Os Irmãos Park escrita por André Tornado


Capítulo 29
Vitória e um final feliz




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Primeiro tiveram de arranjar maneira de chegarem à povoação vizinha sem darem muito nas vistas. A melhor hipótese seria irem transformados em lobos, para poderem transportar o Rob às cavalitas, mas o Mike negou-se a utilizar as suas capacidades naquela fase inicial do plano de resgate, e proibiu os irmãos de quaisquer transformações em animais ou outros feitiços aumentadores de potência, força ou energia. Tinham de ser discretos até chegarem ao local onde, teoricamente, o Johnny mantinha a Anna prisioneira.

A teoria, porém, ganhava muito depressa contornos de certeza. Se no início decidiram que teriam primeiro de comprovar a história do Charles Elliot, à medida que discutiam a parte prática da empresa o Mike convenceu-os de que o Johnny tinha mesmo raptado a Anna e que teria de apanhar o susto que ele lhe devia desde que, no primeiro dia de aulas, lhe passara uma rasteira no refeitório. Brad acabou por alinhar com o Mike e o Rob deu-se por vencido, votando igualmente a favor de um resgate espalhafatoso. A Anna já sabia o que eles eram, e o Johnny merecia uma boa lição, para ver se os deixava em paz de uma vez por todas.

Resolveram estudar, com a ajuda da internet, as carreiras de transportes públicos e descobriram que havia um autocarro que saía da cidade dali a dez minutos, o último do dia que tinha como última paragem a tal cidadezinha. Depois, só podiam regressar na manhã seguinte. Mas com a Anna salva, o Mike propôs regressarem com a ajuda dos seus poderes e evitar pernoitarem longe de casa. Ninguém o rebateu.

Correram como loucos até ao terminal e conseguiram embarcar no derradeiro segundo. As portas do autocarro já tinham fechado, mas Brad voltou a ser dramático. Espalmou-se contra o vidro, às palmadas e aos berros, a implorar ao motorista que os deixasse entrar. O homem concedeu em vender-lhe os bilhetes e permitir-lhes entrar no autocarro que ia muito vazio. Estranhou a capa comprida de Mike, o chapéu ornamentado de estrelas de Rob, as calças rasgadas de Brad, mas limitou-se a fazer uma carranca e a resmungar sons ininteligíveis.

Eles sentaram-se de costas muito direitas no último assento e foram, calados e bem-comportados, até ao seu destino, sem importunarem os poucos passageiros ou o condutor que, de vez em quando, espreitava-os através do espelho retrovisor a conferir se não os tinha de expulsar.

A povoação estava deserta, fechada em si mesma, as pessoas todas em casa. Consistia numa rua principal, uma avenida larga em linha reta que subia até ao outro extremo da localidade, com lojas de um lado e do outro. Para a esquerda ficava o lago e as mansões ricas que serviam de retiro de férias aos endinheirados da região. Para a direita ficavam os bairros residenciais e uma zona de serviços, que tinha hospital, cinema, os bombeiros, a esquadra da polícia e uma escola. Por ser dezembro e por ser perto do Natal viam-se, aqui e ali, algumas iluminações alusivas à quadra, que piscavam tristemente no ar parado.

— E agora, Brad? – perguntou Mike, olhando em volta.

O autocarro acabava de partir de regresso à cidade, depois de ter despejado os seus passageiros. Na pequena paragem, coberta com uma pala acrílica onde se acumulavam milhares de gotículas provindas da humidade que permeava o ar, ficaram apenas os três irmãos, insensíveis ao frio noturno.

— Trouxe o telemóvel com a localização da casa onde está o Johnny. O Elliot deu-me as coordenadas e coloquei-as numa daquelas aplicações de mapas…

— Precisamos do telemóvel? – perguntou o feiticeiro.

Rob sacou da sua varinha mágica, um ramo de salgueiro, curto e retorcido, cujas manchas escuras atestavam a sua antiguidade e autenticidade.

— Vais fazer um feitiço, Rob? – admirou-se Brad que retirava o telemóvel do bolso do casaco. – Vais deixar que o Rob faça um feitiço, Mike?

— Não me importo. Só quero chegar depressa à Anna – respondeu Mike reagindo cautelosamente aos estímulos que conseguia captar em redor deles.

— Podemos chegar à Anna por outros meios, como o teu olfato, por exemplo – sugeriu Brad, desbloqueando a tela do monitor com o polegar. – Tu és muito sensível ao cheiro da Anna.

Era o que Mike tentava fazer, detetar as moléculas certas que lhe desenhassem um rasto invisível no ar. Rob agitava a sua varinha, mas sem a fazer funcionar. Um gesto que o mantinha ocupado e distraído, enquanto esperava a concordância dos seus irmãos para avançar. Escutou-se um bipe e dois sons que simulavam o farfalhar de papel.

— Tenho aqui o mapa. A aplicação já está a calcular a rota mais rápida para chegarmos à casa.

Mike voltou-se para os dois irmãos.

— Vamos resolver isto, de uma vez por todas – disse. – Costumamos ter o tempo à nossa disposição, mas, neste momento, o tempo é o nosso maior inimigo. Já se passaram demasiados dias. O Johnny com a Anna… sozinhos… Ele poderá ter tentado fazer-lhe mal… – Rugiu dolorosamente, os olhos coloridos de vermelho-vivo. Engasgou-se e acalmou-se. A cabeça pendeu-se-lhe. Admitiu, num sussurro sofrido: – Sei que não devo adiantar-me e ter pensamentos ruins sobre como estará a Anna nas mãos do Johnny, mas se ele lhe fez mal, eu juro… irmãos, eu juro que…

— Não vamos pensar o pior – cortou Brad, preocupado.

— Sim. O Johnny pode ser idiota, mas não é estúpido – acrescentou Rob. – Ele não vai magoar a Anna. Vai prejudicar ainda mais a sua reputação e ele ainda há de querer ganhar uma bolsa de estudo para ir para a universidade no próximo ano. Acredito que ela também se saiba defender, que deve estar a dar cabo dos nervos e da resistência do Johnny.

— Bem, então… o que sugeres, Mike?

O vampiro recompôs-se. Desde que soubera que a Anna fora raptada pelo Johnny, experimentava um mal-estar persistente que lhe afundava a caixa torácica, como se no centro, no lugar onde bateria o coração, tivesse nascido um buraco negro que o estava a tragar a partir desse ponto. Sem que se desse conta, adquirira um tique naquelas últimas horas. Levava a mão contraída ao esterno que esfregava com dois dedos para aliviar esse peso e limpar essa mancha. Pela Anna tinha de ser forte e enganar o próprio medo – havia muito tempo que não se amedrontava – lutar contra o buraco negro, deixar de esfregar o osso do peito, deixar de se enganar de que não estava apaixonado por ela.

— Sugiro – disse, olhando os irmãos alternadamente – utilizarmos tudo o que temos. O teu mapa no telemóvel, Brad. A tua varinha mágica, Rob. E o meu nariz. Se o caminho até à casa do Johnny leva trinta minutos, temos de o fazer em trinta segundos!

— Às tuas ordens, capitão! – responderam os dois em uníssono, batendo uma continência bastante floreada.

Levaram qualquer coisa como vinte e seis segundos para cobrir a distância de cerca de três quilómetros desde a paragem de autocarros até à rua onde se situava a casa de férias da família do Johnny. O feitiço do Rob fez a maior parte do trabalho, mas o Brad foi conferindo que estavam a seguir a linha grossa cor-de-laranja traçada sobre o mapa na tela do telemóvel e Mike, destilando os vários cheiros que ia captando, assegurava-lhes que a Anna estava cada vez mais perto.

Para além da avenida principal, aquela seria a segunda rua mais larga da povoação. Uma alameda calcetada, bordejada de árvores despidas pelo inverno, com cercas bonitas pintadas de cores discretas, que delimitavam cada propriedade. Um bairro exclusivo de ricos e de muito dinheiro.

Todas as casas estavam apagadas e pareciam desprovidas de habitantes, à exceção da mansão extravagante que se implantava ao fundo, perto do pequeno bosque de pinheiros e bétulas que antecedia o parque onde se situava o lago. Por entre as frestas da persiana que cobria uma pequena janela das traseiras filtravam-se tiras de luz muito ténue que diminuíam ligeiramente, quando alguém passava diante da lanterna ou do candeeiro que alumiava aquela divisão. Era ali, de certeza.

Mike começou a encarquilhar-se e a tremer. Adotava uma posição de ataque e transfigurava-se numa besta medonha, com pelos esquisitos a nascer-lhe no corpo, os cabelos a rarear, os maxilares a se alongarem, as unhas a se afiarem. Brad puxou-lhe pela capa junto ao pescoço. Estrangulou-o e ele virou-se para o irmão.

— Larga-me! – exigiu furioso.

— Só te largo se me ouvires. Estás a ouvir-me?

Mike ainda estrebuchou durante algum tempo. A força de Brad, contudo, era superior à sua e este conseguiu contê-lo. Não o soltou e ainda teve o cuidado de não lhe rasgar a capa que era tão estimada e preciosa. Quando Mike compreendeu que iria perder aquela luta, Rob haveria de apoiar o outro irmão vampiro e seriam dois contra um, acalmou-se com um uivo que resvalou para um ganido.

— Sim. Estou a ouvir-te – concedeu.

— Eu e o Rob tratamos do Johnny. No estado em que estás, vais causar um estrago muito grande. É só um susto, não é uma punição.

— Há vários graus de susto – ladrou Mike e riu-se, demente. – Existem vários tipos de punição! Deixa-me saborear-lhe o sangue! Apetece-me beber-lhe o sangue!

— Nem penses! Olha só para o que nos estás a pedir. Se te pudesses escutar… Estás demasiado transtornado e podes fazer uma grande asneira de que te arrependerás depois. Vai deixar de ser engraçado, em determinado ponto, e pode ser tarde demais quando te aperceberes. Tu não queres isso. Nós não queremos isso.

— Talvez… Estou a sentir-lhe o fedor. Não estão? O fedor daquele energúmeno! O Johnny nunca mais se vai esquecer da minha punição, do susto que eu lhe vou pregar.

Rob ergueu a sua varinha, ajeitou o chapéu com um toque da outra mão. Brad estreitou o apertão e Mike resfolegou, mais de raiva do que por verdadeira falta de ar.

— Deixa-nos cuidar disto, Mike, e só depois de concordares comigo é que te vou soltar. Combinado?

— E se eu não concordar? E se eu estiver demasiado cego pela luxúria do sangue? E se eu não me importar com mais nada? E se eu…?

— Estamos a perder tempo e a Anna precisa de ser salva! – gritou-lhe.

Mike farejou o ar, com ânsias.

— Parece que ela está bem – revelou. – O seu cheiro continua delicioso. Mas… mas está assustada e irritada. Sim, temos de chegar à Anna. Temos de resolver isto, de uma vez por todas. Eu consigo, Brad. Eu consigo. Deixa-me… Há tanto tempo que eu não me sentia tão…

— Tão idiota?

— Tão aceso! Quase que estou novamente vivo. Compreendes?! Estou vivo! Voltei a viver… a viver!!

— Compreendo muito bem, meu amigo. Meu irmão – retorquiu Brad, mantendo a calma, na postura e na voz. – Só que é apenas uma falsidade. Não é verdade, Mike. Tu não reviveste, o Johnny não te vai ajudar a recuperar o que perdeste, a Anna precisa que te acalmes. Eu e o Rob assumimos o resgate. Nós cuidaremos do Johnny e tu cuidas da Anna. É o melhor plano. – Repetiu: – Combinado?

Mike murchou. A desilusão era um miasma que o contaminou e que lhe retirou a pujança e a coragem. Regougou mansamente, um ruído persistente e muito baixo, que lhe saía da garganta num queixume sofrido. Tinha recuperado a lucidez. Assentiu, derrotado. Murmurou que concordava, que era melhor assim. Pedia desculpa. Brad cumpriu a sua promessa. Soltou-o. Abriu a mão e Mike deu um puxão na capa. De costas voltadas ajeitou-a com mãos trémulas, compôs as pregas. Anunciou que estava pronto. Foi só então que Rob baixou a varinha.

Foram, furtivamente, até às traseiras da casa, utilizando uma vereda estreita entre propriedades que se encontrava sombreada, pois a iluminação da rua não a alcançava. Chegaram a um pequeno pátio murado onde estavam os baldes do lixo e volumes cobertos por um oleado que os protegia da humidade. Postaram-se de frente para uma porta que deixava passar luz pela pequena janela gradeada do topo. Escutaram barulhos metálicos e outros tinidos cautelosos, havia um odor doce e gorduroso. Inferiram que ali seria a cozinha e que, pela assinatura corporal do único ocupante da divisão, o Johnny estava a preparar uma refeição de sandes.

Brad fez uma pequena vénia a Mike, dando-lhe passagem e concedendo-lhe a honra de arrombar a porta. Ajeitando outra vez a capa para que não se desmanchasse miseravelmente, ele primava pelo aprumo e pela elegância da farpela em qualquer ocasião, mesmo aquelas mais exigentes e inesperadas, Mike alçou a perna e desferiu um pontapé na porta. Não empregou muita força, mas ainda assim foi a suficiente para desencaixá-la das dobradiças e desfazer o painel de madeira que se separou em tiras e lascas de tinta branca.

Com o caminho desimpedido de obstáculos, Brad avançou. Entrou na cozinha como a flecha disparada por um centauro – rápido e contundente. Mortífero. A teatralidade era fundamental para manter o efeito surpresa.

O Johnny mal teve tempo de se voltar. Foi muito lento, demasiado lento, para os reflexos de um vampiro. Quando girou sobre si mesmo, para verificar o que tinha acontecido nas suas costas, espicaçado pelo barulho súbito que ouvira, foi pressionado contra a parede. Brad agarrou-o pelo pescoço e levantou-lhe os pés no ar. Teve o cuidado de não apertar demasiado, para não o sufocar. Mostrou-lhe os caninos crescidos e rosnou-lhe para cima. O Johnny soltou um guincho de ratazana entalada e empalideceu tanto que parecia ir desmaiar a qualquer momento. Brad observou-o atentamente. Não o iria deixar perder os sentidos. Queria que ele sofresse um pouco, para desistir de os importunar, desde aquele dia para todo o sempre. E esse todo o sempre era bastante longo para um vampiro. Mesmo quando fosse um velho caquético sem memória, o Johnny teria de se lembrar daquilo.

Rob entrou na cozinha num movimento deslizante, a brandir a sua varinha. Da ponta saíam estrelas e faíscas inofensivas que crepitavam no ar e se desfaziam em fumo colorido, como pequenos fogos de artifício, e criavam um efeito espetacular que fazia o Johnny arregalar ainda mais os olhos. O feiticeiro não soube precisar se o espanto se devia aos estalos coloridos ou ao seu chapéu pontiagudo, um pouco amarrotado, que lhe dava toda a autoridade da magia ancestral.

Por último, entrou Mike, de corpo envolvido pela sua capa impressionantemente escura e vetusta. Fez questão de fazer uma entrada presunçosa, com a dignidade de um queixo bem levantado, falsamente sereno, pois continuava, por dentro, irritado e preocupado. Queria que o Johnny percebesse que era ele, que o reconhecesse por detrás do seu terror, que percebesse, sem sombra de dúvida, de que ele iria pagar por aquilo que tinha feito.

Pela maneira como o Johnny abria a boca, perdia a cor, arquejava e tremia, só no momento em que colocou os olhos em cima de Mike é que percebeu o que estava a acontecer e reconheceu os outros dois, o seu agressor e o rapaz mascarado de mágico. Um pequeno sorriso de satisfação felina arrepanhou o canto da boca do vampiro encapado.

Mike chamou, projetando a sua voz:

— Anna!!

O eco autoritário penetrou todos os cantos da casa. O Johnny encolheu-se com um gemido. Notava-se que tentava conciliar a voz, uni-la aos pensamentos e dizer alguma coisa. Falar estava a ser-lhe impossível, mas ele esforçava-se para emitir um protesto que fizesse jus à sua reputação de valentão.

Escutaram-se ruídos abafados vindos do piso de cima, pés apressados, calçados com meias sobre um soalho de madeira, que desceram umas escadas depois, numa correria. Mais passos que se aproximavam. A porta que separava a cozinha dos outros espaços da casa abriu-se de rompante e apareceu a Anna, munida de uma frigideira. Estava medonha, mas adoravelmente medonha, e Mike encantou-se. Se tivesse um coração vivo teria falhado um compasso, se tivesse sangue nas veias teria ruborizado. Ela estava linda! O cabelo desgrenhado, olhos fundos, lívida, a roupa desalinhada com um rasgão grande na saia comprida, determinada em defender-se e em libertar-se sozinha.

Ela olhou em volta. Uma primeira análise do cenário. Viu o Mike e atirou-se ao seu pescoço, mas sem largar a frigideira.

— Mike! – gritou, aliviada.

— Anna. Está tudo bem contigo?

— Sim, está… – Largou-o, voltou-se para trás, apontou o Johnny com a frigideira. – Esse idiota prendeu-me aqui dentro! Não me deixava ir embora. Roubou-me as botas e escondeu-as para me impedir que saísse quando afrouxava a vigilância. Sem botas não podia ir longe. Tentei uma vez e caí. Esfolei os joelhos. Ele voltou a apanhar-me. Dava-me pouca comida para me enfraquecer… Trancou-me num quarto e dizia que eu depois ia saber a verdade. O imbecil está louco. Louco!

— Ele fez-te mal? – perguntou Mike.

— Não, nunca me tocou. Tentou uma vez, fugi dele. Cheguei até à cozinha, arranjei esta frigideira e acertei-lhe com ela. Falhei mais ou menos o alvo, só lhe consegui bater de lado, mas deve ter ficado com algumas nódoas negras. Idiota! Foi muito bem feita, seu idiota! Onde estão as minhas botas? Devolve-me as botas e deixa-me ir embora!! – exigiu, nervosa.

E desatou a chorar. Mike puxou-a para si. Abraçou-a, protegeu-a.

— Pronto. Não vais precisas das botas para sair daqui. Levo-te comigo.

Brad abriu a mão e o Johnny caiu a seus pés.

— O que queres que lhe façamos, Mike?

O valentão recuperou o ânimo e o descaramento. Continuava transido de medo, mas disfarçou a fraqueza com os seus habituais modos desagradáveis. Levantou-se, apoiando-se na parede. Cuspiu, furioso:

— Pensam que me podem fazer alguma coisa? Dou cabo de vocês só com uma mão e de olhos fechados!

Mike estreitou os olhos. Tinha a Anna segura junto a si e o resto parecia-lhe completamente desprezível. O Johnny estava a fazer um papel horrível de rapaz estúpido e compreendeu, mais lúcido, de que seria ainda mais estúpido sujar as suas mãos com ele. Todos os valentões terminavam daquela maneira. Encurralados, patéticos e derrotados. Sozinhos. Levantou ainda mais o queixo e o seu silêncio foi ainda mais humilhante do que se tivesse concordado com uma briga para resolver a questão.

— São ridículos nesses fatos de Halloween! – insistiu o Johnny, vociferando cheio de despeito – Se julgam que me intimidam, estão muito enganados. Que bando de anormais me saíram! A vestirem-se com máscaras infantis no Natal!

O Rob, contudo, não quis que o Johnny ficasse na dúvida dos seus poderes e das suas intenções, que se ficasse a rir deles no fim daquela aventura lamentável. Agitou a sua varinha, conjurou um feitiço e o valentão foi transformado numa lesma gigante peçonhenta. A Anna soltou um grito, Brad deu uma gargalhada alta e o Mike fez uma careta divertida.

Viram, em absoluto deleite, o Johnny a contorcer-se sobre os ladrilhos vidrados do chão da cozinha, numa aflição por se ver desprovido das suas faculdades humanas. Ao fim de se debater inutilmente, por mais que imprimisse rapidez naquele corpo invertebrado não se movia mais do que alguns centímetros, desistiu e estacionou numa papa mole e informe no lugar de onde não tinha conseguido sair.

O Rob voltou a agitar a varinha e o Johnny reapareceu, coberto de ranho e baba da sua anterior forma. O feiticeiro agachou-se junto à sua cara encarnada e peganhenta.

— Lição aprendida? – perguntou-lhe.

Johnny mexeu a cabeça vigorosamente. Choramingou:

— Sim, sim… Lição aprendida! Nunca mais me vou meter com o Mike Park. O que raio me fizeste? Sabes fazer magia? O que raio és tu?!

— Prometes?

— Prometo, prometo! Juro. Nunca mais me vou meter com o Mike, ou com a Anna, ou com qualquer um de vocês. Malditos irmãos Park! Vão-se embora! Deixem-me em paz! Nunca mais vos quero ver!

Brad estalou a língua.

— É com prazer que nos vamos embora. Até nunca mais, Johnny!

Os três, acompanhados da Anna, deixaram a casa.

E foi a última vez que se cruzaram com o infame Johnny, filho do presidente do município da cidade.


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