Era Uma Vez... Uma Ilusão escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 8
7. Desrespeitosa? Eu não fui desrespeitosa com ninguém.




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— Minha princesa? Minha princesa! Acorde, por favor. — Ouvindo uma voz distante, Cathrine tirou lentamente o braço do rosto e abriu sonolenta os olhos. Era Lady Newport, e sorrindo docemente. — Ainda está viva, graças a Deus! Está na hora de levantar, madame.

— Levantar? Mas já? É tão cedo. — A condessa riu com o comentário da marquesa. Sorrindo amplamente, Cathrine começou a levantar... até que os olhos dela arregalaram ao ver todas as damas de companhia envolta da cama. — Acho que hoje vou dormir até mais tarde. Voltem depois, amanhã, se possível.

Não dando nem mesmo a chance delas falarem, Cathrine deitou-se de costas para as damas e cobriu-se com um lençol. Nada, absolutamente nada, e nem ninguém, poderia estragar a alegria dela. Uma noite tão maravilhosa como a anterior só poderia ser sucedida com uma manhã igualmente feliz, embora talvez já tivesse passado do meio-dia.

— Por favor, minha princesa, agora não... Lady Carlisle!? — Apesar dos olhos fechados, a princesa escutava atentamente o que acontecia e franziu o cenho com a exclamação de Lady Newport. — O que a milady vai fazer com esse...? Não!

— Faça-me o favor, Beatrice, não sou obrigada a aguentar isso. — Cathrine teria então todo prazer em demiti-la. A voz da condessa estava impaciente, assim como mais próxima. — Eu tive dez filhos, enterrei três, casei uma e tornei-me avó, duas vezes, como acha que consegui sobreviver? Certamente que foi não com permissividade.

— Mas... oh, Deus meu! — Passos cada vez mais próximos foram ouvidos após a exclamação de Lady Newport.

O que estava acontecendo? Por que do silêncio?... por que Cathrine estava com um mal pressentimento!? Logo, porém, os passos pararam e a princesa sentiu algo se aproximando. Por Deus, que não fosse nada... antes mesmo do pensamento dela ser completo, um súbito, e terrivelmente estridente, badalar de sino foi feito no ouvido da princesa. Levantando-se abruptamente, Cathrine encarou assustada as damas.

Lady Carlisle, usando de uma expressão impassível, afastou-se da princesa e forçou um sorriso. Ela tinha na mão uma… sineta... Não era assim que se tratava uma princesa!

— Espero que sua noite tenha sido agradável, Sua Alteza Sereníssima. — Arfando assustada, a única ação da princesa foi assentir. A condessa sorriu satisfeita e apontou para a penteadeira. — Seu vestido para o café da manhã já foi escolhido, e ficaríamos muito gratas se a madame pudesse levantar.

E havia outra opção? Abaixando a cabeça e fitando o chão, a princesa novamente assentiu e levantou da cama, claro que tendo todo o cuidado para cobrir-se o máximo possível com um lençol.

— Oh, minha criança, não há necessidade alguma de timidez. — Rindo quase desdenhosa, Lavinia Spencer aproximou-se da marquesa, que fez uma terrível careta desgostosa. Lady Spencer ainda tentou calmamente remediar: — Todas aqui sabemos como é perder a virgindade, da mesma forma que todas aqui conhecemos as sensações do dia seguinte.

Apesar dessas boas palavras, a princesa cobriu-se mais ainda. Cathrine, fracamente, não queria saber da intimidade de ninguém, e nem que os outros soubessem da dela. O quarto entrou num constrangedor silêncio, que findou apenas quando Lady Carlisle, junto de sua impaciência, lembrou a princesa do "toilette". Lady Cavenbush acompanhou Cathrine a penteadeira.

Logo após isso, um grupo de criadas, algumas até com baldes de água, entrou no quarto e, novamente algumas, foram levadas ao lavatório pela condessa de Paston. A viscondessa Chartents foi então abrir as muitas cortinas do lugar, enquanto a baronesa Cavenbush ajudou Cathrine a lavar o rosto e depois começou a auxiliá-la na limpeza dos dentes. Poderia parecer estranho, mas a constância do ritual de limpeza era reconfortante.

— Poderia vir aqui, Lady Spencer? — Pelo reflexo da penteadeira, Cathrine viu Lady Newport e Lady Spencer analisarem um lençol. As duas se entreolharam, assentiram e, por fim, Lady Newport entregou o lençol a uma criada. — Junte com os outros e mande lavar.

— Perdão, minha marquesa, mas terei que me ausentar por um momento. — Com uma mesura e cabeça baixa, Lady Spencer saiu rapidamente do quarto.

Encarando a criada juntando os lençóis e depois a porta, a princesa franziu levemente o cenho. O que exatamente estava acontecendo? Cathrine poderia estar sendo arrogante, até mesmo um pouco prepotente, mas ela sentia-se vigiada, como se todas as ações dela estivessem sendo julgadas. Talvez fosse apenas uma sensação, mas... encontrando o olhar analisador de Lady Carlisle, Cathrine voltou aos dentes.

— Lavinia é irlandesa, minha princesa, então não dê muita atenção ao que ela fala ou faz. — Limpando a boca após o enxaguatório bucal, a princesa encarou Lady Carlisle. O que isso deveria significar? A condessa sorriu arrogante. — A Irlanda é para nós o mesmo que a Noruega é para a Dinamarca.

— A Dinamarca não considera a Noruega inferior, milady. Estamos numa união igualitária. — Era o Reino da Dinamarca e Noruega, dois reinos, Cathrine mesma era princesa da Dinamarca e Noruega. Não havia inferioridade. Lady Carlisle, porém, riu arrogantemente.

— Sendo assim, a Irlanda não está numa posição tão ruim assim. — Os olhos de Cathrine arregalaram, Lady Carlisle ofendeu a Dinamarca. A princesa iria protestar, mas a dama das vestes sinalizou para ela calar-se. — Agora, vá tomar seu banho e, por favor, não demore mais que o necessário.

Mesmo não querendo, ela cedeu obedientemente, o que também foi feito com as outras ordens subsequentes. Logo a princesa foi vestida e depois levada à sala de jantar informal. Parando um momento na porta, Cathrine fechou os olhos, respirou fundo e então abriu as portas duplas da sala.

— ... e como você saberia se nunca esteve na Alemanha...? — Richard parou e encarou a esposa parada estática na entrada, uma ação que foi seguida pelos outros três.

Parados, assim como em silêncio, os Bristol fitaram a marquesa, depois uns aos outros e, novamente, a marquesa. Cathrine quase não conseguia manter-se de pé, e quase caiu para trás quando Anne, Robert e Mary levantaram juntos e fizeram uma mesura. Por reflexo, pois não poderia ser de outra forma, a princesa assentiu e aproximou-se, mas... onde ela ficaria?

Apesar de haver vários lugares na mesa, os quatro sentavam basicamente um de frente para o outro. E onde ela ficaria? Por direito seria a frente do marido, mas Anne já ocupava esse lugar. Anne fitou o irmão e negou irritada, mostrando que não sairia de onde estava.

— Talvez você... — Visivelmente sem saber o que fazer, Richard fitou a esposa e apontou para a cabeceira.

— Poderia sentar logo na cabeceira e acabar com tudo isso, Richard? — Irritada e impaciente, Anne roubou a palavra do irmão, que levantou-se e sentou à cabeceira da mesa. — Creio que agora todos possamos fazer o desjejum em paz.

Cathrine, porém, continuou em pé. As forças para uma ação deixaram ela, era como... se a cabeça dela não estivesse funcionando direito. Todos os quatro a encaravam, alguns com pena, como Richard e Mary, outros arrogantes, Anne, e ainda havia o olhar indiferente de Robert. Havia como sentar?

— Está sentindo algo, Cathrine? — Além de um incapacitante medo? A princesa negou veemente, mas permaneceu onde estava. Suspirando, Richard apontou ao antigo lugar dele. — Sente-se, por favor, esse é o seu lugar. E caso deseje algo, é só tocar a sineta.

E Cathrine era uma idiota para não saber disso? Novamente assentindo, a princesa afastou a cadeira e sentou. Bastou apenas isso para os três mais jovens voltarem ao desjejum, enquanto Richard continuou a fitar a esposa com um sorriso. O silêncio instaurou-se na sala, o que fez Cathrine começar a analisar os cunhados. Robert comia ovos mexidos, Mary tinha torradas com geleia e Anne... pão e manteiga...

— Você vai comer só isso, Anne? — Todos imediatamente pararam e a encararam perplexos, principalmente a ofendida Anne. — E-eu... perdão pela ousadia, mas...

— Vou sim, Cathrine. Algum problema com isso? — A marquesa negou e buscou com o olhar a ajuda dos outros, mas não fizeram nada, ou melhor...

— Onde está sua educação, Anne!? Ela é a marquesa! — Robert exclamou surpreso, embora com um pequeno sorrisinho. A princesa deu ao irmão um olhar fulminante, fazendo ele voltar aos ovos. — Tudo bem, não está mais aqui quem falou.

— Anne está se preparando para sua apresentação à corte em março. — Qualquer discussão foi então suplantada pela doce voz de Mary, embora ainda tenha recebido um olhar descontente de Anne. — Ela não deseja engordar, por isso come apenas pão e manteiga no café da manhã.

— Isso quando ela não encontra algum problema com a manteiga. — Richard acrescentou num tom desdenhoso, fazendo com que todos rissem, nem mesmo Anne conseguiu conter um sorrisinho. — Todos aqui deveríamos ser como Robert. Olhem ele, come o que deseja, sem dar importância alguma as consequências.

As risadas continuaram, principalmente quando Robert tentou responder e acabou cuspindo alguns pedaços de ovos mexidos em Mary, que levantou-se em horror.

— Onde está sua educação, Robert? Oh, que nojo!

— Na minha cama em Hampton Court. — Após beber um pouco de chá, o duque de Kendal respondeu, o que não mudou em nada o horror da princesa mais jovem. Robert revirou os olhos. — Não é pra tanto, Mary, acalme-se.

— Ouso dizer que nem em Hampton Court ela esteja. — Ouvindo o comentário do marquês, Robert fingiu ofensa, mas riu logo em seguida.

Houveram mais alguns risos e depois apenas o silêncio restou. Cathrine começou então a servir-se, ainda que não estivesse completamente satisfeita com o resultado dessa primeira refeição, mas ainda não tinha acabado, não é?

*****

Acabando seu desjejum, Richard cruzou as mãos sobre a mesa e fitou fixamente os irmãos... ou melhor, fitou fixamente Anne. Depois do que aconteceu, ele sentia-se compelido a conversar com ela sobre Cathrine, e Anne percebeu. A princesa, porém, ao acabar o desjejum, simplesmente o ignorou.

— A família real ainda está em St. James, eles só retornarão a Windsor amanhã. — Nenhum dos irmãos deu atenção a Anne, nem mesmo Cathrine, apenas Richard fitou curioso a irmã. Isso significava quê? A princesa fitou de volta o irmão e depois a marquesa. — Você deveria fazer uma visita a rainha, Cathrine.

— A rainha!? — Quase derrubando o bule de chá, a princesa exclamou assustada. Todos a encararam, mas nem isso a impediu de negar. — Mas nem mesmo apresentada a corte eu fui!

— Não precisamos de uma apresentação a corte para visitar o rei e a rainha. — Mesmo num tom calmo, a voz de Anne ainda soou superior, principalmente quando ela acrescentou sorrindo arrogantemente: — Nós somos os Tudor-Habsburg.

— Ainda assim...

— O rei e a rainha eram amigos íntimos de nossos avós. Eles viram mamãe crescer, casar e até mesmo nos parir. — Também acabando seu café da manhã, Robert interrompeu a marquesa, que não ficou mais calma. O príncipe mais jovem riu consigo mesmo. — Ouso dizer até que eles trocaram nossas fraldas.

— Eles não trocaram nem as dos 15 filhos deles, então imagine as nossas. — Richard respondeu franzindo o cenho, Mary riu divertida, enquanto Kendal revirou os olhos.

— Foi apenas para deixar mais claro, Richard. — E que clareza, o marquês negou com desdém. Não gostando disso, Robert voltou-se à cunhada. — Seu marido é um careta, Cathrine, fique avisada. Não sei como você aguentará ele pelo resto da vida.

Cathrine não riu dessa gracinha, e muito menos sorriu, ela apenas fitou a mesa de cabeça baixa. Talvez eles não estivessem entendendo os medos e dificuldades dela, com certeza não estavam. O coração de Richard apertava só de pensar no que a esposa sentia, tanto que encarou Anne com um olhar censurador.

— Não é necessário uma convocação? — Antes, porém, que Anne pudesse falar algo, Cathrine perguntou receosa.

— Por que seria? Ambas são consortes de monarcas europeus, príncipes alemães, ainda por cima. — A resposta da princesa não encheu a marquesa de confiança, Cathrine mordeu os lábios. Tentando fazer algo, Richard negou para Anne, mas ela não deu importância. — A única diferença é que, enquanto a rainha é casada com o rei da Grã-Bretanha, você é esposa do… insignificante príncipe de Niedersieg.

— Sua consideração por mim é comovente, Anne. — A resposta dela foi um simples sorriso zombador. Comovente, Richard revirou os olhos e voltou-se a Cathrine, sorrindo docemente. — Você não é obrigada a nada, Cathrine. Se não quiser ir, não vá.

Além do mais, não faltariam oportunidades para ela estar com a família real. O sorriso doce de Richard permaneceu, ele queria mostrar toda a confiança para Cathrine, que ela poderia dizer não. Porém, antes mesmo de responder, a marquesa acabou olhando para Anne, para a expressão descontente dela... porcaria!

— Acho que... seria próprio para minha nova posição. — Oh, não, ela cedeu! Richard fechou os olhos e negou, muito diferente de Anne, que sorriu vitoriosa. O desprazer era visível na voz de Cathrine. — Devo me acostumar...

— Sendo assim, eu irei com você. — Mary bebeu rapidamente o resto do seu chá e levantou-se. Pelo menos havia alguém que se importava. — Quero muito saber porquê Sophia não foi ao casamento ontem, e Mary também, claro.

— Muito provavelmente Sophia estava com alguma nova paixão por aí. Será tão velho quanto o anterior? — Desinteressada, mas ao mesmo tempo zombeteira, Anne comentou. Logo Cathrine e Mary saíram da sala. — Agora que as duas princesas encantadas foram embora, creio que também...

A voz dela começou a afastar-se da cabeça do marquês, embora Anne permanecesse onde estava. Richard novamente cruzou as mãos sobre a mesa e pensou: de fato, agora que elas saíram, eles poderiam fazer algo, ou melhor, ele faria algo. Havia uma coisa que estava incomodando muito o marquês, e deveria ser falado logo, ou traria amargas consequências.

— Eu ainda não lhe dispensei, Anne! — A princesa, que já havia levantado, parou onde estava e encarou o irmão sem entender. Também levantando-se, Richard acrescentou: — Há algo que desejo falar com você, algo muito importante.

— Sobre?

— Você sabe muito bem. — Foi o suficiente para fazê-la entender, Anne colocou uma desdenhosa expressão no rosto. Richard, porém, tentou manter uma firme calma. — É sobre Cathrine.

O desdém dela apenas aumentou com a menção da marquesa, confirmando assim as suposições de Richard. Ambos os irmãos, por mais incrível que fosse, se encaravam friamente, havia uma tensão no ar...

— Alguém vai se dar mal hoje! — Porém essa tensão foi destruída com as risadas de Robert. Ele encarava a discussão dos irmãos com vivo interesse, mesmo recebendo de Anne um olhar fulminante. — Continue, Richard, não se acanhe com a minha presença.

— Saiu daqui. — O marquês apontou para a porta, mas Kendal nem se moveu. — Robert!

— Não posso, ainda tenho que tomar meu café. — E Robert ainda teve a ousadia de colocar uma expressão séria no rosto. — Eu preciso do meu café.

Que seja então. Richard revirou os olhos e depois voltou-se a irmã. Anne mantinha a cabeça erguida, em plena dignidade, mas ele estava disposto a torná-la humilde, caso necessário.

— Anne, você agiu de forma muito desrespeitosa com Cathrine.

— Desrespeitosa? Eu não fui desrespeitosa com ninguém. — Ofendida, a ação, muito previsível, de Anne foi negar veemente, embora ainda séria e indiferente. Richard odiava essa característica dela. — Eu desrespeitei ela, Robert?

Ambos voltaram-se para Robert, cada um esperando que ele tomasse um lado, o que fez o sorriso dele rapidamente morrer. Se Robert achava assim tão engraçado discussões, por que ele também não começava a tomar parte nelas?

— Eu... não pareceu um desrespeito, não do meu ponto de vista. — Um sorriso vitorioso surgiu no rosto dela. Ainda assim, Richard tentou manter-se composto, principalmente com o acréscimo de Robert. — Embora houvesse raiva, você tem que aceitar, Anne.

Agora foi Richard que sorriu vitorioso. Exatamente, Anne mostrou raiva naquele momento! E não foi apenas mostrar em silêncio, ela falou, assustou Cathrine. Naturalmente, a princesa irritou-se.

— Vocês sabem muito bem que não gosto quando tentam controlar minha vida ou dão palpites! — Anne era uma princesa, ela queria o que da vida!? Richard negou, mas Anne assentiu. — Não gostei do que Cathrine disse.

— Parece tudo uma grande tolice...

— Fique satisfeito por tê-la, ainda assim. — Dos olhos dela quase saia fogo, por isso então Richard optou por calar-se. — Agora, se meu marquês me der permissão, irei preparar nossa volta a Hampton Court.

Com uma teatral mesura, assim como igualmente emotiva, Anne saiu em direção à porta principal. Que odiável, essa situação, no caso, Richard odiava brigar com os irmãos, principalmente numa situação dessas.

— Então voltaremos a Hampton Court? Eu pensava que iríamos para Amelian House. — Enquanto Anne saia e Richard pensava, Robert divagava altamente. Suspirando, o marquês assentiu. — Por quê?

— Porque nossa nova marquesa consorte ainda não se acostumou-se conosco. Mas ela não poderia fazer isso em Amelian? — Parando praticamente em frente a porta, Anne respondeu irônica. Ela deveria realmente ter algo contra Cathrine, só poderia ser isso. — Talvez cheguemos lá apenas no Natal.

Novamente Anne virou, mas, no mesmo momento que ela tocou na maçaneta, Richard falou:

— Você poderia chamá-la para ajudar nos preparativos do nosso retorno. — Dessa vez, porém, Anne não voltou-se para trás.

— Mas preparar o quê? Não trouxemos bagagem, não vamos levar nada. — O único barulho que sobrou na sala foi as divagações de Robert. O marquês ainda esperava uma resposta. — A única coisa que trouxemos foi a prataria...

— Irei pensar sobre isso. — Não era um sim, nem um completo não. — Claro que apenas se elas chegarem cedo o suficiente.

— Mas uma coisa, Anne. — A princesa abriu a porta, mas parou com o chamado do irmão. — Quando você passará para Cathrine as funções de senhora da casa?

— Quando eu bem achar melhor.

Depois disso ela abriu a porta e saiu. Foi... uma conversa difícil de categorizar. Suspirando cansado, Richard afastou-se da cadeira e saiu em direção...

— Não! Agora somos nós que vamos conversar. — O príncipe mais novo correu para frente do irmão, ele sorria com malícia. Richard não gostou desse sorriso. — Como é?

— Como é o quê? — Levantando uma sobrancelha, o marquês perguntou. Ainda assim, o sorriso de apenas Robert aumentou. — Não faço a mínima ideia do que você está falando.

— Comer uma mulher, Richard? E o que mais seria?

— Você deveria procurar a igreja, irmãozinho, seus pensamentos estão bem impuros. — Desviando-se dele, Richard afastou-se indo em direção a porta. Ficando para trás, Robert negou ofendido. — Vou cuidar da minha vida agora, sugiro que faça o mesmo.

— Mas você não pode me deixar no escuro! — Juntando-se com o irmão na porta, Robert protestou, mas o marquês deu os ombros. — Eu vou descobrir sozinho! Talvez com uma atriz!

A única coisa que Richard fez foi rir alto e negar, boa sorte para Robert então.

— Duvido que alguma delas aceite.

*****

— O Egito encontra-se quase que totalmente ocupado pela República Francesa, cujo governo centralizado no Cairo, e presidido pelo general Bonaparte... — Sentado no seu escritório lendo atentamente o último relatório sobre a ocupação francesa do Egito, George III foi interrompido pela entrada da rainha Charlotte, mesmo que imediatamente ele tenha voltado. — prepara-se para conquistar a Síria. Os mamelucos são praticamente o último grupo...

— Está quase na hora, George. — Ouvindo a voz da esposa, o rei voltou a encarar a rainha, ela estava séria e aproximando-se — Lembre-se do que o médico disse: nada de elevadas preocupações externas.

— Pois as internas já bastam. Os próprios duques reais quase me levam a loucura. — E quando não foi assim? Negando consigo mesmo, o rei começou a arrumar os documentos oficiais. — Ele já chegou?

— Não, mas enviou nosso principal motivo de preocupação. — Muito do feitio dele desfazer-se das obrigações, George novamente negou e fitou a impassível rainha.

— E ela? — Que também era uma preocupação. Charlotte simplesmente fez que não, embora tenha suspirado em seguida. — Eles logo chegarão, não podem recusar uma convocação real.

Ninguém poderia, não importa qual fosse a posição do convocado. Levantando-se da mesa, o rei aproximou-se da rainha, pegou o braço dela e ambos saíram juntos do escritório... em silêncio. Havia uma certa tensão entre o casal real, embora nenhuma discussão tenha ocorrido entre os dois, esse na verdade era o efeito do mal-humor de Charlotte. Quando o problema não era ele, estava com ela.

O rei e a rainha cruzaram praticamente todo o St. James em silêncio, até que chegaram em frente à porta da sala de estar dos apartamentos privados da família real. Enquanto esperavam as portas serem abertas, Charlotte avisou:

— Nem todos chegaram, e nem todos estarão presentes. — Naturalmente, afinal, nem todos viviam na Inglaterra ou eram desocupados. A rainha fechou fortemente os olhos e, abrindo-os, fitou George. — Espero que agora, com todos juntos, possamos colocar alguma ordem nesta constrangedora situação.

— Acontecerá o que tiver de acontecer, meu amor. — Levando uma mão ao ombro da esposa, o rei respondeu amorosamente. Ela fechou os olhos dolorosamente, mas assentiu. — Podemos tentar novamente, caso tudo dê errado, ou até mesmo mudar nosso foco.

— Só estou preocupada com o que povo irá pensar. — Colocando uma mão encima da dele, a rainha respondeu. Uma preocupação justa, principalmente nesse momento. — Onde já se viu isso? O príncipe e a princesa de Gales separados? O que virá depois, um divórcio!?

Isso... seria o pior desastre que poderia acontecer, embora não fosse... evitando qualquer pensamento assim, o rei sorriu confiante a rainha e negou. Nenhum deles deveria pensar no pior. A porta começou a ser aberta e a conversa acabou. Voltando a postura régia de antes, George e Charlotte deram novamente os braços e entraram na sala.

Os cinco príncipes e princesas presentes fizeram uma longa e respeitosa mesura aos pais. William, Augusta, Elizabeth, Ernest e Adolphus... de fato, nem todos estavam presentes, mesmo os que deveriam. Passando o momento das mesuras, os três príncipes aproximaram-se dos pais, enquanto Augusta e Elizabeth voltaram a harpa e o caderno de desenhos, respectivamente.

— Não era para George estar presente, papai? — O príncipe Ernest foi o primeiro a falar, e, como não recebeu resposta alguma dos pais, acrescentou: — Frederick foi chamá-lo já faz horas e ainda não voltou.

— Já eu me pergunto o porquê fomos chamado, George considera nossa opinião tão importante quanto uma mosca na merda. — Já estando acostumados com a língua de William, o rei e a rainha nada disseram, mesmo sendo uma verdade. — E onde está...

Interrompendo a fala do duque de Clarence, o príncipe Augustus entrou sorridente na sala, estava cada vez mais próximo da conclusão.

— Estamos em uma conferência familiar? Mas que bela imagem! — Rindo consigo mesmo, Augustus fez uma mesura aos pais e depois analisou a sala. — Mas onde está Sophia... e Mary também, claro?

— A anjinha está brincando com Charlotte nos jardins. — William respondeu, acalmando um momento o casal real por saber onde a neta estava, e com quem estava.

— E Mary também está junto, claro. — Ainda dando mais atenção ao caderno, Elizabeth respondeu irônica, embora bufando logo em seguida. — Quando George chegará? Eu quero voltar aos meus afazeres.

Com a reclamação da princesa, Ernest sussurrou algo para Adolphus, que negou revirando os olhos. Deveria ser alguma piada sobre o peso de Elizabeth. Augustus simplesmente deixou o grupo e foi sentar ao lado de Augusta, que passivamente passou a harpa para ele. Fitando um ao outro, George e Charlotte negaram, que bela família eles tinham.

No momento, apenas com essa visão, eles poderiam realmente se iludir com a perfeição, mas bastava analisar o que estava acontecendo e toda essa perfeição acabava.

— Tem certeza do que ouviu ontem, William? — Tentando não dar atenção a essas coisas, o rei perguntou ao duque de Clarence. Parecia uma história tão... possível de acontecer. — O príncipe de Gales realmente planeja retomar seu relacionamento com Fitzherbert?

— Foi o que ele disse, agora se fará... isso não posso assegurar. — O que tornava apenas as coisas piores. Suspirando, George assentiu ao filho. O grupo ficou um momento em silêncio, até que o próprio Clarence quebrou: — Caroline virá realmente? Tenho a sensação de que...

— Caroline não faria tamanha descortesia, embora... acho que faria sim. — Nunca escondendo seu desdém pela cunhada, Ernest comentou irônico. Sem dar qualquer resposta ao príncipe, o rei e a rainha deram as costas ao filho e foram sentar. — Deveríamos ter enviado Sophia para trazê-la aqui.

— Tenho fé de que Caroline virá, ela sabe que tem nossa proteção, então deve prezar por ela. — Sentando-se com o rei, a rainha comentou confiante do que dizia, mesmo que um tanto dura. Charlotte agarrou a mão de George. — Não vamos mais irritar seu pai com isso. Deixemos para discutir toda essa situação quando Georgie e Caroline chegarem.

Apesar de que George não estava irritado, o que era surpreendente até mesmo para ele. Ainda assim, o rei apertou a mão da esposa e, em silêncio, puseram-se a esperar pelos Gales. Os três príncipes em pé também foram sentar, menos William, que preferiu observar Elizabeth desenhando.

— Isso se eles chegarem, mamãe. — No meio desse silêncio, Augustus ainda falou risonho. — Alguém mande Sophia trazer Charlotte, por favor.

O pedido não foi atendido, assim como nem o príncipe e muito menos a princesa de Gales chegaram. Passou quinze minutos, depois meia-hora, uma hora, quase duas, até mesmo a nova marquesa de Bristol veio visitá-los com a Mary de Bristol e nada deles. Em dado momento, George cansou-se da calma e começou a andar impacientemente pela sala. Até que o duque de York, Frederick, chegou... com uma expressão pesarosa.

— O príncipe de Gales viajou, foi para Worthing... visitar Amélia. — Que desgraçado! Os príncipes negaram raivosos. Mas York não acabou: — A princesa de Gales se recusa a vir.

Recusa? George e Charlotte se entreolharam perplexos, o plano deles falhou, exatamente como todos os outros. Mas dessa vez foi apenas o descontentamento que tomou conta da expressão do rei. Da próxima Georgie não passaria, estava na hora de ser severo!


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Notas finais do capítulo

* Mais um capítulo, não? Esse aqui foi bem divertido de escrever. Mostrar a estranheza e desconforto de Cathrine com a etiqueta "Tudor-Habsburg" é maravilhoso. Também foi muito interessante mostrar a antipatia de Anne com nossa protagonista, assim como alguma intervenção de Richard.

* Então, gente... sim, em 1798 eles já escovavam os dentes... hahaha... Nós hoje temos um pensamento bem "interessante" de que as pessoas no passado eram sujas, cheiravam mal, não tomavam banho e não escovavam os dentes, mas isso é uma mentira. Claro que nos séculos 18 e 19 a higiene não era a mesma que a nossa, mas ele claramente não fediam ou tinham mal hálito, principalmente para a alta sociedade, isso seria visto como desleixo. É interessante que no final do século 18 eles já tinham escova de dentes, uma espécie de "creme dental" e "enxaguatório bucal", não era da mesma qualidade do que temos hoje, mas servia. As práticas higiênicas das pessoas no passado não era as mesmas que as nossas, evoluímos, mas não eram apenas sujeira.

* Ainda falando desse assunto, ou vou deixar aqui o link de um artigo muito interessante sobre a higiene nos séculos 18 e 19, fala até mesmo da depilação naquela época: https://www.paullettgolden.com/post/hygiene

* Ernest, Augustus e Adolphus, os três príncipes mais jovens de George III e da rainha Charlotte, eu achei muito interessante nas minhas pesquisas que todos eles três foram declarados como altos e belos ou altos e com belos rostos, talvez esses tenham sido os mais afortunados no quesito beleza. E ainda falando em príncipes, eu coloquei aqui o duque de York, aviso logo que ele será o príncipe com menos aparições.

* Outra pessoa que não terá muitas aparições, nenhuma, na verdade, será a princesa Caroline e Napoleão Bonaparte, por quê? Para eu não mostrá-los como mocinhos ou vilões, são pessoas ambíguas. O público britânico amava a princesa Caroline, mas também havia quem não gostasse dela. Enquanto Bonaparte... estamos na Inglaterra, então todos chamarão ele de vilão.

* "Era Uma Vez... Uma Ilusão" também está no Pinterest: https://pin.it/4j76uxi



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