Crise de fé - Avatrice escrita por KodS


Capítulo 2
Negação


Notas iniciais do capítulo

Olá! Eu ainda não abandonei essa história, veja só! Começamos 2023 quebrando padrões.


Esse capítulo é inspirado na música Come Wake me Up do Rascal Flats, também chamada de Memórias em uma adaptação brasileira da banda Malta, mas ninguém liga para vencedores de reality de musica, nós vamos no green go.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808554/chapter/2

I can usually drink you right off my mind

But I miss you tonight

I can normally push you right out of my heart

But I’m too tried to fight

 

No primeiro dia, Beatrice acordou com uma forte dor de cabeça e tonta como jamais havia estado antes. Jurou que nunca mais entraria nas loucuras de Ava, não importava o quanto ela lhe encarasse com aqueles maravilhosos olhos castanhos. Não era adequado para uma freia e, tão pouco, para o seu organismo. 

Colocou o hábito, prendeu os cabelos e seguiu para o quarto da melhor amiga. Precisava garantir que a Irmã Guerreira estivesse em condições de se apresentar para o café da manhã com as outras freiras e a Madre Superiora. 

Todas conheciam o comportamento de Ava, mas vinha agindo com muita como uma verdadeira líder e Beatrice queria preservar isso.

Bateu na madeira da porta.

Esperou.

Mas não houve resposta.

Bateu e esperou outra vez.

Mas, novamente, foi ignorada.

— Ava?! — chamou, abrindo a porta com cuidado para não acordar a amiga, mas encontrou o quarto organizado, como Ava jamais conseguiu manter e ela sequer estava lá.

Por um minuto pensou que ela poderia ter acordado e ido comer sem Bea.

Quis acreditar nisso com toda a sua fé.

Mas a realidade a atingiu como um soco. A pior do que já havia sentido em sua vida, se espalhando pelo seu corpo e a tornando cada vez menor, mais frágil. Era como uma ferida aberta que alguém havia acertado com uma lâmina. 

O desespero que sentiu quando percebeu o que Ava queria fazer. Mal podia acreditar que havia sido tão burra, estava tão claro desde o início. 

A maciez de seus lábios quando encontraram com os dela, como aquele gesto tão simples havia lhe paralizado completamente, ela era uma guerreira, treinada a vida inteira para enfrentar qualquer coisa, menos para aquilo. Menos para Ava Silva.

E então a despedida. Ava em seus braços e o cheiro metálico de seu sangue em suas mão, o “eu te amo” que ela havia guardado por todo aquele tempo, ditos para o nada. Ava nunca saberia o quanto era amada, o quanto significava para Beatrice.

Não pode conter o grito que rasgou sua garganta, seu corpo inteiro tremendo com a realidade, as lágrimas rolando por seu rosto em profusão, sem que pudesse contê-las mais.  

Perdeu a noção do tempo em meio ao seu sofrimento, mas de repente sentiu um par de braços a envolvendo com carinho, descansando a cabeça em seu pescoço como Ava fazia. Mas não era Ava, os cachos não negro e curtos não pertenciam a ela, o cheiro do shampoo, a respiração, nada podia preencher o espaço vazio que surgiu em seu coração após a despedida. 

 

Yeah! the whole thing begins

And I let you sink in to my veins and I feel the pain like it’s new

Everything that we were everything that you said

Everything that I did and I couldn’t do

Plays through tonight.

 

Beatrice voltou para seu próprio quarto com os pés arrastando pelo chão de pedra. Camila tentou convencê-la a ir comer com as outras, passar um tempo sob o sol do dia bonito que fazia, mas ela apenas se negou. 

Seu corpo inteiro doía, como se houvesse perdido uma parte de seu próprio corpo e não fazia sentido aproveitar um dia, não fazia nenhum sentido que o dia nascesse tão bonito quando não havia nenhuma beleza em sua vida naquele momento. 

Se deitou na própria cama, encarando o teto enquanto esperava que o dia apenas passasse e terminasse. 

E então ouviu baterem em sua porta. 

Se levantou tão de repente que se sentiu tonta, limpou as lágrimas que haviam escorrido sem que ela notasse e arrumou os cabelos no lugar. Sabia que tinha o rosto inchado, mas isso não importava. 

Ava estava a sua porta, ela havia voltado para ela e não podia esperar nem mais um segundo para envolvê-la em seus braços, para beijá-la e dizer o quanto a amava. Dizer que fugiria para os Alpes, para a América, para a África, para a Antártica. Para onde Ava quisesse ir.

Beatrice estava disposta a largar o sacerdócio sem pensar duas vezes desde que isso significasse nunca mais deixar Ava. 

— Esperava outra pessoa?

Mas não era ela quem batia em sua porta. 

Beatrice podia se sentir cada vez mais distante de sua fé, sim, em parte isso tinha a ver com seus sentimentos por sua melhor amiga, mas a maior parte era culpa de Vincent. 

Havia tido dificuldades em perdoá-lo desde a libertação de Adriel, mas, agora que ela havia perdido Ava, sabia que jamais poderia deixar suas mágoas de lado.

— Eu não posso lidar com você hoje — resmungou, tentando fechar a porta e manter o padre distante, mas o homem colocou o pé entre a porta e reclamou quando Beatrice insistiu em apertar a porta. 

— Por favor, Beatrice… — ele respondeu, fazendo força contrária para tentar entrar.

Em um estado normal, Beatrice não teria dificuldade em esmagar os pés do padre contra o batente, mas não tinha mais forças. Seu corpo apenas implorava para voltar para a cama e se isso significava ter que aguentar Vincent…

Talvez ela devesse ter seguido Ava pelo portal.

  

Turn the TV out low just to drown out your voice but I can’t forget

Now I’m out of ideas and baby I’m down to my last cigarette

You’re probably sleep deep inside of your dreams

While I’m sitting here crying and trying to see

Wherever you are, baby now I’m sure that you’ve moved on

And aren’t thinking twice about me and you

Tonight 

 

Beatrice se sentou contra os seus travesseiros, encarando a parede sem graça à sua frente, agarrando um travesseiro em frente ao corpo, uma forma de mantê-la ancorada e impedi-la de chorar em frente ao seu inimigo. 

Vincent se sentou na ponta da cama, distante o suficiente dela. Não tentou abrir as janelas ou levá-la para fora, não tentou consolá-la e Beatrice se sentiu grata por isso.

— Você não queria deixar o arco, e é grande e forte demais para te levarmos contra a sua vontade, então usamos um tranquilizante. — ele disse de repente, brincando com algo que trazia entre as mãos. — Sinto muito!

Beatrice continuou sem responder, mas ao menos sabia porquê havia acordado tão perturbada naquela manhã. Não era apenas uma reação ao desaparecimento de Ava, era o resto do efeito do tranquilizante deixando seu sistema.

— Ela não vai voltar, Bea. — falou em um suspiro — Eu prometi que não contaria a você, mas mantivemos escoltas nos escombros. Ava não voltou e já fazem dois dias. — ele respirou e ajeitou os pés à sua frente. — Talvez ela não tenha sobrevivido.

Beatrice sentiu o nó em sua garganta aumentar. Não havia se dado conta do quanto acreditava que Ava iria voltar, não até agora. 

Se ajeitou na cama, apertando o travesseiro com mais força contra si e tentando controlar as lágrimas que tentavam rolar novamente. 

— Eu ainda sinto ela aqui. — sussurrou para o nada e soube que era verdade no mesmo instante. — É sobre isso a fé, não é? — perguntou ao padre — Acreditar independente das provas?

Vincent se levantou e largou o que trazia sobre a mesa. 

Só agora Beatrice podia ver que se tratava de uma garrafa de vidro escura e sem rótulo e soube na hora do que se tratava. 

— Eu sei que não deveria, mas acho que isso pode ajudar você, ao menos mais do que a boa vontade de suas irmãs. — ele respondeu — Eu não espero que você me perdoe, o que eu fiz é imperdoável! Mas eu vou cuidar de você como Ava faria. 

Beatrice não olhou para ele. 

— Não diga o nome dela! — resmungou. — Não quando você sabe que foi o culpado. 

Vincent não discutiu, ele sabia que não valia a pena. Apenas o tempo poderia curá-la e talvez nem isso. 

 

Tonight your memory burns like a fire

with every one it grows higher and highers

And I can’t get over it

I just can’t put out this love

I just sit in these flames and pray that you’ll come back

Close my eyes tightly hold on and hope that I’m dreaming

Come wake me up

 

Havia fechado bem as janelas, impedindo que o som dos treinos ou a luz do sol a alcançasse e então começou a rezar, mas algo continuava a afastando da concentração que precisava.

— Bea!

A voz de Ava parecia ricochetear pelas paredes, como se ela estivesse ali, naquele quarto junto dela, mesmo sabendo que era impossível. Não queria acreditar em Vincent, a razão lhe dizia que Ava já havia seguido em frente, mesmo que estivesse viva, não iria mais voltar.

E como poderia? Como a grande força criadora do universo poderia não querer manter Ava com ela para o resto da eternidade? A sua Ava com as piadas constantes e inconvenientes que ela havia aprendido a amar, com o sorriso sincero, os olhos doces e aquela fome de vida.

Sua Ava que havia passado por tanta coisa e sobrevivido. Que havia conhecido a morte e voltado mais forte. 

Por que era tão absurdo acreditar que ela ainda estava viva em algum lugar lá fora? Que ela estivesse buscando uma forma de voltar para ela?

— Bea!?

Ainda podia ouvir a voz dela a chamando, buscando por ela. 

— Eu estou aqui, Ava — ela respondeu em um murmúrio.

Se Deus podia ouvi-la do outro lado, por que Ava não poderia? 

Sua mente já não estava mais vazia como deveria estar em sua oração. Havia se enchido das lembranças de Ava, dos treinos matinais nos Alpes, da primeira vez em que a viu frágil, depois que a Madre Superiora a contou sobre sua morte, da forma como havia se encaixado perfeitamente contra o seu corpo.

E como continuava a abraçando daquela forma por todo o tempo em que estiveram juntas. 

A primeira vez em que assistiram TV juntas, um programa de auditório ruim da Suíça, enquanto tomavam sorvete e comiam pipocas. Ava estava com as duas pernas dobradas sob o corpo no estofado e Beatrice perdeu um longo tempo encarando com a boca cheia, torcendo pelo candidato que queria que ganhasse.

— O que houve? — perguntou Ava, lhe encarando de repente e Beatrice perdeu o fôlego. 

 Chacoalhou a cabeça, tentando focar em qualquer coisa que não fosse a beleza simples e delicada de Ava. Ela havia cortado o longo cabelo recentemente na época e os cachos caiam pouco abaixo das orelhas, deixando o pescoço exposto. 

— Você tá um pouco suja aqui. — respondeu, apontando para um ponto no próprio rosto.

Ela esfregou a sujeira de sorvete com o polegar e, então, o colocou entre os lábios e chupou a sujeira. Era algo tão ingênuo e tão… Beatrice havia perdido as palavras, seu corpo tomado pelos arrepios que passavam por sua pele e a freira sentiu que via algo que não deveria. 

— Pronto?

Beatrice apenas balançou a cabeça e tentou se distrair. 

Mas esse momento ainda passavam pela sua cabeça vez ou outra. Havia se alojado em algum local no fundo da sua mente e se recusava em ir embora, agora não queria que fosse.

Queria guardar cada lembrança de Ava como o seu bem mais precioso.

 

I know that you’re moving on

I Know I should give you up

But I keep hopping that you’ll trip and fall back in love

Times not healing anything

No baby, this pain is worse than I ever was.

 

Beatrice não encontrou forças para ir jantar, mas isso não importava, ela precisava começar a passar uma normalidade para suas irmãs e, principalmente, acalmar Camilla, que parecia desesperada com o seu bem-estar. 

Na primeira vez que jantaram juntas, Ava havia sido ignorada e evitada por cada uma das freiras. A maior parte delas havia morrido agora e Beatrice se sentia culpada por não ter se sentido tão abatida com a falta de suas irmãs como se sentia por Ava. 

Mas isso não importava, não era? Porque nada disso era sobre ela. Todo mundo estava seguindo em frente, vivendo suas vidas e se preocupando com o dia de amanhã, mas ela continuava ali, encarando a porta na espera de que sua melhor amiga passasse por elas e corresse para se sentar ao seu lado, para abraçá-la.

Por que não podia simplesmente se curar? Por que não podia fazer parar de doer?

Voltou para o quarto após terminar o jantar e então rezou mais uma vez. Rezava para que Ava pudesse ouvi-la de onde quer que ela estivesse.

 

I Know that you can’t hear me but

Baby, I need you to save me tonight.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu amei esse capítulo, eu sei que ninguém liga, mas eu amei!
Eu estou babando meu próprio ovo, mas é isso.
Beijos e até quinta.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Crise de fé - Avatrice" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.