A Saga do Destino livro 1 - A Chave Elemental escrita por Lino Linadoon


Capítulo 8
Já mais tarde...




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Thomas já estava cansado.

A Floresta de Sir’benét parecia não ter fim! E Thomas já tinha tido sua cota de sustos com árvores estranhas, pássaros alçando voo repentinamente e outros animais pulando nos galhos ou rastejando embaixo de raízes, e com os outros – principalmente Zakuê – tentando arrancar uma reação dele de vez em quando.

Mas depois de um bom tempo, as árvores começaram a se afastar, o que Thomas acreditava significar o fim da floresta. Mas a névoa de Sir’benét ainda flutuava no ar, parecendo ficar mais intensa, até que Thomas notou, que a névoa parecia ser cada vez mais clara, mais iluminada, deixando a escuridão para trás. O frio da floresta foi substituído por calor, abafando o ar.

Não é névoa..., Thomas notou após alguns segundos. É vapor.

Eles caminharam até que as árvores estavam tão afastadas ao ponto de que a palavra “floresta” não podia mais servir para descrever o lugar.

O vapor fazia tudo ser um pouco mais difícil de ver, mas Thomas notou o chão de grama baixa à sua frente e algo reluzindo ao longe. Era água, de aparecia quase prateada. Ao se aproximarem mais, Thomas pode ver a forma escura de montes altos, que contrastavam com o céu claro.

— Bóvi está aqui! – Óhlem exclamou. – Isso quer dizer que seu dono também está!

Bóvi devia ser a criatura descansando em um estábulo ao lado do monte; lembrava um touro, mas com feições um tanto diferentes e estranhas; era grande e de pelagem arroxeada, com chifres longos, curvados trás. Bóvi continuou ruminando, observando o grupo com desinteresse.

Thomas acompanhou os amigos até uma caverna ao pé da montanha, frente à margem da lagoa. Era uma abertura grande e larga e o ar quente que vinha de dentro fazia Thomas pensar na bocarra aberta de uma criatura gigante.

Não pense nisso..., Reclamou para si mesmo.

O garoto entrou com passos hesitantes, surpreso com o que havia lá dentro.

As paredes de pedra estavam cobertas com espadas, martelos, escudos e até armaduras completas. Ele podia se ver refletido no metal polido e seus olhos se prenderam em sua imagem na lâmina de uma espada. Era grande, longa, e parecia ser bem afiada.

Ele desviou a atenção das peças nas paredes ao ouvir um som, se lembrando de ter ouvido aquilo várias vezes em filmes e na oficina de seu avô: o som de um martelo batendo no metal.

Thomas se afastou mais ainda das paredes, sem querer tocar no que não devia.

— Ôkirba? – Óhlem chamou e o tilintar parou.

Uma forma grande se ergueu no fundo da caverna. A iluminação da caverna estava atrás dela, os impedindo de ver o rosto. Ôkirba se aproximou a cada passo parecendo crescer mais e mais.

Thomas deu alguns passos para trás. Ele devia esperar que um ferreiro tivesse grandes músculos por causa de seu trabalho, mas ele não esperava aquele tamanho.

— Óhlem? – Ele chamou e riu, sua voz grave e poderosa; a caverna pareceu tremer com o som, ou talvez fosse só o garoto mesmo. Thomas engoliu em seco. – Okrasiri- ma-oneuképì!

Ele finalmente entrou na luz que vinha de fora da caverna.

Seus músculos e suas proporções pareciam bem humanoide, mas fora isso, Ôkirba não tinha uma aparência muito humana. Seu rosto tinha feições parecidas com as de Óhlem, sem orelhas e sem nariz, apenas buracos no lugar desses; sua boca era longa, mostrando caninos pontiagudos e chifres curtos enfeitavam sua cabeça. Sua pele era cinzenta, mas o que realmente chamava atenção eram seus olhos, azuis ao fundo com pupilas brancas.

Óhlem sorriu, falando alguma coisa na língua do Grande Reino, apontando para o grupo. Ôkirba examinou com os olhos e soltou uma outra risada curta. Ele apontou cada Transfigurador por nome e comentou alguma coisa. Até que seus olhos pousaram em Thomas.

Ele fez uma pausa. Thomas quase tremeu quando aqueles olhos grandes se caíram sobre ele. Ôkirba sorriu, mostrando os dentes afiados e gesticulou para o garoto, falando diretamente com ele.

Thomas ficou sem jeito. O ferreiro parecia amigável, mas ele ainda era um gigante; apenas um aperto daquelas mãozorras e ele podia quebrar os ossos do garoto. Ele se repreendeu por imaginar tal coisa.

— Meu... Nome é Thomas... – Murmurou antes que os outros pudessem falar, embora não soubesse se Ôkirba pudesse entender.

Ele estendeu a mão para Ôkirba.

— Thomas? – O ferreiro agarrou sua mão estendida e, ao invés de movê-la, apenas ficou ali, encarando. Thomas sentiu um arrepio, sem entender o que se passava por trás daqueles olhos azuis. Até que Ôkirba pigarreou. – Transfigurador? O clã dos Cabelos Vermelhos ainda existir...? – Seu sotaque era parecido com o do Okrasiri e ele falava pausadamente, como se não tivesse muita certeza das palavras.

— Não, ele é humano. – Édna explicou, pousando as mãos nos ombros do garoto. Thomas recebeu bem o contato.

— Humano? Por isso vocês estão a falar nessa língua... – Ele se calou no meio da frase.

As sobrancelhas não existentes de Ôkirba subiram por sua testa de modo quase cômico. Thomas notou que ele tinha ligado os pontos quando os olhos desviaram de seu rosto para a pedra que carregava.

Ângâm Mértap! Você ser o guerreiro de San Iak! – E, dessa vez, ele agarrou a mão de Thomas com força. O garoto quase gritou ao sentir os pés saírem do chão, mesmo que só por um segundo. – É um prazer conhecer! O que estar a fazer em Mut’nêgra?

— V-viemos encontrar você... – Thomas gaguejou. Ele não tinha coragem de pedir para que o ferreiro soltasse sua mão, mas, em pouco tempo, ele estava livre.

— A que dever a honra? – Ôkirba continuava sorrindo, tanto que chegava a ser perturbador.

— Thomas precisa de um favor. – Óhlem disse. – Ele é um guerreiro sem espada. Pode ajudar?

Thomas se voltou para as espadas na parede novamente, sentindo agitação subindo por seu corpo. Mas não era algo ruim. Thomas se perguntou como seria empunhá-las, o quão incrível e o quão perigoso seria...

Seus pensamentos foram interrompidos por outra risada alta – e ele tinha certeza de que o pé da montanha tinha tremido.

— Ha! Eu ser o melhor ferreiro do Grande Reino e você perguntar se poder ajudar? – E riu mais uma vez, fazendo gestos rápidos com a mão. – Entrem, entrem!

Eles fizeram como mandado e em pouco tempo Thomas entendeu porque a caverna era tão quente e abafada. A iluminação da caverna, assim como seu aquecimento, vinha de uma fonte de pedras bem ao fundo, de onde fluía, não água, mas lava. O fogo líquido pedras e nas criações de Ôkirba, criando padrões interessantes.

— De uma espada o guerreiro precisar... – O ferreiro remexeu em algumas coisas perto da lava, sem parecer ter medo de se queimar. Sua pele devia ser mais resistente, Thomas decidiu, ele até parecia ser feito de pura pedra. – Ter alguma preferência? Cabo longo, curto? Lâmina reta, curvada...?

Thomas piscou, demorando para notar que Ôkirba falava com ele.

— A-ah, não, não tenho... – Murmurou sem jeito. – Na verdade... Eu nunca sequer cheguei perto de uma espada...

Ôkirba levantou a cabeça e Thomas tentou se esconder de seu olhar. Mas era de se esperar. Toda a gente do Grande Reino esperava por um grande guerreiro preparado para lutar por eles. Ainda assim, a única coisa que tinham recebido era um garoto franzino que nunca sequer tinha entrado em uma briga em toda a sua vida.

Era ridículo. Ele era ridículo.

Não, não é.

Ele ignorou aquela vozinha em seu ouvido.

— O que quer dizer? Nunca ter treinamento? – Ôkirba deduziu e Thomas simplesmente assentiu. – Ah, muito bem! Depois da espada estar pronta, você começar a treinar!

O ferreiro sorriu, ainda tão animado quanto antes. Thomas retribuiu o sorriso, sem vontade. Ele esperava que não falassem mais sobre aquilo.

— Venha aqui, sim. – Ôkirba fez mais gestos com a mão e o garoto obedientemente se aproximou. – Você ser o guerreiro de San Iak, precisar de uma espada especial, não espada qualquer, mesmo feita por mim. – Ele riu da própria piada. – Eu criar uma espada perfeita, apenas pra você. Sim? Uma espada para suas medidas e necessidades, que só você poder usar bem!

Cada palavra de Ôkirba demonstrava sua paixão pelo trabalho.

Aquilo era interessante, Thomas decidiu. Uma espada feita para uma pessoa apenas. Thomas imaginou como seria ter uma espada assim em suas mãos. Seria ela boa de girar? De estocar e cortar?

Seu conhecimento superficial sobre pelejar, vindo de filmes, séries e vídeos na internet, talvez viesse a calhar. Assim como suas “batalhas” contra o vento, usando seu guarda-chuva ou um galho caído no meio de seu caminho.

Ôkirba desenrolou o que parecia ser uma fita métrica e Thomas esperou, interessado. Mas antes que o ferreiro pudesse fazer alguma coisa, um exclamar alto ecoou pela caverna.

Alguém apareceu na entrada, esbaforido. Era um ser diferente, ainda mais parecido com um Okrasiri do que o ferreiro, mas com pele de cinza ainda mais escuros e olhos completamente negros.

— Ôkirba! se-Apluksédì!— A criatura pareceu hesitar ao ver que Ôkirba não estava sozinho, mas logo voltou a erguer a voz, falando na língua do Grande Reino.

— Lará! Âmlakâ!

O ferreiro foi até foi até o ser e conversou com ele até que Lará – talvez esse fosse o nome, mas talvez não, Thomas não sabia – assentiu e saiu da caverna.

— Desculpem... Árvores Assombradas passar por Subirót’nak e desarrumar algumas coisas...

Thomas se lembrou do encontro com as Árvores Assombradas na floresta. O fato delas estarem acordadas fora da hora, como disseram Óhlem e Édna, e o ataque ao castelo e o ataque a esse outro lugar terem acontecido ao mesmo tempo, não podia ser coincidência.

— Eu ter que arrumar as coisas por lá. Subirót’nak não saber fazer muitas coisas, ser terríveis em quase tudo, menos cantar. – Ôkirba contou, dando uma piscadela. Devia ser uma piada interna, porque os Transfiguradores riram. Thomas os acompanhou só para não fazer feio. – Mas antes de ir, vamos começar o projeto de sua espada!

Thomas gostou de ouvir aquilo. “Sua espada”. Ele já tinha imaginado e sonhado com aquilo muitas vezes, mas nunca imaginou que seguraria uma espada de verdade algum dia.

— Tirar a blusa sim? – Thomas obedeceu. – Eu medir para ver como começar... Oh... – Quando Ôkirba congelou, foi tão de repente que Thomas também ficou parado.

— O que foi? – Ele notou que o olhar do ferreiro estava focado num ponto mais para baixo, mais precisamente em seu peito, que estava um pouco mais quente. Ele deu uma olhada, vendo um leve brilho sumir dentro da pedra de Maes.

— Oh, bem... Isso ser um problema... – Ôkirba murmurou, olhando para os lados como que envergonhado.

— Quê problema? – Thomas perguntou. Ele lançou um olhar para os outros, mas esses pareciam estar tão confusos e curiosos quanto ele.

— Pelo jeito... Não poder fazer uma espada para você... – Ôkirba murmurou, passando a mão pela nuca, sem jeito. – Se não ser o desejo dos Maes, não poder ignorar.

Desejo dos Maes?

Thomas se lembrou da conversa de Édna e Óhlem, sobre a pedra ter “se deixado” ser entregue a ele e como ela não era uma pedra normal; como se tivesse uma personalidade e consciência, com pensamentos e tudo.

Mas se a pedra tinha guiado Édna até Thomas e afirmado – de algum modo – que ele era um guerreiro, então por que ela não iria querer que ele conseguisse uma espada para sua missão? Até o poema dizia que ele devia ter uma espada.

— Será que alguém pode me explicar qual é a dessa pedra de uma vez por todas? – Ele não queria soar rude, mas já estava cansado de fiar no escuro.

— É simples. – Nôa falou. – A pedra talvez ache que não é a hora certa para você conseguir uma espada ou...

— Como assim “a pedra acha”? – Thomas perguntou, lentamente.

— A pedra de Maes é uma pedra mágica, Thomas. Não é um cristal qualquer. – Édna respondeu, tão calmamente quanto seu irmão. – Ela é um dos legados da família Maes, uma família da linhagem dos Magos Antigos, os primeiros a surgirem nesse mundo e no Grande Reino. Ela está conectada a eles.

— O que quer dizer...?

— Ninguém sabe direito. – Foi Magdalenâ quem se pronunciou, depois de tanto tempo calada. – Pelo que dizem a consciência de todos os Maes está aí dentro. Talvez até San Iak esteja aí, te observando.

Thomas apertou os dedos em volta do cristal. Seus dedos esquentaram.

Era estranho pensar naquilo, imaginar que ele carregava consigo algo que estava conectado com a consciência de gerações de uma família. Talvez o brilho e o calor que apareciam vez ou outra – quando Thomas mais precisava – fossem aquelas pessoas, aquelas consciências se pronunciando.

A consciência de San Iak..., a mente daquele homem, ou a alma dele, podia estar bem ali, pendendo de seu pescoço. O homem que o colocou no meio daquilo tudo.

— Mas por que não seria a hora certa? – Thomas ponderou.

Por um segundo o cristal pareceu se esquentar um pouco mais.

— Quem poder saber? – Foi Ôkirba quem falou de repente. – Talvez não ser a hora certa que a pedra estar esperando. Mas sim a espada certa! – E pousou uma mãozorra no ombro do garoto. – Talvez nem mesmo eu poder criar a espada do guerreiro de San Iak!

A espada certa?, ele não podia negar, aquilo soava interessante. Mas que tipo de espada?, ou o mais importante: Quando vou ter ela em minhas mãos?

Ele nem sabia se queria ter a resposta.

— Bem, então eu precisar cuidar de outras coisas... – Ôkirba arrancou o garoto de seus pensamentos. – Sinto muito não poder ajudar nisso. Não querer fazer a viagem até aqui ser em vão...

— Ora, o que é isso? – Zakuê se pronunciou pela primeira vez há um bom tempo, por algum motivo em português. – Foi bom ver você de novo, Ôkirba!

— E foi bom conhecê-lo. – Thomas disse, honesta e educadamente.

— Eu dizer o mesmo! Ah, se a pedra deixar e você precisar de uma armadura, já saber quem procurar! – Ôkirba deu uma piscadela. Ele parecia alguém legal, um tanto estranho e assustador, sim, mas legal. – Eu ter que ir. Poder ficar aqui, mas tomar cuidado quando voltar para a floresta. Ser um grande prazer ter visitas! Elas ser raras! – E riu, antes de se voltar para Thomas com uma expressão estranha, ao mesmo tempo séria e animada. – Hap tê Mekap!

E, com um floreio, ele sumiu caverna afora.

— Espero que agora você entenda um pouco mais sobre a pedra. – Óhlem murmurou. – Acho que tem muito mais que você quer, ou melhor, precisa saber.

— Vocês podem me explicar tudo de uma vez? – O Okrasiri parecia querer ajudar e isso fez Thomas sorrir.

— Mas é claro!

— Seria bom... – Skuit disse de repente. – Mas será que a gente pode sair daqui? Essa caverna é um forno...

Thomas riu do comentário e tinha que concordar, aquele lugar parecia uma sauna.

— Já passou um pouco desde o meio dia... – Óhlem disse, levantando os olhos para o céu. – O sol está a pino, esse é o melhor momento para andar pela Floresta de Sir’benét. – E sorriu. – Vamos para At’knik. Lá vamos estar em segurança e vamos ter comida.

— Você disse comida? – Zakuê ergueu uma sobrancelha e sorriu largo. – Mostre o caminho!

Thomas revirou os olhos com o comando, mas riu. Pelo menos dessa vez ele concordava com Zakuê. Ainda era estranho ouvi-lo falar em sua língua e ele se perguntava o porquê da mudança, esperando que fosse algo bom. Mas ele deixou aquilo de lado enquanto se dirigiam, novamente, para as árvores escuras.


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Notas finais do capítulo

Curiosidade:
Essa história faz parte de um universo maior. Muito maior. Que eu estou desenvolvendo desde meus 10 anos de idade.



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