentando esconder o sangue com súbita vergonha, suas bochechas queimando e seus ombros se arqueando para tentar esconder-se.

                Quando ela sentiu que Sor Gwaine a tomaria nos braços para socorrê-la, Aelora levantou as mãos, mostrando o sangue em seu dedo.

—É sangue de lua e nada mais. –Sentia agora que seu rosto entraria em combustão como Aerion Chamaviva a qualquer momento. –Por favor, Sor Gwaine.

                Aelora entendia sua hesitação. Com a tradição de incesto em sua família, seria apenas natural que o guarda real entendesse que permitir que ela, agora uma moça feita, encontrasse com seu irmão na calada da noite, pudesse se configurar como um perigo para a sua castidade. Porém, Rhaegar era seu gêmeo; ela o assistira sangrar no pátio sendo treinado por Sor Willem Darry, e ela o vira ser derrubado de seu cavalo nas justas por homens com o dobro de seu tamanho e o triplo de sua experiência. Era apenas justo que ele também visse a cor de seu sangue.

                Talvez Sor Gwaine houvesse pensado a mesma coisa, pois, por fim, a escoltou até o quarto de seu irmão.

À noite, a Fortaleza de Maegor parecia um lugar para imaginação. Tapeçarias retratando imagens cantadas da Conquista de Aegon estendiam-se por corredores a fio. Quadros pintados por artistas de Myr com imagens fiéis de seus antepassados encaravam-na com julgamento conforme ela passava por eles. Mesmo as paredes nuas pareciam contar histórias; diziam que haviam visto Maegor, o Cruel ser assassinado pelo próprio Trono de Ferro, e Aegon II planejar usurpar o trono da própria irmã.

                Lewyn Martell se erguia diante da porta de Rhaegar, parado e reto como um muro, uma mão na espada, e a outra solta ao lado do corpo. Aquela inércia era enganosa; Sor Lewyn podia mover-se rápido como uma cobra; Aelora já o vira sair daquele estado aparentemente congelado, para enterrar sua espada no peito de um homem em segundos.

                Ao contrário de Sor Gwaine, Sor Lewyn não fez perguntas antes de bater na porta suavemente a abri-la, sem olhar para dentro, para que Aelora deslizasse para o cômodo. Aelora supôs que ele confiasse o suficiente em seu Irmão Juramentado para crer que ele tinha boas razões em levar Aelora ao quarto do irmão no meio da noite. Se notou o sangue em suas roupas, tampouco deixou transparecer.

                O quarto de Rhaegar era mais claro que o corredor do lado de fora, iluminado por uma dupla de archotes de cada lado da cama, então Aelora precisou de um momento para fazer seus olhos se acostumarem ao brilho interior. Ela discerniu o baque surdo de um livro sendo fechado; seu irmão, é claro, mesmo no meio da madrugada, devia estar entretido na leitura de algum novo exemplar indicado pelo seu distante tio avô Aemon na Muralha, com quem o menino se correspondia com frequência.

—Lora? –Ele a chamou pelo apelido que a tinha dado quando mal podiam andar com equilíbrio. Com sua visão clareando, o quarto de Rhaegar foi revelado para ela; o espaço amplo, de um lado coberto de prateleiras de livros, e do outro, de espadas erguidas nas paredes em ganchos apropriados. A terceira parede, onde ficava a cama, era enfeitada unicamente por uma bela harpa dourada, com cordas tão finas que eram quase translúcidas, e que o irmão tocava tão belamente. –Lora, é você?

                Mesmo quando ele apenas falava, havia algo na voz de Rhaegar que se diferenciava das outras; uma suavidade musical entranhada nas palavras, que dizia que ele podia tanto ser um príncipe como um bardo.

—Quem mais seria? –Ela fechou a porta atrás de si, perguntando com sinceridade. O melhor amigo de Rhaegar, Jon Connington, estava longe, no Poleiro do Grifo, a propriedade que um dia herdaria de seu pai. O irmão não tinha tantos amigos próximos em Porto Real além deste.

                O irmão a encarou com olhos púrpura, da cor do céu antes do amanhecer e não respondeu. Ele pôs o livro de seu lado na cama, com a capa para baixo de forma que Aelora não poderia ler o título, então baixou o olhar até o seu vestido, e arregalou os olhos, começando a se levantar.

                Aelora cobriu a distância entre eles com passos ligeiros e segurou o irmão na cama, impedindo com o próprio corpo que ele se levantasse.

—Estou bem, estou bem. –Murmurou para ele, enquanto Rhaegar resistia, tentando pôr-se de pé para investiga-la melhor. Aelora o segurou por ambos os braços com força, mesmo que o gêmeo, devido aos treinos com espada, lança e arco, fosse mais forte que ela. –N]ao é um ferimento, é meu sangue de lua, Rhaegar. –A voz dela ficou mais suave, quase uma canção de ninar. –Tive meu sangue de lua. Sou mulher agora.

                Ela assistiu ao olhar dele ficar mais e mais escuro, até se tornar um céu inteiramente sem estrelas. A mão dele se moveu para tocar o rosto dela, a palma quente contra a pele fria, e ela percebeu que o próprio medo havia desaparecido, como se ele pudesse transmitir segurança pelo toque. Ela levantou o queixo, os lábios se abrindo em expectativa, a boca dele tocou a dela levemente, tão levemente que parecia uma pena, a lembrança de um beijo, e em seguida ele recuou.

—Suba, irmã. –O modo como ele disse “irmã” foi como uma palavra indecente.

                Ele abriu espaço na cama, e ela engatinhou atrás dele, os lábios se encontrando novamente, primeiro com um toque suave, depois as bocas se abrindo e as línguas se tocando como um experimento magnífico que fez Aelora se sentir leve e descompensada. Eles jamais haviam se tocado daquela maneira antes; não nas milhares de vezes que brincaram juntos, e não quando dormiram juntos na cama de sua infância. As mãos de Rhaegar se entranharam em seus cabelos, e seguraram sua nuca, mas não desceram abaixo de seu busto.

                Beijar Rhaegar era agradável. Um agradável do tipo suave, como deitar em uma rede num dia de verão com um livro e um copo de limonada. Era o tipo de coisa que você podia continuar fazendo sem se sentir entediada, apreensiva, desconcertada ou incomodada com muita coisa, exceto com o fato de que a barra de metal da cama estava afundando em suas costas.

                Ela se afastou dele, livrando as costas do incômodo. Rhaegar abriu os olhos surpreso, como se ela o houvesse acordado de um doce sonho. Então a realidade pareceu ir se abatendo sobre ele.

—Tem que ir. –Apressou-a, as mãos a segurando pelos ombros, longe dele. Ele soltou uma das mãos para acariciar seu rosto como um cavaleiro numa canção, e quando falou sua voz era um murmúrio. –Minha irmã. –Ele a segurou pelo queixo. –Minha donzela. Devemos contar ao rei e à rainha quando a manhã chegar. Eles podem preparar nosso casamento, pois você está pronta para me receber, não está?

                Aelora fez que sim com a cabeça.

—Serei só sua. –Prometeu a ele. –Terei suas crianças, irmão.

                Rhaegar concordou com a cabeça.

—Três parece um bom número para você. –Ele perguntou com súbita ausência.

                Aelora concordou, mesmo que a especificidade do número a houvesse deixado surpresa. Naquela noite, ela se esgueirou de volta para o seu quarto, sentindo o corpo vibrar de animação. Mal pôde dormir, pensando em todas as formas nas quais sua vida mudaria a partir daquele momento; teria seu sangue a cada lua, um grande e ostentoso casamento no septo de Baelor, e teria bebês de cabelos prateados e olhos purpúreos.

                Na manhã seguinte, seus sonhos foram desconstruídos como fios de uma tapeçaria sendo puxados até que a imagem se desfizesse diante de seus olhos. Quando contou à mãe, Rhaella, sobre seu sangue e suas esperanças, o belo rosto da rainha ficou mais e mais pálido, embora ela nada tenha dito, trançando os seus cabelos com as mãos ligeiramente trêmulas. Quanto ao rei, ele olhou para os filhos esperançosos, de olhos brilhando, e disse uma palavra cujo tom Aelora guardaria até os seus últimos dias, como uma negativa postergada para ser discutida no futuro:

—Veremos.


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Notas finais do capítulo

Lembrem-se de deixar um comentário para fazer o dia de uma escritora mais feliz!
XOXO, e até o próximo capítulo!



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