Era Uma Vez... Uma Ilusão escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 1
Prólogo.




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12|10|1793 Condado de Berkshire

Com as carruagens fazendo um barulho terrivelmente alto, muito contrastante com o silêncio do local, a comitiva dos Bristol cruzava uma floresta cheia de coníferas, nogueiras e colinas em Berkshire. Não era possível dizer se estavam no início, meio ou fim do lugar, mas ela levaria a Windsor, isso era certeza.

Em uma dessas carruagens, mais exatamente na última, a 4ª marquesa de Bristol, Katherine de Niedersieg, e o 1º duque de Kendal, Wilhelm da Dinamarca e Noruega, haviam acabado de ter um momento íntimo. Ambos tinham praticamente perdido o que vestir, as peças de roupas foram tiradas e jogadas sem qualquer consideração, agora o casal estava pagando por isso: tendo dificuldade em vestir-se novamente.

— Poderia devolver a fita do meu vestido, Wilhelm? — Já estando praticamente vestida, Katherine pediu ao arrumar o cabelo, mas não houve resposta. — Wilhelm!

Voltando a encarar o marido, a princesa viu uma cena maravilhosamente engraçada: o grande Wilhelm tendo dificuldade em vestir a calça, até agora a única peça que ele tinha encontrado. Naturalmente, Katherine riu dessa situação, o que apenas o deixou mais irritado.

— Não faço a mínima ideia do que você está falando. — Que resposta mais dura e impaciente. Ela negou desdenhosa e continuou a observá-lo. Inicialmente, Wilhelm tentou não dar atenção, porém foi impossível. — Vai ficar só olhando, Katherine? Imagino que você gosta do que vê?

— Estou apreciando a beleza do meu marido em seu estado mais natural, é errado? — Wilhelm negou, agora sorrindo lascivo. Encontrando a gravata branca dele, Katherine aproximou-se sorrindo e, ao entregar, acrescentou num sussurro: — Eu não teria aproveitado cada centímetro caso fosse ruim, mas como saber se é bom? Nunca provei outro.

— Está pedindo uma prova, liebe? — Ao invés de afastar-se, Wilhelm aproximou ainda mais o rosto ao dela. Katherine fechou os olhos esperando um beijo, mas ele apenas encostou os lábios nela e sussurrou rouco: — Pois estou disposto a dá-la qualquer coisa, só não tenho certeza se algo vai sair.

— Wilhelm! Tenha decoro, eu sou uma dama da sociedade! — A mágica acabou. Ao gritar, Katherine empurrou o marido, que caiu no assento, e negou.

Apesar de surpreso, o príncipe começou a rir divertido, a primeira reação da marquesa foi encará-lo com raiva, mas logo um sorriso nasceu e a risada veio depois. Os prazeres que só a solidão poderia trazer, não ter ninguém para vigiá-los era maravilhoso! Mas pouco depois eles voltaram às roupas, seria inadmissível chegar em Londres sem elas.

Finalmente acabando com a calça, Wilhelm vestiu a camisa branca de linho, que na realidade deveria ter sido a primeira peça vestida, e pegou o colete, onde por sinal ele encontrou a tão preciosa fita azul de Katherine.

— Por que marcar a cintura quando ela está sumindo dia após dia? — Chamando a atenção da esposa, Wilhelm beijou a fita e estendeu. — Agora sim o seu algoz tem algum valor.

— Muito agradecida, marido, creio então que isso é seu. — Pegando a fita azul, Katherine entregou a sobrecasaca de Wilhelm e começou a abotoar os botões do colete dele. — A cintura não está sumindo, mas sim subindo. É um horror, Wilhelm! Os vestidos estão perdendo o volume, ficando flácidos!

— Então continue usando os que você gosta, muito simples. — Vestindo a sobrecasaca, o príncipe respondeu sorrindo. Katherine deu a ele um olhar horrorizado. — Qual o problema...?

— E parecer uma velha vivendo no passado? Wilhelm, eu tenho uma imagem de beleza e moda a zelar. — Ela falou até como se tivesse sido ofendida! O príncipe negou e, pegando no chão, colocou a peruca empoada no assento. Katherine ficava linda absolutamente em tudo, até em roupas obsoletas. — E você também, logo terá de abandonar suas perucas.

— Como se eu fosse um... nem sei o que!? Apenas digo que morrerei antes de… — Vultos passaram velozmente pela carruagem, fazendo Wilhelm levantar alarmado. Katherine seguiu confusamente o marido. — Você viu isso!? No lado de fora! Parecia até...

As palavras não saíram da boca dele. Wilhelm encarou a esposa receoso, enquanto o olhar dela era de mais pura confusão. Antes que qualquer palavra ou pergunta fosse dita, um grande estrondo, seguido por gritos, veio de onde estava o condutor. Katherine aproximou-se mais ainda do príncipe.

— O que exatamente está acontecendo... Ahh! — Subitamente a carruagem aumentou a velocidade, fazendo a marquesa cair em cima do príncipe, que caiu no assento. Seja o que fosse, não era bom! — Por Cristo, o que significa isso!? Onde estão os guardas!?

Um corpo caiu da carruagem por uma das janelas... um guarda germânico! Embora temeroso, Wilhelm colocou a cabeça para fora da janela, tentando observar o que acontecia, mas nada ele conseguia ver, a não ser... essas não eram as mesmas árvores de antes, nem a mesma trilha... onde eles estavam!?

— Ei! Que confusão é essa! Ordeno que… — Tiros começaram a ser dados na condução e em seguida a carruagem inclinou perigosamente ao passar numa curva.

Katherine e Wilhelm caíram para o outro lado, agora completamente assustados e sem ação. Novamente um corpo caiu da carruagem e novos tiros foram escutados. O casal abraçou-se com força. A vida deles estava em perigo... e eles nem mesmo sabiam o que fazer, estavam paralisados! A sensação da morte chegando era terrível... sempre terrível!

— Por Cristo, William! Nós iremos morrer! — Katherine gritou com desespero. Nenhum deles chorava, porém, a perspectiva não permitia. Novos tiros foram dados e a carruagem estremeceu. — Wilhelm, nossos filhos!... A guerra!

No lado de fora, um guarda germânico e um homem mascarado lutavam pelas rédeas dos cavalos, que começavam a relinchar por conta dessa luta. Nenhum deles estava disposto a desistir, porém logo a carruagem saiu da trilha, entrando assim na floresta e começando a bater as laterais nas árvores. Aproveitando a distração do germânico com o local, o criminoso derrubou o guarda com um soco… entretanto, ele mesmo foi derrubado pelo galho de uma árvore.

Abraçados fortemente, com o príncipe protegendo a esposa com o próprio corpo, Katherine e Wilhelm viram todos os vidros da carruagem estilhaçarem, ao mesmo tempo que galhos voavam e cortavam os dois, em dado momento, o veículo até mesmo inclinou, uma roda havia sido perdida... Não havia salvação, eles iriam morrer! Katherine e Wilhelm se abraçaram com mais força ainda e fecharam os olhos.

No meio de todos os galhos, cortes e pânico, os cavalos restantes soltaram-se, fazendo com que a carruagem capotasse pela lateral colina abaixo...

*****

Palácio de Hampton Court, Londres

No mesmo instante, a fada executou um passe de mágica com sua varinha e transportou a todos que estavam no salão para o reino do príncipe. Seus súditos o receberam com alegria e ele casou com Bela, — No berçário, Richard, Anne e Mary ouviam atentamente a baronesa Pembroke, que lia sorrindo. — que viveu com ele muitos e muitos anos numa felicidade perfeita, porque se baseava na virtude.

Sorrindo docemente, a baronesa fechou o livro e encarou as crianças, mesmo não sendo a primeira vez que escutavam, elas estavam maravilhadas com a história.

— Que história linda, nunca vou me cansar de escutá-la! — Mary exclamou feliz e rolou no grande tapete, encarando com um sorriso Richard e Anne sentados em almofadas. — Um amor baseado em sentimentos, não aparência. Oh, como o amor verdadeiro é perfeito!

— Tem uma mensagem linda, de fato. Alguns apenas parecem amargurados e sem amor, mas com paciência, bondade e amor podemos ver a realidade. — Um pouco mais contida, Anne respondeu. Ela abaixou o olhar e sorriu ainda mais. — Podemos mudar uma pessoa, amá-la verdadeiramente!

— Todos podem amar, todos podem aprender a amar. — O jovem herdeiro dos Bristol comentou sorrindo impressionado.

Na realidade, nem todos sabiam amar de verdade, mas a "dama do berçário" preferiu permanecer calada, ainda não havia chegado a hora dessas crianças saberem como o mundo poderia ser impiedoso, principalmente com eles. Lady Pembroke apenas assentiu e encheu os três de doçura:

— Uma história pode conter vários ensinamentos, meus queridos, tudo depende, claro, do ponto de vista. — O olhar da baronesa recaiu sobre Robert, que, por não gostar dos contos de fadas, ouvia tudo afastado e com uma careta. — Todos podem encontrar um amor verdadeiro.

Embora alguns nunca encontrassem... antes que tais pensamentos levassem ao desprazer, a dama prendeu o sorriso no rosto e encarou as três crianças que escutavam. Richard, Anne e Mary, ao escutarem isso, encararam ela com muita expectativa e alegria, fazendo o sorriso dela voltar ao natural. Essas crianças estavam pensando...?

— Até nós, príncipes e princesas? — Por que não? Lady Pembroke fitou Mary e riu sem entender, mas a princesa mais jovem continuou: — Nós, que devemos colocar o dever antes dos egoístas desejos pessoais?

— Essa frase parece tanto com Katherine, foi ela que disse, não? — Os dois mais velhos não responderam, o que foi inútil pois a mais nova assentiu veemente. Lady Pembroke suspirou, claro que foi. — Todos podemos encontrar o amor verdadeiro, todos... até você Robert.

Todos os irmãos voltaram-se para trás, na direção do segundo mais novo, Mary estava até indignada com essa última afirmação da baronesa. Robert, porém, encarou os irmãos com indiferença e deu os ombros, com mais indiferença ainda. Tal ação deixou a princesa mais jovem horrorizada.

— Se engana, Lady Pembroke, é impossível Robert viver um amor verdadeiro nessa vida! — Havia tanta convicção nas palavras dela, tanta que... a baronesa não conseguiu segurar e riu. — Estou falando a verdade. Se Robert encontrar um amor verdadeiro, eu deixo de acreditar nisso!

Richard e Anne também explodiram em risadas com a afirmação da irmã. Quem não gostou nada disso foi Robert, que avançou raivoso em direção a caçula. Ambos se encararam furiosamente.

— Contos de fadas não existem, são apenas um monte de merda....!

— Robert! Lave a sua boca dessas vulgaridades! — Levantando da cadeira, a baronesa repreendeu a criança com dureza, mas o príncipe simplesmente deu alguns passos para trás. — Um príncipe, seja alemão, britânico ou francês, não usa palavras assim, nem mesmo em particular!

— Mas o papai... — Com um simples levantar de mão Lady Pembroke calou o menino, que agora baixou a cabeça arrependido. Talvez ele não soubesse, mas os reinos nórdicos eram um caso à parte. — Perdão, milady. Contos de fadas são apenas um monte de mentiras, não acredito em palavra alguma deles.

— Toda história é baseada em alguma verdade, Robert. — Richard contradisse o irmão, parecia quase sonhador com as palavras. Ainda assim, o segundo mais novo negou. — O amor verdadeiro existe, principalmente quando acreditamos nele, eu acredito nele.

— Como mamãe e papai. — Katherine e Wilhelm? Lady Pembroke riu com essa afirmação de Anne, trazendo a atenção da princesa. — Algum problema, milady?

Problema? A baronesa negou falsamente, tentando ao máximo não rir. Katherine e Wilhelm estavam longe de ser uma Bela e a Fera. Era inegável que ambos se amavam muito, mas não era um amor dos 'contos de fadas", parecia algo... indecente demais para uma criança ou jovem dama ler. E falando neles, por que ainda não haviam chegado? Logo o sol iria se pôr.

— Nunca vou me apaixonar, nunca! — As altas afirmações de Robert trouxeram a baronesa de volta ao agora. Ela sorriu.

— Muito bem, meu querido, então cuide para que isso nunca aconteça. — Geralmente, aqueles incrédulos eram os que mais amavam, assim como sofriam mais. — Sabia, porém, que o que lhe pertence está guardado.

A única resposta do príncipe foi dar os ombros e voltar a janela. Não foi mal criação ou desrespeito, apenas um sinal de como seria a personalidade dele, Robert apenas não sabia ao certo qual o significado de certas palavras. Negando, Lady Pembroke sorriu para as outras crianças e sinalizou que elas poderiam brincar, mas apenas por enquanto, logo os professores iriam chegar para as aulas. Quem também iria, ou pelo menos deveria, chegar era a marquesa e o príncipe...

Lady Pembroke ficou nessa dúvida, preocupação na verdade, por alguns minutos, até que as crianças escutaram um barulho de carruagens chegando e correram para as janelas. Agora a baronesa ficaria aliviada, não ficaria?... A ansiedade apenas crescia mais ainda.

— Pelo menos acho que são eles. — Sendo o mais alto, e consequentemente o com a melhor visão, Richard tentou explicar. Mas... havia dúvida nas palavras dele. — Essas são as mesmas carruagens de antes.

— Podem ser as mesmas carruagens, mas nenhuma delas é a deles. — Como? As palavras de Anne deixaram Lady Pembroke ainda mais ansiosa.

— Queria saber o porquê deles estarem agindo dessa forma tão estranha. — Mary deixou a dama ainda mais curiosa, principalmente com as palavras seguintes: — Lady Monmouth está chorando!?

Louisa estava chorando!? Completamente alarmada, Lady Pembroke levantou e começou a caminhar em direção às crianças, muito disposta em saber o que estava acontecendo. Porém, quando ela estava no meio do berçário, a porta foi abruptamente aberta por... Lord Pembroke?... com uma expressão horrorizada no rosto, ele foi rapidamente em direção a esposa.

— Grace! Oh, meu Deus, Grace! Houve um desastre em Berkshire! Junte às crianças, imediatamente! — Lord Pembroke, cujo os olhos estavam arregalados de desespero, falou agarrando fortemente os ombros da esposa. Lady Pembroke estava assustada. — Foi um desastre, Grace, a marquesa e o príncipe foram...

Foram? Até mesmo as crianças olhavam para o barão esperando uma continuidade, porém ele continuou calado, hesitante em falar. Quando Pembroke parecia estar prestes a finalmente dizer, o conde de Kent e o barão Hartford entraram no berçário e tinham expressões mais sombrias e duras que o normal. Havia algo errado, muito errado mesmo. Nunca os dois membros mais velhos do conselho vinham a Hampton Court, não sem um motivo.

— Crianças, por favor, fiquem todas juntas e perto de mim. — Obedecendo a baronesa, as crianças aproximaram e se posicionaram perto dela. Richard e Anne na frente, e Robert e Mary mais atrás. — Os milordes...

— Onde está mamãe e papa... a marquesa e o príncipe? — Kent e Hartford não responderam a pergunta do jovem príncipe de Niedersieg, muito pelo contrário, em silêncio eles se aproximaram. — Lord Pembroke disse que...

Calando o príncipe, principalmente por conta do medo, os lords curvaram-se em frente as crianças... em frente a Richard, e estenderam a mão. Tudo nesse lugar estava em silêncio, um silêncio tão grande que era possível sentir a respiração pesada dos jovens Bristol. Richard estendeu sua trêmula mão aos cavalheiros, que foi solenemente beijada primeiro pelo conde e depois pelo barão.

— Sua Alteza Sereníssima, o príncipe, e Suas Altezas Sereníssimas, infelizmente não trazemos boas notícias. Houve um atentado em Berkshire, a marquesa e o príncipe... eles... — Lágrimas invadiram os olhos das crianças quando a palavra atentado foi dita, elas não choravam, mas... foi o suficiente para Kent novamente baixar a cabeça. — Que Deus dê uma longa vida a Richard, o príncipe de Niedersieg e 5º marquês de Bristol!

— Assim como ao príncipe Robert, o 2º duque de Kendal. — Hartford acrescentou baixo.

O silêncio instaurou-se definitivamente na sala. Todas as atenções voltaram-se às crianças, que em tudo mostravam o desejo de chorar, os olhos cheios de lágrimas, os lábios trêmulos e... respiração forte. Mas nada aconteceu, Richard simplesmente encarou os irmãos e depois novamente estendeu a mão aos lords.

A marquesa Katherine e o príncipe Wilhelm morreram, e junto deles também morreu a infância dessas quatro crianças... que o mundo desabasse em cima deles.


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Notas finais do capítulo

* Pois é, nossos protagonistas de La Belle Anglaise estão oficialmente mortos, dessa vez desde antes do início da nova história. Não será a última vez que protagonistas meus são assassinados, nem que morrem em acidentes com veículos... e muito menos deixam criancinhas órfãs.



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