Ao encontrar Theo na manhã seguinte na entrada do colégio, ele me beija. O sentimento que me invade é que o trai ao me divertir um pouco com o Jordan no dia anterior. Foram apenas dois beijos e o encontro, nem sei se podemos considerar um encontro, mas parece uma traição com o Theo.

Se bem que por outro lado estou traindo o Jordan com o Theo, já que Jordan é o meu noivo desde o nascimento.

— Aurora, seu cabelo está mais vermelho hoje ou é impressão minha?

— Impressão sua Carla, mas pode ser a iluminação do sol... – falo para minha amiga durante o intervalo quando ela se senta na mesa do refeitório que estou com o Theo. Sou ruiva natural, mas poucas pessoas acreditam que meu cabelo não é pintado, já tive que mostrar várias fotos da minha infância para provar.

— Mas me diga, está rolando uma fofoca que você entrou ontem no carro de um gato na saída da escola – o olhar de Theo recai sobre mim esperando a minha reação e tento parecer tranquila. Não tinha visto ninguém que tenho contato na saída quando entrei no carro e antes de me entregar, o boato pode ser apenas sobre uma ruiva – quem era ele?

— Do que está falando? Ontem depois que me despedi do meu namorado fui direto para casa me arrumar para ir ao escritório da minha mãe. Foi uma tarde bem entediante sobre como a advocacia é a carreira ideal para mim, o que apenas me faz querer ficar mais longe dessa carreira.

— Mas pensei que...

— Querido, pode comprar chocolate para mim? Acordei com vontade de comer um doce – falo me virando para Theo e vendo sua expressão confusa.

— Claro, já volto – deposito um beijo na bochecha do meu namorado e o vejo se afastar, rumo a cantina. Me viro para Carla quando sei que ele não pode mais ouvir – Quem lhe disse que entrei no carro de alguém? – meu tom de voz muda, não está mais calmo. Não me importo se minha amiga descobrir sobre meu noivo secreto, pois sei que ela guarda segredo. O problema é se Theo descobrir.

— Umas garotas do segundo ano estão inventando essa história. Não param de falar como era o rapaz mais lindo que já tinham visto com um carro caro, como se tivesse saído de um filme, mas... – respiro fundo. Não sei como convencer o Theo que isso é mentira caso a história se espalhe muito – Essa história é mentira né? Não é mentira... – seu tom fica mais baixo para a segunda parte quando percebe a verdade em meu rosto – está traindo o Theo?

— Não é bem assim... – Comento olhando para o lanche em minha bandeja, sem ter certeza do que dizer ou de como explicar minha situação.

— Você está mesmo traindo o Theo? Com quem? Como o conheceu? Como ele é?

— O Theo não é o traído aqui e continue falando baixo – olho na direção da cantina, onde meu namorado continua na fila, olhando impacientemente para o relógio.

— Senão está traindo então porque está assim? Agindo de forma suspeita?

— Porque tecnicamente Theo é o outro em minha vida, se é que posso chamar assim – os olhos de Carla se arregalam e entendo a razão. Nunca tinha mencionado o Jordan porque eu mesma não entendo a situação e consigo contar nas mãos as pessoas que sabem – lhe explico tudo depois, mas preciso que se ouvir essa história de ontem novamente diga que é mentira. Diga que me viu indo embora sozinha para casa e passei a tarde com a minha mãe – comento observando que chegou a vez de Theo na fila – digamos que eu tenha um relacionamento de longa data. Jordan está na faculdade, mas decidiu voltar para casa..., longa história. Promete guardar segredo e me ajudar a acabar com esse boato?

— Prometo, apenas não entendo...

— Não. Deveria usar o vestido rosa escuro nesse fim de semana. A cor fica linda no seu tom de pele e vai ser durante a tarde. Ficará lindo – mudo de assunto bruscamente percebendo que Theo retorna a mesa. Carla percebe e suaviza a expressão também. A conheci no primeiro dia de aula nessa escola e logo tivemos uma ligação. Nossa amizade é do tipo, se eu matasse alguém, ela seria a pessoa que eu ligaria para ajudar com o corpo – mas para aquele vestido, tem que estar com o cabelo preso por causa do detalhe na costa.

— Aqui querida – Theo se senta ao meu lado e me entrega um bombom.

— Obrigada. Estávamos falando desse fim de semana. Vai ser ótimo irmos com o pessoal para o shopping e aquela nova lanchonete que abriu parece incrível.

— Sim, todo mundo que foi amou muito os lanches que vendem – desembalo o bombom e dou uma mordida. Não estou muito a fim de comer chocolate, mas foi a única desculpa que consegui pensar para tirar o Theo do meu lado, com um pedido nada incomum.

O dia seguiu normalmente. Tive que desmentir algumas vezes um possível envolvimento com outro, mas logo esse boato acabou se calando, já que minha amiga me ajudou.

O mais difícil do dia foi ter que ir cinema com o Theo conforme o combinado quando desmarquei ontem. Os filmes que estavam em cartaz ontem são os mesmo de hoje e por isso tivemos que assistir o título exato de quando vim na companhia de Jordan.

— Não gostou do filme? Não estou reclamando, mas normalmente quando saímos do cinema, costuma estar bem mais tagarela.

— O filme estava ótimo.

— Então o que houve? – Theo começa a ficar preocupado. Sei disso pelo jeito que aperta mais a minha mão e abro um sorriso. Provavelmente todas os comentários sobre o filme gastei ontem e não sei ao certo o que dizer.

— Apenas estou pensando no que minha mãe vem me dizendo sobre o futuro. Estamos terminando o ensino médio e não faço ideia de que profissão escolher – é mais fácil usar um fato para encobrir meus pensamentos verdadeiros do que inventar mentiras.

— Eu já decidi por engenharia, mas cada pessoa leva um tempo diferente para decidir qual profissão seguir. Acho apenas que deveria conhecer outras opções além de advocacia.

— Eu sei, mas minha mãe já tem todo o meu futuro planejado...

— Pais sempre são assim..., vamos passar o restante do dia na minha casa?

— Bem que eu queria, mas prometi para Carla que passaria na casa dela um pouco, antes de ir para minha – Theo para em frente ao cinema e me faz ficar de frente para ele.

— Ontem não passamos tempo juntos e hoje também não vamos?

— Sempre ficamos juntos. Desde que nos encontramos em frente à escola e hoje viemos ao cinema.

— Mas não é a mesma coisa...

— Eu sei, mas não posso negligenciar as minhas amizades – falo acariciando delicadamente seus braços. Me repreendo em seguida por perceber que Theo não é tão forte como o Jordan – melhor eu ir indo, lhe ligo mais tarde, ok?

— Ok, conversamos mais tarde ruivinha – nossos lábios se tocam suavemente, em um beijo rápido, antes de me afastar e seguir o meu caminho para a casa da Carla. Ligo para ela do caminho avisando que já estou indo.

Ao virar a esquina da casa de Carla, minha amiga já está esperando em frente ao portão e mal me deixa cumprimenta-la, antes de me arrastar para dentro. Me sento no sofá e ela me entrega uma das duas taças, já servidas com vinho rosé.

— Meus pais não estão em casa e tomei a liberdade de pegar uma garrafa da adega. Pensei que precisaríamos para a fofoca que tem a me contar.

— Primeiro, não é fofoca, porque confio em você para não espalhar. Segundo, está mais para a história da minha vida que não costumo pensar muito.

— Não costuma pensar em um rapaz gato? Não o vi, mas de acordo com as descrições...

— O rapaz gato, se chama Jordan. Não o vejo a cinco ou seis meses e realmente a aparência dele melhorou nesse tempo.

— Fotos? Preciso de material para trabalhar – Pego o meu celular na minha pequena bolsa com o essencial, sabendo que não vou conseguir mais nada até minha amiga saber sobre quem estamos falando. Não tenho nenhuma foto dele, mas o procuro no Instagram. Encontro rápido o perfil mesmo não o tendo procurado antes e entrego a ela – Uau, muito mais gato do que a descrição que me passaram – Carla comenta após um suspiro, enquanto rola o feed.

— Para de falar a palavra gato. É estranho ficar ouvindo isso do Jordan.

— Qual é a história entre vocês? – bebo um gole da bebida rosada em minha taça pensando em como começar a explicar. Minha amiga ainda não desviou os olhos da tela do meu celular.

— Sabe como minha mãe sempre teve o meu futuro planejado? Agora ela vive falando sobre advocacia, mas quando a dona Denise descobriu que estava grávida de uma menina, acabou decidindo com a sua melhor amiga, que havia tido um menino a pouco tempo, que a melhor ideia era unir as famílias. No futuro os filhos se casariam e por garantia, assinaram um contrato. Na teoria estou noiva do Jordan e logo depois de dezoito anos, iremos finalmente nos casar.

Minhas palavras soam um pouco rápidas e alta. Minha amiga finalmente volta a olhar para mim com os olhos arregalados, sua boca abre algumas vezes, mas percebo que ela não tem ideia do que dizer.

— Jordan e eu fizemos um acordo a poucos anos sobre termos vidas separadas até o momento do enlace, mas a mãe acabou conversando com ele e agora acha que deveria ser melhor termos uma relação antes de tudo. Sua mudança de pensamento repentina é a razão para qual ele apareceu no colégio antes.

— Isso é permitido? Casamento arranjado não existe mais...

— Contratos são permitidos – respondo dando de ombros sem saber ao certo o que responder. Não havia pensado muito no contrato em si e começo a pensar que não reflito em nada sobre minha situação futura - caso uma das partes o quebre, a multa é bem considerável. Sem contar que para isso decepcionaríamos nossas famílias.

— Mas essa história me parece errada... – minha amiga bebe um generoso gole da bebida, tentando assimilar toda a história.

— Sinceramente não sei o que pensar sobre isso, desde que nasci tenho isso em mente...

— Você tem um noivo, entendi, é algo arranjado, mas como o Theo se enquadra nisso? Você parece gostar muito dele...

— Eu gosto do Theo, mesmo... – bebo outro gole da bebida adocicada – não quero terminar com ele. Sei que ano que vem terei que terminar, mas..., hoje fiquei o dia inteiro sentindo que havia o traído...

— De certo modo o traiu, porque você mentiu e acabou saindo com esse Jordan. Por outro lado, também acho que está traindo o Jordan com o Theo. É confuso.

— Muito confuso, nem sei o que estou fazendo. Apenas sei que quero continuar com o Theo...

— Mas e o Jordan?

— Estive pensando nisso e não acho que ele irá levar essa história por muito tempo. Em poucos dias voltaremos ao trato original e irá se resolver sozinho – fiquei pensando durante a noite sobre essa mudança repentina do Jordan e realmente não acho que vá durar, também acredito que logo irá querer voltar para o campus da universidade.

— Nunca pensei que você passasse por isso, mas agora pelo menos entendo por que nunca apresentou ninguém a sua mãe, nem mesmo o Theo com quem está a meses...

— Não vale a pena, minha mãe apenas o insultaria e me traria muita dor de cabeça. Acabaríamos brigando. Talvez tivesse que me mudar de colégio...

— Ela chegaria a tanto?

— Ela idealiza esse momento desde antes do meu nascimento. A primeira coisa que ela pensou quando descobriu sobre a gravidez era que desejava ser menina para acabar funcionando. Minha madrinha também pensa o mesmo. Então acho que iria fazer o possível para nos afastar...

— Me parece loucura...

— Talvez seja...

— O que acha de levarmos essa conversa para cozinha? Estou com fome...

— Vamos – falo já me levantando e indo na frente, conheço essa casa tanto quanto a minha e sei onde fica praticamente tudo.

Carla me faz relatar tudo sobre o Jordan e como foi o encontro do dia anterior, depois de uma longa conversa, enfim me despeço e volto para a casa.