Doutor Estranho: Inferno escrita por De Mysteriis Dom Sath


Capítulo 2
I - O discípulo


Notas iniciais do capítulo

Voltamos com o primeiro capítulo.



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Depois que o velório de Stephen se deu por encerrado, Clea Strange pôde enfim se ver livre de companhia. Precisava de um tempo para lidar com seus pensamentos. Mais do que isso, precisava ter um tempo a sós com o corpo de seu marido. Agora, encarando a porta de madeira do quarto que um dia fora de Stephen, a realidade de tudo aquilo a alcançava. O plano terreno havia perdido seu Mago Supremo. Wong, Parker e tantos outros haviam perdido um amigo. Mas ela havia perdido seu parceiro de vida. Stephen era mais do que seu marido. Era a pessoa que a salvara de si mesma e do destino a que acreditava estar condenada. Que a tirara das garras de Umar e lhe apresentara um multiverso de possibilidades. E ela havia escolhido viver suas possibilidades ao seu lado. Infelizmente, essa história havia se encerrado cedo demais.

Abriu a porta. É claro, sabia que não estaria completamente só. Wong e seus alunos em Kamar Taj estavam a um grito de distância, prontos para qualquer emergência. Eram tempos sombrios, e não podiam dar sorte ao azar. Mas ter alguns segundos que fossem ao lado do corpo já lhe era valioso. O quarto estava à meia-luz, com apenas um singelo abajur a iluminá-lo. Era um cômodo reduzido, decerto não o que se esperaria para alguém da importância do Mago Supremo, mas tinha um valor simbólico. Clea quase que conseguia enxergar Stephen anos mais jovem ali, a prepotência com que construíram sua carreira médica ainda em seu auge, mas as mãos retorcidas como lembrete do que a ciência mundana falhara em lhe ofertar. 

Agora, no entanto, quem repousava naquela cama era outro Stephen. Estava coberto por seu Manto da Levitação, cujo forte tom escarlate ocultava a maior parte do corpo, deixando apenas parte dos cabelos, já meio grisalhos, aparentes. 

— Deixe-me vê-lo — pediu, sabendo com quem conversava. 

Aos poucos, o Manto começou a deslizar para o lado, revelando o corpo de Stephen Strange sobre a cama. Ela conteve sua vontade de chorar. Sim, havia acabado de vê-lo, mas talvez o fato de agora estar despojado de todas as graças do cortejo fúnebre de Kamar Taj tornava aquele fato ainda mais concreto. Stephen Strange estava morto. 

A pele de Stephen estava extremamente pálida. Seu bigode, sempre tão bem feito, encontrava-se um pouco desgrenhado. Os olhos estavam fechados, vendendo a ilusão de que Stephen apenas repousava em um sono profundo. Algo, porém, chamava atenção. Mesmo com a túnica azul com que fora vestido, as marcas da violência que sofrera se faziam presentes. No peitoral, um pouco para o lado esquerdo, uma leve mancha de sangue estava marcada na roupa. O tecido estava um pouco amassado, revelando o vazio que ocultava. O coração de Strange havia sido arrancado à força. 

— Ah, Stephen — disse, colocando sua mão sobre a dele. 

O Manto da Levitação flutuou para o seu lado, encostando em seu antebraço como que para prestar apoio. Ela passou os olhos pelo corpo de seu marido, imersa em seus próprios pensamentos. Algo, porém, a chamou atenção. O Olho de Agamotto, ainda sobre o colo de Stephen, parecia-lhe diferente. Apelativo, de alguma forma. Havia um brilho sutil, quase celeste, que parecia circundar o artefato dourado. Ver aquilo a deixou de alguma maneira entorpecida, um pouco tonta. Se sentia tentada a apanhá-lo e averiguar aquela condição. Algo, no entanto, a impediu. 

Ouviu barulhos vindos do corredor. 

Parado! — disse uma voz, que ela imaginou ser de um dos alunos do templo que vigiava o corredor. 

Passos apressados se seguiram, e, então, sons de luta. Havia alguém ali, e estava enfrentando o acólito. Ela lançou um último olhar sobre o Olho de Agamotto, ainda hipnotizada por aquele brilho, até que a porta se abriu. Quem entrou, porém, não foi o vigia. 

— Você vem comigo! — disse o invasor. 

Ele vestia uma túnica preta e longa, com uma espécie de turbante vermelho que encobria seu rosto. Algo em seus olhos, contudo, entregava suas más intenções. A pele ao redor deles parecia manchada por algo igualmente negro. O invasor estendeu a mão para puxá-la, e Clea, ainda sentindo aquele torpor, não se moveu. Mas o Manto da Levitação de Stephen entrou na frente, enrolando-se no braço do desconhecido e puxando-o contra o chão. 

Aos poucos, ela recobrou a consciẽncia, e, alarmada, usou sua magia para, envolvendo-o com um brilho de cor lilás, arrastá-lo para fora do quarto. Ele se libertou do Manto, lançando-lhe um feitiço na forma de chamas que o fizeram soltá-lo, e logo se pôs de pé. 

— Ei, você! — gritou uma voz, vinda do corredor. Era Wong, como Clea logo reconheceu. 

Ela ergueu os braços para cima, e, canalizando um pouco de sua energia, lançou uma chama lilás sobre o invasor. Ele se defendeu com o braço, que projetou um escudo de pura energia, e começou a correr na direção contrária de onde viera a voz de Wong. Clea correu atrás, e quase se esbarrou com Wong. Olharam um para o outro, consentindo em silêncio, e correram atrás do invasor. 

Juntos, começaram a conjurar a Dimensão Espelhada, e o corredor à frente do invasor aos poucos se multiplicou, se embaralhando em uma série de ramificações. Indeciso, ele pulou, e, aos poucos, começou a dobrar o corredor à sua própria maneira. Clea e Wong se separaram, indo um para cada lado, e logo a largura do cômodo começou a se expandir. O invasor lançou discos de energia na direção de ambos e, correndo, percebeu que estava indo em círculos. O corredor era agora uma grande esfera de madeira, na qual os três corriam para tentar se alcançar. Ele pulou e, girando no ar, aterrissou no lado oposto da esfera. Foi suficiente para escapar de Wong, que tentava invocar as Faixas Escarlates de Cyttorak para prendê-lo. Clea abriu um portal sob o ponto em que o desconhecido tentou pousar, mas, com agilidade, ele conjurou plataformas que o permitiram escapar. 

Clea correu pela lateral da esfera e, concentrada, invocou as Chamas dos Faltine. Elas adquiriram a tonalidade lilás que lhe era particular e, como que a obedecendo, formaram uma coluna de fogo que atravessou a esfera em direção ao invasor. Ele não escapou por completo, e se viu obrigado a arrancar seu turbante, agora incendiado. Isso revelou para Wong e Clea seu rosto marcado. Para além das manchas negras que circundavam seus olhos, faixas da mesma cor, como lágrimas escorridas, brotavam desses círculos em direção às bochechas. 

— Kaecilius! — gritou Wong, reconhecendo-o. 

Em um gesto de desespero, Kaecilius disparou uma rajada contra a própria esfera, que aos poucos começou a esticar-se para um formato cilíndrico. Clea e Wong corriam atrás dele, mas o ambiente se esticava, aumentando a distância entre eles. Wong estendeu os braços e, girando-os em um encantamento, conseguiu abrir um portal em frente a Kaecilius. Surpreendendo-o, Rintrah, o minotauro de Kamar Taj, acertou-o em cheio com a cabeça, jogando-o em direção a Wong e Clea. Convocando outra vez as Faixas, Wong conseguiu capturá-lo, e, aos poucos, a Dimensão Espelhada se desfez no plano terreno outra vez. 

Wong abriu um portal, e fez com que ele alcançasse os quatro e os levasse ao pátio de Kamar Taj, onde dezenas de estudantes treinavam normalmente. Usou as faixas para colocar Kaecilius de pé e se aproximou dele, sério. 

— O que você veio fazer aqui? — perguntou, o tom ríspido mostrando a antipatia. 

— As notícias se espalharam, Wong. O Barão Mordo quer conversar. 

— Diga àquele traidor que prefiro morrer a encontrá-lo fora de um campo de batalha. 

Kaecilius riu, fazendo com que Wong mandassem as Faixas se apertarem. 

— Ele não quer falar com você, Wong. É com ela — disse o discípulo, olhando agora para Clea. 

— Vocês não respeitam nem mesmo uma mulher enlutada — respondeu Wong, irritado. 

Mas Clea gesticulou para que parasse. Ela se aproximou de Kaecilius, e, respirando fundo, fechou os olhos por alguns segundos. 

— Ele está limpo — concluiu. — Não sinto Dormammu em seu corpo. 

— Clea, se você está pensando em… — Ela não deixou Wong terminar. Não sabia dizer ao certo por que, mas sentia saber o que devia fazer. 

— Me leve até Mordo. Ele terá apenas uma chance.


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Notas finais do capítulo

Notem que o Kaecilius que aparece aqui é baseado no das HQs recentes, e não no do MCU.



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