Era Uma Vez... Uma Ilusão escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 2
1. Como é...? Qual a sensação de casar com quem você nunca viu?


Notas iniciais do capítulo

* Aqui estou eu, numa sexta-feira, postando o primeiro capítulo. Houveram problemas de saúde que me impediram de postar mais cedo, coisas assim acontecem. Mas aqui estou.



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Pelo bem ou pelo mal, com os revolucionários querendo ou não, a manhã do dia 16 de outubro de 1793 ficaria marcada na eternidade. Nunca antes uma coisa dessas aconteceu, não desse jeito, Anne Boleyn foi decapitada pelo próprio marido, Mary I da Escócia pela rainha Elizabeth, mas ela... seria decapitada pelo próprio povo.

Marie Antoinette deitou a cabeça no encaixe e fechou os olhos. Os ajudantes do executor começaram a amarrar o corpo da rainha na prancha, o que foi o tempo necessário para a raivosa multidão na Place de la Révolution cessar os gritos e o silêncio começar a instaurar-se. Quando os ajudantes acabaram, não era possível ouvir ruído algum na praça, talvez todos os parisienses quisessem escutar o som da lâmina cortando.

Então era assim que a história dela acabava? Marie Antoinette, uma arquiduquesa austríaca e rainha da França, morreria como uma criminosa? Parecia tão... injusto esse destino, mas era a justiça, não? A justiça da Revolução.

Ouvindo os passos do executor, Henri Sanson, Marie Antoinette deu um último suspiro e fechou com mais força ainda os olhos, ela não pensaria na morte! Essa talvez fosse a justiça da Revolução, de fato, mas havia uma justiça muito superior a essa! A justiça de Deus haveria de tratá-la com mais misericórdia!... A lâmina da guilhotina caiu rápida e indolor sobre sua última vítima...

— Vive la République! — Agarrando a cabeça de Marie Antoinette pelos cabelos, Henri Sanson brandiu ao povo, que retribuiu os gritos com mais clamor ainda.

Com essa última morte, a Era do Absolutismo chegou definitivamente ao fim... o Terror havia tomado conta da França e, ainda mais furiosos, os exércitos europeus avançavam contra a nação republicana. O absolutismo havia morrido, de fato, mas a iluminação ainda estava longe de nascer.

*****

Verão de 1798| Complexo de Amalienborg, Copenhagen

Era possível alguém ter uma vida perfeita? A princesa Cathrine da Dinamarca e Noruega responderia que sim, pelo menos a vida dela era perfeita... talvez quase perfeita, na verdade. Como a filha primogênita do príncipe Frederik da Dinamarca e da duquesa Sophie de Mecklenburg-Schwerin, Cathrine nasceu com a melhor das sortes, ela tinha o amor dos pais, dos quatro irmãos mais jovens, tinha a melhor educação possível e sempre viveu nos maiores e mais confortáveis palácios dinamarqueses.

Uma vida assim dificilmente poderia ser considerada ruim, e nada, nem mesmo a guerra, o incêndio de Christiansborg e as mortes, poderia mudar esse fato. Cathrine era uma garota de sorte, e tinha tanta sorte que ainda recebeu um bônus no último ano: ela iria casar com o príncipe de Niedersieg! Haveria sorte maior? Claro que sim, mas não para o destino dela.

— Como é, Cathrine? — Ouvindo essa curiosa pergunta, a princesa tirou os olhos do livro e franziu o cenho para a irmã, que bufou irritada. — Não se finja de tonta, estou falando do seu casamento! Qual a sensação de casar com quem você nunca viu?

Essa era a pergunta? Cathrine riu graciosamente da irmã e negou com um sorriso perfeito. De onde Juliane tirava essas perguntas tolinhas? Por acaso ela queria deixá-la com medo, fazer a ansiedade…? Antes que o sorriso ameaçasse desaparecer, a princesa dispersou os pensamentos e voltou a encarar o livro.

— Papa e mama se conheceram apenas no dia do casamento, esqueceu? — E as más línguas diziam que foi uma decepção. Mesmo com os olhos no livro, Cathrine ainda viu a desdenhosa careta que Juliane fez. — É a coisa mais perfeita e normal do mundo, as vezes até esqueço que estou noiva.

— Dúvido que você nunca realmente tenha pensado nesse assunto. — Pensar e falar não era a mesma coisa! Cathrine bufou e abriu a boca para continuar a leitura, mas Juliane não desistiu: — Não, responda às nossas perguntas, por favor!

Nossas? A princesa voltou-se à irmã e, para o completo horror dela, Charlotte também a encarava com curiosidade. As bochechas de Cathrine ficaram vermelhas de vergonha, fazendo ela virar o rosto. Que tipo de perguntas essas garotinhas poderiam ter? Algo de cunho muito pessoal dificilmente seria respondido!

— E quanto ao final da história? Vocês querem ficar na dúvida? — Tentando ao máximo mudar o assunto, Cathrine sugeriu.

— Bela diz que ama a Fera, ele se transforma em um príncipe, uma fada aparece, parabeniza Bela e os leva para o reino do príncipe. — A resposta de Juliane foi clara o suficiente. Num suspiro cansado, ela fechou o livro com força. — Ah, também tem aquela coisa de virtude.

Novamente suspirando, Cathrine cedeu e encarou Juliane e Charlotte com um sorriso visivelmente falso, mas que em nada mudou a animação delas. Ambas as irmãs riram em comemoração, e nessa mesma animação Charlotte, para a irritação da segunda mais velha, perguntou primeiro:

— Será que ele é bonito? — Lindo, como um Adônis. Cathrine suspirou encantada, mas... logo acabou quando ela lembrou que eram só pinturas. — Oh, Cathrine, e se ele for como a Fera? Seria tão...

— Impossível, seria impossível! — Quase com repulsa na voz, Juliane respondeu. Uma cética. Cathrine e Charlotte negaram. — Contos de fadas são ficção, histórias mágicas criadas apenas para ensinar uma lição de moral.

— Você e a vovó, que Deus a tenha, são exatamente iguais, Juliane. Não é à toa que tenham o mesmo nome. — Graças ao Cristo ela mesma era apenas Cathrine Marie. Os olhos da segunda mais velha arregalaram em ofensa. — Toda história tem alguma verdade. Eu serei muito feliz com o príncipe. Seremos protagonistas da nossa própria história de amor e teremos muitos filhos.

— Tão sonhadora nossa irmãzinha, não é, Ferdinand? Ferdinand? — Não dando atenção, a princesa mais velha revirou os olhos. Entretanto, Juliane não recebeu uma resposta, o que a deixou irritada: — Ferdinand! Saia dessa janela e concorde comigo!

As três princesas escutaram um gemido desgostoso do irmão caçula, porém nada dele chegar mais perto. Irritada com essa "desobediência", Juliane foi buscar Ferdinand.

— Mas o regimento... quero assistir o desfile! — Antes mesmo da princesa chegar, o caçula tentou protestar, até mesmo se agarrando às cortinas.

— A guerra já acabou, Ferdinand, foi ano passado! E a Dinamarca nem mesmo estava nela. — Mesmo assim o menino negou, dificultando mais ainda as tentativas da irmã. Cathrine e Charlotte riram com tudo isso, ainda mais quando Juliane ameaçou: — Saia dessa janela, ou vou chamar o rei para tirar você daí!

Bastou isso para o príncipe soltar as cortinas e sair correndo aos gritos em direção a Cathrine, que o abraçou e colocou no colo. Embora estivesse com uma grande vontade de rir, ela apenas deu um risadinha e negou a irmã. Juliane sabia que nenhum deles gostava do rei, ou melhor, da violenta loucura dele. Pelo menos, graças ao Cristo, o assunto do casamento não foi mais mencionado, ao invés disso eles voltaram às brincadeiras.

Mais tarde, após a babá levá-los para o berçário, a fim de serem vestidos para o jantar, Cathrine voltou aos próprios aposentos, ela também precisava arrumar-se. As aias da princesa, a baronesa Helene von Blücher e Marie von Plessen, logo a encontraram e começaram a vesti-la, o príncipe Frederik havia dito que eles teriam visitas no jantar, embora isso não significasse que eram importantes.

— E se for o príncipe herdeiro? — Quando estavam arrumando o cabelo dela, Helene comentou alarmada

— Ele certamente tem mais o que fazer. — Fitando Cathrine pelo espelho e negando, Marie respondeu secamente.— A Dinamarca e Noruega não se governam sozinhas...

— Oh, meu Deus, e se for o príncipe!? Seria tão romântico. — Como James VI da Escócia e Anna da Dinamarca? Cathrine sorriu... porém logo ela lembrou que não foi um casamento feliz. Helene mudou de assunto: — Ele é tão lindo, Cathrine, quase sinto inveja de você. Imagine as criancinhas?

— Richard é lindo, realmente. Estou curiosa para vê-lo de verdade e mais ainda para conhecer a personalidade dele. — Todos diziam que o príncipe era muito gentil, paciente e amava os irmãos. O sorriso voltou aos lábios da princesa. — Não vejo a hora do nosso felizes para sempre começar.

Ambos as aias sorriram em concordância. Acabando com o cabelo, a baronesa Helene colocou no pescoço da princesa o colar enviado pela Casa de Bristol, que era feito basicamente com pequenas rosas inglesas de rubi, e elas desceram para a sala de recepções do Palácio de Levetzau. Apesar de jovem, com quase 17 anos ela nem mesmo havia sido apresentada formalmente à corte, Cathrine era a "senhora da casa"... quando a princesa Sophie morreu em 1794 essa responsabilidade passou automaticamente para ela.

Ao descer as escadas, Cathrine teve uma "alegre" surpresa, ela descobriu quem eram os convidados dessa noite: os belos, mas vulgares, primos de Frederiksberg.

*****

—... os franceses transformaram a Confederação Suíça em Helvética, agora planejam tomar o Egito dos Otomanos, enviaram até o tal Bonaparte... — Desde que o jantar começou a ser servido, pouco menos de uma hora atrás, o príncipe Christian falava sobre a paz. Cathrine e os irmãos tentavam ignorar, mas estava sendo difícil. —... Malta, a séculos governada pela ordem, foi capturada! Dou como certo que daqui a um ano a Europa estará novamente...

— Por favor, Christian, estamos à mesa! Deixe a política europeia para mais tarde. — A princesa Louise, já tendo percebido o desconforto dos "priminhos", interrompeu duramente o irmão e, virando a cara para ele, fitou sorrindo o anfitrião. — Somos muito gratos pelo convite, Frederik. Frederiksberg está tão solitário sem papai e Caroline.

Esses dois, Christian e Louise, eram o que se poderia classificar como "belezas em decadência", e do pior tipo, por sinal. Ambos tinham uma beleza impressionante, de fato, mas tudo neles parecia remeter a algo que passou e não voltaria mais, como se ainda vivessem no início da década.

Entristecendo levemente o sorriso, Louise estendeu uma mão sobre a mesa em direção ao príncipe viúvo, que aceitou e apertou com força. Então mesmo decadente a beleza ainda exercia algum encanto? Impressionante! Negando discretamente, Cathrine voltou a beber da sopa, ela não precisava ver o pai sendo fisgado por essa mulher, ainda mais quando essa mulher era tia do noivo dela.

— Por que a querida Caroline não retorna à Dinamarca? Ela está viúva, não existe motivo para continuar em Langenburg. — Sob o atento olhar dos filhos, Frederik perguntou afastando a mão de Louise. Ele estava certo, a princesa Caroline foi casada apenas por dois anos, afinal. — Gustav Adolf de Hohenlohe-Langenburg nem era o herdeiro e, mesmo se fosse, nem filhos eles tiveram.

— Caroline nunca gostou de casa, essa é a verdade. — Suspirando infeliz, talvez pela recusa do primo, Louise respondeu e voltou a sopa, mas não sem antes acrescentar: — Antes de partir para Langenburg ela deixou bem claro a papai que nunca mais voltaria. Duas semanas depois ele morreu.

— Foi a bebida que matou ele, fiquem tranquilos. Caroline e Wilhelm são iguais, se bem que ele... não importa muito. — Chamando a atenção de todos, Christian ficou reflexivo um momento, porém logo voltou ao normal. Acabando a sopa, ele sinalizou pedindo água. — Feliz com o casamento da sua filha, primo Frederik?

Então o assunto mudaria agora? Também acabando de beber a sopa, Cathrine pegou uma taça de água e fitou discretamente ambos os convidados. Com certeza eles falariam algo sobre o príncipe, fosse bom ou ruim, e ela estava curiosa.

— Estou satisfeito, o príncipe de Niedersieg é um parente e... todos dizem que um ótimo jovem. — Ao invés de encarar os convidados, o príncipe Frederik fitou a filha. Cathrine corou envergonhada e virou o rosto.

— Também acreditamos que é, se isso ajuda. — Cathrine, assim como o pai, franziu o cenho com a resposta da princesa. Havia tanta frieza nessas palavras. — Oh, não me entendam mal, por favor. Wilhelm que escrevia para nós sobre os filhos, depois que ele... não vieram mais cartas.

— Recebíamos cartas no Natal, Louise, e também na Páscoa, as vezes. — Recebendo uma taça de água, o príncipe Christian respondeu sem muita animação, foi quase uma seca ironia.. — Não era sempre que o rei e a rainha da Grã-Bretanha permitiam essa "comunicação".

Isso tudo era tão... triste. A princesa Katherine e o príncipe Wilhelm haviam morrido tão cedo, o que fez o príncipe herdar uma grande responsabilidade cedo demais também. Esses últimos cinco anos devem ter sido terrivelmente tristes e dolorosos. Igualzinho a ela, Cathrine suspirou encantada e sorriu, mas, ao perceber o curioso olhar do irmão, também Christian, deixou o encanto para trás.

— Interessante. — A fala do príncipe Frederik fez os dois irmãos, Cathrine e Christian, voltarem a encarar o pai. — Como será o príncipe?

— Não podemos ajudar muito, a última atualização sobre as crianças de Bristol foi há cinco anos atrás. — O príncipe Christian estava certo, muita coisa mudou nesses últimos anos. Ainda assim, era decepcionante essa falta de informações. O príncipe ainda tentou lembrar de algo: — Wilhelm disse que Richard era uma criança muito... interessada nos estudos e obediente... se importa muito com os irmãos.

— "Inteligente como um Oldenburg", talvez referindo-se a si mesmo. — A princesa Louise começou numa risada, mas que logo ganhou um tom melancólico. — Sentimos tanta falta dele, de Caroline também, claro. Deveríamos ter nos casado enquanto ainda era tempo, Christian, somos dois solteirões agora!

— Você pelo menos ainda tem alguma esperança, já eu dificilmente vou casar. — Estava ficando muito estranha essa conversa. Cathrine, franzindo o cenho, fitou os irmãos. Mas o príncipe Christian apenas continuou em tom triste: — Tenho quase 50 anos e sofro de sífilis.

— Enquanto eu sou uma solteirona que já deu para todos os criados de Frederiksberg. — O horror tomou conta da mesa.

Enquanto Juliane parecia prestes a rir, o príncipe Frederik e os dois filhos mais velhos encaravam as visitas com olhos arregalados. Porém o silêncio desse horror não durou muito.

— O que é dar, papa? — Ferdinand perguntou inocentemente, fazendo o pai e os irmãos quase entrarem em pânico. A princesa Louise levou as mãos à boca. — Você já deu, primo Christian? Qual a sensação?

— Nem pense em responder, Christian! Que vergonha! — O príncipe acatou a ordem da irmã. Um desconfortável silêncio tomou conta da mesa, até que Louise levantou envergonhada. — Vamos para casa, não estou me sentindo muito bem. Novamente, agradecemos pelo convite.

Não deu tempo nem para insistir, se bem que o príncipe Frederik nem ao menos tentou, e os visitantes de Frederiksberg foram embora. Que jantar estranho, melhor teria sido apenas eles seis mesmo. Agora sozinhos, os anfitriões levantaram da mesa, não havia mais ânimo para o jantar, mesmo com Ferdinand ainda perguntando sobre "dar".

— Não tente entender essas coisas de gente grande. — Christian respondeu sem paciência o irmão, que fez um biquinho irritado.

— Vamos para a sala de conversas. Você poderia contar uma história para nós, Cathrine? — A princesa mais velha assentiu alegremente a sugestão do pai. Entretanto o príncipe Frederik logo lembrou de mais algo: — Ah, mas antes você deve treinar o seu inglês.

Claro, o inglês sempre teria que vir à tona. Ainda assim, a princesa assentiu com um sorriso doce. Cathrine entendia que os ingleses, principalmente o rei inglês, não gostavam muito dos dinamarqueses... tudo por culpa de Caroline Mathilde. Havia também o simples fato de que um casal dificilmente poderia viver em harmonia falando línguas diferentes. Faltava pouco para o casamento, seria em outubro, mas ela partiria de Copenhagen no final de setembro, e ainda havia muito a aprender.

Tendo antes que dar algumas ordens às criadas, Cathrine pediu ao pai e irmãos para irem na frente, o que foi prontamente seguido pelos mais novos. A princesa chamou então as criadas para avisar o que seria feito com os restos do jantar. O príncipe Frederik, porém, permaneceu na sala de jantar, ele observava a filha com um grande sorriso de orgulho, ela seria perfeita na Inglaterra.

— Algum problema, papa? — Assim que acabou, Cathrine aproximou-se do pai e perguntou preocupada. — O senhor parece triste.

— Estou apenas reflexivo, minha filha, você cresceu muito bem nesses últimos anos, mesmo sem Sophie. — Tentando manter as forças, o príncipe aproximou-se da filha e levou carinhosamente uma mão a bochecha dela. — Até pouco tempo atrás você era um bebê, e agora tornou-se uma bela moça, pronta para casar.

— Oh, papa, não vamos ficar tristes. — Fungando levemente, Cathrine levou uma mão ao do pai e disse sorrindo.

— Jovens como ele podem ser muito ruins, Cathrine. São cheios de vigor e inconsequência, principalmente os bonitos. — Foi impossível para o príncipe continuar sorrindo, tanto que ele virou o rosto com dúvida. — Nem mesmo sabemos como ele é.

— Não terei nada a reclamar, papa, disso tenho certeza. — Cathrine sentia que a Inglaterra seria perfeita. Ele, porém, não respondeu, então a princesa pegou ambas as mãos do pai com força e acrescentou certa: — Richard e eu seremos muito felizes. Seremos amantes e amigos, e os irmãos dele serão como meus irmãos.

— Tão sonhadora, lembra até sua mãe com as histórias alemãs dela. — O príncipe sorriu e negou, ganhando em seguida um olhar saudoso. Ele estava errado, porém, não era um simples sonho, Cathrine tinha certeza.. — Antes que eu esqueça, chegou uma carta da Inglaterra pedindo sua altura, peso, cintura, silhueta e cores favoritas.

Por que tudo isso? Evitando franzir o cenho, Cathrine deu os ombros e assentiu. A princesa e o pai foram para a sala de conversas, onde ela leu o Flautista de Hamelin para os irmãos. Momentos como esse fariam muita falta, sempre ocupariam um lugar importante no coração dela, mas novas lembranças felizes seriam criadas na Inglaterra... Cathrine tinha certeza.

*****

Verão de 1798| Buckingham House, Londres

Percebendo a presença dela no corredor, ou melhor, ouvindo os altos passos dela e das damas de companhia, as criadas fizeram uma simples mesura e os criados baixaram a cabeça. Não houve uma resposta, nem ao menos um simples menear de cabeça, bem da forma que deveria ser. Quando ela saiu de vista, os criados apenas se entreolharam e voltaram ao serviço de antes, era necessário preparar tudo para...

— A partida da corte para Windsor não atrapalhará o casamento de Bristol em outubro? — A condessa de Harrington, ainda abençoada com a beleza da juventude, perguntou serenamente. Porém ela apenas ganhou um olhar duro. — É a primeira vez que isso acontece e... outubro é um mês bastante inapropriado para casar.

— A corte irá para onde o rei e a rainha forem, Lady Harrington, mesmo que isso signifique ir a Windsor e depois voltar... — A condessa Harcourt, uma das mais velhas, começou a responder, mas foi interrompida por altas falas. — Oh, pelo Todo-Poderoso!

Haviam chegado no escritório particular, e já era possível perceber que estava ocupado. Suspirando cansada, ela sinalizou para as damas permanecerem do lado de fora e abriu a porta do escritório. Era melhor intervir logo ou algum desastre poderia acontecer.

Ao entrar, porém, a rainha Charlotte, mais velha, cansada e sombria, os efeitos da Revolução, guerra e acima de tudo a doença do rei, não foi imediatamente notada, o que ajudava bastante a entender o motivo da discussão.

—... digo apenas cinco palavras: Haia, Paris, Basel, Tolentino e Campo Formio. Sabe o que isso significa, papai!? — O príncipe de Gales não poderia perturbá-los com outra coisa? Charlotte negou e aproximou-se. De costas para o filho, o rei continuou calado, o que não impediu o herdeiro de falar: — Que todas as nações que participaram da coalizão fizeram paz com a França, apenas nós, os britânicos, continuamos...

— Não que isso lhe importe, Georgie, os assuntos de estado não envolvem o príncipe de Gales. — Falando altamente, tão duramente que parecia ironia, a rainha fez-se ser ouvida. O rei deu um simples olhar de lado, enquanto o príncipe endureceu o rosto. — Você sabe muito bem porquê foi chamado, o assunto que será falado: Caroline.

— Está no meu direito, como filho e herdeiro, discutir sobre a situação diplomática britânica. — Para logo depois discutir sobre a mesada? Ela negou e foi para junto do marido. O príncipe de Gales acrescentou então com um sorriso desdenhoso: — E quanto a Caroline, o que tem ela? Por acaso foi descoberta nos estábulos fudendo com algum cavalariço?

— Para deixar você e seus excessos livres à vontade!? Seu maior desejo não se cumprirá. — Finalmente deixando o silêncio de lado, George respondeu duramente, embora ainda de costas. Até que Charlotte o agarrou pelo braço, e ele voltou-se ao filho. — Quando eu desejar falar sobre a França chamarei ou Piit, ou Grenville, ou Spencer, ou Dundas, ou Windham, ou até mesmo Frederick, dificilmente será você.

Nem o rei e muito menos a rainha, esperava muito do príncipe de Gales, esse era com certeza o filho mais problemático deles, por isso mesmo não foi uma surpresa quando Georgie simplesmente riu desdenhoso e sentou preguiçosamente numa poltrona. O máximo do desrespeito, eles eram o rei e a rainha! Charlotte fitou o filho com desgosto, enquanto George nem mesmo tentou.

— Meu rei pode chamar quem quiser. Talvez o duque de York venha, caso não esteja ocupado com os próprios excessos. — Sorrindo largamente, o príncipe de Gales falou em tom de desafio. E, quando o rei franziu o cenho, Georgie sorriu satisfeito. — O grosseirão... não, esse é William. O favorito nunca recusaria um chamado do papai.

— O assunto não é seu irmão, Georgie, mas sim sua esposa. — Antes, porém, que saísse do controle, ou George perdesse o controle, a rainha lembrou. A voz dela saiu quase temerosa. — Estamos muito preocupados com a pequena Charlotte, como você acha que...

— Charlotte? Quem é Charlotte, mamãe? Minha irmã está em Württemberg dando uma de duquesa. — Incitando ainda mais a irritação dos pais, o herdeiro perguntou, mas imediatamente começou a rir. — É uma brincadeira! A loucura de papai tirou todo o senso de humor...

Essa frase nunca chegou a ser concluída, já perdendo a paciência, o rei empurrou de uma vez todos os objetos que haviam em cima da mesa. Assustados, a rainha afastou-se do marido, enquanto o príncipe de Gales levantou rapidamente e aproximou-se da mãe. George fitou arfante os papéis e retratos no chão, depois encarou o filho.

— Tenha muita cautela ao conversar comigo, Gales! Acima de pai, sou o seu soberano! — O que... estava acontecendo? Charlotte escutava isso com horror, não pelas palavras, mas por causa dos gritos. George nunca falava assim. — Meus filhos homens parecem trazer apenas desonra ao meu nome, principalmente o primogênito! Saiba que você fará as pazes com Caroline, querendo ou não! Saia daqui!

E acabou, após falar a expressão do rei começou a suavizar. Entretanto, o príncipe de Gales fez uma mesura dizendo "majestades" e saiu da sala. A rainha encarou com medo o marido e, antes dele falar algo, também saiu da sala. Sozinhos consigo mesmo, George sentou numa poltrona e lá ficou pensando. Onde ele iria para!?

Foi só mais tarde que os soberanos e o príncipe de Gales voltaram a se reunir, a princesa Amélia iria para Worthing e todos queriam despedir-se dela.


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Notas finais do capítulo

* Esse capítulo é um tanto diferente dos outros primeiros, eu inverti os papéis. Normalmente no prólogo é apresentado o(a) par do(a) protagonista e no primeiro capítulo o marquês(a). Aqui tudo mudou, o protagonista aparece no SEGUNDO capítulo. Foi divertida essa mudança.

* Aqui houve também algumas inclusões. Coloquei a execução de Maria Antonieta como uma rápida menção honrosa, uma rápida forma de mostrar o que aconteceu após a morte de Katherine e William. O príncipe Christian e o príncipe de Gales também deram algumas "atualizações" sobre a Europa. Foi uma forma de mostrar o que estava acontecendo.

* Nesse capítulo eu iniciei oficialmente os núcleos também, desde a minha primeira história, O Desabrochar de Uma Dinastia, eu queria falar sobre os outros personagens, mas não sabia como. Bem, eu descobri. Eu escreve de uma forma bem... levemente folhetinesca, e os núcleos, fora o dos protagonistas, ajudam a manter o fôlego da história, principalmente quando é grande.



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