À Luz da Lua, Bloodshed escrita por Obscuro


Capítulo 8
VII | Necrotério




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STILES

ENTREI NO HOSPITAL AO LADO DE Scott, que trazia o jantar de Melissa em mãos — nossa melhor moeda de troca. Mantive-me mais atrás, esperando que ele tivesse o primeiro contato com a mulher de cabelos castanhos cacheados, que passava correndo entre um quarto e outro, atendendo os pacientes que sempre apareciam com mais uma queixa.

O hospital não estava tão movimentado, por algum milagre. Algumas enfermeiras se escondiam atrás do balcão, algumas jogando no computador, outras fazendo as unhas e algumas realmente trabalhando nos relatórios dos pacientes. Melissa era uma das que nunca parava, provavelmente cobrindo os turnos e as funções de outras enfermeiras que não pareciam tão dedicadas ao trabalho. 

Era quase como se ela estivesse tentando apagar todas as feridas e as mortes que haviam ocorrido naquele lugar. Mortes que, em sua maioria, haviam ocorrido ano passado. Mesmo depois de tanto tempo, eu ainda conseguia ver o medo em suas feições quando eu me aproximava. Ela se esforçava para me deixar o menos desconfortável possível, mas as memórias ainda eram recentes demais para esquecer de como a raposa havia brincado com todo mundo, de como eu havia brincado com todos eles.

— Mãe? — chamou Scott.

Melissa parou no meio do caminho, ao ser chamada, abrindo um sorriso enorme, e encarou, com brilhos nos olhos, a bolsa nas mãos de Scott. Tive que pressionar os lábios para não rir da cara torta de Scott se contorcendo quando a mãe agarrou a comida como se fosse a nona maravilha do mundo, sem nem olhar para ele.

Para minha decepção, ela parou no meio do caminho, abriu um sorriso amarelo e abandonou a comida na bancada, voltando para o filho. 

— Desculpa, querido. Sei que prometi nunca mais fazer isso. Desculpa — murmurou, segurando o rosto de Scott dos dois lados, antes de beijá-lo na bochecha dos dois lados. — Como você está? Aqui está uma loucura. — Seus olhos se desviaram rapidamente para mim e ela sorriu pequeno, com os olhos tristes. — Oi, Stiles. Como vocês estão?

Eu acenei, de longe, e sorri, sem conseguir formular uma frase decente.

— Bem, estamos bem, mãe — respondeu Scott, virando-se rapidamente para me encarar antes de voltar para Melissa.  — Na verdade, viemos aqui porque precisamos de um favor — confessou, coçando a nuca, como se não quisesse realmente pedir isso. 

A expressão de Melissa caiu, toda a felicidade causada por Scott, ou pela comida, sumiu, como se nunca tivesse existido. Ela sabia porquê estávamos ali, não tinha como não saber, não era como se precisasse ser dito.

— Vocês estão aqui para ver o corpo — afirmou, sem dúvidas. Scott confirmou com a cabeça e ela suspirou, com o rosto marcado pelo cansaço e por algo mais sombrio, que não consegui identificar. — Venham, por aqui.

Seguimos pelo corredor longo, até o elevador, no completo silêncio, quase como se estivéssemos em um funeral adiantado. Daniele Fray havia perdido a vida, mas parecia que as mortes acabavam tomando um pouco das nossas vidas também. 

Era ridículo que o necrotério sempre ficasse em andares subterrâneos, quase como se caminhássemos indo para o inferno. Talvez fosse exatamente isso, mesmo que parecesse desrespeitoso com todos os defuntos que acabavam ali, deviam existir alguns que não tinham pecado tanto assim ou, pelo menos, tinham se arrependido dos pecados que cometeram. 

Respirei fundo encarando o painel do elevador que exibia os números diminuindo, tentando não pensar na minha mãe passando por ali, e, por um segundo, tive um flash de uma memória sangrenta. Ainda conseguia lembrar claramente das lutas que haviam ocorrido no hospital, dos Onis com suas máscaras metálicas e espadas demoníacas quando controlados pelo Nogitsune, conseguia sentir o cheiro de sangue, mesmo que eu soubesse que não havia mais nenhum resquício na caixa de metal e, pior, conseguia sentir o que Melissa havia passado. 

Meu coração começou a bater rápido novamente, disparando dolorosamente contra minhas costelas, como se fosse grande demais para o meu peito. O suor brotava na minha testa, grudando em meu cabelo. As paredes pareciam diminuir, o ar parecia rarefeito, como se aquele fosse o nosso próprio caixão. 

— Stiles? — A voz assustada de Melissa me trouxe de volta a realidade e pisquei atordoado, trazendo foco à imagem outra vez. Ela me encarava da porta aberta, segurando-a com o braço para que não fechasse. — Nós chegamos. Você vem?

Eu pigarreei, nervoso, e esfreguei a boca com a mão, antes de sair ainda sentindo o suor gelado escorrendo por minha nuca. Scott já estava mais distante, bons passos à frente, caminhando sozinho pelo corredor de paredes esverdeadas. Ele parecia um cachorro farejando o ar e, se eu não o conhecesse, apostaria que estava procurando um bom lugar para levantar a perna e mijar para marcar território. 

— Sim, claro — disse, adiantando-me para fora do elevador ouvindo as portas se fecharem rapidamente atrás de mim, nos prendendo no andar mais baixo do prédio. Caminhei lentamente, olhando para cada uma das portas fechadas pelas quais passávamos. Para minha surpresa, Melissa se manteve ao meu lado, acompanhando meus passos letárgicos como se estivesse tão ansiosa quanto eu por estar ali.

Eu queria encontrar com a médica misteriosa que parecia encobrir assassinatos há bons meses, mas ainda assim, estar ali desencadeava calafrios dolorosos pelo meu corpo, como se eu ainda fosse capaz de sentir a morte, ainda que aquela sensação já não fosse mais tão distante quanto era. Agora, eu sabia o que procurar e o sentimento era horrível, como se minhas entranhas se retorcessem diante o cheiro amargo.

— Como você está, Stiles? — perguntou, depois de longos segundos em silêncio. Conseguia sentir seu olhar queimando em meu rosto, como se ela estivesse me analisando, buscando a certeza que eu ainda era eu. — Scott falou comigo sobre os pesadelos, ele me disse que voltaram — confessou e meu estômago pareceu diminuir. Eu encarei a nuca de Scott, ainda distante, e engoli em seco, ele não parecia o culpado por ter exposto minha ferida aberta.

— Bem, eu estou bem, está tudo bem. Foi só um pesadelo — corrigi, coçando a nuca. — Ontem, nada para se preocupar. Foi meu pai, não foi? — questionei, virando-me para olhar seu rosto, que parecia meio esverdeado como as paredes. Ela não parecia querer falar sobre aquilo mais do que eu, mas era mais do que querer, parecia uma necessidade, uma obrigação.

— Ele apareceu lá em casa hoje de manhã, preocupado com você. Disse que acordou com os seus gritos — contou, parecendo nauseada por estar denunciando o amigo. — Fazia tempo que não acontecia, Stiles, por isso ele está tão preocupado. Não pode culpa-lo — disse, entrando na sala atrás do filho que parecia ter encontrado o que tanto procurava.

Eu sabia que não podia culpa-lo de forma alguma, na verdade, não podia culpa nenhum deles por estarem tão preocupados, ainda que isso só piorasse toda a situação.

Respirei fundo antes de seguir os dois, sendo recebido por uma onda frio que servia para conservar mais os corpos. A primeira coisa que vi foi o corpo na bancada de aço, quase como se não existisse nada mais na sala, mesmo que aquele não fosse meu objetivo. Os cabelos castanhos em forma de aura em sua cabeça, como se ela fosse um anjo, mas seu rosto era o oposto de qualquer coisa angelical, tocado pela lividez e palidez da morte. Sua pele parecia tão branca quanto o lençol leve que a cobria, protegendo sua nudez, cobrindo-a até o pescoço.

— O que essas crianças estão fazendo aqui, Melissa? — A voz parecia um rosnado, vindo das nossas costas, tão ameaçadora que foi impossível não me encolher.

— Doutora Reese — gaguejou Melissa, quase como se não esperasse que ela estivesse ali.

Virei lentamente na direção da voz, encontrando duas mulheres.

Mais à direita estava quem deveria ser a tal Taylor Reese, vestida com um jaleco branco melado com sangue em algumas partes e, mesmo assim, aquilo não alterava em nada sua beleza. Ela era esguia, com lábios grossos extremamente avermelhados, seu rosto quadrado. Sua pele parecia brilhar, perfeita, sem nenhuma marca, aparentando ser jovem demais para ser médica, mas havia uma seriedade em suas feições que pareciam garantir que ela era mais velha do que aparentava ser. Seus cabelos loiros, extremamente claros, estavam amarrados em um coque no topo de sua cabeça e uma franjinha caía em sua testa, tão claros que quase pareciam branco graças à luz do local.

Seus olhos de um tom estranho de verde acinzentado me encaravam, como se ela estivesse pronta para me chutar para fora da sala, mas, ainda assim, ela parecia um anjo, com uma aréola dourada ao redor de sua cabeça.

Mais atrás, como se tentasse passar despercebida, quase colada a parede, estava uma garota mais baixa de cabelos cor de avelã, tão bonita e tão angelical quanto Reese, ainda que seu rosto oval, com um queixo pontudo estivesse retorcido em uma careta horrível de puro sofrimento e dor, como se estivesse sendo torturada por criaturas invisíveis. De uma forma inexplicável, olhar para seu rosto retorcido parecia me causar algum tipo de dor, além de despertar uma vontade incompreensível de fazer, qualquer que fosse seu sofrimento, acabar. Seus olhos castanho-escuros me encararam de volta, de repente, parecendo notar que eu a analisava.

Ela parecia mais nova que Reese, com uma inocência jovial ainda em seu rosto, mas havia algo incontido em seus olhos quase ferozes. Um calafrio desconfortável percorreu minha coluna, como se algo me avisasse que ela era perigosa, muito mais perigosa do que aparentava.

Engoli em seco e desviei os olhos para Scott. O que só piorou a situação, já que ele parecia prestes a explodir em pelos e garras, mesmo com todo seu autocontrole. Eu conseguia ver o cabelo em sua nuca arrepiado, como ficam os pelos dos cachorros quando eles estão com raiva. Um passo errado e aquilo viraria um cenário caótico.

— Eu... Eu... — Melissa gaguejou outra vez.

— Eu espero que a justificativa seja excelente, sra. McCall — sibilou novamente, interrompendo Melissa de forma petulante.

Encarei a médica e o medo não existia mais. A raiva queimou em meu corpo. Como Melissa poderia se explicar se ela não calava a porra da boca? Como qualquer um poderia explicar qualquer coisa quando ela continuava esbanjando aquele ar tóxico de superioridade? Por um segundo, acreditei que eu mesmo poderia rosnar em sua direção.

— Viemos buscar o relatório que a senhora já deveria ter enviado para a delegacia, doutora — rebati, saindo em defesa da mulher que representava uma figura materna para mim. Melissa virou a cabeça em minha direção quase como um estalo e senti meu coração acelerar. Esperava que minha decisão não a prejudicasse de nenhuma forma. Bem, pelo menos, não uma tão ruim quando Scott se transformando na frente das duas desconhecidas. — E não sei se a senhora é familiar com o termo estagiário. Mesmo sendo uma cidade pequena, a delegacia aprova a iniciativa dos adolescentes que estão no ensino médio e buscam uma carreira em áreas da lei.

Ela permaneceu calada, me encarando, como se eu fosse apenas uma criança petulante que se atrevia a respondê-la, ainda que eu conseguisse ver a surpresa em sua expressão. Cruzei os braços, tentando me manter firme diante seu olhar sanguinário, e respirei fundo, tentando desacelerar minha pulsação. Olhei de relance rapidamente para a garota desconhecida mais atrás e me surpreendi quando encontrei um sorriso pequeno em seus lábios, como se ela estivesse se divertindo genuinamente com a cena toda.

— Então, doutora, o relatório? — exigi, novamente, atrevidamente, incentivado pela morena.

Ela me olhou como se estivesse prestes a voar na minha direção e arrancar a cabeça com as próprias mãos, mas respirou profundamente antes de se voltar a sua mesa com pilhas de arquivos e agarrou uma folha única solta que estava sobre todas as pastas. Antes que pudesse controlar, avancei, ansiosamente, em sua direção, estendendo a mão para alcançar o papel, mas ela desviou com facilidade.

— Tudo que consegui reunir desde que me entregaram o corpo está aí, espero que seja o suficiente, senhor... — Ela me encarou questionadora, segurando a folha, enquanto minha mão permanecia estendida em sua direção, meus dedos coçando para agarrar a página com suas descobertas.

— Stilinski — informei, à contragosto, e dei um bote, agarrando a folha antes que ela pudesse fugir novamente.

— Stilinski? Como o xerife? — perguntou, curiosa, mas ignorei e virei de costas para a ela. Conseguia sentir seu olhar queimando em minha nuca, enquanto lia sua análise que parecia apenas uma completa cópia de todos os outros. O calor da raiva queimou em meu rosto e em meu pescoço e a encarei novamente.

— Você só pode estar brincando — falei em um quase rosnado. — Você só copiou as mesmas coisas da sua análise de outros casos. Você sequer trabalha aqui? Não havia nada de diferente em nenhum dos casos? Já é o quinto que caí nas suas mãos e saí com os mesmos resultados! — Minha voz parecia aumentar a cada palavra que saia da minha boca enquanto eu avançava em sua direção, mesmo que algo gritasse no fundo da minha mente que eu não deveria fazer isso. — O que você acha que a polícia vai poder fazer com isso?

— Stiles. — A voz de Scott soou como um aviso me refreando, quase como se ele tivesse colocado a mão em meu ombro, puxando-me para trás, e dei um passo para trás, percebendo que estava quase inclinado sobre a loira.

— Desculpe, Dr. Reese — adiantou-se Melissa, tentando remediar qualquer coisa que eu tivesse causado. — Não queria atrapalhar seu trabalho, mas o xerife pediu que enviasse o mais rápido possível, não tenho muitas informações, estou aqui apenas cumprindo ordens.

— Bem, da próxima vez, peça que o próprio xerife venha aqui — ordenou e tudo que Melissa fez foi confirmar com a cabeça. — Assim é mais fácil de explicar tudo e não ser acusada de repetição excessiva injustamente por um mero estagiário. — Ela cuspiu a palavra como se fosse veneno em sua boca.

— Explicar? Explicar o que? — questionei e entreguei a folha para Scott, caminhando de volta para o corpo. — O que houve? Alguma característica específica?

Encarei o rosto pálido acinzentado, procurando alguma coisa nova, mas ele estava intacto, manchado sutilmente com algumas marcas de sangue e leves hematomas. Ela parecia ela mesma. Ainda assim, mesmo parecendo tanto com a foto da garota sorridente que ilustrava o quadro da delegacia, ela não parecia serena. Era quase como se seu rosto ainda estivesse petrificado no horror que ela devia ter sentido ao encontrar com a Morte.

Seu corpo começava a feder, com o cheiro da decomposição, mas, para minha surpresa, eu não conseguia sentir o cheiro metálico desnorteador que sempre sentia nas cenas que presenciei, era quase como se não houvesse sangue. Enruguei as sobrancelhas e respirei fundo outra vez. Nada. Ataque de animal. Animais deveriam ser violentos, não? Pelo menos, aqueles que são capazes de causar a morte de alguém. O corpo devia contar algo mais além do horror. Reese devia ter, de fato, feito uma cópia, sem realmente investigar o corpo.

— O que você encontrou que não está na necropsia? — questionei friamente e ergui a cabeça novamente, para encarar o rosto pálido e angelical. Seus olhos pareciam mais acinzentados e vi seus lábios se mexendo, ainda que eu não conseguisse ouvir nada.

— Tudo o que encontrei está naquele papel, acho que é o suficiente para o xerife entender o que está acontecendo. — Sua voz soou robótica, como se ela estivesse programada e esperando aquilo. — Não há nada além da necessidade de um controle de animais — afirmou, irredutível. Seus olhos pareciam queimar, sem se desviar do meu rosto nem por um segundo e uma névoa bagunçou meus pensamentos.

Olhei novamente para o corpo imóvel e meu corpo inteiro congelou, o ar ficando preso em minha garganta. Os olhos cor de mel me encaravam, arregalados, como se pedissem socorro. Sua boca estava costurada com linhas negras em X, impedindo que ela conseguisse falar, ainda que ela tentasse, fazendo a pele repuxar, quase rasgando os lábios.

Cambaleei para trás, com minhas pernas fraquejarem, e pisquei rapidamente, tentando fazer as coisas voltarem ao normal. Minhas costas acertaram a pequena mesa de instrumentos sangrentos, que continuavam dispostos, e eles caíram no chão com o barulho alto ferindo meus ouvidos. Quando ergui a cabeça novamente a garota estava com os olhos fechados outra vez e não havia linha alguma em seus lábios esbranquiçados.

— Stiles? Stiles? Stiles, você está bem? — As mãos quentes de Melissa envolveram meus braços e eu engasguei com o ar, encarando seu rosto turvo retorcido de preocupação. O frio da sala parecia penetrar minha pele e eu podia apostar que minha temperatura se parecia mais com a de Daniele naquele momento. — Scott, acho melhor nós irmos. Desculpe, mais uma vez, Dra. Reese — balbuciou antes de me rebocar para fora da sala com Scott em nosso encalço, como se estivesse protegendo a retaguarda.

Eu avisei, Stiles. A voz sussurrou no fundo da minha cabeça, ecoando. Você precisa de mim.

O caminho do necrotério até a delegacia não passou de um borrão enquanto meu cérebro continuava repetindo a imagem dos olhos opacos me encarando. Não conseguia lembrar de entrar no elevador, muito menos de entrar no Jeep outra vez. Foram minutos intermináveis dos olhos desalmados, arruinados pela presença horrenda da morte, e pela certeza de que, o que quer que estivesse lá fora, era muito mais assustador do que a maioria das coisas que havíamos enfrentado.

Desde a raposa eu não sentia mais medo da morte, até porque, por um tempo, eu só queria que ela finalmente chegasse. Não era mais tão assustador lidar com monstros que não deveriam existir pela ordem natural da vida humana, mas parecia que tudo aquilo era diferente de lobos sanguinários, lagartos paralisantes e Darachs. Parecia que a morte era algo a se temer novamente.

— Stiles. — A voz de Scott me acordou. Estávamos parados no estacionamento da delegacia, provavelmente, há mais tempo do que parecia. Engoli em seco antes de encarar seu rosto e agradeci por não enxergar tão bem no escuro, sentir seu olhar de preocupação já era mais do que eu era capaz de aguentar naquele momento. — Cara, faz quarenta minutos que você tá parado olhando para o nada aí.

Definitivamente havia passado mais tempo do que parecia. Voltei a encarar minhas mãos, arrancando um pedacinho de pele na lateral do dedo, e respirei fundo, tentando acalmar todo o caos dentro de mim.

— Stiles, você tá bem? — perguntou, estendendo a mão para tocar meu ombro. O calor me alcançou, através do tecido fino da camisa, me fazendo notar que eu ainda estava frio como um cadáver. — Você tá com um cheiro pior que o normal — confessou à contragosto e eu ri.

— Valeu, cara — zombei, ironicamente.

— É sério, Stiles. — Sua voz soou como a repreensão de um pai. — Estamos preocupados com você. Sabe que pode contar comigo — afirmou, apertando a mão em meu ombro. Sorri de lado e balancei a cabeça em uma confirmação silenciosa.  — Se você estiver sonhando com o Nogitsune de novo, precisa falar com a gente.

Nogitsune. A palavra parecia não ter significado. Parecia até confortável pensar na ideia de sua volta.

— Eu sei, Scott. Não é nada com ele. Foi só... — Suspirei, cerrando os punhos e desviando os olhos para a rua que já estava deserta por causa da hora. — Eu estou investigando isso há mais tempo do que vocês e tinha esperança que Daniele só estivesse desaparecida, é só isso. Não estava preparado para ver ela morta — menti, vendo a janela embaçar com minha respiração. Scott me apertou mais uma vez, antes de se afastar.

— Eu sinto muito — murmurou e eu balancei a cabeça, esticando a mão para abrir a porta.

— Vamos lá, temos que contar aos outros que não temos nada.

Pulei do Jeep, curvando o corpo por causa do vento frio, e caminhei para a delegacia sem esperar Scott. A sala das mesas dos policiais estava quase vazia, apenas Parrish e Noah permaneciam diante o quadro de investigação que parecia muito mais decorado do que quando eu havia saído. Meu estômago revirou. Se haviam casos que eu não consegui acessar, quantos casos ainda podiam existir que se conectavam com aqueles?

— Pai?

Noah abandonou a pasta em suas mãos, dando-me atenção completa, com uma esperança que doeu saber que não levaria a nada. Retorci os lábios em uma careta de descontentamento e ele suspirou, deixando a cabeça cair em sua mão. Ele esfregou a testa e, quando voltou a encarar Parrish, parecia mais cansado que nunca.

— Vamos para casa, garotos — determinou, apoiando a mão no ombro de Parrish. — Amanhã retomamos as investigações, não há nada que possamos fazer agora.

Seus olhos estavam cansados e, olhando atentamente, ele parecia mais magro, perdendo inúmeras horas em casos que ele não conseguia solucionar. Perdendo horas pensando no que havia de errado com seu filho.

Engoli em seco e encarei a foto de Daniele outra vez. Ela estava arrumada para o baile de formatura, provavelmente. Seu sorriso brilhava e seus olhos pareciam caramelo derretido. Não parecia justo que ela estivesse condenada à escuridão. Não parecia justo que um monstro a tivesse escolhido para acabar com sua vida antes da hora. Talvez fosse a semelhança com o caso de Heather que me incomodava tanto, fazendo com que eu me sentisse impotente mais uma vez, inútil.

— Eu posso ajudar, pai — afirmei, aproximando-me da pilha de arquivos na mesa de Parrish enquanto todos se organizavam para sair. Haviam novos casos, de outras delegacias de cidades próximas. Eles deviam ter ligado enquanto eu estava no hospital, tentando ter noção do tamanho de toda a destruição. — Posso organizar as informações novas. Esses casos…

— Stiles. Nós vamos para casa — determinou, me interrompendo, sem abertura para contradição. — Precisamos descansar e esse não é o seu trabalho. Vamos — disse, indicando o caminho. Suspirei resignado e segui na sua frente, deixando para trás a única chance que eu tinha de ser necessário.

Comigo você seria útil, pequena raposa.

Balancei a cabeça abrindo a porta do Jeep e segui atrás do xerife para nossa casa. Mesmo sabendo que eles haviam me ouvido, eu ainda sentia como se minha teoria não fosse levada realmente a sério. 

Eu precisaria de mais do que só alguns casos para comprovar alguma coisa.


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