Filha de Gelo e Fogo escrita por Dafne Guedes


Capítulo 1
PARTE I: Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Antes de tudo, quero que vocês saibam que essa fic não é pretensiosa; a ideia surgiu numa conversa com minha irmã gêmea. Desde então, não consegui parar de pensar sobre o assunto. Cordyra foi se delineando em minha imaginação e comecei a escrever.
De qualquer forma, espero que tenham uma boa leitura!



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"We will call this place our home
The dirt in which our roots may grow
Though the storms will push and pull
We will call this place our home

We’ll tell our stories on these walls
Every year, measure how tall
And just like a work of art
We’ll tell our stories on these walls"

 

Naquela posição, Cordyra Stark podia ver apenas o topo vermelho da cabeça do primo, Rickon, e, embora sua respiração estivesse suave e uniforme, não dava para dizer se ele dormia ou não. Estavam apenas os dois numa das salas de descanso em Winterfell; passavam muito tempo assim. Catelyn Tully, esposa de seu tio, tinha cinco filhos, sendo aquele o mais novo, e ainda era uma figura ativa na administração de Winterfell. Rickon gostava de dormir no braço, e os de Cordyra estavam sempre disponíveis.

                Os dois primos estavam assim há tempo o suficiente para que os olhos de Cordyra bambeassem entre o dormir e o acordar. Quando as pálpebras se encostavam, a imagem de sempre surgia no escuro; um castelo de pedra negra como a noite. Quando ela tentava olhar mais para cima, subindo a vista pelas torres, jamais chegava ao topo, sua visão sendo obstruída por fumaça e fogo. Quando abria os olhos, eram os tapetes macios da sala de descanso, e Rickon, a respiração suave em seu peito.

                Um dia ela teria um filho com cabelos vermelhos como aqueles, ela esperava. Estava noiva de seu primo, Robb, um ano mais novo, há tanto tempo quanto podia se lembrar. Ela entendia o porquê; seu pai, Brandon Stark, estivera com Alyssa Velaryon em segredo durante seu tempo como prisioneiro na Fortaleza Vermelha. Alyssa era uma dama de companhia da rainha Rhaella Targaryen e tinha apenas a própria palavra e um bracelete de aço valiriano, pertencente a Brandon, para provar a paternidade da filha. Cordyra não tinha nada dos Stark; era toda Valíria, com os cabelos cor de ouro branco e olhos violeta.

                Teoricamente, era a única herdeira de Brandon para Winterfell, mas, na prática, seu direito poderia ser questionado por má fé, além disso, no Norte, garotas apenas herdavam o comando de uma Casa caso não houvesse um herdeiro masculino. Casá-la com Robb era garantir que a garota um dia seria senhora do castelo onde crescera. Deitar Rickon em seu peito até que o menino dormisse era um prelúdio.

                A jovem donzela ainda estava assim, tentando descobrir se o garotinho dormia ou não, quando as portas duplas da sala foram abertas por dois garotos risonhos e barulhentos. O menino em seu colo levantou a cabeça imediatamente. A bochecha estava marcada com o padrão de renda do veludo de seu vestido, mas os olhos azuis dos Tully estavam acesos, brilhando.

                Com os meninos, também entrou na sala um vento frio. Havia neve em suas botas, que, talvez na pressa, eles não haviam limpado na entrada. Eles tinham sorrisos vitoriosos; Robb todo branco, vermelho e azul. Jon tinha a cara do Norte, cinza, branco e negro. Ainda assim, os meninos moviam-se como um só. Cordyra pensou em Aegon, o conquistador, que confiava apenas em seu irmão bastardo, além de suas irmãs, se os livros de história não mentissem sobre isso.

—Onde estão as meninas, minha senhora? –Robb perguntou ansioso, depositando um fardo de peles no chão.

                Rickon desceu do colo da prima com suas perninhas curtas de dois anos, e Cordyra imediatamente sentiu falta do calor de seu corpinho pequeno e macio, e se levantou também, para apará-lo caso tropeçasse em seus pés ainda incertos.

— Sansa está com Catelyn, a escrever cartas com pedidos de suprimentos. Não sei de Arya. –Respondeu, deixando que Robb se aproximasse para plantá-la um beijo na bochecha. Jon também se aproximou, mas sem se distanciar do fardo de peles, e assanhou os cabelos do caçula em cumprimento. –Como foi Bran?

                Os meninos se entreolharam com o que parecia orgulho. Cordyra estivera pensado no pequeno primo o dia inteiro. Havia sido a primeira execução do jovem Bran, e sabia que Eddard estaria de olho nele. O tio era um homem duro e severo, mas queria o melhor para os filhos. Bran era um garoto nascido no verão, e ria com mais facilidade do que chorava, desde que era bebê.

—Ele se saiu bem. –Robb contou. –O pai ficou orgulhoso. Dava para ver. O pônei dele não se assustou, e ele não desviou o olhar.

                Enquanto Robb falava, Cordyra assentia. Os mais velhos também haviam se saído bem em suas primeiras vezes. Bran era feito do mesmo material que eles: gelo e inverno.

                Robb voltou-se para o fardo, e, de dentro das peles, tirou mais um punhado de peles. Cordyra demorou um segundo para perceber que aquele punhado de peles específico tinha olhos, orelhas e movia-se, cego, guiando-se pelo cheiro. Rickon também notou, pois deu um pulo para trás, atirando-se às suas pernas.

—O que é isso? –Cordyra inqueriu, ligeiramente alarmada, o peso do primo mais novo puxando seus joelhos para baixo.

                Como se não notasse o alarme tanto na jovem quanto no caçula, Robb se pôs a frente e despejou o filhote de lobo em seus braços. Cordyra o recebeu automaticamente, como se fosse mesmo um fardo de peles. Então, notando como era pequeno, como seu pelo castanho avermelhado tinha pontas esbranquiçadas como o seu próprio cabelo, levantou-o à altura dos olhos. Os olhos do próprio lobo eram duas fendas fechadas.

—São lobos gigantes. –Jon anunciou sucinto. –A mãe deles morreu um pouco ao Norte, e os filhotes teriam o mesmo destino se não o houvéssemos pego.

—Ao sul da Muralha? –Questionou imediatamente, colocando o lobinho em seu peito, onde antes estava Rickon, e notando que o filhote de animal também era quente e macio. –Há quantos anos não há uma ocorrência assim?

—Centenas. –Garantiu Jon, a voz excitada como se fosse uma boa notícia. –Theon estava animado para dar fim a eles. Agora deve estar retorcendo-se.

—Ele tem boas intenções. –Garantiu Robb, o tom apaziguador, mas firme; sabia bem que Jon e Theon não se davam bem e, embora sempre houvesse dado preferência a Jon no quesito de amizade, jamais deixaria Theon de lado tampouco. –Foi Jon quem deu o argumento que nos garantiu os filhotes.

                Cada um dos garotos agora segurava seu próprio lobinho à tiracolo, e Robb a explicava as condições de Lord Eddard: que eles cuidassem dos filhotes e os adestrassem eles mesmos. Cordyra não prestava atenção: Rickon começara a tentar subir nela, agarrando-se às suas vestes e as puxando, gemendo baixinho à visão do fardo de lobos, e tentando desesperadamente se afastar deles.

                Cordyra abaixou-se à altura do menino mais novo, ajoelhando-se perto dele.

—Toque-o entre as orelhas. –Ela ofereceu o seu lobinho de olhos ainda fechados ao menino, e demonstrou como se fazia, passando a própria mão pela penugem macia da cabeça. –Não vai morder você.

                Mesmo enquanto dizia isso, percebeu que não sabia ser verdade. Era um lobo gigante, afinal, tão novo quanto fosse. Em algumas semanas, estaria apavorando os outros cães do canil. Ao fim de alguns meses, arrancaria o braço de um homem, ou a cabeça. Em um ano ou dois seria grande o bastante para que Rickon o montasse como a um cavalo. Porém, contra seus pensamentos sombrios, o lobo inclinou a cabeça, cheio de necessidade, quando o menino o acariciou. Havia uma meia-lua de pelos brancos em sua testa vermelha, em cima dos olhos azuis.

                Foi um toque rápido, a mãozinha rechonchuda enfiando-se no pelo macio e espesso por um segundo, e se recolhendo em seguida, mas ao menos o menino parou de tentar subir em suas vestes em lã quente, embora não tenha tampouco se jogado aos lobos.

                Cordyra levantou-se, com o lobinho à tiracolo e fez um sinal para a ama de leite de Rickon, dormindo numa cadeira do outro lado da sala.

—Acordem-na para que fique com ele. –Disse aos primos. –Vou procurar Sansa no castelo. Bran e Arya devem estar do lado de fora, brincando.

                Os meninos ficaram mais um momento, incitando o bebê Rickon para que escolhesse tocasse no lobo macho que sobrara, mas Cordyra foi-se, agarrada ao seu próprio lobo macio, parecendo adormecido em seus braços, exceto pelo modo como levantava o focinho, cheirava o ar, e procurava pelas tetas da mãe no corpete de seu vestido púrpura.

                No caminho para a biblioteca, onde sua tia e prima faziam as contas, teve seu caminho interrompido por Theon Greyjoy. No auge de seus dezenove anos, Theon era alto, esguio e charmoso, se não fosse seu sorriso zombeteiro e a mania de provocar Jon o tempo inteiro. Havia uma garota com ele, usando um vestido marrom grosseiro de ajudante de cozinha. Mas afora o vestido, ela era bonita; tinha brilhantes olhos azuis, e cabelos negros como piche. Theon a deu um empurrão gentil para longe quando Cordyra se aproximou, e ela andou apressada.

—Ah! –Exclamou ele, lambendo os beiços como uma fera à espreita, sentindo cheiro de sangue fresco. Cordyra não era a caça, porém. –Então você também já tem um? –Ele fez um gesto de cabeça na direção do lobo. –São capazes de arrancar a cabeça de um homem enquanto este dorme, esses aí.

                Cordyra estivera pensando algo parecido mais cedo, mas ouvi-lo da boca de Theon deixava a ideia indecente. Os archotes dançaram nos rostos de ambos. A luz se absolvia no cabelo escuro de Theon, mas a cascata esbranquiçada de Cordyra os refletia de volta.

—Que lobos desonrados seriam, então. –Limitou-se a responder, seca. –Se procura Robb e Jon, estão na sala de descanso. Se houver visto Arya ou Bran, ainda melhor.

                A garota voltou a andar, mas enquanto passava ao lado de Theon, ele deu um passo, bloqueando seu caminho, mais perto do que um garoto nobre devia estar de uma jovem prometida. Cordyra virou o rosto de lado para evitar a respiração do garoto e o olhou pelo canto dos olhos violeta. Mesmo Theon, então, pareceu perceber que fora longe demais e, pigarreando, deu um passo para longe dela novamente.

—Trago uma mensagem de Lord Eddard para todas as crianças Stark. –O modo como ele disse “crianças” costumava irritá-la, mas agora sua voz soara frágil, ao invés de debochada, e os olhos escuros do menino percorreram rápida e nervosamente o corpo de Cordyra, que havia crescido nos quadris e busto no último ano, fazendo de sua cintura uma curva sinuosa que tragava as atenções dos rapazes, e as vezes dos homens também. –O Rei Robert trará uma comitiva ao Norte. Receberemos a visita real.

                A menina não deixou passar o fato de que o garoto usou a primeira pessoa para conjugar o verbo, como se ele também fosse um Stark, mas pensaria naquilo depois. O Rei, embora fosse bom amigo de seu tio, jamais viera ao Norte, desde que ela poderia se lembrar. Seria memorável. Era uma ocasião de celebração. Seu tio devia estar animado; e os meninos ficariam exultantes com a ideia de todos aqueles cavaleiros, e toda aquela gente. Afinal, o rei não visitaria sem a sua comitiva.

                Cordyra estava subitamente esquecida de Sansa, e mesmo quase não pensava no lobinho faminto em seus braços. A ida à biblioteca esquecida, ela olhou por uma janela próxima, para as muralhas do castelo, e a neve de fim de verão que caía cinza como um mal presságio.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham tido uma boa leitura! Como podem ver, estou acompanhando a rota da história, e pretendo continuar assim por um bom tempo, apenas fazendo adaptações conforme a necessidade da presença de minha personagem.
Pretendo fazer postagens semanais nesses primeiros momentos de escrita!
XOXO
P.S. Estou editando os capítulos, adicionando uma música para cada um, como faço em todas as minhas fics.
A música desse capítulo é "North", da banda Sleeping At Last.



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