Stand by escrita por Ahelin


Capítulo 1
1


Notas iniciais do capítulo

Nesse, um ataque de patos quase estraga sua comemoração de aniversário.



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— Lysandre Ainsworth, eu juro por Deus, se você não atender esse celular… 

Você bufou, fumaça praticamente rolando para fora de suas orelhas, quando ouviu mais uma vez o som da caixa postal. Deixe seu recado após o sinal, dizia a voz feminina automatizada pelo que parecia ser a quinquagésima vez naquele dia. 

Era seu aniversário de namoro. Dois anos juntos, e a companhia telefônica estava mais perto de comemorar com você do que ele. Ele provavelmente tinha esquecido, o que não seria novidade. Você contou até dez mentalmente antes de tentar mais uma vez, mas o resultado foi o mesmo.

Sentindo a derrota, você atirou o celular na cama e tentou se concentrar em qualquer outra coisa. Era quarta-feira, você tinha duas provas se aproximando na semana seguinte, um trabalho gigantesco cuja data de entrega já batia à porta e, mesmo assim, você não conseguia parar de pensar nele. 

Os planos dos últimos dias passaram por sua mente, a decepção aumentando. Mais um aniversário importante em que vocês não conseguiam se ver, nem mesmo por algumas horas, e nenhuma das suas tentativas de criar um momento romântico deu frutos. A internet na fazenda era rápida como o wifi de uma padaria, então o plano de ver um filme juntos no fim de semana tinha ido por água abaixo. Não existia um maldito aplicativo de comida que entregasse na região, e a taxa de frete de um presente comum era mais cara que o valor da compra, além do fato de que nada parecia bom o bastante. Havia uma floricultura na cidadezinha próxima, mas você desistiu rápido da ideia de dar flores a um homem que vendia, entre outras coisas, flores

Você não tinha algo para dar a ele, mas ainda assim queria ouvir sua voz. Dizer que o amava, que sentia a sua falta, que mal podia esperar a próxima vez em que estariam juntos, mas nada disso seria possível se ele não atendesse a droga do celular. 

Um toque repentino a assustou, mas era sua mãe ligando para perguntar sobre seu dia. Você segurou o grito de frustração e tentou acalmar os pensamentos assassinos que rodeavam sua mente para conseguir ter uma conversa tranquila com ela, mas logo deu uma desculpa para desligar. Não podia arriscar que ele ligasse e a linha estivesse ocupada. 

Às vezes, era tão difícil. 

Você engoliu o sentimento amargo e se aconchegou sobre a cadeira da escrivaninha. Talvez conseguisse aproveitar a energia não gasta para fazer algo de útil. Se perder nos livros e estudar usando puramente a força de uma emoção negativa já era algo comum na sua rotina. As teclas do laptop faziam um barulho mais alto que o normal conforme seus dedos as golpeavam violentamente.

Já passava das dez da noite quando seu celular tocou. Você o atendeu no mesmo segundo, sem pausar para ver a identificação, e enfiou-se sob as cobertas na cama.

— Oi — disse a voz grave do outro lado.

— Oi, Lys. — Você se segurou ao celular como se fosse uma corda salva-vidas, a única coisa lhe impedindo de se afogar em um mar de saudade. 

— Perdão… — Ele estava muito ofegante, como se tivesse corrido uma maratona. — Você não vai acreditar no que aconteceu hoje. 

Mas é claro que você acreditou. A história mirabolante de três patos silvestres entrando na casa e roubando coisas de cima da mesa, incluindo um certo aparelho telefônico portátil, parecia exatamente com algo que aconteceria na fazenda Ainsworth em mais um dia normal. Você riu, imaginando-o correndo atrás dos patos até que o celular foi derrubado em um barranco, e toda a raiva que você estava sentindo foi derretida de seu peito. Ele era precioso, e por isso você nunca conseguia se zangar por muito tempo. 

— Perdão — repetiu ele, agora mais calmo. — Eu planejava ter ligado assim que acabei o trabalho do dia, mas… Perdão. Liguei assim que encontrei o celular. 

— Lys, você ficou procurando até agora? — Suas sobrancelhas se uniram em preocupação. — Você ainda não foi pra casa? Deve estar frio aí. Você acorda cedo amanhã.

A risada dele seria capaz de curar qualquer ferida em seu coração, e deixou uma sensação quente mesmo depois de acabar. 

— Eu tenho um presente para você. Um minuto. — Sons dos dedos dele tocando a tela, apressados. — Pronto. Olhe seu email depois. 

— Eu não consegui preparar nada… — Você suspirou. — Obrigada. Vou retribuir assim que pensar em alguma coisa. 

Por um momento, ele ficou em silêncio. 

— Você já se deitou?

Você colocou a chamada no viva-voz e deitou-se de costas, deixando o celular sobre seu peito. Sobre seu coração.

— Já. 

Alguns barulhos de tecido mexendo depois, tudo ficou em silêncio, o suficiente para que você ouvisse a respiração calma dele.

— Acabei descobrindo por acidente um lindo lugar para ver as estrelas. Se eu fechar os olhos, consigo te imaginar ao meu lado.

Você riu baixinho.

— Se você fechar os olhos, você não consegue ver as estrelas.  

— Se você estivesse mesmo aqui, eu não estaria olhando para as estrelas de qualquer forma.

Vocês ficaram em silêncio por algum tempo, aproveitando a companhia um do outro mesmo de tão longe. Mesmo que fosse difícil às vezes, você nunca demorava a se lembrar o porquê de estar fazendo isso. 

Já era tarde, ainda mais para ele, que acordava todos os dias ao nascer do sol. Um celular desaparecido por horas, ainda mais sendo o celular dele, certamente não tinha muita bateria restante. Você sabia que era hora de se despedir.

— Eu te amo, Lys.

A resposta veio em um piscar de olhos. Ele nunca hesitou.

— E eu amo você. Feliz aniversário. 

— Feliz aniversário. Tome um banho quente quando chegar em casa — você ordenou. — E não vá para a cama sem jantar. Tente dormir um pouco mais, já é tarde. 

— Obrigado, vou me lembrar disso. — Pela voz dele, era possível adivinhar que estava sorrindo. — Até logo, minha vida. 

Você engasgou, ainda sem se acostumar com a emoção dos nomes carinhosos. 

— Até logo, Lys. 

A próxima ligação poderia ser em semanas, talvez meses, mas naquele momento nada disso importava. Seu amor permaneceria o mesmo até lá. 

Assim que a linha foi desconectada, você se apressou até a escrivaninha novamente e abriu o laptop, seus dedos nervosos digitando o endereço de seu email. Ali estava, com o assunto “feliz aniversário”.

 

Queria algo que mostrasse como penso em você a todo instante. Esta é a melhor forma que pude encontrar.

Amo você.

Seu,

L.

 

A mensagem era curta, e havia um anexo. Um arquivo sem título em pdf. Ao abri-lo, você quase caiu da cadeira. Era uma digitalização de pequenas páginas escritas à mão.

Um bloco de notas.

Logo de início, você se emocionou, achando que era uma música ou poema escrito sobre você, mas conforme seus olhos corriam pelas frases espalhadas e fragmentadas, a realização lhe atingiu: não era uma passagem curada e escolhida à mão, nem um texto específico planejado e editado… O bloco de notas completo. 

Lysandre acabava de oferecer uma janela para seus pensamentos, e você estava ali, por toda parte. Páginas e páginas de inspirações, versos, memórias, e você, seu nome, seus nomes juntos, pequenas ideias sobre você, sobre o futuro de vocês dois. 

As lágrimas estavam escorrendo, e não houve nenhum esforço de sua parte para pará-las. Era tão íntimo, como se você estivesse vendo a alma do homem que amava, completamente exposta. Era o melhor presente do mundo.

Imaginá-lo indo à cidade, pedindo a Leigh ou a alguma gráfica para digitalizar o bloco, trouxe outra onda de emoção. Lysandre era um idoso confuso com a tecnologia aos 20 anos, e fazer isso deve tê-lo obrigado a sair da zona de conforto várias vezes. 

Ele era precioso, e por isso você esperaria o tempo que fosse preciso até o dia em que pudessem estar um nos braços do outro outra vez. 

Você enviou o arquivo para a impressora, já pensando em como recortaria e encadernaria as páginas em casa, sabendo que leria um pouquinho todas as noites antes de dormir. 

Então, uma ideia. 

Você abriu a gaveta da escrivaninha onde descansavam algumas dezenas de estudos. Desenhos em grafite, em tinta acrílica, em carvão, trabalhos acumulados desde a primeira aula eletiva de Artes Plásticas. Todos estes guardados retratavam a mesma pessoa: o rosto, as mãos, o cabelo, os olhos. Lysandre era tão lindo que desenhá-lo havia sido seu objetivo desde o começo, e você conhecia de cor cada uma de suas características.

A maior parte dos desenhos estava incompleta, alguns eram estudos anatômicos levemente constrangedores — os verdadeiramente constrangedores, você manteve no fundo da gaveta e fingiu que não existiam —, mas era uma forma de ele saber que você também tinha apenas uma pessoa em mente, a todo momento. 

Você juntou os desenhos sobre a mesa, e os levaria ao correio no dia seguinte. Talvez com uma carta, se conseguisse encontrar um papel decorado. Lysandre adoraria receber uma carta de amor. 

Um suspiro contente escapou de seus lábios e você se aconchegou sob os cobertores mais uma vez. Antes de dormir, você o escreveu uma mensagem.

 

Foi o melhor presente que já ganhei na minha vida. Você vai ter que se esforçar muito se quiser superar esse no futuro. 

 

O sono veio rápido, os sonhos com ele mais comuns que sua própria respiração. De manhã, uma resposta te esperava. 

 

Para te impressionar, farei meu melhor.


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