Os Irmãos Park escrita por André Tornado


Capítulo 2
A história dos irmãos




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Mike, Brad e Rob eram três irmãos que partilhavam o apelido Park, mas apenas para efeitos de identidade e de estatística. Eles, na realidade, não eram irmãos, nem se chamavam Park. Mesmo os nomes próprios eram uma invenção necessária para que não desconfiassem da sua natureza, pois os seus verdadeiros nomes, com apelidos incluídos, se tinham perdido no tempo e jaziam incógnitos sob os mistérios do passado.

Os três irmãos Park, e continuando a identificá-los desta maneira para que a explicação tenha um ponto de partida comum, eram criaturas fantásticas. Dois deles eram vampiros, Mike e Brad, e o terceiro era um feiticeiro, o Rob.

Como tinha começado a sua história?

O início fora igual a histórias semelhantes – com tragédia, perda, lágrimas e uma metamorfose indesejada que acabou por ser crucial para a sobrevivência e para a continuação. Cada um deles acordara para aquela existência em momentos diferentes, mas o destino levou-os a que se juntassem para que, como um grupo, conseguissem enfrentar os desafios.

Rob fora abandonado numa floresta quando era uma criança de apenas dois anos. Os pais não tinham como alimentá-lo e deixaram-no para trás, para que fosse recolhido por alguma alma caridosa, ou, na pior das hipóteses, fosse devorado por lobos. Aconteceu a primeira hipótese – Rob acabou por ser encontrado por uma velha que o levou para a sua cabana.

A velha era uma bruxa que se encantou com os modos educados e mansos do menino. Como não havia nenhum bilhete com ele, nem sequer uma qualquer indicação nos farrapos que lhe serviam de roupa, a velha chamou o menino de Gregory. Criou-o com um sentimento misto de ternura e de interesse. Não se afeiçoou muito a ele, usava-o para que lhe fosse fazer recados à aldeia ou para apanhar ervas e raízes na floresta, mas também não conseguia tratá-lo mal. Dava-lhe um lugar acolhedor para dormir junto ao fogão e consentia em partilhar os restos das suas refeições.

O menino foi crescendo. Tornou-se forte, alto e bonito. A velha bruxa, que por meio de um feitiço lhe atrasara os efeitos do envelhecimento, foi se tornando invejosa da juventude do rapaz. Como ele confiava nela e como via-a a trabalhar nas suas mézinhas e mistérios, não desconfiou ou protestou quando a bruxa lhe começou a pedir que fizesse, semanalmente, às sextas-feiras, uma dádiva de sangue. Só umas gotas, depois passou a ser um fio, por fim já era uma malga cheia que o deixava tonto, apesar dos seus saudáveis quinze anos.

Numa dessas noites, Gregory recusou-se a dar o seu sangue à velha, que o usava para aprimorar um feitiço que a iria tornar jovem e bela como o rapaz era. A velha ficou furiosa com a recusa. Agarrou no seu punhal talhado em obsidiana, com punho de marfim, e espetou-o no coração do rapaz que caiu fulminado. Recolheu todo o sangue que quis e levou dois dias e duas noites a trabalhar exaustivamente no seu feitiço.

Mas o que a velha desconhecia era que o rapaz estudava os seus livros mágicos em segredo e tinha encantado o punhal. Fizera-o por brincadeira e por rebeldia. Mal sabia ele que haveria de lhe salvar a vida. Com o punhal encantado cravado no seu peito, a sua alma não se escapou do corpo e o rapaz abriu os olhos ao fim de três dias. A velha exausta da jornada, porque tinha trabalhado sem parar no seu feitiço, dormia sentada na cadeira, dobrada sobre a mesa.

O rapaz levantou-se do chão onde tinha caído. Arrancou o punhal do peito. Já não havia mais sangue para correr, nem dor que pudesse sentir. Bebeu a poção que a velha cozinhava no pequeno caldeirão e tornou-se imortal. Tornou-se também num feiticeiro. Amaldiçoou a velha que nunca mais despertou – ficou naquela posição, sentada na cadeira, dobrada sobre a mesa, por toda a eternidade, num sonho sem fim em que era, finalmente, uma mulher bonita que saltitava por entre as neblinas da floresta. Mais tarde converteu-se em raíz, depois em árvore, e nunca deixou de sonhar.

O rapaz abandonou o nome Gregory porque lhe trazia más recordações. Escolheu ser Robert, depois Rob. Passou muitos anos a vaguear pelo mundo e, um dia, chegou a uma mansão onde conheceu uma grande comunidade de criaturas diferentes que eram como ele. Gente fantástica e impossível, com muitos atributos que convocavam magia e terror. Foi nessa mansão que conheceu primeiro o Brad, depois o Mike…

A história do Brad era mais triste do que a sua.

Bradford, de seu nome completo, nunca tinha conhecido amor ou uma família. Era órfão e fora escravo, vendido, trocado e negociado como mercadoria, entre propriedades de gente rica que o usava até que ele não conseguisse mais trabalhar por as tarefas serem demasiadas. Quando ficava fraco e doente era incluído no lote dos bens a transacionar e lá ia ele para outra casa. Sempre fora enfermiço, mas nunca considerou que a sua condição física derivava da exorbitância de esforço que tinha em cima de si. Desde que se conhecia por gente, achava que era daquela maneira, feito para trabalhar, feito para resistir como podia, e que não podia exigir outra vida.

Um dia, quando trabalhava numa horta do seu senhor, a cavar sulcos com uma enxada, um homem reparou nele. Era inverno, a terra estava dura e gelada, os seus dedos doíam-lhe e uma febre deixava-o sem forças, mas Brad insistia. Era o seu dever e ele não podia descurar o seu dever, sob qualquer pretexto – ou seria novamente vendido. Estava com dezasseis anos e já lhe tinham contado que se ele se tornasse indolente iria para o exército matar homens e morrer. Ele não queria isso. Preferia cavar a terra e sofrer as humilhações a que já estava acostumado, do que ir para um novo mundo com outros problemas que o assustavam.

Esse homem que o observava era um dos convidados do seu senhor e Brad nem ousou olhar para ele, com receio de ser castigado por tamanha ousadia. Sabia que o homem estava lá, porque via-o parado sobre o outeiro que sobranceava a horta, metido no seu fato elegante, a calçar botas bem engraxadas, apoiado na sua bengala, mas não trocou um único olhar com o homem.

Um dia depois deram-lhe banho, esfregaram-lhe a pele, lavaram-lhe o cabelo, curaram-lhe a febre, meteram-no dentro de um libré de criado e mandaram-no servir na mansão. Estava a acontecer uma festa e Brad ficou extasiado com o brilho, a cor, os perfumes, a música e a alegria da ocasião. Nunca tinha visto uma festa como aquela, nunca tinha estado num sítio tão rico e esplendoroso. Ele servia pratos de comida e tinha de fazer um grande esforço para não derrubar a bandeja, pois os braços tremiam-lhe.

Então, o homem que tinha estado a observá-lo na horta, apareceu na mesma festa. Disse-lhe que o seu senhor o tinha dispensado. Brad não conseguiu falar, ou sequer manter o contacto visual com o homem, tão acanhado e inquieto estava. O homem levou Brad para os seus aposentos e depois… depois recebeu uma dentada no pescoço e não se lembrava de mais nada depois disso.

Quando o sol despontou, na madrugada seguinte, entre nuvens cinzentas de um dia frio e morto, Brad sentia-se esfomeado, zangado e inquieto. Precisava de calor. Olhou para o lado e viu o homem exangue, branco como os lençóis onde se deitava, um cadáver desprovido de pinga de sangue. Brad olhou para as suas mãos manchadas e compreendeu que fora ele que bebera o líquido vital do homem, que estivera a beber durante toda a noite. Tinha-se transformado num vampiro, porque o homem também era um vampiro.

Fugiu dali, na forma de um morcego. Escondeu-se num buraco escuro de uma árvore oca. Depois, tentou perceber como devia funcionar, agora que deixava de ser um órfão e passava a ser uma criatura que precisava de se alimentar de sangue vivo para sobreviver. Fez muitas asneiras no princípio. Matou pessoas quando não queria fazê-lo, mas a sede era terrível, secava-lhe a garganta e esmagava-lhe o estômago contra as costas. Só sossegou quando foi recolhido naquela mansão onde haveria de encontrar o Rob e aqueles que, mais tarde, se tornariam nos seus amigos.

Na mansão, aprendeu a ser um vampiro benigno, a controlar a sua sede, a disfarçar a sua natureza sob a capa de um adolescente anónimo para que pudesse viver a sua vida imortal com a maior normalidade possível.

Passou a gostar de festas, pois fora numa festa que teve o seu último dia no mundo dos vivos, e fazia por animar todos os que se encontravam à sua volta. O Rob, o rapaz feiticeiro que tinha sido criado por uma velha bruxa na floresta, adorava a sua alegria espontânea.

Depois chegou o Mike, outro vampiro.

A história do Mike era mais sombria e menos trágica. O Mike era um rapaz simples, com uma vida banal. Gostava de desenhar e de música. Era um artista e os pais orgulhavam-se muito dele. Estimulavam a sua criatividade e apoiavam-no sempre nas suas decisões. O Mike tinha uma família bem estruturada, era amado e compreendido. Tinha tudo para ser feliz e para ser muito bem-sucedido.

Um dia, encontrou más companhias. Tinha dezasseis anos e tudo o que o rodeava deixou de ser suficiente. Odiava o mundo e a sua vida monótona. Foi por maus caminhos, envolveu-se com pessoas duvidosas, deixou de ser o rapaz que os pais amavam e compreendiam. Começou a faltar à escola, passou a ter más notas, a dar problemas aos seus professores e aos seus colegas, a viver de noite e a dormir de dia.

Os pais ameaçaram-no e castigaram-no. Isso só deixava Mike mais revoltado. Fugia de casa, regressava acompanhado pela polícia, voltava a fugir. Chorava e gritava, afirmando que o estavam a despedaçar. Queria emoções, queria viver e ninguém percebia como ele sufocava. As queixas típicas de um adolescente.

Uma noite, Mike envolveu-se num assalto a uma loja de conveniência. O seu grupo de delinquentes normalmente fazia pequenos furtos, estragos em propriedade alheia ou desacatos na via pública, mas era tudo, de certo modo, ingénuo e inócuo. Aquele assalto, porém, ultrapassou todos os limites.

Aconteceu troca de tiros, o dono da loja de conveniência defendeu-se dos assaltantes com a sua arma e Mike acabou atingido. Caiu, gravemente ferido.

No hospital, estava às portas da morte. A mãe chorava à sua cabeceira e o pai tremia de pena e de pavor por ir perder o seu único filho. Então, o pai foi abordado por um homem quando regressava para casa, a pé. Chovia e fazia muito frio naquela noite de novembro. O homem prometeu-lhe salvar o filho. O pai de Mike perguntou-lhe se ele era um médico. O homem negou enfaticamente e repetiu a promessa. Mike podia ser salvo, mas isso implicava que eles o perderiam para sempre. Teriam, contudo, a certeza de que Mike viveria.

O pai do Mike aceitou fazer esse pacto. Foi assim que Mike foi transformado em vampiro por outro vampiro que o levou consigo e o ensinou a portar-se como um vampiro. De vez em quando, Mike enraivecia-se e tornava-se num assassino, quando compreendia o sacrifício que tivera de fazer por causa da sua leviandade, a dor irreparável que causara nos pais, que ele visitava de fugida só para consolar a sua mãe que o abraçava em lágrimas, o futuro que ele desbaratara, pois jamais podia voltar a ser uma pessoa igual às outras. Nesses momentos, Mike matava e desfazia, com uma ira capaz de fender os céus.

Como ele tinha sido transformado com dezasseis anos ficaria para sempre com essa idade. Viu os pais envelhecerem e morrerem, despediu-se do lugar onde nascera e foi correr o mundo. Com os seus instintos mais dominados, não totalmente aplacados, aprendeu a aproveitar a sua condição, retirando desta todos os benefícios que conseguia.

Mais tarde, tomou conhecimento de uma mansão que acolhia, na clandestinidade, criaturas como ele, que lhes dava um lar e uma espécie de família. Foi então que Mike conheceu o Brad e o Rob – e depois conheceu o Joe, um lobisomem engraçado que gostava de música; o Dave, um duende ruivo que era excelente a contar anedotas; e o Chester, um rapaz que tinha a habilidade incomum de se transformar num dragão dourado quando gritava. Tinham todos sensivelmente a mesma idade quando se abatera sobre eles a maldição de deixarem de ser humanos e passarem a pertencer ao mundo das criaturas fantásticas – entre os quinze e os dezassete anos. Por isso, os seis juntaram-se naturalmente e formaram um grupo.

Costumavam frequentar um parque abandonado próximo à mansão e os outros habitantes daquela casa especial começaram a chamá-los de irmãos Park. Eles ficaram, assim, a ser conhecidos como o Mike Park, o Brad Park, o Rob Park, o Joe Park, o Dave Park e o Chester Park. Eles não se importaram com o apelido e até encorajavam o seu uso.

Na mansão, foram protegidos e instruídos a viver no mundo das pessoas. Aprenderam truques para que fossem integrados na sociedade e para que levassem uma vida o mais inconspícua possível, devido à sua condição. Mike aceitou, finalmente, que era um vampiro; Brad compreendeu que, mesmo sendo um vampiro, podia amar e ser amado; e Rob melhorou a sua técnica com os feitiços.

Mais tarde, com as lições todas muito bem decoradas, Joe foi-se embora e Dave também. Chester abandonou a mansão sem dizer nada a ninguém, mas deixou uma carta muito breve ao Mike contando-lhe que iria escrever-lhe sempre que pudesse.

Os irmãos Park passaram de seis a três. Com receio de que os outros também partissem, Mike reuniu-os no salão. Disse-lhes, numa noite de trovoada:

— Nós vamos continuar juntos. E mesmo que o Joe, o Dave e o Chester se tenham ido embora, nós sabemos que eles podem regressar, porque somos os irmãos Park e os irmãos Park não se separam. A distância física não significa nada. Nós sabemos, nos nossos corações que já não batem, que essa é a verdade. Os irmãos Park passaram a ser inseparáveis. Fiquem comigo e eu prometo-vos que seremos felizes. Ficam comigo?

— Sim, Mike. Ficamos contigo – afirmaram Brad e Rob em uníssono.


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