Príncipes escrita por MaruMarinhoMar


Capítulo 2
Mágissa: O Reino Dos Humanos Mágicos


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado a minha prima que é uma das minhas pessoas preferidas do mundo, que viu esta fanfic nascer e que mesmo que passem os anos, nunca demonstra sequer um pingo de cansaço em me ver contando essa mesma história pela milionésima vez seguida. Obrigado por ler e fiquem com o primeiro capítulo!



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Os humanos mágicos separaram-se dos comuns por sua enorme soberba.

 

Kim Seok-Jin

" Eu passei a maior parte da minha vida sendo alegremente invisível. Quando se tem dois irmãos que chamam muita atenção, o do meio vai sobrar, é apenas o jeito que as coisas são e isso também nunca me foi um empecilho. Eu tinha uma liberdade muito maior do que a dos outros membros da minha família, então passeios despreocupados pelos mercados cheios ou pelos jardins do palácio eram a minha rotina despreocupada. Me sobrava tempo para visitar clandestinamente a cozinha, ou então dar passeios a cavalo perto da fronteira do norte.

 

  Enquanto minha mãe se ocupava tentando resolver o 'problema' de minha irmãzinha, meu irmão mais velho cumpria seus deveres como um herdeiro e meu pai reinava sobre Mágissa, eu acabava apenas com minha própria companhia pacífica. Eu não tinha tantos deveres, nem muitas obrigações, muito menos uma agenda cheia ou olhares sobre mim, como tinha meu irmão. A vida era boa e despreocupada, até um tanto atenuante da realidade se quer saber, mas era minha vida e era o bastante. Estava bastante confortável com a ideia de que meu irmão seria rei, eu e minha irmã seriamos príncipe e princesa e Mágissa seria a mesma como sempre. Mas a vida é incerta... quando você menos percebe, tudo está de cabeça para baixo e você sequer teve tempo para processar. Como que aquilo foi acontecer? Era tudo o que passava por minha mente:

'O Rei e o Príncipe Seok-Joong estão mortos'

  Minha mãe disse tais palavras em frente ao reino da maneira mais corajosa que pôde. Era uma rainha que não se deixava abater na frente de seus súditos, a mulher mais forte que havia ao meu redor, mas não era difícil de saber o quanto estava sofrendo. Eu olhei para Seok-Ki, mas minha irmã apenas parecia desapontada, olhava para os próprios pés com uma expressão azeda no rosto e parecia querer gritar. Os súditos na praça central da cidade tinham os rostos baixos em silêncio durante o pronunciamento real, ou pelo menos assim ficaram até serem lembrados da existência do príncipe Seok-Jin. Minha mãe me chamou para ficar em pé ao seu lado enquanto me anunciava como o mais novo futuro rei. E assim pude sentir, figurativa e literalmente, o peso da coroa de meu irmão sob minha cabeça. Todos olharam para mim e o que era um silêncio respeitoso virou um burburinho, a razão disso era mais que óbvia:

'O Príncipe Seok-Jin? Acho que estamos perdidos...'

'O Seok-Joong tinha cara de rei, Seok-Jin é... delicado demais.'

'Antes ele do que aquela tal Seok-Ki!'

  Eu estava tão apavorado que sequer podia pensar direito, agora que tudo era sobre mim, o que eu ia fazer? Só o que consegui foi congelar por uns cinco minutos e deixar de uma vez por todas de ser invisível, com tanta vergonha como se todos estivessem me vendo nu. Com vergonha de ser eu ali, vergonha de simplesmente não ser qualquer outra pessoa na terra, vergonha por não ser o meu irmão. Quando voltei a mim, apenas disse ao povo que trabalharia duro para ser um ótimo rei, e ainda um tanto atordoado, me calei e voltei para a direita de mamãe. Olhei para o lado e não vi Seok-Ki, me perguntei quando ela havia saído e se havia sido a muito tempo, eu sequer tinha percebido. Como aquilo foi acontecer?"

[...]

  A tristeza tomava meu coração sempre que sonhava com aquelas memórias desagradáveis que faziam-me acordar com a desprezível sensação de estar revivendo cada uma delas, vivenciar aquele dia uma vez só já era mais do que o bastante. Kim Seok-Jin agora era outra pessoa completamente diferente! O amargo apenas desapareceu de minha boca quando finalmente observei o relógio e ele marcava oito horas da manhã. Se meu objetivo fosse seguir a estrita rotina que havia me mantido na linha por esses três anos, eu já comecei falhando, deveria ter levantado duas horas atrás. Não é que estivesse atrasado, pelo menos não ainda, já que minha primeira tarefa oficial do dia era às oito e meia da manhã, conhecida como "aula de gestão de reino". Mais como um tempo para aprender sobre Mágissa e sobre como lidar com crises governamentais e menos como uma aula, a gestão de um reino demandava estudo profundo de diversas áreas e para isso é que eu deveria dedicar meu precioso tempo, para o povo Mágisso.

  Mas antes de tudo isso começar, eu acordava às seis em ponto e "fugia" em direção ao riacho que ficava na floresta atrás do castelo, um pouco antes da fronteira do norte. Era minha hora preferida do dia, até porque era quando eu poderia treinar meus feitiços da forma como achasse melhor. Sentir o formigamento em seus dedos se transformar em feitiços dos mais diversos era como provar um prato saboroso de comida, precedido de uma incerteza que resulta numa explosão de sensações! Eu amava a magia mais que tudo, até os feitiços de ataque, que eram meus menos queridos, tinham suas especificidades que os faziam merecedores de minha admiração. Como príncipe era importante lutar mesmo que não fizesse meu estilo, acho que se pode dizer que minha magia era muito mais utilitária do que destrutiva ou mesmo defensiva. Mas bem, naquele dia tão singular, eu não pude ir ao riacho pela manhã. O destino fez as coisas de maneira engraçada e boba, mas ao ver as horas, apenas achei que o universo estava querendo era me prejudicar! Aquele dia que fora tão singular já era muito importante antes mesmo do destino ter agido sobre ele. E apenas para começar bem, eu estava nervoso e com um potencial atraso em mãos.

  Após engolir o café da manhã e tomar banho como se me faltassem segundos para respirar, me vesti relendo tudo aquilo uma última vez. O trabalho sobre mitologia histórica ficara esquecido, afinal ele não era a estrela do dia! Aquele que era verdadeiramente importante estava em minhas mãos, um tanto amassadinho pela tensão em seus dedos à medida que me dirigia a sala de reuniões, onde o parlamento viria a meu encontro. Muitos podem achar que o trabalho de um rei é apenas sentar em uma cadeira e dar ordens com uma coroa na cabeça, e eu não mentiria ao dizer que também pensava isso quando era pequeno. Tive que aprender do modo mais duro que não era bem isso. De certa forma foi bom, porque quando virei herdeiro eu passei a participar das sessões de ouvidoria reais, mas se olhar por outro ângulo... bem, você verá o parlamento de Mágissa. Nos tempos de minha infância eu via os senhores do parlamento e pensava:

"Que velhinhos fofos!"

  Todo inocente, como devem realmente ser os pensamentos infantis. Porém, depois de uma semana de convivência e tentativa de cooperação, passei a vê-los e imediatamente pensar:

"Nossa! Que velhinhos retrógrados, ignorantes, entediantes e que tem uma capacidade incrível de insistir em uma coisa que não vale a pena!!!"

  E com três exclamações no final para representar a minha revolta e total desaprovação com o comportamento daqueles senhores velhos estúpidos!!! A questão era que eu não conseguia me dar bem com aqueles senhores de maneira alguma. E uma vez que é o parlamento que aprova os planos e decretos do rei, era algo um tanto terrível. Tínhamos muitas opiniões incompatíveis desde o início, sendo a maior de todas aquela do qual jamais poderia abrir mão, jamais. Eu não diria que era alguém inflexível ou difícil de lidar, inclusive acreditava ser um dos mais abertos a dialogar sobre meios de fazer o que eu sonhava se tornar uma realidade, os verdadeiros durões ali eram eles! O Seok-Jin de três anos atrás fora forte o bastante para trazer nosso maior desejo a mesa mesmo quando não tinha muita certeza do que fazer, eu é que não iria trair a ele dando para trás quando estávamos cada vez mais perto!

  Três anos atrás, quando minha mãe disse que eles precisavam aprovar meu primeiro plano de governo, minha mente se encontrava diante de caminhos sombrios. Estava tão triste que só conseguia pensar em como queria que tudo aquilo acabasse naquele exato momento. Mas foi apenas ali dentro da escuridão que percebi que havia uma luzinha dentro de mim, aquela chama era a prova de que eu já sabia exatamente o que queria fazer! No outro dia eu mesmo convoquei a reunião com os nobres e lhes contei minha ideia. Eles ouviram, fizeram uma cara de desconfiança enorme e falaram que era inviável. Aquilo foi dilacerante de muitas formas. Eles não se perguntaram sequer uma vez na vida se aquilo tinha que acontecer? Minha mãe então, percebendo meus olhos se encherem de confusão, disse que talvez só fosse necessário que eu pensasse mais sobre a questão e amadurecesse minha ideia, e ela realmente tinha toda a razão. O que eu disse a eles não poderia ser apenas dito por dizer, era preciso conquistar! E assim eu fiz, dedicando três anos da minha vida a fazer um plano detalhado, maduro, coeso e irrecusável para o primeiro grande ato do meu reinado. Quanto mais eu estudava a questão, mais desafiadora e fascinante ela se tornava para mim. Quanto mais eu o colocava em palavras, mais tinha certeza que o desejava mais que tudo:

"O Tratado de Paz da Ilha de Theous"

  Eram simplesmente dez páginas apenas provando como a guerra não nos levará para lugar nenhum e só traz destruição e miséria. Depois da parte fácil vinham mais quinze páginas mostrando todos os sinais de que a população e até mesmo outros reinos já estão descontentes com a guerra e pensando em meios de reaproximar as nossas nações; tomei como exemplo Yvrídia, que nunca ergueu sequer uma muralha de terra, apesar de estar no meio–literalmente–da briga. Para finalizar com chave de ouro, eu escrevi um documento de 30 folhas frente e verso que explicavam com uma riqueza quase assustadora de detalhes toda a abordagem que teríamos com os outros reinos até conseguirmos uma assembleia com os sete reis; e depois como asseguraríamos quais direitos e proibições seriam acatados para alcançar um tratado de paz; mas a parte boa era a que mostrava as razões pelas quais os outros reinos iriam–por fim– assinar o documento, tudo baseado em um profundo estudo que fiz sobre as demais nações de Theous, utilizando tudo o que as bibliotecas de Mágissa tinham a oferecer.

  Aquele era o trabalho da minha vida, era o meu maior sonho. A única Theous que conheci ao nascer era uma tomada pela guerra, separada por cruéis fronteiras, manchada pelo sangue daqueles que caíram. Então perguntas me vinham a mente todos os dias desde que vi os olhos de meu irmão sem vida. Theous realmente já deve ter sido muito mais bonita, não é? É ingênuo de mim querer que os outros vejam isso? É ingenuidade querer ver com meus próprios olhos? Ver antes de morrer?

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  O parlamento lia meus documentos cuidadosa e metodicamente, palavra por palavra, sem deixar escapar nem mesmo uma vírgula. De vez em quando alguns arqueavam as sobrancelhas ou arregalavam os olhos, em uma incredulidade que de certa maneira, até me fazia pensar que eles finalmente haviam percebido o quanto estavam enganados acerca de minhas argumentações. Não se ouvia sequer uma palavra no cômodo, vez ou outra alguém pigarreava ou uma folha de papel era passada e aí haviam ruídos, mas as palavras mesmo já haviam deixado o cômodo a tempos. Eu me mantinha sentado com uma postura reta e confiante, me segurando para não sorrir e suspirar de alívio a cada página que era passada sem comentários adicionais. O "eu" que havia escrito aqueles papéis era o mesmo "eu" que havia passado três anos com a cara enfiada nos livros, mofando de tanto me espreitar por aquelas estantes anciãs, ouvindo as reclamações do povo de Mágissa durante as ouvidorias reais, sonhando. Eu estava pronto para ouvir algumas coisas, talvez responder uma dúvida ou duas, explicar esse ou aquele ponto, mas ninguém falava nada. Quando terminaram de ler, me encararam até eu não conseguir mais segurar a ansiedade:

"O que os senhores acham?"

  Eu era o homem mais orgulhoso do mundo, mas isso se provaria um erro de minha parte. Naquele dia nada aconteceu como eu achava que deveria ser, mas eram todas pequenas etapas que me levariam ao que realmente importava:

"Vossa alteza não nos entendeu, certo?"

  O duque Dak-Ho, um dos parlamentares, foi quem me respondeu com uma pergunta tão ambígua que se eu não fosse o príncipe, pensaria se tratar de deboche. O sorriso que antes estampava meu rosto se transformou em uma grande interrogação em questão de segundos. Nenhum deles parecia estar surpreso ou impressionado, me encaravam como se diante deles estivesse uma gralha barulhenta e irritante. Dak-Ho continuou a falar:

"Três anos atrás nós lhe falamos que era impossível. Hoje nós lemos uma versão aumentada daquilo que já recusamos. Você não pode estar falando sério sobre esse... delírio jovem!"

   A confusão deu lugar a raiva, devo ter ficado com as bochechas e o pescoço vermelhos. Era inacreditável, simplesmente impensável! Um afronte talvez! "Delírio jovem" não eram palavras com as quais você poderia descrever aquele documento, de forma alguma:

"Perdão? Senhores, eu não consigo entender! Temos todas as razões para acabar com essa guerra bem diante de nós! Esses três anos só serviram para provar como o reino dos monstros não mais representa uma ameaça! Três anos sem ataques, sem pressões, nem mesmo picuinhas! Três anos completamente parados, como deveriam ser todos os anos!"

   O parlamento retrucou, desdenhoso:

"Vossa alteza, não se esqueça do motivo de estamos em um cessar fogo. O luto do reino de Mágissa pela morte do rei, seu pai, do seu irmão, o príncipe!"

   Esquecer? Estavam brincando? Não era sequer possível fazer tal coisa, mesmo se quisesse muito! Será que não poderiam pensar pelo menos uma vez! Isso precisava acontecer?

"Mas isso não faz nenhum sentido! Se nossos declarados inimigos quisessem mesmo lutar para nos destruir, por que não atacariam justo quando estávamos mais vulneráveis? Se Térata é mesmo tão maligna ameaça, teria mesmo algum respeito por nosso luto?"

"Vossa alteza, enquanto a nação de Térata existir, ela será sempre uma ameaça maligna! Suas confabulações hipotéticas acerca das morais daqueles monstros não mudam o que eles são de fato: criaturas sanguinárias."

"ZÁCHARI E KOINÍ PENSAM DIFERENTE!!!"

   Ter gritado com o parlamento fora a maior imprudência cometida naquele dia por minha parte, mas na hora eu sequer pensei em tal falta de decoro. Záchari e Koiní eram os únicos reinos que apoiavam Térata, mas não foi assim sempre. Na época do terror dos monstros era cada um por si ou todos contra um, mas então os monstros se estabeleceram onde hoje é o reino de Térata e o terror simplesmente cessou, sem mais nem menos. Depois que se recuperaram da quase destruição, as demais nações da ilha declararam guerra ao reino de Térata como forma de conseguir vingança. Com a exceção de Tritons e Yvrídia, que se isentaram de lutar, todo o resto da ilha parecia se preparar para em conjunto, dizimar Térata. No entanto, a realidade tende a ser sempre surpreendente e em um movimento incompreensível na época, os reinos de Záchari e Koiní se aliaram ao reino de Térata. Formando o que ficou conhecido por "Aliança Sombria". Angeloi e Mágissa se mantiveram contra Térata e seus aliados, mas jamais se ajudaram formalmente ou se uniram, era cada um fazendo o seu. O parlamento arregalou os olhos ao me ouvir defender a Aliança Sombria. A resposta foi longa e fria, ainda definitivamente derrogatória para comigo. Isso era o bastante para saber que eles não superariam tamanha afronta nem tão cedo:

"Záchari é um reino de mercenários que ajudou quem pagou mais, enquanto que Koiní só queria alguém que protegesse seu povo fraco e intruso. Vossa alteza real não pode jamais rebaixar Mágissa ao nível de seus inimigos. Devemos pensar como mercenários ou como covardes? Que rei será esse que pensa como covarde ou como inescrupuloso? Você tem mais um ano até a data de sua coroação, pense em algo bom como seu irmão pensou até lá e deixe de ser insistente em algo sem futuro."

    Algo bom como meu irmão, não é? Que fosse:

"Senhores... eu irei me retirar. Não creio que haja algo mais a ser dito, com licença."

  Guardei meu projeto na bolsa e fui embora com o orgulho pisoteado. Algo sem futuro.... algo bom como meu irmão.

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  Os Jardins do palácio foram onde passei minha infância, não importava se estava feliz ou triste, se apenas queria ver as rosas ou estava me escondendo para colher algumas, ali era um refúgio seguro. Já faziam três anos que eu não podia ficar por lá matando tempo, estava ocupado demais investindo meu tempo em coisas sem futuro ou mesmo frequentando refúgios muito menos seguros. Tanto era, que não havia percebido que Seok-Ki era quem tinha criado o hábito de frequentá-los durante minha ausência. Ela se aproximou devagar e chamou atenção para o fato de eu estar chorando. Sentado naqueles bancos de pedra e emocionalmente esgotado, não era de se surpreender que as lágrimas desceriam por meu rosto. O que mais se pode fazer quando se está dolorido de tanta frustração? Seok-Ki sempre falava comigo em um tom desgostoso ou jocoso naquela época, não ia muito com a minha cara, realmente:

"Você foi muito ingênuo por achar que eles iam simplesmente aceitar e sorrir. Não fique triste por ter enchido tanto a própria bola. Achou o quê? Que bancando o pacifista idealista com seus papéis eles teriam uma epifania e bateriam palmas para você? Eles querem o Seok-Joong que era perfeito, não você. Se já sabe de tudo isso, o que está tentando fazer? Jamais será como nosso irmão e sabe disso, então por que está tentando tanto?"

    Ela era normalmente assim, sempre foi pelo que me lembro. Meu choro era um misto de decepção, culpa, raiva, inveja e várias outras coisas desagradáveis por entre as quais ela sabia ler direitinho. Seok-Ki tem esse pequeno problema no qual tende a estar certa na maioria das vezes e por tal habilidade, merece lá suas honrarias. Enxuguei os olhos com certa rapidez quando ela falou comigo, não deveria ficar tão desonroso assim, ainda mais sendo o príncipe:

"Ele não era perfeito..."

   Era tudo o que pude responder. Ela deu uma risadinha meio desdenhosa ao ouvir minhas palavras, todas as nossas conversas tinham esse tom, principalmente desde que ele partiu. Seok-Ki era bastante amarga quando falava, mas eu não poderia brigar com ela por isso. Eu jamais teria o direito:

"Acredite no que quiser acreditar, mas a verdade é aquilo que mais se diz. Nós somos dois imprestáveis de jeitos diferentes e nosso falecido irmão era o herdeiro perfeito, isso é o que se diz. Se tem algo que não podemos mudar é a forma como falam de nós, acredite em mim. Temos isso em comum pelo menos, meu irmão..."

   Ela falava o que queria e sempre deixava o finais em aberto, como se quisesse dizer mais alguma coisa que nunca realmente chegava a dizer, asfixiante. Talvez sua mente falasse e ela apenas não se importasse o suficiente para abrir a boca, mas Seok-Ki era assim mesmo. Depois de praticamente destruir com o humor de quem quer que estivesse dissecando, ela sumia sem terminar como se nunca nem tivesse estado ali. Eu ficava para trás e a via partir, sempre assim, sempre sozinha. Seok-Ki... me perguntava se um dia seriamos como deveríamos ser, sequer esperava pelo que nos aguardava o futuro. Quando senti que tinha forças para me levantar eu voltei aos meus aposentos. Precisava realmente escrever um pouco mais, devia ter faltado alguma coisa naqueles papéis e eu precisava descobrir o que poderia ser. Precisava melhorar, precisava fazer melhor, precisava ser ao menos 5% de Seok-Joong, mas era tão difícil. Foi na noite daquele que havia sido um dia tão singular, que após toda a minha tragédia pessoal, tomei a decisão que me levaria até ele.

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    Cavalgava rapidamente até o riacho da fronteira, já deveriam ser bem umas sete da noite, pois decidi que iria repor o treino de magia que havia sido perdido de manhã. No fundo, eu admitia se tratar mais de uma desculpa esfarrapada para não ter que ver minha mãe do que uma real preocupação com meu desempenho mágico, mas um treino a mais não faria mal algum e talvez até fizesse bem. Fugi das palavras de minha mãe como se fosse uma criança assustada, mas não era exatamente covardia. Apenas sabia que não precisava ouvir discursos reconfortantes como "vai ficar tudo bem" ou "talvez seja para o melhor". Precisava de algo que fizesse sentido, de algo que não me fizesse sentir como um idiota, talvez precisasse apenas de um lugar calmo onde fosse possível pensar naquilo que faltava. Na peça que eu precisava que se encaixasse dentro do meu coração e consequentemente das minhas ideias.

   Amarrei as cordas do cavalo e desci correndo em direção ao riacho. Um refúgio menos seguro, era o que ele era pra mim. Será que meu reflexo era capaz de mostrar toda a decadência em que se encontrava meu espírito? A água sempre será mais sincera que o espelho, então me olhei e só vi um desastre em um belo rosto. Aquele riacho era calmo e lindo como nenhum outro lugar em Mágissa, apesar de ser tão próximo da fronteira com o reino dos monstros, um refúgio não tão seguro, mas nada acontecia por lá. Era sempre fabuloso pelas manhãs, com os orvalhos brilhando como diamantes nas folhas ao receber o beijo do sol, mas era a primeira vez que eu via as estrelas refletirem daquele jeito nas águas noturnas, deveria admitir estar encantado mais que qualquer outra coisa. Meu coração bateu em um ritmo pacífico por algum tempo, pela primeira vez naquele dia que fora tão singular eu pude permanecer em pleno silêncio. O que estava prestes a fazer não era comum em Mágissa, mas o que mais havia para fazer? O que eu estava fazendo fazia sentido? Não importava, nada daquilo importava. Fechei os olhos e só consegui imaginar o lago refletor que estava diante de mim:

"As senhoras poderiam por favor mandar um sinal..."

    Eu não estava muito certo do que estava fazendo, não era algo que vinha da mente, era como uma súplica espremida diretamente da mais profunda incerteza em meu coração:

"Mesmo que seja sutil como o desabrochar de uma flor do campo será mais que o bastante para mim. Só... a direção para o qual deveria olhar?"

    Ali foi quando ele me dirigiu a palavra pela primeira vez:

"Não é incomum para os seus fazer algo desse tipo?"

   Era uma daquelas vozes penetrantes que você jamais conseguiria esquecer. Eu não tinha percebido que mais alguém estava por ali quando entrei correndo, então me senti profundamente envergonhado por tamanha falta de cortesia. Me virei de súbito, jurando que daria de cara com algum súdito que estava de passagem, mas eu não poderia estar mais enganado. Nossos olhos se arregalaram em surpresa ao nos vermos. Eu sabia muito bem que o conhecia, mas era incapaz de falar qualquer coisa que fosse. Já ele fora rápido e preciso, talvez um efeito do susto:

"O que o príncipe de Mágissa faz aqui?!"

   Lembro com precisão da sensação, era como se houvesse eletricidade no ar que eu respirava, meu corpo jamais havia se sentido daquela forma por simplesmente olhas nos olhos de outra pessoa. Apesar de ser príncipe desde o primeiro dia de minha vida, eu era uma figura que apenas muito recentemente ganhou alguma importância quando se falava do mundo da sucessão. As chances de alguém me reconhecer de primeira, ainda mais vindo de lá deveriam ser baixas e improváveis. No entanto, eu pedi uma direção para qual olhar e logo em seguida ele apareceu, minha mente pensava em apenas uma coisa:

"Me chamo Kim Seok-Jin, príncipe herdeiro do trono de Mágissa, o reino dos humanos mágicos."

   A expressão daquele diante de mim era um tanto indecifrável. Completei a apresentação educadamente e com o coração estranhamente calmo, deixado que minha voz transparecesse o indiscutível deslumbre por aquele que estava, surpreendentemente, bem diante de mim. Minha mente pensava em apenas uma coisa:

"É uma honra conhecê-lo pessoalmente, vossa alteza Príncipe herdeiro do trono de Térata... Kim Nam-Joon."

    Ao findar de minhas palavras, fiz uma reverência respeitosa, ainda que pouco exagerada, pois era impossível tirar os olhos dele. A vontade era de espiá-lo mais e mais a cada segundo, até conseguir decifrar completamente suas feições. Era ele, sem dúvida alguma. Mas estava diferente, haviam várias pequenas coisas diferentes, mas ainda era ele sem nenhuma sombra de dúvida. Seus olhos, era impossível resistir à tentação de olhá-lo nos olhos, aquela eletricidade atacava novamente os nervos de meu corpo e minha mente conseguia apenas pensar em uma coisa!

Tudo isso definitivamente não era apenas uma coincidência!


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Notas finais do capítulo

Olá, sou eu de novo. Essa é a terceira vez que tento publicar Príncipes e espero que seja a versão que mais vá amar. Espero que o capítulo tenha agradado nem que seja um pouquinho, ainda mais porque o objetivo é melhorar cada vez mais, espero conseguir isso. Desculpe qualquer coisa ou qualquer erro que possa ter passado despercebido. Obrigado por dar uma chance para príncipes. Até logo, lembre-se de que tudo aqui é magia.



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