Estrelas escrita por ColibriMoriarty


Capítulo 5
Capítulo 5




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A doutora estava animada, finalmente havia encontrado, após tantos anos, o DVD que dava continuação a um de seus animes favoritos. Estava embaixo de uma pilha gigantesca de lixo, ao lado de vários nomes em dourado, porém ela havia conseguido, enfim, encontrá-lo! Talvez quase sendo soterrada pelos mais diversos cacarecos no processo, porém isso era o de menos, finalmente saberia o final! Até que enfim, após quase árduos três anos de procura, descobriria se a princesa sereia intergaláctica iria ficar com a plebéia lobo feiticeira das trevas do submundo! Um casal que torcia que ficasse junto no final desde o início da série. Ok, que o interesse romântico da princesa, um príncipe anjo terráqueo do inferno, era bonitinho, porém eles não tinham a química que o seu shipp tinha.

A fêmea preparou uma tigela de macarrão instantâneo sabor frutos do mar, vestiu seu pijama predileto, após um bom banho e se sentou em seu sofá, abraçada ao dakimakura de sua personagem favorita de "As Duper Gatinhas". Alphys agarrou o controle remoto, mal conseguindo conter sua excitação para selecionar o episódio, quando ouviu fortes batidas em sua porta.

Sua animação esmoreceu devido a intromissão. Ela sabia que se abrisse a porta, qualquer monstro que estivesse ali, atrapalharia seus planos. Tratou por fingir que não estava em casa, ignorando as batidas, a espera de que o visitante desistisse e fosse embora. Porém, este se mostrou muito recalcitrante, continuando a bater com tanta força que a doutora não ficaria espaventada se encontrasse deformações - devido às pancadas - no metal.

— Quem será a essa hora? – Perguntou-se, enquanto calçava suas pantufas de coelhinhos e levantava-se do sofá. Outra batida à porta. – Já vou! – Alertou, após um bocejo, jogando o travesseiro que abraçava no móvel estofado.

A cientista caminhou até a escotilha pneumática e, colocando sua mão sobre um leitor, fez com que esta se abrisse com um rangido.

— No que po-- Sans?! – Exclamou Alphys ao reconhecer o esqueleto à sua porta. – O que... ? – Ela não teve chance de continuar falando, o recém-chegado cambaleou para dentro do recinto com dificuldade, visto que carregava outro monstro consigo, sem lhe encarar duas vezes.

— Alphys... – Disse com um ar cansado e ao mesmo tempo tenso. – Eu preciso de sua ajuda. – Pediu. A cientista arregalou os olhos, surpresa. Para Sans engolir seu ego e pedir ajuda para alguém, algo sério estava ocorrendo.

— O que aconteceu? Quem é esse com você? – Questionou, gaguejando um pouco, ainda estupefata pelo ocorrido inédito.

— Não há tempo para perguntas! – Disparou o esqueleto, deitando Red no sofá com cuidado. – Ele vai sangrar até virar poeira se você não ajudar!

Alphys piscou, incrédula. Havia uma certa nota de urgência em sua voz, ele estava tentando manter a calma, porém estava a beira de um ataque de ansiedade.

Sans estava apavorado.

Aquilo era o que mais assustava a cientista, ela nunca o havia visto daquela forma.

— Alphys! – Exclamou o esqueleto, agarrando-lhe a gola de seu pijama, maculando o tecido claro com sangue no processo. – Você precisa ajudá-lo! – Obsecrou.

— Acalme-se, Sans! – Exclamou, segurando os pulsos finos respingados de vermelho dele e fitando-o no fundo de seus olhos trêmulos. – L-Leve-o lá para baixo. Preciso d-de minhas f-ferramentas...

~X~

O esqueleto de azul observou, contemplativo, enquanto assistia a doutora executar o procedimento. O ferimento de Red era demasiado profundo, e o fato de ele ter ficado ao relento, apenas contribuía com sua gravidade, visto que havia começado a infeccionar por não ter sido bem cuidado. Suas órbitas não conseguiam desgrudar do sangue rubro que manchava as mãos enluvadas da fêmea de forma hipnótica, enquanto que ela esterilizava a perfuração.

Sans pegou-se agradecendo mentalmente a Undyne por seu golpe tê-lo mantido inconsciente até o presente momento, com certeza o esqueleto de roupas escuras estaria a se retorcer devido à dor excruciante se não estivesse apagado. Porém, um pensamento intruso não parava de permear a mente de Sans, o pensamento de que o outro já deveria ter acordado, a não ser que Red estivesse...

O esqueleto de casaco azul sacudiu a cabeça para clarear seus pensamentos. Ele ficaria bem, Alphys iria salvá-lo.

Todavia, será que o monstro desejava ser salvo?

— Sans? Está me ouvindo? – Indagou a doutora, quebrando-lhe a linha de raciocínio, com sua voz soando baixa por estar sendo abafada por uma máscara cirúrgica. O esqueleto piscou, desnorteado por um momento, então assentiu. – Eu preciso suturar o corte. – Repetiu, encarando-o com uma sobrancelha erguida em inquisição. – Segure-o. – Ordenou, autoritariamente.

— Ele foi nocauteado. – Informou ele, aproximando-se. – Por Undyne. – Completou, como se aquilo fosse uma explicação suficientemente verossímil.

— Indiferente se ele está consciente ou não, às vezes a dor é tão forte que pode fazê-lo querer se defender... E a última coisa que quero é outro episódio de um paciente em surto, disparando Blasters pelo laboratório, assustando os pobres dos amalgamados! Não estou a fim de sair caçando amalgamados por Hotland novamente... – Então ela fez uma pausa, como que pensando em algo. – Ele consegue disparar Blasters que nem você? Afinal, o acidente...

— Sim. – Resmungou, lhe cortando a fala, agarrando os braços do esqueleto inconsciente. – Ele parece ter uma fisiologia demasiada símil com a minha. Questiono-me o motivo, achei que Papy e eu fôssemos os últimos esqueletos do subsolo... – Sans tentou soar como se não fosse nada, mas ter o peso de ser um dos últimos espécimes de uma raça sobre seus ombros era realmente horrendo. Tudo graças aos humanos, obviamente. Alphys o fitou com pesar. – Você não tem um corte para suturar, não? – Disse rispidamente.

— Ah, s-sim. – A doutora inclinou-se sobre Red, trespassando uma agulha que tinha o formato de uma semi elipse pelo tecido do ectobody rubro. Sans sentiu um movimento sob suas palmas, porém fora tão súbito e fraco que achou ter sido sua imaginação. – Sem reação, isso não é bom... – Murmurou Alphys. – Até mesmo você chegou a chorar quando tive que cuidar de seu braço quebrado naquela vez que você caiu em um buraco, encoberto pela neve, em Snowdin.

— Eu fiquei inconsciente por um dia inteiro dentro daquele buraco. – Disse com uma risada amarga. – Praticamente moí meus ossos, peguei um resfriado, e ainda ganhei um traumatismo cranioencefálico de brinde.

— Você não teve um traumatismo, Sans. – Retorquiu, fazendo mais um ponto na ferida.

— Eu já fui doutor também, Alphys. Foi um traumatismo craniano, sim.

— Concussão. – Corrigiu ela, dessa vez, Red movimentou levemente seus dedos, o que a deixou aliviada.

— Eu tenho dois PhDs, Alphys. Eu tive um traumatismo. – Insistiu.

— E eu tenho seis PhDs, doutor Comic Sans. – Troçou a fêmea. – E torno a dizer que foi uma concussão.

— Está bem, está bem. – Ele sacudiu a cabeça, dando-se por vencido. – Só não esfregue na minha cara. – Pediu. – Não pude finalizar meu terceiro PhD porque meu orientador morreu. – Subitamente o clima, já não tanto, descontraído esvaiu-se, e o peso das palavras tomou o ambiente.

— Eu tinha esquecido que foi a morte de Gaster que fez com que você deixasse o laboratório e decidisse arquivar nossa pesquisa. – Murmurou, finalizando o último ponto e colocando um curativo sobre a ferida. – Sinto muito, foi indelicado de minha parte.

— Está tudo bem, porém Papyrus precisava de mim. – Falou, como se aquilo fosse uma explicação suficientemente plausível, enquanto ajudava ela a enfaixar o torso de Red.

— E os amalgamados? Estávamos bem perto de descobrir a cura! – Reincidiu Alphys, aquilo era uma velha discussão deles. Talvez fosse a pancada que recebera no rosto, ou o tópico abordado, pois Sans estava começando a sentir dores de cabeça, o que azedou ainda mais seu humor.

— Eu sei... – Limitou-se a dizer. Ele soltou o outro esqueleto e se aproximou da porta. – Já que está tudo acertado...

— Aonde o senhor pensa que vai?! – Disparou Alphys, arrancando a máscara e as luvas para se despuser delas. – Ele precisa ficar sob supervisão. – Ela jogou os apetrechos que usara em uma lixeira próxima, que tinha um símbolo de material contaminante desenhado na lateral.

— E por que você não faz isso, senhorita tenho-seis-PhDs? – Retorquiu Sans.

— Escuta aqui, Sans! – Disparou Alphys, enfurecida, avançando para cima dele, praticamente o encurralando contra a parede. – Estou cansada desta sua alexitimia forçada, desta sua invulnerabilidade da qual nada parece te afetar! Deve haver uma boa razão para você tê-lo trazido aqui, ao invés de simplesmente tê-lo tratado você mesmo. Você pode não ter terminado o seu terceiro PhD, mas você é o monstro mais inteligente que conheço, era o prodígio do laboratório, com QI mais alto que o do próprio senhor W. D. Gaster! – Ela estava levemente corada devido a raiva. – Então pare de engolir seus sentimentos antes que você exploda, e supervisione o maldito esqueleto que você trouxe para cá! – Finalizou, cutucando-o fortemente nas costelas. Sans não respondeu, ficou em silêncio, de cabeça baixa. – Ah, caramba. – Murmurou a doutora após cair em si. – Sans, eu não quis...

— Quis sim. – Cortou ele, afastando-a com um empurrão leve, e direcionando-se para uma cadeira que havia do lado do leito de Red. O esqueleto de azul puxou o capuz por sobre seu rosto, enquanto que se sentava nela. Alphys encarou-o profundamente, sentindo-se mal pelo que havia dito. Ela sabia que Sans teria continuado a pesquisa se não tivesse ficado tão emocionalmente abalado pela morte de seu pai, e o fato de ter acontecido naquele mesmo laboratório não contribuía positivamente com as coisas. O esqueleto havia jurado nunca mais voltar para lá, afinal.

Infeliz, a fêmea percebeu que sua noite de filmes estava acabada.

— Vou alimentar os amalgamados antes que eles ataquem a máquina de salgadinhos. – Comunicou, colocando sua mão sobre o painel da porta, fazendo com que esta abrisse. – Sua senha ainda está no banco de dados. Caso precise de alguma coisa, é só usar o computador para me avisar. – Disse, saindo pela porta.

— Você está certa...

Alphys ainda se virou para poder checar se não tinha sido sua imaginação, mas a porta já havia se fechado, deixando os dois esqueletos sozinhos.

~X~

— Não estou entendendo, revisei meus cálculos milhares de vezes, isso deveria estar funcionando! – Exclamou Gaster enquanto que analisava os papéis presos à prancheta que tinha em mãos.

— Tenho certeza que estão corretos, pai. – Murmurou Sans, deitado no chão, enquanto que mexia em alguns fios sob a máquina. – Deve ser só um fio solto.

— V-Você não d-deveria mexer dessa m-maneira na máquina. Ela é-é delicada. – Gaguejou Alphys, nervosamente.

— A doutora Alphys tem razão, você vai acabar tomando um choque. – Advertiu o esqueleto com a prancheta, porém ele tinha um quase sorriso lhe crispando a face.

— Vocês dois são medrosos demais. – Brincou Sans. – É só mexer nesse fio aqui, inverter o fluxo de corrente... E voilá! - A máquina grunhiu, despertando.

— Isso é maravilhoso! – Exclamou Alphys.

— Está viva! – Gritou Gaster, animado. – Viva!! – Sans saiu de debaixo do aparato, estava sujo de óleo e com um olhar cansado, mas um enorme sorriso de satisfação iluminava seu rosto.

— Certo, doutor Frankenstein. – Brincou o esqueleto menor, enquanto que pegava um pano de uma bancada para se limpar. – Qual será o primeiro voluntário a voltar ao normal?

— Creio que seja imprudente demais fazer isso, talvez um pequeno test drive para garantir que está funcionando corretamente... – Sugeriu Alphys com sua habitual gagueira. Gaster ponderou por um momento a ideia, talvez fosse mais seguro, mesmo.

— Certo, mas com o que poderíamos testar? Apenas os amalgamados são, bem, amalgamados... – Comentou, dando de ombros.

— Talvez apenas executar uma simulação na máquina seja o suficiente. – Disse Sans, indo até o painel cheio de botões e digitando uma sequência de números, símbolos e letras no Prompt. Após clicar em Enter, o aparato começou a emitir um som semelhante ao de internet discada, porém mais irritante, enquanto que processava o comando.

O esqueleto se afastou para ter uma visão melhor do equipamento em funcionamento, e sentiu a mão de Gaster pousar em seu ombro, fazendo com que erguesse a cabeça para fitá-lo. Satisfação e orgulho transbordavam de suas orbes heterocromáticas, deixando Sans orgulhoso de si mesmo, também.

Então, a máquina começou a emitir um barulho estranho, uma sirene desregulada. Sinais de alerta surgiram no painel de comando, assustando a todos.

— Filha da puta! – Xingou o esqueleto menor, recebendo um pequeno beliscão de seu pai pelo palavrão. – Ops, desculpa. – Ele se aproximou do aparato, digitando freneticamente no painel, porém o programa não conseguia executar o reboot de forma adequada, até chegou a mostrar uma tela de carregamento, porém esta congelou por alguns minutos até que pifou.

Luzes vermelhas se acenderam no maquinário em sinal de perigo, o barulho era ensurdecedor. Sans, então, correu para perto da máquina para tentar executar um reboot remotamente.

— Sans, saia de perto da máquina! – Advertiu Gaster, porém a sirene era tão alta que ele não lhe escutou. – Alphys! Vá até o painel de energia e desligue tudo, provavelmente isso evitará uma sobrecarga! – A fêmea assentiu, e saiu correndo do laboratório.

O esqueleto menor tentava manter o maquinário sob controle, mas havia algo errado, o painel de acesso remoto estava em curto... Então, uma dúvida cruzou sua mente: será que havia errado e ligado os fios na sequência errada? Preocupado, ele se abaixou e tentou procurar qualquer problema, a sirene ensurdecendo-o. Finalmente, avistou um pequeno cabo esverdeado que deveria ser o responsável pela bagunça, a fiação estava exposta, provavelmente alguma coisa havia estragado a vedação.

Entretanto, não seria fácil consertá-lo, estava bem longe, teria que ficar totalmente coberto por uma máquina em pane. Mamão com açúcar. Mel na chupeta. Molezinha...

Sans era um esqueleto de baixa estatura se considerasse a altura de seus pais e de seu irmão, todavia, por mais pequeno que fosse, ainda foi dolorido rastejar por baixo do aparato até o maldito cabo responsável por aquela bagunça. As grades de metal lhe arranhavam as costas, a poeira lhe fazia querer espirrar, mas não havia espaço o suficiente para tal espasmo, capaz de bater com a cabeça em algo pontudo e se machucar; sem contar o calor infernal que o sistema de resfriamento da máquina exalava, um cheiro pesado e metálico que parecia lhe sufocar.

Ele tentou se livrar daqueles pensamentos, ficar matutando sobre seus incômodos não consertaria o maquinário. Finalmente conseguiu se espremer o suficiente para chegar a poucos centímetros de onde o fio estava.

— Certo, muita calma nessa hora, e muita hora nessa calma... – Murmurou, respirando fundo. Teria que calcular bem aonde iria segurar para não tomar um choque de centenas de volts. Esticou bem lentamente a mão até está pairar sobre o cabo. – Quase lá...

Então uma válvula do sistema de resfriamento se desprendeu com violência, liberando uma lufada de ar escaldante no rosto do esqueleto.

Ele gritou de dor, perdendo a noção do que estava fazendo ao ficar cego devido à queimadura.

Sua mão se fechou ao redor da parte desprotegida do cabo.

. . .

Havia dor. Uma dor excruciante que parecia que seu crânio iria explodir.

Havia, também, a escuridão. Uma escuridão tão tenra que o desnorteava.

Ah, e uma voz. Abafada. Distante. Mas com certeza era uma voz e não um delírio de sua cabeça febril.

Uma luz forte lhe acertou com a força de um soco.

— Reação imediata das retinas, ele vai ficar bem! – Alguém exclamou, fazendo sua cabeça latejar.

— Falem baixo... Não estamos em uma feira... – Grunhiu Sans, recobrando-se.

— Você teve sorte da doutora Alphys ter desligado o transformador que alimentava o laboratório assim que você tocou naquele fio. – Explicou Gaster, sua voz e linguagem corporal demonstrando que não estava nem um pouco feliz com a manobra arriscada que o filho executara. – O que estava pensando?! Se meter dentro de uma máquina em pane?!!

— Não foi dentro, foi embaixo. – Corrigiu, sentando-se com a ajuda de Alphys. Ele correu a mão por sua cabeça dolorida e sentiu bandagens ásperas de encontro a sua palma. – O que aconteceu? Por que meu crânio está enfaixado?

— O choque que você tomou fez com que seu corpo sofresse um espasmo violento, devido ao pouco espaço... – A doutora começou a explicar, porém ele lhe cortou.

— Eu bati a cabeça. Certo, isso não é nada grave.

— Você bateu com a cabeça na parte quebrada da válvula, causando uma fissura em seu osso occipital. Gaster não conseguiu te puxar para fora, você ficou vários minutos inconsciente e sangrando sob a máquina, além do choque de quase duzentos e vinte volts que recebeu! – Reportou Alphys, externando sua irritação devido a preocupação. Agora que ela havia dito, Sans conseguia ver algumas marcas escuras de fuligem e alguns cortes superficiais em seu rosto.

— Você me tirou de lá?! – Surpreendeu-se, a doutora era extremamente medrosa, nunca que ela teria rastejando para baixo de uma máquina, sobretudo em pane, para salvá-lo.

— Se não está feliz, posso garantir seu retorno para debaixo das ferragens. – Retrucou, de forma ácida. Agora ele estava realmente assustado, aquilo era uma grande mudança de personalidade. Onde estava Alphys, a assistente de laboratório, patética e assustadiça, que havia conhecido?

— Ok, chega de brigas. Alphys e eu vamos terminar de consertar a máquina. – Disse Gaster.

— Eu vou ajudar. – Teimou, tentando se levantar, mas sendo empurrado de volta para a maca pela doutora.

— Não, você vai ficar aqui e descansar.

Após proferir essa frase, a fêmea se ausentou da enfermaria, logo atrás de Gaster.

"Que injustiça..." pensou Sans. "Um choquinho e uma cabeçada nunca mataram ninguém...".

Ele cruzou os braços e encarou a enfermaria, emburrado. Acidentes de trabalho acontecem, se ele ainda conseguia calcular a raiz quadrada de Pi - o que havia acabado de constar - de cabeça, então não havia nada com o que se preocupar.

Ele bufou. Equações. Não era possível que havia errado um dos subprodutos de uma das milhares de equações que havia escrito para desenvolver o software e hardware da máquina. Era o melhor que eles haviam conseguido usando sucata, visto que não sairiam do subsolo tão cedo.

"Levando o fator de que as moléculas de determinação exercem uma força de 10mg² por metro quadrado, elevar seu delta a uma potência exponencial logarítmica não infinita, significaria que o coeficiente deveria ser somado a raiz...".

A quem queria enganar, Sans sabia fazer aquele cálculo até dormindo. Não era de ontem que havia começado a trabalhar com aquele maquinário. Às vezes, Gaster deixava ele brincar com a hipótese de Riemann durante seu horário de almoço para lhe refrescar a mente. Apesar de Sans achar rude confessar que já o havia resolvido da primeira vez, sendo que Gaster precisou de três chances, várias toneladas de café e 42 caixas de giz.

A não ser que fosse algum defeito na planta da máquina. O mais próximo que havia conseguido de ver suas especificações fora durante o desenvolvimento do software, seu pai não queria que ele mexesse nas blueprints por alguma razão.

Artistas e gênios tem suas excentricidades.

"Hum..." ponderou Sans. "Talvez haja um erro de cálculo nas dimensões do conversor, ou algo do gênero.".

Ele chutou os lençóis para longe e pulou da cama, para então cair no chão como um saco de batatas esquelético.

— É, talvez esse choquezinho tenha mexido um pouco comigo. – Resmungou, erguendo-se de forma trôpega.

O esqueleto vestiu seu jaleco - sujo e queimado - para encobrir a nudez de seu torço, então escapou da ala médica a passos leves.

Não precisou caminhar muito para chegar a sala de estudos de Gaster.

Sans avaliou o corredor onde se encontrava, não havia sinal de seu pai, muito menos de Alphys, todavia, nada lhe garantia que em breve decidissem checar se ele realmente estava descansando na enfermaria. Tentou a maçaneta.

Trancada.

Ele reprimiu um xingamento entredentes.

Talvez tivesse que abrir a porta de uma maneira diferente. Enfiou a mão no bolso do jaleco e procurou por alguma ferramenta improvisada. Suas falanges se fecharam em um objeto retangular de plástico. Seu cartão de identificação magnético.

"Quem não tem cão, caça como gato" concluiu, enfiando o cartão entre a porta e a moldura, um pouco acima da fechadura. Forçou a maçaneta novamente, enquanto que empurrava o objeto retangular para baixo, na direção do trinco.

Crack!

Um pedaço do cartão jazia em sua mão, enquanto que o outro estava preso no vão da porta.

— Mas que... ! – Sans tapou sua boca, impedindo que o grito de resignação reverberasse pelo ambiente. Então, para externar seu descontentamento, ele chutou a porta... Que se escancarou.

Boquiaberto, o esqueleto encarou a sala de estudos com a fraca luz que vinha do corredor.

— Nunca mais... – Pensou, surpreso com sua sorte, tratando de entrar o mais rápido possível. Com certeza seus colegas de laboratório haviam escutado o estrondo e logo chegariam para investigar a origem do barulho.

Sans guardou o que restou do cartão no bolso do jaleco. Revirou gavetas, armários, estantes... Qualquer pilha de papel suspeita era averiguada, porém o tempo estava acabando e nem sinal das plantas da máquina.

Ele inspirou profundamente, sentindo-se aborrecido. Havia nadado tanto para, agora, morrer na praia. Seus olhos vagaram pelo ambiente em uma última busca por pistas. Gaster retribuiu seu olhar.

Sans se assustou, tropeçando em vários cacarecos ao recuar. Todavia, não era seu pai de verdade que lhe encarava, mas uma foto emoldurada sua de quando mais jovem, ao lado de sua esposa, ambos segurando sua prole. Papyrus, ainda um bebê, e Sans, ostentando alguns dentes faltando com uma careta idiota.

Um sorriso triste lhe curvou a boca, era estranho ver uma foto de sua mãe. O luto compeliu Gaster a sumir com todas as lembranças de sua amada esposa, incluindo os registros fotográficos.

— Olá, mamãe. – Murmurou, correndo seus dedos pela face benevolente de Arial por cima do vidro.

A moldura, então, inclinou-se levemente, revelando um pedaço de metal fixo à parede.

Suas órbitas se arregalaram. Com cuidado, ele soltou a foto do suporte, colocando-a no chão.

A porta de um pequeno cofre 20x40cm brilhou de encontro a parca luz. Havia um teclado numérico e redondo ao lado de um visor.

 

INSIRA UMA SENHA:

— _ _ _ _ _

 

 

"Seis dígitos?!" Pensou Sans, haviam incontáveis combinações numéricas que poderiam ser a senha, porém o tempo era curto.

 

Ponderou um pouco e digitou o aniversário de Gaster.

 

SENHA INCORRETA

2 TENTATIVAS RESTANTES

 

— Ah, não fode... – Murmurou o esqueleto, tocando a ponte de seu nariz. – Óbvio que haveria um limite de tentativas. – Ele soltou um resmungo frustrado. – Preciso pensar... – Hesitou brevemente.

Relutante, correu seus dedos pelo teclado.

 

SENHA INCORRETA

1 TENTIVA RESTANTE

 

— Como assim não é meu aniversário?!! – A essa altura, Sans estava começando a achar que Gaster realmente não queria que ele tivesse acesso às plantas da máquina. – Mas é claro, deve ser o aniversário de Papyrus. O meu seria muito óbvio!

Digitou os números, porém estancou no sexto dígito.

E se não fosse o aniversário de Papyrus?

O esqueleto mordeu o lábio inferior. Era sua última chance. Estava enrascado até o pescoço. Caso errasse a senha mais uma vez, seu pai não ficaria feliz. Poderia até demiti-lo do projeto!

Ver as plantas eram assim tão importantes? Talvez, se pedisse com jeitinho, Gaster não lhe entregaria os documentos de bom grado?

Então sua mente estalou.

Limpou o que havia digitado, e apertou uma sequência de números totalmente diferente da anterior. Ele cerrou os olhos, implorando para ter acertado.

 

SENHA CORRETA

BEM-VINDO.

 

031415

3,1415.

03/14/XX15.

O valor de Pi.

E o aniversário de Arial.

— Obrigado, mãe. – Ciciou, abrindo a porta e pegando o maço de papéis. Suas órbitas correram pelas folhas, seu cenho se franzindo a cada leitura. – Não pode ser... !

~ X ~

— Pai, precisamos conversar! – Demandou, irrompendo pelas portas do laboratório feito um pé de ventania.

— Sans! – Surpreendeu-se o esqueleto, erguendo o olhar do painel de acesso - no qual estava trabalhando - com um bico de solda. – Você deveria estar na cama! – Repreendeu.

— Onde está Alphys? Precisamos discutir o projeto da máquina. – Insistiu Sans, ignorando-o.

— Eu disse a ela para ir embora mais cedo. Depois de tanta comoção, pensei que uma boa noite de sono seria o apropriado. – Explicou-se, então percebeu o que seu filho carregava nas mãos. – Sans, essas são... ?

— As plantas do projeto da máquina? – Cortou. – Sim. Avaliando-as, pude descobrir qual o problema. – O esqueleto mais velho não demonstrou estar contente com a notícia.

— E? – Instigou Gaster.

— Quando você iria nos contar que não era uma máquina de determinação para corrigir o DNA defeituoso dos amalgamados, mas, sim, uma máquina de guerra?! – Gritou Sans. O outro esqueleto permaneceu em silêncio. – Estou errado, pai?! – Berrou, jogando os papéis na direção de Gaster.

— Não. – Eles respirou fundo. – Compreendo sua frustração...

— Frustração, o caramba! – Retorquiu. – Eu não estou frustrado pelo projeto ser falso ou até mesmo falho, estou irritado porque nem meu próprio pai confia em mim o suficiente para contar que todos esses anos foram gastos construindo uma máquina voltada para essa guerra perdida!

— A mesma guerra que levou sua mãe! – Emendou Gaster. – Só mais uns ajustes e ela poderá quebrar a barreira! Tudo que viemos trabalhando foi em prol dos monstros presos nessa caverna escura!

— Até os amalgamados?! Eles eram monstros comuns até você decidir misturar suas essências com a determinação de um humano! – Esbravejou, Sans. – O que te faz pensar que eles não tinham família, também!?

— Chega! – Gritou Gaster, aproximando-se do filho.

— Você iria, ao menos, contar para a Alphys? – Questionou, Sans, de súbito. Suas órbitas estavam marejadas, apesar de ele ter tentado conter o choro. Não iria perder a pouca credibilidade que tinha, chorando como uma criancinha.

— Não. – Respondeu o cientista, após uma breve pausa.

— E para mim? – Insistiu.

— Sans, eu... – Começou o esqueleto, porém ele não lhe deixou terminar.

— Diga a verdade! – Exigiu. Sans esperou a resposta pacientemente. Todavia, o silêncio soou melhor que qualquer palavra que pudesse proferir. – Eu sabia!

Ele disparou para o painel de acesso remoto, digitando freneticamente no teclado.

— Sans! O que está fazendo?! – Repreendeu Gaster, tentando impedi-lo.

— Este projeto será encerrado aqui e agora! – Declarou, desviando das investidas de seu pai.

— Pare! Você vai quebrá-la! – Advertiu o esqueleto mais velho. Como que para confirmar sua sentença, uma sirene disparou, e mensagens de erro surgiram na tela. – Merda!

A máquina ganhou vida, a parte da frente se abriu, revelando ser um par de escotilhas. Uma energia estranha começou a ser armazenada em um orbe transparente.

Tudo ao seu redor começou a ser sugado, assim como os dois esqueletos.

— Se você falar... – Começou Sans, agarrando-se ao pedestal do controle remoto o mais forte que conseguia.

— Eu te avisei! – Gritou Gaster, cortando-lhe a fala, lutando para se segurar. – Escute, Sans! Eu não fiz por mal, eu juro!

— Eu não quero ouvir suas desculpas! – Retrucou o mais jovem, suas lágrimas escorrendo por seu rosto e sendo sugadas pela estranha esfera. – Eu e Papyrus somos tudo que você tem, e você ainda tenta manter segredo de algo sério como a porra de uma máquina de guerra?!

— Não irei discutir com você! – Retorquiu Gaster, gemendo pelo esforço. A atração que a máquina exercia parecia aumentar a cada segundo, algumas canetas escaparam de seu bolso e foram desintegradas ao tocarem a superfície pulsante do orbe. – Precisamos desligá-la antes que ela se transforme em um buraco negro portátil!

— Ótimo, então apenas escute! Eu instalei um programa de reboot na máquina caso algo desse errado... – Começou a dizer, porém seu pai lhe interrompeu.

— E por que não usou esse seu "programa" há uma hora atrás?! – Repreendeu de maneira ácida.

— Porque não está pronto! – Explicou-se Sans. Ele olhou aflito para a máquina, sua alma acelerada no peito.

O pedestal se inclinou com um gemido metálico, alguns cabos se soltaram e chicotearam perigosamente na direção de Gaster, porém o esqueleto mais jovem conseguiu desviá-los, puxando e arrancando-os de seu lugar, levando um choque no processo.

Sans resmungou um xingamento que com certeza renderia uma reprimenda de seu pai caso suas mãos não estivessem empenhadas em evitar que ele fosse sugado pelo orbe. Em contrapartida, sua boca, não.

— Seu imprudente! – Gritou, irritado. – Assim que consertarmos a máquina, você vai ficar de castigo no seu quarto até segunda ordem!

— Eu tenho 21 anos! – Vociferou Sans.

— E eu tenho 54! Respeite os mais velhos, moleque! Não foi essa a educação que eu e Arial te demos!

— Será que podemos focar no-- – Sua a mão escorregou e ele teria sido sugado caso Gaster não tivesse lhe agarrado a manga do jaleco. Com dificuldade, ele puxou o filho para o pedestal, que soltou mais alguns parafusos, ameaçando se soltar do chão.

— Diga qual o reboot! – Exigiu o cientista.

— Certo, certo... – Sans gaguejou, nervosamente. – Precisamos acionar o painel remoto e forçar a máquina a desligar!

— Só isso?! – Havia certo desapontamento em sua voz.

— EU DISSE QUE NÃO ESTAVA PRONTO! – Defendeu-se.

— Ok, esse painel fica... – Sua preocupação aumentou. – Não! Não, é perigoso demais!

— Não estava pedindo permissão. – Sans soltou o pedestal.

— SANS! – Berrou seu pai, sua alma errando algumas batidas ao observar seu filho voando na direção de sua possível morte.

O orbe tentou suga-lo, todavia, o jovem conseguiu se agarrar no último segundo à lateral da máquina com um baque dolorido.

"Esse garoto vai me enfartar!" pensou Gaster, aliviado ao ver que ele não havia sido obliterado.

Sans empurrou três dedos contra a parte metálica, uma tampa se soltou, e havia um painel exibindo mensagens de erro em meio a vários fios coloridos.

Segurando-se precariamente com uma mão, o esqueleto digitou freneticamente na tela os mais diversos códigos, porém nada parecia surtir efeito.

— Sans! – Chamou Gaster, sua voz soando abafada devido ao barulho. – Qual o problema?

— O código não está funcionando! Ela está recusando rodar o programa!! – Reportou Sans. – Eu... – Ele olhou para seu pai, sentindo a desesperança se apossar de seu ser. – Eu sinto muito, papai...

— Não, eu que preciso me desculpar... – O pedestal se inclinou perigosamente, agora preso apenas por um relés parafuso. – Eu não deveria ter escondido isso de você, não foi justo. – Ele então teve uma epifania. – Sans! Você ainda sabe calcular o volume de uma esfera?

— Que tipo de pergunta é essa?! – Retorquiu o jovem.

— Você sabe?

— OBVIAMENTE!

— Teste surpresa: qual o valor do orbe? – Questionou Gaster.

— Sério? Não é hora para joguinhos! – Retrucou Sans, irritado. A situação era delicada, risco de morte, e seu pai queria aplicar uma prova oral?!

— RESPONDA! – Exigiu.

— Eu não sei! Hum... 30cm? – Chutou, sua mente não estava pronta para algo daquele gênero, não naquele dado momento.

— Como assim "eu não sei"?! Calcule! – Mandou Gaster, ele soltou uma de suas mãos do pedestal e a correu para dentro de seu bolso. Sans olhou para o orbe, fazendo o cálculo de cabeça.

— Aproximadamente uns 35,68 centímetros. – Respondeu. – Por quê?!

— Quanto você pesa? – Indagou ele, ainda revirando seu bolso.

— O que isso tem a ver?!

— Quanto?!

— 45 quilos! – Respondeu, levemente embaraçado. Estava abaixo do peso ideal para sua idade, se bem que sua estatura contribuía levemente com isso.

— Você precisa comer mais verduras. – Repreendeu. – Assim, você não será o irmão mais velho baixinho, Papyrus é 7 anos mais novo e é maior que você!

— Por que isso é tão importante?! Não sei se você notou, mas estamos prestes a sermos absorvidos por uma esfera de pura energia!

— Estou extremamente decepcionado. – Murmurou Gaster forçando a chave de fenda que encontrara em seu bolso contra o parafuso. – Você já deveria ter chegado a conclusão de que são necessários 82,453 quilos para sobrecarregar o orbe.

Sans ficou confuso por um breve momento, então compreendeu as intenções de Gaster.

— Não, pai! – Gritou o jovem.

— Sans. Este pedestal deve ter em torno de 10 a 15 quilos por ser feito de puro metal. Um Osseus sapiens sapiens de 173 centímetros de altura possui o peso médio de 67 quilos... Ainda bem que eu me deixei levar nos últimos meses.

— Não, pai, por favor! Eu consigo arrumar! Eu só preciso de tempo! – Sans tornou a mexer no painel, desesperado.

— Sans, olhe para mim. – Pediu Gaster, ele não obedeceu. – Sans! – Chamou novamente de forma ríspida. Seu filho lhe devolveu o olhar com uma expressão de choro. – Tempo é o que não temos. Faça-me um favor: cuide de seu irmão.

— NÃO!

Porém já era tarde demais, Gaster conseguiu quebrar o último parafuso e a máquina o sugou junto do painel. Assim como ele havia calculado, a absorção de sua massa com a do metal sobrecarregou o núcleo da esfera, e ela implodiu.

O laboratório recaiu no mais tenro silêncio.

Sans caiu pesadamente no chão, lágrimas grossas lhe lavando a face.

— Não, não, NÃO! – Ele se ergueu de um pulo e voltou a mexer no painel remoto da máquina, desejando haver alguma maneira de trazer seu pai de volta.

Mas não havia.

Gaster, e boa parte do laboratório, não existiam mais. A esfera havia absorvido a tudo.

O jovem sentiu um frio esquisito percorrer sua espinha ao perceber que o cálculo estava errado. Seu pai havia desconsiderado a massa dos outros objetos que ela já havia sugado.

A porta se abriu, e Alphys apareceu na soleira com suas roupas civis.

— Desculpe o incomodo, senhor Gaster, porém eu esqueci minha... Sans?!

O esqueleto se virou, pronto para gritar para que ela corresse, quando a máquina explodiu.

~X~

Sans acordou sobressaltado, sentando-se, ofegante.

Um pesadelo.

Claro, era tudo que precisava no dado momento.

Ele se ergueu, tateando ao redor visto que estava na mais tenra escuridão.

— Será que a Alphys esqueceu de pagar a conta de luz? – Murmurou, franzindo o cenho em estranhamento. Ele, então, inspirou profundamente para acalmar sua alma. O esqueleto ergueu sua mão enquanto que invocava seus poderes. Seus dedos brilharam em um azul ciano, iluminando o que lhe rodeava.

Os destroços do laboratório.

E, alguns metros a sua frente, o metal retorcido da máquina que matara seu pai.

Sans gritou, girando nos calcanhares e correndo na direção da porta. Que estava trancada.

— Alphys! Abra a porta! ALPHYS!!! – Berrou, esmurrando a escotilha com toda a sua força.

Faziam anos desde que havia tido um episódio de teletransporte sonâmbulo. Não costumava ir muito longe, normalmente acabava acordando dentro da geladeira ou, nos piores dos casos, no balcão do Grillby's. O que ocasionara algumas situações constrangedoras.

Todavia, se teleportar para dentro de seu antigo laboratório?

Sans tratou de se acalmar, o pesadelo deve ter gerado algum gatilho em si, principalmente por estar no prédio responsável por sua PTSD. Não havia porque entrar em pânico, já faziam 8 anos desde o incidente, não era como se a máquina pudesse criar consciência e atacá-lo, certo?

O pensamento fez com que ele se lembrasse que não precisava da porta para sair dali, o que o fez de pronto.

— Vou catar o Red e dar-- – Ele tropeçou em algo peludo e caiu pesadamente no chão com um gemido. – Mas que... – Sua voz esmoreceu ao ver no que, mais especificamente em quem, havia tropeçado.

O amalgamado canino lhe olhou com curiosidade, então encolheu as orelhas e começou a rosnar, preparando-se para atacar.

— Ei, calma, garoto! – Disse o esqueleto, erguendo as mãos e recuando lentamente, na tentativa de apaziguá-lo. – Não lembra de mim? Sou eu, Sans.

O monstro deformado lhe olhou desconfiado, porém continuou avançando em sua direção com os pelos eriçados. O buraco negro - que havia em sua face ao invés de seu rosto - começou a pingar um líquido gosmento e escuro. As estranhas sombras em formato canino sob seu corpo também rosnavam com suas orelhas abaixadas.

Nesse momento, Sans acabou por tropeçar em seu cadarço desamarrado, ameaçando cair, contudo, conseguiu se manter em pé com gestos bruscos.

O amalgamado atacou, derrubando o esqueleto, e prendendo seu corpo contra seu peito. Sua baba negra lhe lambuzando a blusa branca que usava. O monstro era surpreendentemente pesado.

— Para! Garoto mau! Cãozinho malvado! – Acusou Sans, tentando esquivar do buraco facial do canino. No início da pesquisa, anos atrás, ele havia sido atacado pelo mesmo amalgamado, após um blackout no laboratório que fez as jaulas se abrirem. Acabou descobrindo da pior maneira que um de seus mecanismos de defesa era a asfixia, pressionando o buraco gosmento contra o rosto de sua vítima. Seu pai o havia salvado, atraindo o monstro deformado com comida.

Comida! Sans sempre carregava uma garrafa de ketchup consigo.

Ainda evitando as investidas do monstro, ele tentou mover seu braço sob a pelagem tenra, sem êxito.

— Alphys! – Chamou, virando a cabeça para o corredor. – Ajude-me! – O esqueleto não poderia usar seus poderes estando imobilizado sob o bicho, acabaria se ferindo no processo. – Alp--

Sans engasgou com o líquido gosmento que invadiu sua traquéia quando o amalgamado finalmente conseguiu colocar o vazio de sua face, cobrindo a de sua vítima. O esqueleto tentou espernear, porém uma das sombras lhe mordeu, fazendo com que gritasse de dor.

Não havia como respirar.

Não havia como se mover.

Ainda agonizando por ar, ele conseguiu pensar em um plano C.

Tentando ignorar seu corpo implorando por oxigênio, o esqueleto reuniu o máximo de energia possível e se teleportou.

Suas costas atingiram o piso do corredor alguns metros a frente de onde estava. Nem um segundo se passou e o amalgamado surgiu do teto, caindo sobre si novamente. O esqueleto havia teleportado a ambos por acidente.

Enquanto arfava por ar, Sans notou que o canino parecia desorientado pela súbita mudança de latitude, além que seu corpo volumoso estava sobre sua barriga e pernas, deixando seu peito e braço livres. Rapidamente agarrou a bisnaga e a sacudiu em fronte ao que seria o focinho do monstro.

— Olha, comida! – Anunciou, chamando a atenção do canino, que tentou apanhar o objeto de sua mão. – Na, na, na. – Fez em desaprovação, tirando de seu alcance. – Você quer? Vai pegar! – E atirou a bisnaga o mais longe que pode.

O amalgamado saiu correndo de maneira tempestuosa atrás do condimento. Sans não ficou para descobrir se ele havia conseguido achá-lo, fugiu o mais rápido que pôde.

Queria sair daquele laboratório o mais rápido possível, ter ido lá foi uma péssima ideia. Alphys estava certa, o esqueleto deveria ter tratado Red, ele mesmo.

Derrapou em uma curva no corredor, finalmente chegando a ala da enfermaria. Aproximou-se da porta do leito da contraparte a passos largos e o sensor abriu a escotilha.

Sans abriu a boca para chamar Red quando adentrava o recinto, todavia só teve o vislumbre do suporte de soro vindo em sua direção.


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