Mais um ano estava para terminar. A grande e iluminada árvore de Natal na entrada do shopping anunciava a chegada da data tão amada pelo comércio.

Para o Ocidente, o Natal possuía uma conotação religiosa e moral, ideia de recomeço, perdão, alegrias e passar tempo com a família. Aquela receita de bolo, ou melhor, biscoitos clássica de filmes estadunidenses, ainda que a data esteja sendo cada vez mais manchada pelo avanço desenfreado do consumismo.

Claro que uma data tão famosa acabaria chegando ao Japão, mas de uma maneira diferente. O romance assume a dianteira e é justamente por isso que Shino avistou muitos casais assim que cruzou as portas automáticas do shopping.

Aquele lugar parecia um formigueiro, porém não tão organizado ou interessante quanto um. Quanto mais rápido terminasse, mais rápido voltaria para casa. Estava observando o processo de crisálida de uma lagarta que poderia eclodir a qualquer momento. Se a insistência de Kiba o fizesse perder aquele momento...

Seguiu a passos ágeis até a praça de alimentação, tentando encontrar o Inuzuka. Seu celular vibrou no que possivelmente deveria ser mais uma mensagem dele, a qual Shino sequer se deu ao trabalho de visualizar.

Encontrou-o sentado a mesa, terminando o que parecia ser uma segunda tigela de ramén.

— Cheguei!

— Finalmente! — o rapaz falou, levantando-se. —Achei que só chegaria amanhã de manhã.

— Eu estava ocupado com algo importante.

— Ainda aquela crisálida? — Kiba questionou, mas não precisou de resposta para continuar. — Relaxa! Ela vai estar exatamente da mesma maneira quando você voltar.

Shino suspirou e arrumou os óculos.

— Assim espero. Sabe o quanto é difícil ver uma metamorfose acontecendo no inverno?

O olhar perdido de Kiba denunciou o total desconhecimento pelo assunto.

— É bem raro. — disse por fim, mudando de assunto. — Você me disse que precisava de ajuda. Para quê?

Kiba voltou a se acender.

— O aniversário da Hinata está chegando. Achei que seria legal se a gente desse um presente para ela.

— Você me chamou até aqui só para isso? — apesar dos óculos, Kiba pôde ver a sobrancelha do Aburame arquear. — Acho que você consegue fazer isso sozinho.

Deu as costas para ir embora, mas foi impedido por Kiba.

— Qual é, cara! Só se faz dezesseis anos uma vez na vida. Ela merece algo especial.

— Diga-me, Kiba: por acaso tem alguma idade que fazemos mais de uma vez?

A fala fez o Inuzuka revirar os olhos.

— Ela está namorando o Naruto. Ele quem deveria estar preocupado em dar um presente para ela e não você.

Shino apenas encarou o outro resmungar algo sem, contudo, sair do seu caminho.

— Somos um time há três anos e nunca demos nada para ela. Hinata é uma garota legal, se preocupa com a gente. O que tem de errado querer dar um presente?

— Sim. Ela é. — Shino concordou. — Mas precisávamos vir na véspera de Natal ao shopping? O aniversário dela é só dia 27.

Kiba deu um sorriso maroto.

— Mas aí eu não ia ganhar várias amostras grátis. — tirou um bombom do bolso. — Quer um?

— Dispenso. Vamos logo!

Quase todos os restaurantes estavam cheios. No cinema, a fila era composta quase totalmente por pares. Um banner anunciava uma promoção para os casais que resolvessem assistir a nova comédia romântica que estreava.

— Minha irmã adora essa atriz. — Kiba comentou. — E minha mãe, o ator. Ela disse que se fosse uns anos mais jovem, com certeza ele seria meu pai.

O rapaz fez uma careta ao fim.

Shino olhou rapidamente para o pôster do filme. Definitivamente não era o tipo de trama que chamava sua atenção, mas pôde visualizar Sai e Ino na fila. A animação dela era quase palpável. Ele se mantinha neutro como sempre.

Kiba seguiu de loja a outra, parecendo olhar tudo e não prestar atenção em nada ao mesmo tempo.

— Você tem ideia de presente?

— Nenhuma. — Kiba deu de ombros. — Por isso te chamei. Alguma ideia?

Shino olhou ao redor.

Flores e bombons traziam uma sugestão romântica que não existia. Roupas pareciam algo íntimo e tendencioso demais. Não poderia ser nada caro, pois sabia que Hinata não se sentiria confortável.

— Que tal dar sementes?

— O que? — Kiba o encarou.

Estavam ao lado de um urso de pelúcia enorme e ele sugeria sementes?

— Se Naruto tiver um pingo de romantismo, dará algum desses presentes clichês. Como é um presente de aniversário de um amigo, melhor dar algo que não cause nenhuma sugestão errada.

Kiba refletiu por um instante.

— Hinata significa "em direção ao sol". Então...

— Sementes de girassol. — Shino completou. — Ou poderia ser algo comestível também como pimenta ou morangos. Ela parece gostar bastante.

— Você gosta de morangos. — Kiba disse, deixando Shino um tanto surpreso. — Mas é uma boa ideia.

Kiba saiu na dianteira e seguiu para a loja de produtos naturais. Ficava do outro lado do shopping, possuía uma saída própria para o exterior e era um enorme contraste com toda claridade, tecnologia e luxo interno.

As paredes de vidro davam um ar de estufa bastante bonito. Ao ver a quantidade de verde e o cheirinho suave de terra molhada, Kiba teve certeza que Akamaru adoraria fazer uma visita ao lugar, causando-lhe um grande prejuízo.

— Shino, você que entende melhor dessas coisas, pode ir comprando o presente? Acho que vi ali um lugar que vende dango.

Antes que Shino pudesse responder, Kiba tinha desaparecido.

O Aburame seguiu para o interior da loja. Pelo menos ali havia mais calma. Aparentemente plantas vivas não eram tão atrativas para casais e as poucas companhias humanas ali presentes eram de duas senhoras falando sobre suas hortas e pragas com a balconista.

Shino observou a parte "seleta" que guardava algumas espécies de plantas carnívoras. Aquilo o fez pensar em sua crisálida. Precisava achar logo as sementes e voltar para casa.

Acabou optando por sementes de girassol, morangos e pimenta. Hinata gostava muito de comer, então sabia que de pelo menos alguma das opções ela gostaria. Aproveitou para comprar um par de luvas e um avental de jardinagem. Aquilo com certeza faria do presente mais útil.

Ao sair, esperou por Kiba alguns minutos. Procurou na loja de doces mais próxima, onde achou que o rapaz estaria aproveitando as amostras grátis, mas nenhum sinal dele.

Pegou o celular para mandar mensagem, porém a notificação de quatro chamadas perdidas o preocupou.

O contato de Kiba apareceu novamente no visor e Shino atendeu.

— Finalmente! — o rapaz comemorou.

— Onde você está?

— Praça central. Vem aqui agora! Preciso de você.

O tom urgente fez Shino apressar o passo.

Conforme se aproximava, via as paredes e portas que vidro que davam ao ambiente circular que simulava um espaço aberto por meio da claraboia. Era tão bela quanto artificial, visto o chafariz no centro e a grama sintética que cobria o piso.

Assim que o olhar de Kiba o encontrou, tratou de arrastá-lo para dentro da praça, deixando uma quantidade curiosa de pessoas do lado de fora, estranhamente interessadas nos poucos ali dentro, o que incluía o ele e o Inuzuka.

— O que está acontecendo?

— Nos inscrevi num jogo de dupla. — disse baixo enquanto fingia arrumar o casaco de Shino. — Vale um Play Station 5. Me ajuda, vai?!

Antes que Shino pudesse protestar, um homem tomou a palavra e a atenção de todos:

— Véspera de Natal! Uma data linda para presentear. Nós, do Konoha Shopping, resolvemos fazer um joguinho com nossos clientes mais apaixonados. — o homem de macacão verde e cabelo Joãozinho ressaltou a última palavra.

— Isso aqui é um jogo de casais. — Shino murmurou e sentiu Kiba agarrando sua mão. — O que está fazendo?

— O prêmio é um PS5. Colabora!

O homem se apresentou como Maito Gai e se aproximou de cada casal individualmente, fazendo perguntas como se estivessem num programa de TV. Não estavam, né?!

Quando chegaram neles, Shino sentiu uma gota de suor escapar por trás da orelha.

Aaah se tivesse ficado em casa com sua crisálida...

— Kiba Inuzuka, não é mesmo? — Gai os abordou. — Eu fiquei mesmo muito feliz quando vi sua animação em participar do jogo, ainda mais por serem um casal tão jovem. Isso que quero dizer com aproveitar a força da juventude. Amar bem não importa quem.

Shino ouviu alguns aplausos. Se Gai mantivesse o roteiro, faria para eles as mesmas perguntas genéricas que tinha feito para os dois casais anteriores e ninguém descobriria aquela farsa.

— Diga-me: há quanto tempo vocês se conhecem?

— Estudamos juntos há anos. — Kiba respondeu.

— E quando começaram a namorar?

— Tem uns quatro meses. — o rapaz continuou, bastante convicto da farsa que acabara de criar.

— E quando você se deu conta que estava apaixonado?

Shino esperou a resposta, mas não veio. Sentiu uma cotovelada e notou que Gai estava falando com ele.

— Ah! Desculpe! — foi a primeira fala inteligível que veio a mente.

— Ele não está acostumado a receber tanta atenção. — Kiba justificou, apoiando a cabeça no ombro do Aburame.

— A sua me basta, meu anjo.

A fala surpreendeu o próprio Shino, que naquele instante se sentiu num clichê de relacionamento falso. De fato, era o que estava vivendo.

— Ele é romântico. — Gai elogiou, o que resultou em mais aplausos, voltando-se para todos os casais. — A disputa será realizada em três etapas e nossos jurados que vão escolher qual será o casal vencedor.

Gai abriu a porta e escolheu três pessoas que estavam por ali aleatoriamente. Duas que eles jamais viram e outra que fez Shino encarar Kiba de maneira cortante. Ninguém menos que Iruka, o antigo sensei deles.

O primeiro jogo contou com cinco perguntas para cada um deles. Todos possuíam uma pequena lousa e caneta. Os casais estavam separados por um biombo. De um lado, Kiba e os dois namorados, enquanto Shino estava entre as duas mulheres.

As perguntas eram feitas sobre os companheiros e ganhavam pontos de acordo com as respostas compatíveis. Para um romance de mentira, pontuaram sete vezes. Ele tinha errado duas perguntas quanto a Kiba, que acertou quase todas sobre ele. Sinal que estavam mesmo passando muito tempo juntos graças a escola.

O segundo jogo era um clássico que já tinha visto na TV, realizado com famosos em programas de auditório para causar comoção nos fãs, além de render assunto para empresas de fofoca. O tão famigerado "pocky game".

Estava frente a frente com Kiba e a diferença de altura naquele instante quase o fez querer rir. Quase.

Tinha protestos em mente devido ao jogo anterior, todavia todos desapareceram quando encarou Kiba. Havia algo de diferente em seu olhar. Traços de mistério unido a uma dose de êxtase selvagem.

Preparados, a buzina deu início ao jogo e Kiba começou a morder o doce. Ainda assim, não parecia o suficiente. Não para ganharem o prêmio que ele queria tanto. O modo como se aproximava de Shino na ponta dos pés mostrava como a diferença de altura parecia estar sendo um desafio.

De ímpeto, Shino segurou seu rosto com as duas mãos e encurtou rapidamente o biscoito até seus lábios estarem unidos.

A buzina tocou mais uma vez anunciando o fim do jogo e eles se afastaram.

— Acho que nosso Shino não é tão tímido assim. — Gai falou, dando um toque no ombro do Aburame antes de anunciar que foram os vencedores da partida.

O terceiro jogo trazia a luz o lado mais romântico do casal: uma verdadeira declaração de amor.

Shino olhou para Kiba como se esperasse alguma solução para isso. O outro o encarou de volta. Seus olhos ainda traziam o mesmo êxtase de antes, agora com o dobro de determinação.

O primeiro casal fez um discurso clássico de doramas. Na verdade, Shino quase podia jurar já ter ouvido aquela declaração antes. Ou talvez fosse apenas muito clichê mesmo.

Gai fez questão que fossem o segundo casal. O homem parecia bastante animado com eles dois, por motivos óbvios de serem rapazes fugindo do convencional.

Kiba segurou as duas mãos de Shino, o que atraiu seu olhar imediatamente.

— Quem diria que um dia eu estaria aqui, no meio do shopping, me declarando para o cara mais sem graça da turma? — ele sorriu. — Com certeza é o que o Kiba de oito anos falaria. Aquele que fugia da aula para brincar com Akamaru porque não conseguia parar quieto numa sala de aula. Ele nunca reparava além do esquisitão doido por insetos da sala. Até que crescemos e viramos um time. Estudos, trabalhos, tínhamos que fazer tudo juntos. Eu, que não parava quieto, com você, um caladão mandão, e Hinata, que ainda é um doce. Por algum tempo, eu até achei que estivesse gostando da Hinata. Ela era boa comigo. Ainda é. Cuida da gente e me apoia mesmo quando você implica comigo.

Kiba fez uma pausa, encarou os próprios pés antes de levantar o olhar para Shino novamente.

Estava corado.

Algo tão simples e tão natural que provocou uma sensação nova no interior de Shino. Deu muito mais profundidade àquele comichão que sentia na barriga.

— Até que um dia eu simplesmente sonhei com você. E a gente se beijava. É, foi bem estranho. Eu lembro que nem falei contigo direito por uma semana.

Kiba mordeu levemente o lábio inferior, dando um sorriso desconcertado em seguida.

Um dos orgulhos de Shino quanto a si mesmo era a memória. Ele lembrava de muita coisa e aquele episódio em que Kiba estava atípico o preocupou. Recordava de perguntar a Hinata se algo de errado tinha acontecido. E então...

— Foi quando você me chamou para comer ramén no Ichiraku e disse que podia não falar muito, mas era um ótimo ouvinte. Que estaria disponível para mim sempre que eu precisasse de um amigo. Acontece, Shino, que eu não queria mais ser só seu amigo.

Kiba segurou o rosto de Shino e o puxou, depositando um beijo suave em seus lábios.

Naquele momento, Shino sentiu as bochechas queimarem. Inevitavelmente, ele corou.

Apenas quando a onda de aplausos cessou que Shino pareceu despertar do torpor que se encontrava.

O terceiro casal teve uma declaração mais rápida e impactante, inflamando a todos e conquistando palmas, assobios e felicitações, afinal não é todo dia que ocorre um pedido de casamento no shopping.

Obviamente que esse foi o casal quem venceu a disputa e levou o Play Station 5 para casa.

Depois de serem parabenizados e encorajados por Gai a seguirem com o amor que sentiam independente de qualquer preconceito que o mundo tivesse, Shino e Kiba foram liberados.

Seguiram até o estacionamento quase que completamente em silêncio.

— Acho que é isso. — Kiba se pronunciou. — Obrigado por me ajudar com o presente.

— Não foi nada. Acho que a Hinata gostará.

Shino entregou-lhe a sacola, colocando as mãos nos bolsos em seguida.

— Tenho certeza que sim.

— Uma pena que não tenha ganhado o PS5. Você estava bem animado.

Kiba pareceu surpreso por vê-lo mencionar sobre todo caso da disputa que tinha acabado de acontecer.

— Não tem problema. Eles mereceram.

Já tinha anoitecido, contudo não estava escuro. A pouca claridade do shopping que ainda os atingia possibilitou que Shino visse um rubor a mais ao redor das marquinhas vermelhas no rosto do Inuzuka.

Estava corado. Aquilo o fez se sentir bem de uma forma sem igual.

— Você sabia que a disputa era de casal, não é?!

Kiba assentiu.

— Então tudo isso foi planejado?

— A desculpa do presente foi. O jogo do PS5 foi um bônus. — o rapaz coçou de leve uma das bochechas. — Não dava para desperdiçar essa chance. Estamos falando de um PS5. Só doido ignora isso.

— É verdade? Aquilo tudo que falou lá dentro.

Kiba abriu os lábios para dizer algo, porém o passo de Shino em sua direção interrompeu as palavras antes que saíssem.

Seus olhos se encontraram e, mesmo através dos óculos, Kiba se sentiu desnudo, como se até seus pensamentos pudessem ser lidos naquele momento.

Comprovando isso, Shino segurou o rosto do rapaz e puxou-o para um beijo. Início lento, como se seus lábios se apresentassem e convidassem para uma dança mais ritmada e íntima.

Antes que se intensificasse demais, o beijo foi interrompido e foi a vez de Kiba dar um passo para trás.

— Eu sou tão irresistível assim? — provocou com um sorriso um tanto arrogante.

— Não sei dizer, mas... — Shino olhou para o relógio. — Ainda está cedo. Quer dar uma volta?

— Sério? Quer dizer que agora sou mais interessante que aquela lagarta?

Shino ponderou. Aquela filosofia servia bem para o momento.

— Ainda é véspera de Natal e eu diria que somos namorados até a meia noite. Depois podemos ver se virará borboleta ou não.

Um sorriso largo dominou o rosto de Kiba, orgulhoso do sucesso de seu plano.

— Sabe que essa é uma aposta em que você sai ganhando muito né?

— O que te faz pensar isso?

Kiba o encara como se a resposta fosse óbvia.

— Seu aniversário é só dia 23 de janeiro, mas já vai começar o ano com um baita presentão: Eu.