Os Irmãos Park escrita por André Tornado


Capítulo 32
Férias e descanso




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A pausa de inverno, também chamada de férias de Natal, começou com um enorme nevão. A casa ficou subitamente gelada e desconfortável. O vento passava por frinchas que os irmãos Park nem sabiam que existiam, as correntes de ar assobiavam terrivelmente por corredores e quartos, e desconheciam completamente a parte prática de aquecerem um espaço ou de se aquecerem a si mesmos. À exceção do átrio e do pequeno quarto no piso de cima, não havia um lugar decente onde pudessem passar os dias que se tornaram excessivamente longos. Encolhiam-se uns contra os outros sentados na cama, com as pernas puxadas de encontro ao corpo, e assim ficavam durante longas horas a suportar temperaturas baixas, a falta de comida e a sua indolência.

As dores da reversão para rapazes normais estavam a ser insuportáveis, mas eles não se punham com queixumes velados, nem com comentários enraivecidos, nem com dissertações fantasiosas. Fora a sua escolha e eles aceitavam aquela decisão, na maioria das vezes, com uma apatia nascida da sua inaptidão para lidarem com os novos desafios.

Depois de Mike, Brad foi revertido. Rob ficou para o fim porque eles temiam ficar sem os seus feitiços que serviram para suprir algumas faltas durante as primeiras horas, como um sono decente e comida para mitigarem as fomes avassaladoras que passaram a sentir. Rob sairia prejudicado, mas ele não se importou com o sacrifício. Fez-se de forte e disse que não lhe iria fazer tanta impressão, já que era um feiticeiro. Os vampiros seriam mais sensíveis.

O processo era simples. Dois irmãos sentavam-se de frente um para o outro, davam as mãos, fechavam os olhos. Qualquer coisa sucedia – podia ser uma ligação cósmica ou uma benzedura invisível. Eles perdiam os sentidos durante uma viagem esotérica, para despertarem como rapazes normais. A ressaca era terrível, mas durava pouco tempo. Bastava dormir duas, três horas e despertavam como novos.

E estavam mesmo renovados, no sentido mais literal do termo.

Apreciavam a mudança, celebravam a sua nova condição com alegria e espanto, teciam rasgados elogios às novas sensações e às novas capacidades. Agora tinham de refazer tudo e agradava-lhes a possibilidade de perseguirem novos objetivos e a simplicidade de terem sonhos.

Tinham todos ficado feios, comprovavam a contemplar-se mutuamente e a apontarem as características que lhes saltavam à vista, porque continuavam sem terem espelhos em casa e a intempérie aconselhava-os a não cometeram a imprudência de irem às compras. Riam-se muito, a verificarem os pequenos defeitos. Sinais, rugas, manchas, os pelos da barba rala que despontava e que lhes escurecia o queixo e o lábio superior. A diversão era de pouca dura, todavia. Desatava a discussão do que fazer a seguir com o que eram agora, que começou a acumular muitas falhas que eles se mostravam incapazes de corrigir e de colmatar.

Zangavam-se, tentavam fazer uma cena, mas esbarravam recorrentemente no facto de estarem sozinhos. Não tinham pais ou tutores, uma espécie de família por perto, que os pudessem orientar e aconselhar. Deixavam-se ficar moles, de olhos vidrados fixos em nenhures, com o cérebro embotado e sem nenhuma ideia produtiva passada a euforia.

Até que Brad lembrou-se de que deviam pedir ajuda ao mordomo. Novo debate sobre se era a pessoa indicada para lhes resolver a crise. Mas à falta de uma proposta melhor, avançaram. E como contactá-lo se eles já não podiam usar os seus poderes fantásticos? Outra altercação. Eles passaram a discutir mais e a se irritarem mais, mas só se apercebiam dos exageros da sua conduta quando caía um silêncio súbito que tanto acusava, como envergonhava.

Brad insistiu. O mordomo era o único que os podia ajudar. Era o seu tutor, professor, pai, tio, padrinho, era o que tinham de mais próximo a uma figura de autoridade paterna. Foi até ao armário do átrio. Da mochila do Mike recuperou o telemóvel e trouxe-o para o quarto. As suas mãos tremiam. O número do mordomo estaria ali, de certeza. A cara de Rob iluminou-se de esperança, Mike aceitou correr o risco. Não tinham nada a perder.

Reuniram-se em redor do telemóvel que colocaram no chão, como relíquia sagrada. Mike ligou-o, Rob navegou nos ícones da tela, Brad encontrou a agenda de contactos. E lá estava – um número único, sem identificação. Cruzaram olhares apreensivos, impregnados de curiosidade e de medo. Era estranho como eles agora tinham medo de tudo, a par de uma insaciável vontade de descoberta.

A ideia tinha partido de Brad e disseram-lhe que fosse ele a fazer a ligação. Ele ufanou-se. Agarrou no telemóvel com ares de sabedor. Era fácil, tinha visto muitas vezes, nos últimos tempos, o Elliot usar o telemóvel, sabia o que tinha que fazer. Tinham assistido à revolução tecnológica que introduziu aqueles aparelhos no quotidiano das pessoas, especialmente dos mais jovens, não seria complicado servirem-se daquilo. Mas hesitou, enganou-se a escolher a tecla virtual certa. Quando escutou os apitos da chamada, assustou-se e deu um guincho. Foi um som meio efeminado e tapou a boca com a mão para evitar repetir o barulho esquisito. Os seus irmãos não o censuraram, felizmente. Era provável que fizessem a mesma cena se fossem eles os incumbidos do telefonema.

Um apito seguido de um estalido.

Atenderam.

Expetativa. Mais medo.

Mike e Rob sustiveram a respiração. Agora podiam mesmo fazê-lo.

Brad endireitou-se, de olhos arregalados. A boca teve um espasmo. Soprou um sim tímido, um obrigado ainda mais acanhado e desligou. Baixou o braço, o telemóvel escorregou-lhe pelos dedos. Desatou a chorar.

— O que foi que aconteceu? – perguntou Mike, enervado. – O número estava enganado?

— Conta-nos! – implorou Rob, também enervado. – Por favor…

Aos soluços altos, numa voz entrecortada, Brad respondeu:

— O mordomo diz que tem muito orgulho em nós. O que fizemos foi muito certo. Ela apoia a nossa decisão e vai ajudar-nos. Nós merecemos ser felizes.

Mike e Rob deixaram-se contaminar pela emoção. Também desataram num berreiro e refugiaram-se num abraço coletivo, que simbolizava, antes de mais, um enorme alívio. Estavam salvos!

No dia seguinte, pela manhã, chegaram três forasteiros à cidade. Dois homens muito altos e uma mulher anafada. Se eles eram sisudos e imponentes, embrulhados nas suas gabardinas forradas para suportarem o frio de dezembro, ela era jovial e prestável, com um sorriso pronto para toda a gente. Vieram de comboio, com pouca bagagem. Tomaram um café na pastelaria da estação e depois pediram um táxi para os levar ao endereço que ela trazia apontado num pequeno caderno de notas, capa preta, que se fechava com um elástico. Foram os três no banco de trás do automóvel e não entabularam conversa com o taxista, em nenhum momento. Nem para perguntar sobre pontos turísticos da região ou comentar o clima agreste que fazia adivinhar um Natal branco e perfeito.

Tratavam-se de dois feiticeiros e de uma bruxa que, enviados pelo mordomo da mansão que acolhia criaturas fantásticas, vinham cuidar dos irmãos Park e encaminhá-los para a sua nova vida de rapazes humanos.

Entraram na casa silenciosa de rompante, sem fazerem qualquer cerimónia. Um dos feiticeiros começou logo a trabalhar para terminar com o frio terrível que se fazia sentir lá dentro. Ergueu a sua varinha e pôs-se, com feitiços enérgicos, a reparar as paredes, a fechar buracos, a calafetar janelas. O segundo feiticeiro, de mãos atrás das costas, percorria cada divisão cuidadosamente, observando os pormenores, registando o que precisava de ser feito e que iria necessitar da sua magia combinada com a do colega, porque a tarefa era muito grande. A bruxa subiu as escadas, puxando as saias compridas para não tropeçar nestas à medida que galgava os degraus. Foi dar com os três rapazes no quarto, a dormirem uns por cima dos outros na única cama disponível. Juntou as mãos, lamentou-se com o seu estado, condoeu-se, lacrimejou, mas a sua comoção durou pouco. Havia trabalho urgente a fazer.

Arregaçou as mangas e começou.

Primeiro, colocou-os numa posição mais confortável, expandindo a cama para que eles coubessem no colchão à larga. Usou um feitiço de alargamento do quarto, que logo seria corrigido, assim que existissem mais dois quartos na casa em condições de habitabilidade, para que cada irmão tivesse o seu espaço. De seguida, avaliou o seu estado de saúde. Mediu-lhes a temperatura e fez um diagnóstico dos sintomas que apresentavam. Desorientação, hipotermia, subnutrição, fadiga, depressão. Brad desenvolvia uma alergia grave ao pó, Mike tinha apanhado gripe e Rob estava com uma bronquite aguda. Por fim, despertou-os com muito cuidado. Precisava que estivessem acordados para alimentá-los e medicá-los.

Mike, a suar e delirante da febre, julgava que estava a ver uma fada bondosa. Rob, rouco e com dificuldades respiratórias, assobiava de cada vez que agradecia. Brad espirrava e ria-se como se estivesse louco, repetindo sem parar que estavam salvos.

A mulher apresentou-se. Explicou-lhes brevemente que estava acompanhada de outros dois feiticeiros. Só sairiam dali quando a casa estivesse completamente reconstruída e decente para ser habitada por três rapazes. Eles só queriam comer. E tomar banho. E não se sentirem tão mal. A mulher prometeu-lhes que dali a umas horas já se sentiam menos arrependidos de serem humanos.

— Nós não estamos arrependidos – esclareceu Mike, mortiço. – Assumimos o que fizemos. Porque é uma coisa boa, não é? Nós fizemos isto porque achamos que é uma mudança positiva. Estávamos cansados do que éramos… O Brad e o Rob podiam não fazer a reversão, mas fizeram-na.

— Juntos até ao fim – disse Brad, convicto, e depois espirrou.

— Para o que der e vier – concordou Rob, esvaído.

— Somos irmãos – acrescentou Brad, fanhoso.

— Escolhemos ser irmãos e escolhemos ser humanos. Pronto, está escolhido – completou Rob a encolher os ombros, mas o seu tom era sério e definitivo.

A bruxa sorriu-lhes brandamente, a murmurar:

— Muito bem, muito bem. Poupem as vossas forças. Daqui a nada vão ficar como novos e vão esquecer este início atribulado da vossa nova vida. Os inícios são sempre estranhos. Mas depois, passam a ser apenas isso. Inícios. Sem qualquer segredo ou complicação.

Os irmãos Park tiveram aquelas visitas especiais em casa durante uma semana. Passaram o Natal com os dois feiticeiros e com a bruxa. Celebraram como se fossem uma família igual a tantas outras, até porque no fundo eram-no. Havia um pinheiro decorado ao lado da lareira acesa, presentes dentro de longas peúgas listadas, uma mesa repleta de comida e de guloseimas, canções festivas, um calor abençoado dentro dos seus corações viventes.

Perto do ano novo, a casa estava finalmente reconstruída e integralmente reparada. Deixou de ser uma carcaça degradada, infestada de bichos, suja e feia. Passou a ser uma vivenda sóbria, pintada de branco com um telhado preto e gelosias verdes, um relvado bem cuidado à frente, um alpendre acolhedor e umas traseiras arrumadas. Por dentro contava com uma sala ampla, uma cozinha funcional, um átrio elegante, quatro quartos, casas-de-banho, uma arrecadação e uma despensa. Tudo mobilado e pintado. Foi montado um sistema de aquecimento central que garantia que os seus habitantes nunca mais passariam frio nos invernos. Corrigiu-se a canalização e a instalação elétrica. As pragas de ratos, aranhas e outros animaizinhos indesejáveis, prejudiciais à saúde e à salubridade do espaço, foram eliminadas.

Encheram-se as prateleiras e os armários de objetos e produtos que seriam necessários para suprir todas as necessidades caseiras. Pratos, copos, talheres, panelas, toalhas, lençóis. Roupa e sapatos. Livros para ler e quadros nas paredes para admirar. Comida e bebida para os próximos três meses. Produtos de limpeza. Coisas mundanas como peças decorativas, tapetes, cortinados, almofadas, jogos, brinquedos e uma enorme televisão.

A bruxa ensinou os irmãos a saberem cuidar de si próprios e a se entreajudarem nas diversas tarefas que lhes iriam demandar a sua atenção e empenho. Disse-lhes também como repartir bem o tempo para o darem por bem empregado, para conseguirem, nos meses seguintes, equilibrarem as suas obrigações escolares com a organização da casa. Um dos feiticeiros concordou em retirar-lhes a fadiga ao fim de cada lição, em expandir-lhes a memória e em auxiliá-los a dormir uma noite longa, sem sonhos, para que pudessem aproveitar em pleno aquela enorme bateria de ensinamentos.

 No fim da jornada, com um novo ano solar no horizonte, os três irmãos experimentaram a alegria da renovação, da esperança, da confiança no futuro. Com a partida da bruxa e dos dois feiticeiros, eles ficaram com mais do que uma casa nova. Ficaram com um plano que iriam seguir à risca para serem bem-sucedidos naquela nova etapa das suas longas vidas.

O mordomo ficaria inacessível ao fim de um ano. Eles tinham deixado de se classificar como criaturas fantásticas e teriam de cortar o contacto totalmente. No entanto, como eram menores de idade – só seriam considerados emancipados aos vinte e um anos – iriam ser formalmente adotados por um casal nos próximos três meses. Para a escola, e para os restantes habitantes da cidade onde moravam, os pais dos irmãos Park eram diplomatas que viajavam amiúde e que se encontravam, precisamente, numa dessas ausências no estrangeiro, uma qualquer imposição relacionada com a segurança nacional. No fim da sua missão, regressariam e iriam reunir-se aos filhos. Na realidade, eram um casal banalíssimo. O pai era vendedor de máquinas fotocopiadoras, a mãe era contabilista. Quando a família se reunisse e se mostrasse na cidade, as pessoas iriam esquecer-se dos detalhes e de alguma coisa estranha, porque veriam apenas a felicidade dos Park.

Tudo seria feito com recurso a feitiços. Os humanos eram tão cheios de curvas e de imponderáveis! Reagiam sempre nas piores ocasiões e aceitavam preceitos passivamente que era suposto rejeitarem. Demasiado imprevisíveis para serem de confiar. A magia justificava-se para garantir os resultados desejados, sem deixar pontas soltas. Aquele lugar estava de tal maneira ensopado em magia, fantasia e sortilégios que se tornava impermeável a enganos. Os rapazes precisavam de ficar protegidos. Afinal, só tinham quinze e dezasseis anos.

Pretendia-se que o casal chegasse a casa e que tomasse como certo que era ali que moravam e que eram pais daqueles três meninos órfãos, que adotaram quando eles tinham quatro anos, sem se questionarem ou duvidarem. Entretanto, Mike, Brad e Rob adaptavam-se às novas rotinas e ao facto de passarem a ser filhos de alguém. Estavam há tanto tempo sozinhos, responsáveis por si próprios e pelos seus atos, ainda que a contar com o apoio permanente do mordomo e da mansão, que também eles precisavam de espaço e de tranquilidade para interiorizar uma série de conceitos e de preceitos. Antes de se despedirem da bruxa, que os acompanhou com os maiores cuidados maternos, os dois feiticeiros foram sempre mais distantes, receberam dela todas as recomendações e assimilaram todas as informações. Brad tirou apontamentos, que esquematizou num caderno a pedido de Mike, já que sentiam algumas quebras na sua memória. Rob continuava descontraído, para ele estava sempre tudo bem e confiava nos irmãos mais velhos.

Em relação à comida, tinham o frigorífico forrado de refeições pré-preparadas que bastava aquecer no forno, no fogão ou no micro-ondas. A despensa estava cheia de enlatados e de alimentos de fácil confeção. A casa ficava bem abastecida e eles só tinham de sobreviver aqueles meses até a sua mãe chegar, que depois lhes iria fazer almoços e jantares caseiros, certamente muito deliciosos. Ao escutar aquela palavra – mãe— os olhos de Mike ficaram rasos de lágrimas.

Eles tinham ficado totalmente restabelecidos das suas maleitas, mas a partir dali teriam de dobrar os cuidados e não ficarem expostos, nem desobedecer ao relógio, comer e dormir a horas, pois podiam adoecer outra vez. Estavam mais frágeis e propensos a doenças, o que era perfeitamente normal. Na casa-de-banho maior da casa havia um armário com uma farmácia recheada de medicamentos corriqueiros, para a dor de cabeça, para a tosse, para desarranjos do estômago, para febres, que continha ainda compressas, pensos, álcool, ligaduras. Faziam visitas a esse armário como quem admirava uma paisagem exótica. Deslumbravam-se com as cores, as caixas e os frascos.

Também gostavam de abrir a porta da despensa para admirar as latas, os pacotes e as embalagens. Os cheiros eram também diferentes de quando tinham o sentido do olfato desenvolvido e sensível. Apreciavam destrinçar os diferentes perfumes da comida, que lhes acendia o palato e a gula. Era um passatempo divertido que os ajudava a matar as horas. O resto do tempo passavam-no a dormir, por vezes por turnos, para que houvesse sempre um deles a vigiar os seus sonos que, felizmente, eram muito pacíficos. Gostavam de se juntar na sala, findas as tarefas diárias de que se incumbiam alegremente – comer, limpar a cozinha, colocar a roupa para lavar.

Naquela tarde, olhavam a rua através da janela panorâmica da sala. Voltava a nevar e os flocos flutuavam lentamente até ao chão. Sentiam-se protegidos e confortáveis, acomodados. Havia algum receio de abandonarem aquela toca e de irem para a rua, onde não gozariam da mesma invulnerabilidade. De qualquer maneira, antes da chegada dos seus novos pais, teriam de regressar à escola e essa perspetiva assustava-os um pouco. Tentavam não enervar os outros irmãos mencionando esse assunto, mas a tensão existia e perpassava pelos três de igual maneira, talvez em diferentes graus, como um ruído de fundo que se encontra permanentemente presente. Talvez não fosse tão complicado como eles antecipavam, mas tinham ganhado aquela indolência própria das férias e custava-lhes retomar uma rotina exigente.

— O mundo é bonito, não acham? – divagou Brad.

Mike baixou o livro que tentava ler, mas por cada parágrafo os seus olhos piscavam de sono e ele não passava daquela folha.

— O mundo sempre foi bonito – anuiu.

Rob jogava sozinho um daqueles jogos de tabuleiro simples, fazendo as vezes de todos os quatro jogadores. Levantou a cabeça e ficou a escutar.

— E agora? Não te parece mais bonito? – insistiu Brad.

— Talvez… Não tenho maneira de comparar. Tudo o que havia antes está a ser varrido da minha memória.

— Da nossa memória – corrigiu Brad e procurou em Rob a confirmação, que assentiu. – Estamos a perder, aos poucos, o que fomos durante tanto tempo. A bruxa disse-nos que é para não ficarmos traumatizados. Eu e tu bebíamos sangue, Mike. O Rob era capaz de ver várias dimensões espaciais e temporais. O nosso cérebro agora não tem a capacidade para aguentar com essas experiências.

— Não estamos a perder totalmente a memória – disse Mike, pensativo. – Eu começo a lembrar-me…

Vacilou e calou-se. Agarrou o livro com mais força.

— Eu também! – exclamou Brad sôfrego. – Eu também! Lembro-me de como era antes de ter sido transformado. Era uma vida… – Arrepiou-se a abraçou o próprio corpo. Suspirou: – Era uma vida dura. Não sei se quero manter essas memórias…

— Eu lembro-me que era um rapaz ignorante e estúpido, que desbaratava a sorte que tinha.

O silêncio surgiu entre eles. Rob quebrou-o, acrescentando:

— Eu lembro-me que me amavam.

Mike e Brad olharam para o irmão mais novo.

— Sim. É isso que nos devemos lembrar – completou. – Que éramos amados. O resto não interessa.

— O Rob tem razão – disse Mike.

— Sim – admitiu Brad. – Vamos lembrar-nos disso. Que havia amor. De uma maneira ou de outra, haverá sempre amor, nem que seja uma migalha. Num momento muito difícil, alguém terá sempre um gesto de compaixão e de amor.

— Estamos juntos – lembrou Mike. – E ficaremos juntos para sempre. Os irmãos Park não se separam.

Rob e Brad sorriram-lhe.


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