A Saga do Destino livro 1 - A Chave Elemental escrita por Lino Linadoon


Capítulo 5
O poema




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A toupeira parou frente a Thomas, ajeitando os óculos, e sorriu daquele modo estranho deles. O rapaz ficou parado, deixando-se ser observado.

— Ah, sim, sim! É ele! – Ele exclamou com sua voz velha e arrastada. – Cabelos ruivos e olhos verdes como esmeraldas. – Thomas sentiu que reconhecia aquelas palavras de algum lugar. – E, de algum modo... Tão parecido com ele...

Thomas se surpreendeu. Todos diziam que ele se parecia com sua mãe, mas só. O garoto esperou que a toupeira explicasse aquilo melhor, mas ela só sorriu, se curvando com dificuldade com o cajado em mãos.

— Seja bem vindo ao Grande Reino, jovem guerreiro de San Iak. – Ele disse e Thomas sentiu suas bochechas se esquentarem. – Por favor, sinta-se à vontade em nossa humilde toca.

Thomas abriu a boca, sem saber o que falar. Ele curvou a cabeça do mesmo modo que o outro havia feito, tentando ser educado.

— Vovô ele precisa de ajuda. – Édna se pronunciou no silêncio. – Ele não acredita ser o guerreiro, vovô. – Thomas não sabia se ficava grato ou envergonhado por deixar Édna tomar as rédeas. – Mas a pedra de Maes me levou até ele!

— Ah, Ôm’tsem-ê? – A toupeira mais velha perguntou, sem desviar os olhos do garoto. Seus olhos eram gentis. – Não conhece o poder da verdade da pedra, meu jovem?

— Thomas não sabe de nada sobre o Grande Reino.

Eu posso responder, muito obrigado!, Thomas revirou os olhos, mas continuou calado, já que a garota estava falando por ele.

— Hum, que estranho... – Vovô murmurou para si mesmo e inclinou a cabeça para o lado. – Pelo menos sabe sobre os poemas?

Thomas se surpreendeu ao ouvir aquela palavra. É claro, aquele poema de seus sonhos. Teria finalmente ele encontrado respostas para aquele mistério? Ele esperou, mas pela Édna decidiu ficar calada dessa vez.

— Não... Hum, senhor... – Ele adicionou por educação. – Eu nunca ouvi de nada desse lugar ou sobre o cristal... Mas o poema...

— Sim? – Vovô se inclinou, mostrando interesse.

— Eu tive sonhos com um poema, mas eu não me lembro bem dele.

— Podemos cuidar disso! – O outro disse, fazendo movimentos rápidos com a mão. – Venha, venha. – Ele se voltou para Édna e disse alguma coisa em uma língua desconhecida. Thomas jurava que era a mesma que ele tinha ouvido a garotinha com a cobra falar. Devia de ser a linguagem daquele lugar.

Édna desceu pelo corredor à frente deles, enquanto Thomas seguia a toupeira mais velha, tendo de se abaixar para fazer tal coisa.

O pequeno corredor, assim como o resto da toca, Thomas notou, era iluminado com aquelas flores brilhantes que ele tinha visto antes, banhando as paredes com uma cor dourada. E no fim do corredor havia uma saleta pequena, com a parede em forma de meia lua, com duas aberturas para a esquerda e para a direita. Uma daquelas flores, muito maior e arredondada, iluminava a saleta do teto como um sol em miniatura; e, em baixo dela, um altar, com potes de incenso e uma grande ampulheta bem no centro; areia fina caia lentamente do vidro de cima para o de baixo.

A toupeira branca parou na frente do pequeno altar, ficando de frente para o humano. Havia algo naquela visão, do ser branco em baixo da luz dourada e ao lado do altar que parecia quase sagrado e Thomas se sentiu um tanto nervoso.

— Meu jovem... Você é o guerreiro com toda a certeza! – Ele falou aquilo de modo tão decidido que Thomas se sentiu desconfortável, quase sem jeito, como se estivesse, mesmo que sem intenção, enganando o outro. – Mas talvez não saiba disso... Embora tal coisa não faça sentido... Ou faça...?

Thomas não sabia como responder. Ele decidiu que, se fosse um guerreiro, ele teria sabedoria disso com certeza.

— Ah, aí está, obrigado, minha querida.

Édna atravessou a abertura à esquerda da saleta, trazendo a pedra de Maes consigo.

Quando ele viu a pedra roxa mais uma vez, Thomas sentiu como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros e ele não entendia o porquê. Vovô pegou o cristal em suas patas pequenas.

— Aqui, meu jovem, me dê sua mão.

Ele nem precisou pedir duas vezes. Thomas sentiu sua mão se movendo antes mesmo de registrar o movimento. De modo delicado, vovô pousou a pedra na palma pálida do rapaz. Ela continuava quente, Thomas notou, e, ao fazer contato com a pele dele, ela voltou a brilhar.

— Está vendo? A pedra de Maes nunca reagiria assim para uma pessoa qualquer. – Thomas se lembrava daquelas palavras, Édna tinha dito a mesma coisa.

“Uma pessoa qualquer”. De fato, Thomas acreditava que aquele era um perfeito modo para descrevê-lo, mas por algum motivo, de acordo com aquela pedra e aqueles “Transfiguradores” ele era tudo, menos uma “pessoa qualquer”.

— Eu... Eu não escolhi fazer parte disso, seja lá o que for. – Thomas sentiu as palavras saírem antes de as registrar.

— Tem razão. – Vovô assentiu, calmo e coleto. – Mas foi escolhido para isso.

Thomas não tinha certeza se gostava de ter outra pessoa, ou uma pedra, fazendo escolhas por ele.

— Venha, talvez possamos clarear um pouco mais as coisas.

A toupeira branca fez sinal para que o garoto o seguisse e assim ele fez, se agachando para passar pela abertura à esquerda. A sala ao lado era uma biblioteca, com duas estantes cobertas de livros de tamanho normal, com uma mesa de leitura e mais travesseiros coloridos.

Thomas se sentou ao lado da mesa, cansado de curvar as costas. Ele notou Zakuê e Magdalenâ na porta, podia até sentir os olhos desses o encarando, mas ele os ignorou. Era como se todos ali estivessem esperando por alguma coisa, incluindo o próprio Thomas.

Ele podia sentir sua cabeça começar a girar. Thomas fechou os olhos e repetiu aquele pensamento mais uma vez:

É só um sonho. Só vai na onda deles.

Era melhor do que confrontá-los, Thomas decidiu, já que todos pareciam estar decididos quanto ao título do rapaz.

— Você disse que sonhou com um poema. – Vovô disse, parando ao lado da mesa e do rapaz. – O que se lembra dele?

— Ah... – As frases continuavam sumindo como areia escorrendo pelos dedos. – Eu me lembro de algumas coisas... Algo sobre... Campos verdes e coisa assim..?

Os olhos da toupeira branco brilharam por trás dos óculos. Vovô fez um movimento com a mão e se afastou com passos lentos e cambaleantes, Édna a seu lado. Ele pegou um livro da prateleira, recebendo ajuda da garota; era um livro grande – ou pelo menos parecia ser em suas patas pequenas. A capa era vermelha, com espirais e desenhos, além de grandes dizeres em dourado no centro. Thomas tentou ler, mas estava escrito em um alfabeto diferente e desconhecido.

— A Adaìla. Os mais conhecidos versos de San Iak. – Vovô explicou enquanto Edna transferia o livro para a mesa, ele estava sorrindo. – Eu não devia estar surpreso em saber que a conhece, afinal é o poema em que sua chegada é mencionada!

— Eu só sonhei com esse poema vez ou outra... – Thomas retrucou. – Não é grande coisa.

— Sonhos são sempre grande coisa, meu garoto. – O Transfigurador disse simplesmente, movendo as grandes páginas amareladas.

— E quem é esse San Iak? – Thomas perguntou. Já tinha lido esse nome algumas vezes e tinha decidido que era hora dele saber.

— San Iak foi um Mago Conselheiro do Grande Reino. – Foi Édna quem respondeu. – O último descendente da família de Maes, os antigos donos da pedra. – Tal cristal descansava na mesa, virada para o garoto como uma câmera vigilante. – Foi também um Visionário, alguém que pode ver o futuro. Viu tudo o que ia acontecer no Grande Reino até o Menoìtélp’mók, o grande fim.

San Iak parecia ser alguém importante. Thomas não sabia se se sentia honrado ou ainda mais nervoso sabendo que esse homem havia o “escolhido” para sabe-se lá o que.

Mas ele admitia que estava curioso.

— Mas... Como os poemas falam de mim?

— San Iak descreveu a sua chegada! – Édna disse em tom exasperado, mas com um sorriso. – E também a sua aparência...

Thomas corou profundamente. Esperava que San Iak não tivesse mencionado suas sardas...

— Aqui está. – Vovô pigarreou. – Perdoe-me, traduzir será um pouco difícil... – E, pausadamente, ele começou a ler o poema.

 

Me escutai, Grande Reino!

Meus amigos, para vocês as palavras de nosso Mértap, cantadas em hino

Trago palavras tristes e não desejáveis, algo que está por vir

Tramado na teia do destino que devo sempre ver e ouvir

 

Sombra terrível sobre nós abaterá um dia, sim

Sombreando vales com destruição que demorará a ter fim

Porque no meio de seu desenrolar desalmada

Por muito pouco At’knik será do mapa apagada

 

Minhas irmãs, At’knik e Inarê, cidades de boa vontade

Milhares de suplicas para que não se comparem, nem gritem de verdade

Enfatuadas de suas riquezas, já vem o exemplo das Irmãs das Montanhas

Entrosadas uma com a destruição da outra até suas entranhas

 

Tempestuoso como Frazêa com seus sacrifícios amadores

Terrível como Iondá e seus tentáculos destruidores

Temível como Maètto com seus músculos avassaladores

 

Mas ainda algo importante devo lhes dizer

Mais que uma luz e uma esperança não é algo que posso fazer

Ainda assim, junto ao último grão que cair

A Adaìla poderá enfim se ouvir

 

Entre campos esverdeados

Enrolado em rios prateados

Surge aquele Reino, como um vestido adornado

Surrealmente com fio dourado

 

Com a espada em sua mão, brandindo-a forte

Como tocha brilhante de vitória sobre a morte

Mal combaterá com o bem

Mas sendo ainda apenas um entre cem

 

Vivo em sonhos

Vibrante nos contos

Elegante o espera sem falta

Ele, Guerreiro de olhos de Esmeralda

 

Thomas respirou fundo. Ele se lembrava bem daquelas últimas estrofes, já tinha as ouvido tantas vezes. Ele finalmente sabia o poema inteiro.

Mas como e por que ele tinha sonhado com aquilo? Ele nunca sequer tinha ouvido ou lido aquele poema antes.

— Neste poema, San Iak fala sobre um novo mal, mas também sobre a salvação que o seguiria. – Vovô suspirou, de repente melancólico. – Algumas das premonições já se realizaram faz um bom tempo, como a destruição de uma das Irmãs das Montanhas, Frida...

As toupeiras ficaram quietas, em sinal de respeito. Thomas as imitou. A destruição de uma cidade inteira e, possivelmente, a morte de várias pessoas era algo simplesmente terrível. Quem poderia fazer tal coisa?

— É dito que esse mal, essa “sombra” será um dos piores males da história do Grande Reino. E sua influência continuará por anos. – Thomas não gostou daquela última adição. – Mas San Iak diz que não devemos temer, pois sempre haverá algo para nos salvar. A Adaìla, o primeiro poema que ele escreveu ainda na infância, é nossa luz e esperança. – Vovô sorriu. – O poema que você conhece.

Thomas ficou calado. De fato ele tinha olhos verdes, bem verdes. Mas era só isso que havia escrito ali, nada mais. Havia milhares de outras pessoas no mundo com olhos verdes, não dava para ter certeza que era ele!

Um sonho, Thomas, um sonho!, sua mente retrucou.

— Mas o que é essa sombra? – Ele perguntou, tentando desviar sua atenção.

— Ah, sim. É nossa governadora, Adraúde.

A última palavra foi interrompida por um som estranho e abafado, distante.

Thomas olhou em volta, confuso. Parecia o som de um motor, ou algo assim, mas que parou depois de alguns segundos. E então ele ouviu o som de um sino sendo tocado. Magdalenâ e Zakuê trotaram para fora da biblioteca com Édna logo a seus calcanhares.

— Não se preocupe. – Uma pata pálida pousou no braço de Thomas. – É meu neto Skuit e Nôa, o irmão das gêmeas. – Ele balançou a cabeça com uma expressão estranha. Eles foram pegar alguns suprimentos para a Base. Venha.

Base, suprimentos, entrada secreta ao lado de um banco que por algum motivo estava dentro de uma floresta... Era como se eles estivessem se escondendo. Mas com Árvores Assombradas e essa tal de Adraúde, não era de se surpreender. Thomas se lembrava daquele nome, Édna tinha o mencionado quando ainda estavam em sua casa. Em seu mundo.

Thomas seguiu Vovô até a pequena sala de estar, encontrando mais duas toupeiras entre as outras. Uma delas tinha o pelo cinza escuro, parecido com o pelo de Zakuê, enquanto a outra tinha o pelo escuro, assim como as gêmeas.

— Eu já disse tantas vezes... – O Transfigurador mais velho disse. – Não entrem direto na toca com aquela... Coisa!

— E onde a gente vai deixar ela, vô? Alguém pode ver. – O cinzento, Skuit, riu, ignorando os resmungos do mais velho e se balançando como um cachorro molhado. Poeira e folhas voaram de seu pelo, para a irritação de Magdalenâ. – Nós ainda estávamos falando essa língua? Porque eu... – Foi então que ele notou o humano na sala. – O que... Ah! N-não me digam que... Esse é o guerreiro?!

Thomas apertou os lábios, ainda era estranho ser chamado daquilo.

Zakuê se aproximou do irmão, falando alguma coisa naquela língua desconhecida, mas pelo jeito Skuit não ouviu – Édna, por sua vez, se aproximou e empurrou Zakuê. Thomas decidiu que não queria saber o que Zakuê tinha dito, sabendo que era sobre ele.

Duas patas pequenas, mas fortes, agarraram a mão de Thomas, surpreendendo o rapaz. Skuit as balançou com força, bem mais do que o esperado para uma toupeira normal.

— Ah, muito prazer! Eu sou Skuit! É incrível te conhecer! Sempre ouvi sobre você, mas nunca pensei que fosse realmente te ver! De verdade! – E continuou balbuciando animadamente, seu sotaque era tão forte que quase não dava para entender o que falava.

Era impossível não rir diante da cena, mas Thomas jurava que em pouco tempo iria acabar perdendo a mão. Por sorte, Nôa se apiedou dele.

— Tem todo o direito de ficar feliz, Skuit... – Esse disse com um sorrisinho, segurando o outro pelos ombros felpudos. – Mas não deve arrancar o braço do guerreiro, ele vai precisar dele. – Skuit se afastou, pedindo desculpas de novo e de novo. – Eu sou Nôa, muito... Prazer...

— P-Prazer... – O garoto tentou se impedir de bocejar ao ver o Transfigurador fazer o mesmo.

— Vocês não chamaram a atenção de ninguém, espero? – Vovô falou seriamente. – Eu não me surpreenderia se um bando de Fantasmas entrasse barbarizando tudo por aqui!

Ok, Árvores Assombradas, Transfiguradores, Fantasmas... Que outros tipos de seres estranhos vivem aqui?!, Thomas tinha quase medo de saber. Só ouvir a palavra “fantasma” já lhe dava calafrios.

— É claro que não. Acha mesmo que deixaríamos algo assim acontecer? – Skuit respondeu, seu tom também sério. – Nós trouxemos algumas coisas, mas pouco. Tenho uma mensagem de Êkila.

Era mais um nome desconhecido, mas, a julgar pela seriedade repentina da família de Transfiguradores, Thomas sabia que era alguém de grande importância.

— Pode esperar aqui, meu jovem. – Vovô disse de repente.

— Ah... Tudo bem... – Obedientemente o garoto se sentou nos travesseiros mais uma vez. Ele observou enquanto as toupeiras seguiam por outro corredor, o deixando para trás, com exceção de Édna. A Transfiguradora o encarou e Thomas se sentiu desconfortável. – Oi...

— Você ainda não acredita, né? – Ela disse.

Thomas não respondeu, só apertou os lábios juntos e deu de ombros. Como se ele fosse acreditar numa coisa dessas. Ele, um guerreiro? Sem chances.

— San Iak nunca cometeu um erro. – Édna mencionou com convicção.

Thomas quase riu com a resposta na ponta de sua língua, algo que ele tinha ouvido muita gente, incluindo seus pais, dizendo:

— Tem sempre uma vez para tudo. – Ele disse com um sorriso, mas a toupeira não sorriu de volta.

A conversa foi interrompida pela voz de Skuit, o Transfigurador falando naquela outra língua. E Thomas finalmente parou para pensar sobre o fato de que todos ali de algum modo sabiam português, o que não fazia muito sentido. Se bem que ele tinha ouvido Skuit falar sobre “ainda estarem falando aquela língua”...

— Um sonho, amigão... – Ele sussurrou só para si mesmo.

Os demais Transfiguradores se aproximaram e Thomas notou que ambos Skuit e Zakuê estavam carregando sacos em suas costas, sacos que quase tocavam o chão porque eles eram tão pequenos como toupeiras. Era quase ridículo de ver.

— Deixa eu ajudar. – Thomas se levantou – o máximo que podia – e se juntou a eles. Zakuê fez um som e jogou o saco na direção do garoto. Thomas quase caiu pra trás em sua posição precária e Zakuê riu. Ele decidiu ignorar aquilo.

— A gente deixa isso na cozinha. – Skuit sorriu para o garoto que o acompanhou.

No caminho, Thomas notou que Vovô segurava uma carta, a lendo com olhos sérios.

— Ouçam todos. – Ele disse quando Thomas colocou o saco no chão, ao lado do fogão. Vovô pigarreou e começou a ler em voz alta, mais uma vez, traduzindo para o humano.

 

Caro Markús,

Espero que Édna tenha voltado de sua missão com o guerreiro a seu lado, mas compreendo se a procura estiver sendo mais difícil do que esperávamos, mesmo com a ajuda da pedra de Maes. Sei que está sempre observando o tempo então já deve saber que faltam apenas dez dias para que meu marido possa retornar a tempo, e então tudo estará nas mãos dela.

Preciso que venha para o castelo o mais rápido possível, e traga sua família, por precaução.

Temos que nos preparar.

 

Êkila Muirép’mi Magús

 

PS: Não me mande resposta pelos mensageiros, Adraúde tem interceptado cartas sem a minha permissão.

Vovô, ou melhor, Markús dobrou a carta com um suspiro. Thomas estava grato pela tradução, mas se sentia ainda mais confuso, só compreendesse que era uma mensagem séria.

— Então... – Magdalenâ foi a primeira a falar. – Ela nos quer em Maêrua Êkra? Todos nós?

— Exatamente. Preparem suas coisas. Já passa muito do pôr do sol, vamos sair amanhã de manhã. – Markús cambaleou para fora da sala sozinho.

O ar tenso continuou pairando enquanto Thomas ajudava a guardar o que Skuit e Nôa tinham trazido para a toca.

— Quem é Êkila? – Ele perguntou, decidindo que era hora de fazer tal coisa.

— Nossa rainha, esposa de Kìre, mago e líder de nosso reino. Nosso rei. – Skuit esclareceu com um sorrisinho, como se ficasse contente em apenas compartilhar aquilo com o garoto.

— Ela disse... – Thomas empurrou alguns sacos menores para dentro da dispensa, esculpida dentro da parede de pedra e terra. – Ela disse que faltam dez dias para o retorno dele. O que isso quer dizer? Ele foi embora?

Dessa vez Skuit pareceu hesitar, talvez se perguntando como responder, talvez decidindo deixar o garoto sem reposta.

— Ele sumiu. –  Foi Édna quem explicou. – Já faz quase um mês. O rei tem um limite de tempo para dar notícias, antes que o herdeiro tome seu lugar e um grupo de busca vá atrás dele. O grupo de busca já foi mandando faz um tempo. Mas se ele não retornar logo, Adraúde vai reinar legalmente.

— Vamos dormir, pessoal. – A voz de Nôa, e um bocejo alto, interromperam a conversa.

É, você precisa..., Thomas pensou com um sorriso.

E você também.

Obrigado, parte responsável do cérebro., ele revirou os olhos para sua própria resposta.

Thomas observou a família de Transfiguradores sumir por outro corredor. E por um momento, ele se perguntou onde iria dormir. Édna parecia convencida demais de que ele era quem eles procuravam para deixá-lo voltar para sua cama, para seu mundo.

Isso ainda me parece um sequestro..., sua mente resmungou.

— Venha. – Édna puxou o humano pelo pulso e praticamente o jogou nos travesseiros da sala de estar. – Arrume como preferir, eu vou arranjar alguns cobertores.

Thomas fez como dito, feliz pelos travesseiros serem grandes – além de bem confortáveis. Ele arrumou uma cama rude e mal feita e se deitou para ver se ficava bom. No mesmo instante, o cansaço começou a pairar sobre sua mente, nublando seus pensamentos. Édna apareceu pouco depois com dois cobertores antes de dizer um suave “boa noite”.

— Édna. – Thomas chamou, arrumando os cobertores preguiçosamente. – Você vai mesmo me levar para casa?

— Claro! Eu prometi! – Édna disse, seu tom um pouco desgostoso. – Amanhã, depois da gente falar com Êkila, tudo bem?

Thomas deu de ombros e simplesmente desejou um “boa noite” para a Transfiguradora. Ele tentou ajeitar os cobertores mais uma vez – ambos não eram grandes o bastante para ele – mas logo desistiu. Ele se sentou, dando uma olhada na sala escurecida. As lâmpadas em forma de flor estavam viradas para baixo, o que de algum modo diminuía seu brilho.

O cansaço ainda estava ali, mas algo havia surgido com as palavras de Édna. Thomas não podia ficar ali, mesmo que só por uma noite, ele tinha que voltar para casa antes do amanhecer ou seus pais entrariam em pânico ao encontrar seu quarto vazio!

— Tem que ter um jeito de sair daqui...

Thomas levantou com cuidado, tentando não fazer barulho. A toca estava silenciosa, como se ninguém vivesse ali. Ele caminhou até a cozinha, chegando à porta ao lado do fogão. Infelizmente, ela não se moveu.

Thomas não se lembrava de ter visto alguém a trancando. Ele sabia que era para manter os perigos da floresta lá fora. Mas ele se perguntava se tinha sido trancada para manter algo dentro.

Pensar naquilo não ajudou. Então ele era um prisioneiro, tinha mesmo sido raptado. Isso explicaria por que Édna ficava irritada quando ele pedia para ir embora. Mas não, ele não seria assim tão bobo... Não na vida real.

— É um sonho, só um sonho... – Ele já tinha repetido isso tantas vezes, e cada vez era mais difícil de acreditar.

Thomas tinha tido sonhos lúcidos antes, sonhos que pareciam ser a realidade. Esse tinha que ser um deles. Mas parte dele dizia que não era. Nenhum sonho antes tinha se sentido como aquele, tudo era tão real. Ele podia jurar que realmente sentia os cobertores quando se deitou de novo, assim como os travesseiros; até parecia que seus pés continuavam cansados por causa da corrida pela floresta até o banco...

O bom é que ele acordaria no dia seguinte de volta em sua cama e de volta para a vida normal de qualquer jovem normal de quinze anos...

Vá dormir logo.

Thomas se perdeu em devaneios...


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Notas finais do capítulo

Curiosidade:
Enquanto a versão original do poema foi escrita em português, eu o modifiquei e o escrevi completamente na língua do Grande Reino (a língua Magúss) e então traduzi de volta para o português. Se você notar, de duas em duas linhas, as primeiras palavras possuem a mesma primeira letra, enquanto as últimas palavras possuem as mesmas letras finais, isso é algo comum em poemas escritos nos tempos de San Iak no Grande Reino.



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