— Ei, dorminhoca - Mina riu, cutucando a perna de Chaeyoung com o dedo -, a gente não ia levantar cedo?

No fim, Chaeyoung acabou não voltando ao seu quarto aquela noite. Por que fazer isso se já tinha aceitado que seriam seus últimos dias na Belle Époque? Não precisaria mais seguir as regras se estava de saída. Poderia dormir na cama com Mina uma última vez. Tinha espaço o suficiente ali para ela também.

No entanto, quando acordou, ela não se lembrou tão logo de tudo que fez, falou e pensou na noite anterior, bastante desnorteada por ter sido acordada tão cedo. Ela abriu os olhos mas não demorou a fechá-los novamente por conta da claridade que passava pela janela. Teve tempo, ao menos, de reparar onde estava.

Ainda assim, mesmo que não tivesse a intenção de voltar a dormir, como ela fechou os olhos novamente, Mina insistiu mais uma vez:

— Vamos, amor, eu ainda tenho outras coisas pra fazer...

Ela levantou o corpo e sentou na cama, os olhos só apenas o suficientemente abertos para que pudesse enxergar Mina e seu quarto de forma embaçada.

— Tá bem, tá bem, já acordei. Que horas são mesmo...? - perguntou, mas não precisou de uma resposta porque notou o relógio digital que estava sobre a penteadeira de Mina. - Sete e meia?! Mas você não sai para trabalhar só às oito e meia?

— Depende, mas hoje é domingo, não é por isso que te acordei. Não se lembra mesmo?

As palavras de Mina trouxeram Chaeyoung ao presente novamente. E não foi uma boa sensação, na verdade. Ela estava temendo fortemente aquele dia.

Já sabia que teria de sair, mas aquilo definitivamente não era a pior parte, sua família tinha um pouco de dinheiro e conseguiriam outro lugar para ficar. Talvez precisasse trabalhar para compensar os gastos extras, apesar de ter concordado com eles que faria isso apenas quando terminasse a faculdade, mas podia aguentar aquelas condições sabendo que havia sido sua culpa sair da Belle Époque.

Seu problema era mesmo sua relação com Mina. Quando pensou no quanto seus pais não iriam gostar de saber que estava sendo expulsa da república por namorar outra garota, sentiu um calafrio descer por sua espinha. Foi uma das piores sensações que sentiu em sua vida.

Ela chegou a se perder em pensamentos por alguns instantes mas, como não queria demonstrar aquilo, fingiu uma expressão natural. Não podia deixar que Mina descobrisse que seu relacionamento poderia se tornar um problema especialmente porque... bem, era insegura o bastante para achar que Mina poderia deixá-la por esse único motivo.

Ela era tão autossuficiente e tão dona dela mesma... era bem fácil chegar àquela conclusão, não era?

— Será que conseguimos convencer ela a não nos expulsar? - Chaeyoung perguntou, mantendo a voz tão monotônica quanto podia.

— Difícil... Mas eu não pretendo aceitar isso sem ao menos uma conversa.

Quando as duas saíram para comer na cozinha, encontraram Nayeon sentada no sofá. Estava assistindo algo em volume bem baixo na TV, quase inaudível, enrolada em cobertas. Segurava uma xícara branca de chá preto. Ela não virou o rosto para ver as duas saírem do quarto, mas pareceu já saber quem eram pelo que falou em seguida.

— Vi a senhora sair agora a pouco, estava com duas malas nas mãos. Parece que foi viajar.

Chaeyoung e Mina se encararam por um instante.

— Você tem certeza que ela foi viajar? - Mina perguntou, bem inquisitiva.

— Sim, ué, porque eu mentiria? - Nayeon completou. - Eu não dormi direito essa noite e acabei acordando cedo, fui ver o dia nascer ali da escada e a vi saindo.

— E não fez nada? - Chaeyoung perguntou.

Nayeon olhou-a com uma confusão irritada.

— Queria que eu segurasse ela?

— Podia ter avisado que precisávamos conversar... Mas que merda... - Chaeyoung reclamou a última parte mais baixinho, não diretamente para Nayeon, mas para sua própria frustração. A garota no sofá até chegou a ouvir, mas não deu a mínima. - ... Ela deixou a casa vazia?

— Não, a filha dela está aí, e acho que deve ter vindo cuidar da casa enquanto ela está fora porque também chegou com malas - Nayeon deu um gole que puxou o chá na borda da caneca. Fez um barulho esquisito. - Ela não levou o cachorro e acho que não deve confiar em nós sete pra alimentar ele.

Chaeyoung e Mina se encararam uma última vez, mas não demoraram muito mais para comer e sair para a casa debaixo.

Quando bateram à porta, precisaram esperar uns bons dois minutos para que a mulher aparecesse à porta.

No fim, ela não era tão alta, mas estava de saltos. Descontando eles, não devia ser mais que cinco centímetros mais alta que Mina, que dessa vez estava de chinelos. Chaeyoung, por outro lado, que não tinha mais que 1.60m, achou-a um verdadeiro poste de cabelos loiros tingidos.

— Pois não? - Ela perguntou, ao abrir a porta, um sorriso simples no rosto.

Mina chegou a abrir a boca para falar, mas foi Chaeyoung quem respondeu primeiro.

— Oi... Você deve ser a filha da...

— Filha da proprietária, senhorita Oh, não é? - Mina completou, bastante mais confiante que a namorada. - Nos conhecemos quando aluguei meu quarto aqui em cima, se lembra de mim?

A mulher afagou o queixo pensativamente enquanto tentava se lembrar de seu rosto.

— Você é a que aluga o quarto individual, não é? - ela perguntou, sorrindo mais amplamente em seguida. - Me lembro sim, fui eu que assinei aqueles papéis. Podem me chamar de Jessica, ou Jessi, se preferirem. Querem entrar? Posso servir algo para comerem.

Irônico mesmo era ela mencionar o contrato de locação, Mina pensou, quando era ele o motivo para estarem ali, batendo em sua porta, procurando um meio de reverter a revogação.

— Comemos agora mesmo antes de sair de casa, obrigada - Foi a própria Mina quem respondeu. - Viemos aqui justamente conversar sobre a mensagem que recebemos ontem sobre a ocupação dos quartos. Sua mãe deve ter mencionado algo sobre isso, talvez...?

— Ah, sim... - Jessica respondeu de início, sem saber bem o que deveria dizer, seguindo com as meninas para a sala. Ela indicou que sentassem no sofá e seguiu para uma poltrona que ficava logo ali ao lado, com o pequeno Pug da casa mordendo um brinquedo de borracha deitado no chão sobre o tapete do centro. - Você é a senhorita Myoui, então? E você deve ser a senhorita Son. Tinha me esquecido dos sobrenomes. Sei do que estão falando porque fui eu mesma que mandei aquela mensagem.

Aquela era uma informação bastante importante. Se era ela quem mandava esse tipo de mensagem, podia ser também quem fazia a regra valer. A depender do andar daquela conversa, qualquer palavra que soasse minimamente estranha ou ofensiva podia levar tudo ralo abaixo. As duas precisavam ter bastante cuidado com o que falavam.

— Ah, ela pediu ajuda para enviar a mensagem? - Chaeyoung perguntou, o sorriso mais sincero e a voz mais doce do mundo naquele momento.

— Sim, pediu sim. Minha mãe já está ficando bem velha e não deve conseguir cuidar da república como antes. Estamos aos poucos passando essa responsabilidade para mim.

Ela ficou em silêncio depois disso, e também ficaram Mina e Chaeyoung por algum tempo. O clima era bem constrangedor, deviam admitir, e ninguém se sentiu muito confortável em trocar olhares durante aquela conversa. Mina passou a olhar o chão, sem focar em nada específico, de forma pensativa. Chaeyoung também fingiu que se distraía, mas com o pequeno cachorro, enquanto pensava no que dizer em seguida.

No fim, nenhuma das duas continuou a conversa, foi a própria Jessica.

— Mas vocês não vieram aqui só para perguntar isso, vieram?

Chaeyoung engoliu em seco, mas felizmente Mina pareceu até bastante tranquila para responder àquela pergunta no lugar dela.

— Não, na verdade viemos conversar justamente sobre essa expulsão. Queríamos saber se não poderíamos chegar a algum acordo sobre isso... Eu trabalho para manter meu quarto na Belle Époque e sei que isso não deve ser argumento suficiente, mas eu gosto de ter meu espaço e, bem... lembro também que já procurei outras repúblicas próximas à faculdade quando cheguei e nenhuma era tão agradável e tão dentro do meu orçamento quanto essa. Poderíamos conversar um pouco melhor sobre isso?

Chaeyoung voltou a se sentir culpada mais uma vez. Ela não iria encontrar um lugar melhor... E tudo por culpa sua, porque era descuidada. Mesmo com as recomendações das outras meninas de evitarem beijos à porta ou próximo às janelas, mesmo com a própria Mina alertando que vizinhos também podiam denunciar elas duas, mesmo com a sua própria consciência lhe dizendo que não deveria. Era culpa sua e apenas sua.

— Eu não sei... - a mulher falou, tirando Chaeyoung de seus devaneios. - Não sou bem eu que tomo as decisões por aqui ainda. Até que toda essa questão da passagem da Belle Époque para meu nome termine, e isso deve levar algum tempo, é só com minha mãe, mesmo. Ela quem escreveu as regras e, bem... acho que faz algum sentido a proibição de namoros dentro da república porque pode incomodar as outras moradoras.

A voz de Mina tornou-se um pouco menos confiante e um pouco mais triste ao ouvir aquilo.

— Eu entendo... Sei que escondemos isso dela, também, e não a culpo de forma alguma. Mas, se vale de alguma coisa, não era incômodo para nenhuma das meninas. Elas podem confirmar, se quiser.

Jessica respirou profundamente e balançou a cabeça. Parecia não ter mesmo jeito algum de reverter aquela situação, o que já era motivo suficiente para que Chaeyoung, mesmo sem confiança alguma na voz, tomasse a frente para falar.

— Eu...

Ela disse, engolindo em seco mais uma vez. Precisava consertar aquilo, mesmo sabendo que Mina não concordaria com o que diria em seguida.

— Acho que não adianta insistir muito, não é? Se for um problema, podem expulsar apenas a mim... Mina fica com o quarto dela e só eu saio.

Como esperado, Mina girou o corpo instantaneamente para olhar Chaeyoung nos olhos. Pareceu... irritada? Foi a impressão que Chaeyoung teve de início, mas não demorou à notar que na verdade estava mais frustrada e incomodada do que com raiva.

— Endoidou? - perguntou, e a palavra quase fez Chaeyoung rir, não fosse a seriedade do assunto e de sua voz. - Você não vai sair coisa nenhuma. De onde tirou essa ideia?

— Eu disse ontem que sairia para você ficar, Mina, se precisasse. Não estava brincando.

A mulher na poltrona deu um pequeno risinho discreto, pensando no que tinha acabado de ouvir.

Pareceu... maldoso demais com elas seguir aquela regra tão à risca.

Não era como se aquelas duas tivessem causado algum problema muito grande anteriormente, afinal. Na verdade, podia ir além - nunca tinha ouvido uma única palavra ruim de sua mãe sobre Myoui Mina. Sabia que ela trabalhava o dia inteiro, incluindo alguns dias nos fins de semana, e nunca brigava com as outras meninas. Chaeyoung, por outro lado, tinha cara de ser um pouco mais encrenqueira, mas não causava problemas além de não saber diferenciar o que era seu e o que era de outras pessoas. Mesmo assim, tinha ouvido falar bem mais das outras meninas, como Nayeon ou Sana, que eram bem menos comportadas do que aquelas duas mas nunca tinham recebido nenhuma notificação ou advertência.

Não demorou muito para tomar uma decisão. Como se tentasse chamar a atenção para si novamente, a mulher se levantou da poltrona. Conseguiu o que queria, as duas a olhavam quando abriu novamente seu sorriso.

— Não vamos nos precipitar, certo?

Ela pediu um minuto e foi até a cozinha, que era visível de onde as outras duas estavam. Voltou com uma bandeja nas mãos, com um bule e três xícaras pequenas em cima. Era chá.

— Eu sinceramente não sei bem o que fazer nesse caso, porque ainda não sou dona e não posso tomar esse tipo de decisão sozinha. Mas sei que não foi fácil para vocês duas descerem aqui e virem falar comigo. Não quero que saiam de mãos vazias - Ela serviu as xícaras enquanto discursava. Chaeyoung teve alguma dificuldade em entender se aquilo seria um bom sinal ou não, mas Mina, por outro lado, já estava bastante mais esperançosa e aceitou sua xícara sem hesitação. - Podem ter certeza que não quero que saiam da república por esse motivo bobo, apesar de achar que não vai ser tão fácil encontrar algum meio termo.

A própria Jessi parou um momento para tomar um pouco do chá antes de continuar a falar.

— Eu... posso falar com minha mãe e vemos juntas o que fazer. O prazo para desocuparem o lugar fica indeterminado até ela voltar da viagem, semana que vem. Assim fica bom para vocês?

Agora, Chaeyoung também sorria. Tinha sido bem mais fácil do que esperava, apesar de ainda dependerem da decisão superior que demoraria mais algum tempo para sair. Tinham ganhado tempo e isso era tudo o que importava.

— Está ótimo desse jeito, senhorita Oh - ela disse, bastante aliviada por não ter de ceder seu lugar na Belle Époque.

Jessica se levantou mais uma vez.

— Ficamos combinadas, então. Até porque, cá entre nós, a regra não fala nada sobre namorarem entre si, não é?

Ela sussurrou a última parte e piscou o olho direito para as duas, começando a se direcionar mais uma vez à cozinha.

— Vocês podem ficar o tempo que precisarem. Terminem o chá. Volto à sala em breve, mas não precisam me esperar para sair. Tenho muita roupa ainda para tirar da mala.

Enquanto ela ia saindo, Chaeyoung e Mina sorriram entre si. Tinha dado certo, afinal... mas tinham se esquecido de um detalhe bem importante, e Chaeyoung só se lembrou disso quando Jessi já virava a esquina da parede para entrar em seu quarto.

— Senhorita Oh! - ela chamou, e a mulher interrompeu seu percurso para se apoiar onde estava e olhar para ela. - Esquecemos de uma coisa que gostaríamos de perguntar... Desculpe, pode parecer um pouco estranho, mas é porque envolve as meninas lá em cima e, como sabem que estávamos escondendo o jogo, acho que não tem problema em perguntar...

A sobrancelha da mulher arqueou com as palavras, não entendendo exatamente onde ela queria chegar.

— Como exatamente sua mãe descobriu sobre nós duas?

Jessica apenas riu de início. A pergunta era engraçada, mas a audácia era ainda mais.

Não se preocupou em responder, no entanto.

— Ela me disse que uma mocinha mais ou menos da idade de vocês veio aqui, mas que não foi nenhuma das moradoras da república, se é isso que querem saber.

As duas no sofá voltaram a se entreolhar.

— Então - Mina disse, baixinho. - Não foi mesmo ela?

— Mas então... Quem será que fez isso? - Chaeyoung perguntou, em resposta.