A imensidão de estrelas diante dos olhos de Amanda Kirk a deixava fascinada toda vez que olhava pelas janelas da Enterprise. Ela ainda era muito nova para compreender o que seus pais e toda a tripulação estavam fazendo ali, mas em certo nível identificava a nave como sua casa. 

Olhando para as estrelas, sentindo-se aos poucos sonolenta, Amanda deitou a cabeça no ombro do pai, as mãozinhas se apoiando ao seu pescoço. Sua mãe estava ali perto, atenta à cena que era adorável. 

—Espaço... - murmurou a menininha, ainda encarando o universo infinito lá fora.

—O que, Mandy? - Jim ouviu claramente, mas sem conseguir acreditar - pode falar de novo?

—Espaço... - sendo muito esperta, ela compreendeu o que o pai estava pedindo e o fez.

—Ouviu isso, Spock? Ela falou, a primeira palavra dela! - ele riu e girou com a garotinha no colo dele, o que a deixou um pouco espantada, com a quebra repentina do estado de repouso.

—Escolha propícia de palavras, Amanda - Spock se aproximou dos dois - de fato, estamos no espaço.

—A legítima filha de oficiais da Frota - Jim disse em tom de elogio, beijando a bochecha da filha em seguida.

—Achei que tinha ficado desapontado - Spock comentou.

—Por que? - ele não compreendeu o motivo da reação dela.

—Eu entendo que é costumeiro uma certa expectativa que a primeira palavra de um filho seja "papai" ou "mamãe", mas mesmo assim, você não está desapontado - ela elaborou uma resposta mais detalhada.

—Eu também esperava por isso, mas eu entendo que a pequena srta. Kirk aqui é realmente singular, esperta como a mãe dela - Jim constatou, olhando para a esposa.

—Inteligente, como o pai dela - Spock completou com orgulho.

De fato, Amanda podia ter nascido numa nave e ser a filha de oficiais da Frota Estelar, no entanto, o tempo de serviço desses ditos oficiais terminaria em breve. A garotinha teve mais um ano para crescer na Enterprise, querida por todos, especialmente pelo Dr. McCoy, a única que podia amolecer seu jeito rabugento com mais facilidade do que qualquer um. 

Completados os cinco anos de missão de exploração da Enterprise, o capitão Kirk deu a ordem de curso para a Terra, de volta ao planeta que tinham deixado. Dessa vez, carregando em mente e coração uma grande bagagem de conhecimento, experiências e aventura. 

Havia um sentimento ambíguo inquieto dentro de Jim, ele estava pesaroso por voltar, porém sentia-se orgulhoso de tudo que tinha conquistado, mostrando um serviço exemplar como capitão, embora, como Spock diria, usando métodos um tanto controversos.

—Eu posso deduzir do que se trata sua inquietação - ela comentou depois de observá-lo por um longo tempo enquanto estavam em seus aposentos.

—Eu não estou inquieto, na verdade, eu sei que fiquei bastante imóvel esse tempo todo - ele suspirou, vendo que era melhor não desviar do assunto - bom, nós vamos voltar pra Terra.

—Eu sei, Ashayam, embora você considere a Enterprise seu lar - Spock tocou o rosto dele de forma compreensiva - no entanto, Jim, você cumpriu seu dever com a Frota, assim como eu, pode ser que aja um certo sentimento de nostalgia pelo que vivemos aqui, mas agora é hora de outra tripulação fazer bom uso dela, assim como nós tivemos essa chance.

—Outra tripulação que não seja nós na Enterprise? Eu temo pelo que possa acontecer à essa nave - ele deu um de ombros, um tanto assombrado.

—Tenho certeza que o Sr. Scott concordaria com você à esse respeito - Spock fez uma pequena piada ao seu modo, o que funcionou, já que seu marido sorriu - o futuro pode reservar boas coisas para nós, Jim, e não importa onde estivermos, o importante é estarmos juntos.

—Nisso, eu concordo plenamente com você - ele a beijou por gratidão.

Tinha certeza que sempre poderia contar com a sabedoria dela e esse não era um privilégio que todo capitão tinha, poder estar com seu primeiro oficial mesmo depois de terminar sua missão.

A doca espacial em São Francisco se abria de forma expansiva diante dos olhos da tripulação na ponte, trazendo realmente uma sensação de nostalgia e saudade. Ali era onde tudo tinha começado e onde tudo terminaria. Uma série de ciclos que iam e vinham para naves espaciais, para oficiais da Frota. Jim aceitaria seu destino como tal.

Depois da Enterprise atracada, ele ordenou que a evacuação da nave fosse feita imediatamente. Como capitão, Jim seria o último a deixa-la, porém, além de ser um cumprimento de sua obrigação, ele sentia que parecia ser correto ser o último, teria tempo de se despedir e dar uma última olhada no lugar que tinha sido seu lar pelos últimos 5 anos. Antes que a alferes incumbida de acompanhar Amanda deixasse a nave, ela veio até a ponte e entregou a menina aos pais. Ao mesmo tempo que a intimidava, o lugar a fascinava. A tela principal tinha mudado, exibindo uma Academia Estelar muito agitada lá embaixo.

—Que lugar é esse? – perguntou Amanda à mãe, enquanto segurava a mão dela.

—Estamos sobrevoando São Francisco, é uma cidade da Terra, e ali está a Academia da Frota Estelar, onde todos nós estudamos e nos preparamos para sermos oficiais – Spock explicou sabiamente.

—E por que aqui? – insistiu sua filha, da melhor maneira que podia fazer isso, tendo quase dois anos agora.

—Nosso tempo de missão acabou, ashayam, é hora de entregarmos a Enterprise e aguardar pela próxima missão – a mãe explicou novamente.

—Acha mesmo que haverá uma nova missão? – Jim entrou na conversa – tudo parece tão definitivo para mim, é estranho...

—Sua ansiedade é compreensível, capitão – sua esposa disse – passamos um bom tempo aqui e deixar o que conhecemos para trás pode ser... instigante.

—Amedrontador, você quer dizer? – ele ergueu uma sobrancelha para ela, numa atípica inversão de papeis entre eles.

—É comum sentir medo em meio ao novo, mas o novo, como aprendemos inúmeras vezes nesse ramo de trabalho, pode trazer coisas maravilhosas – ela apontou.

—Verdade – Jim sorriu, se agarrando à esperança.

Um comunicado veio da sala de transportes, avisando que a evacuação tinha sido feita, e que agora, só faltava os dois últimos oficiais presentes deixarem a Enterprise, o capitão e a primeiro oficial.

—Entendido, Alferes – respondeu Spock – evacuação concluída, capitão, precisamos ir.

—Sim – Jim suspirou, dando uma última olhada na ponte, pensando se um dia voltaria para lá.

Com coragem, ele deu às costas para sua antiga cadeira e seguiu a filha e a esposa para fora da Enterprise. O lugar tinha conquistado seu próprio espaço no coração de James Kirk.