The girl from LA escrita por Ka Howiks


Capítulo 3
capítulo 3: A garota de Los Angeles


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas! Como estão? Aqui vai mais um capítulo só que agora no ponto de vista do nosso maravilhoso Oliver Queen.
Peguem um chocolate e se sentem em um lugar confortável pois agora iremos viajar diretamente para Virgin River.
Boa leitura!



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Pov Oliver Queen

 

Eu não me considero um grande engenheiro, mas, em comparação a situação antiga a que o chalé se encontrava agora estava se tornando algo melhor. Claro que ainda faltavam muitas coisas, e ainda nos encontrávamos no processo de “derrubar paredes”, qual Roy, por seus sorrisos satisfatórios ao quebrar mais pedaços de madeira estava achando extremamente divertido.

— Harper? Ponha os óculos.- pedi ao ver filetas de madeira voarem em sua direção.

 

—Pode deixar.

 

Sorri ao vê-lo largar o martelo e pegar os óculos protetores. O que estávamos fazendo era segredo, e ninguém, em hipótese alguma( quando eu digo ninguém me refiro a uma pessoa de cabelos loiros) pode ter consciência disso. Estou ansioso para o momento em que ela descobrir e ver tudo pronto.

 

Espero que goste.

 

E que se sinta verdadeiramente em casa.

 

Não que isso seja fácil.

 

Faz um pouco mais de cinco anos desde que me mudei para Virgin River. Após retornar de minha última missão no exército e decidir me aposentar(embora tenha contrariado algumas autoridades, como a minha antiga chefe Amanda) consegui que, pelos meus serviços prestados e silêncio pelas minhas atividades( algo precioso) decidissem que eu merecia um descanso. A ideia em si no começo me parecia maravilhosa, voltar a viver como um civil comum, junto à minha família…

 

Não poderia estar mais errado.

 

Eu poderia ter saído da guerra, mas a guerra não havia saído de mim.

 

Os primeiros meses foram os piores. Minha casa não parecia minha casa, Thea estava com problemas, assim como minha mãe, que insistia em fazer nós dois nos juntarmos a empresa da família. Quando dei por mim estava estressado, bebendo mais do que deveria, tendo sonhos conturbados, e memórias que me enlouqueciam. O sentimento de não pertencer a lugar nenhum, o vazio… Era simplesmente torturante. O luto pelos amigos que se foram era constante até hoje, uma forma de punição eu acredito. Quando se tinha um cargo alto como o meu, prezar pela segurança de seus soldados é fundamental.

 

Mas eu falhei.

 

E nunca vou me perdoar por aquela missão.

 

Minha raiva deve ter se descarregado na marreta, que atingiu uma parede com brusquidão. Roy me olhou preocupado, mas não disse uma palavra, sabia como eu era reservado. Nos conhecíamos havia um bom tempo, desde quando pisei em Virgin River e o vi, bem mais jovem, ajudando o doutor Lance a descarregar o carro. Roy era um rapaz de bom coração, gentil, e namorado da minha irmã. No começo não posso dizer que fiquei feliz, já que sempre cuidei muito de Thea, mas quando a vi sorrir e se divertir, como a muito tempo não fazia, soube que iriam se dar bem, tão bem que minha irmã deixou de vez a cidade grande e se mudou para o interior, juntamente comigo, o que não deixou minha mãe nada feliz.

 

Ainda escuto suas reclamações em nossas ligações.

 

Thea viu em Virgin River um lugar calmo, com pessoas caridosas, dispostas a ajudar umas às outras, seja para levar a um mercado mais longe nas cidades vizinhas, ou até mesmo para carregar sua bolsa na rua, algo totalmente oposto à cidade grande. Quando a convidei para vir aqui, devido a seus problemas de ansiedade e infelizmente, na época, com substâncias ilegais, sabia que seu modo de ver o mundo iria mudar no momento em que pusesse os pés aqui.

 

O meu olhar mudou quando cheguei aqui.

 

Totalmente perdido.

 

Quebrado.

 

Sem querer viver.

 

Nunca soube explicar, mas algo sobrenatural me tocou no momento em que cheguei aqui. John, meu melhor amigo e também ex combatente, me convidou para vir o visitar, e quando cheguei, mesmo contra vontade, tudo mudou. Meu coração se aqueceu, e meus olhos se conectaram com a natureza. A forma que as árvores balançaram diante o vento, o barulho das águas que cortavam os diversos riachos da região, a paz inexplicável, dando a impressão de que eu estava em um lugar fora do planeta me tomaram de uma forma que eu quis voltar. Uma vez, duas vezes, três vezes…

 

Até de fato morar aqui

 

Eu gostava da comunidade, e ajudar as pessoas era algo que me fazia bem. Não fazia por querer créditos, mas sim porque acho certo. Eu sei, melhor do que ninguém, o valor de uma ajuda, e como isso pode fazer falta.

 

Especialmente para aqueles que não aceitam ajuda tão facilmente.

 

Ainda infelizmente sou assim.

 

Não que eu não aceite, mas às vezes não gosto de incomodar as pessoas. Todos têm problemas, e ao invés de encher as pessoas sobre os meus, prefiro ajudá-las, diminuindo o peso da bagagem. 

—Caramba, estão reformando ou terminando de derrubar o pobre chalé?

 

Tommy abriu a porta, com seu sorriso costumeiro provocativo. Ergui o martelo, o deixando sobre meus ombros e o encarei, perguntando o porquê que ele estava aqui. Tommy deu de ombros e mostrou uma sacola.

— Diggle falou pra trazer pra vocês. E eu como eu sou um amigo maravilhosamente prestativo…

— Curioso.- corrigi.

— Então concorda que sou maravilhoso?- seu sorriso se ampliou. Bufei em resposta.

 

Eu e Tommy éramos amigos de longa data. Ele já havia me ajudado em poucas e boas, mas haviam momentos em que eu gostaria de poder socar a sua cara para ver se ele conseguia, pelo menos por cinco minutos, calar a boca.

— Poxa, eu venho trazer um lanchinho e você me trata assim?- fingiu tristeza.

— Dê logo isso aqui.- peguei a sacola no ar no momento em que Tommy a jogou.- Obrigado.

— Não tem de quer.- seu olhar se dispersou pelos arredores.- Coitada, imagino o susto quando encontrou a casa assim. Mas ela vai gostar.

— Pode demorar um pouco, tem muita coisa pra fazer ainda…- suspirei cansado.- Mas damos um jeito.

— Eu duvido que demore, principalmente por essa sua vontade sem motivos aparentes de ajudá-la.- seu tom sugestivo me fez revirar os olhos.- Ela é bonita. E já viu aquela curva que a cintura dela faz no jaleco? Destacando aqueles quadris simplesmente delici…

— Tommy.- o repreendi, mas foi em vão.

— Deliciosos.- completou, sem papas na língua. Iria xingá-lo mas fui interrompido.

— Quem é deliciosa?- perguntou Roy que voltava da outra sala, com um ar cansado.

— A garota de Los Angeles.

— Ah, eu ouvi uns caras falarem dela mais cedo. Dizem que é bem bonita.- deu de ombros.- Já pediu o número dela Tommy?

— Fiquei tentado, mas acho que o Ollie acertaria aquele martelo na minha cabeça.- explicou. Por um momento cogitei a ideia.- E, pelo o que notei, ela não está interessada em mim.

 

Não o respondi, já que era exatamente o que queria. Tommy era assim, nos provocava tanto até nos fazer soltar o que realmente queríamos falar. Coloquei a comida em cima de uma mesa improvisada e me sentei. Tommy permaneceu parado, sorrindo intuitivamente, já deixando claro que nossa conversa não havia acabado.

— O que foi?- perguntei a contragosto.

— Qual a parte do “ ela não está interessada em mim” você não entendeu?

— Que ela não está interessada em você?- alonguei a conversa, somente para irritá-lo.

— Quer dizer então que está tudo bem eu tentar alguma coisa?- uma sensação estranha me atingiu.- Ela pode não estar interessada ainda, mas posso ajudar em sua mudança de ideia.

— Felicity não é o tipo de mulher que você está acostumado Tommy. Ela veio pra cá procurando paz, não a aborreça.

 

Meu tom saiu mais ríspido do que eu pretendia, algo que me surpreendeu. Não que eu julgasse Tommy uma má pessoa, mas a ideia de vê-lo com Felicity me incomodou mais do que deveria. Ela era uma mulher bonita, inteligente, mandona, e pelo o que pude notar( em nossas conversas) uma pessoa que sofreu muito. Sua presença havia algo inexplicável, seja por seu riso nervoso, ou sua constante mania de falar em voz alta( que eu achava extremamente maravilhoso). Ela era divertida.

 

E eu gostava de tê-la por perto

— Por que não tenta alguma coisa com ela?- escutei a voz de Tommy ao fundo, me despertando.- Até onde eu sei ela é solteira, não é?

— É…- me recordei de nossa viagem até a represa. Felicity sempre ficava muito quieta nas viagens de carro, mas naquele dia em si, notei, mesmo que tentasse esconder, que a mesma havia chorado. O detalhe em seu pescoço também me chamou atenção, já que pela forma que segurou, o dono daquela aliança ainda continha seu coração.

 

Acho que deve ser por isso que eu não quis incomodá-la

 

Fingi que não vi, já que a mesma guardou o colar em seu peito, como um segredo que não queria compartilhar, e não seria eu que a faria falar. Sei que quando se trata de nós mesmos, de falar sobre os nossos traumas, palavras pesam toneladas, e uma frase formada requer um esforço muito grande, esforço que muitas vezes não temos.

— É complicado.- foi tudo o que respondi.- E isso não é da nossa conta. Você não deveria estar a ajudando com Quentin? Antes que eles se matem.

— Bem lembrado.- se dirigiu até a porta.- Até mais Harper, e Ollie…

— Pare de bancar o casamenteiro.

— Só estou tentando ajudar!

 

Sua risada me fez balançar a cabeça em reprovação. Abri a comida trazida, notando uns docinhos que Thea havia colocado, com um pequeno bilhete. 

 

Sei que combinamos de comer juntos, mas Sara me convidou pra jantar com a Felicity e foi um pedido irrecusável. Os docinhos são um pedido de desculpas para amolecer esse seu humor chato. 

 

  Ps: Dê uns a Roy também. Te amo”

 

Encarei o papel divertido. Era claro que fora uma desculpa e que ela queria jantar com Felicity. Thea sabia ser extremamente insistente quando queria, e eu acredito que quem foi o fator dominante para o acontecimento desse jantar era a própria. Bom, ao que parecia, elas fariam uma noite das mulheres.

 

De repente fiquei preocupado com o que Thea aprontaria.

 

***

 

Nossa construção( ou desmoronamento) se estendeu pela tarde toda. Quando saímos, deixei Roy em casa e fui ao bar, onde tomei um banho rápido no andar acima( que eu havia construído exatamente para os dias em que eu estava cansado de dirigir até em casa) e me troquei, colocando uma jaqueta. Virgin River não era tão fria, havia dias ensolarados, em que eu aproveitava para andar de caiaque pelos rios,  mas também haviam seus dias neutros, com suas brisas geladas e sol tímido. 

  O bar estava movimentado como de costume. Assumi meu posto, dizendo para Diggle ir embora e ficar com a esposa, já que lidou sozinho por dois turnos, merecia um descanso. Dei uns dos docinhos de Thea a ele, como um agrado a Lyla e a pequena Sara, uma das razões de viver da vida de Dig e minha amada afilhada. A menina era esperta, tinha o cabelo encaracolado e sempre que podia pedia meu colo, mesmo já estando com seus sete aninhos. John amava a família, e era bonito a forma como um Diggle cuidava do outro, sem deixar de mencionar como tanto Lyla como John incluía eu e Thea no pacote familiar. Os jantares, geralmente aqui no bar, eram regados de risos. As horas passaram, e quando dei por mim a maioria do movimento já estava calmo. Me abaixei no balcão, pegando uma das garrafas de vinho guardadas, achando melhor as colocar na estante de vidro quando o barulho de um riso familiar me chamou atenção.

— Você ficou tão sem graça.- a risada de Thea foi acompanhada por mais duas.

— Vocês são duas pestes.- ouvi o resmungo de Felicity, que também ria.- Nunca mais coloco meus pés em Eureka. Nunca mais!

— Deixe de drama Lis. Aquele garçom com certeza vai querer ver você de novo.- o riso de Thea voltou com força.- Ele era bonitinho, não era? Embora tenha homens bem mais atraentes aqui na nossa cidade.

— Sara…- repreendeu Felicity.

— Só estou dizendo, embora no momento eu esteja interessada em Nyssa. Você deveria desfrutar da hospitalidade.- seu tom fora malicioso.- O que acha Thea?

— Eu apoio, especialmente se for quem eu estou pensando.- não era minha intenção espiar a conversa alheia, mas me peguei tentado a aguardar até que ouvisse um nome.- Você o acha bonito?

— Me recuso a responder.

— Sim ou não?- tampei a boca para evitar uma risada. Thea atacava novamente.

— Eu...Ah, claro que ele é bonito.- palminhas foram ouvidas, só não sabia se era de Sara ou da minha irmã.- E gentil, atencioso…

— Pra um sim ou não foi uma resposta longa demais.- Sara a provocou.- Mas tenho que concordar, mesmo preferindo mulheres, que seu irmão é um tremendo gostoso.

— São os genes.- disse Thea, como se não fosse nada, fazendo Felicity e Sara rirem.- Concorda com Sara, Lis?

— Eu…

 

Seja de quem fosse o telefone eu o amaldiçoei por mim gerações. Eu queria ouvir a resposta de Felicity completa, embora ela tivesse concordado que me achava atraente, mas eu não via como isso podia significar muitas coisas, ela podia achar diversos homens bonitos e não querer nada com nenhum. Balancei a cabeça, e agachado, engatinhei até a porta da cozinha, sem que ninguém me visse. Lá dentro me pus de pê com o sorriso mais mentiroso do mundo, como se nada houvesse acontecido e sai, fingindo ter terminado algo. Felicity guardava o telefone, e Sara e Thea assim que me viram se sentaram perto do balcão. Notei que só haviam as três.

— Boa noite as mulheres mais lindas da cidade.- Felicity me lançou um sorriso tímido e se sentou ao lado de Sara.- Como foi o jantar?

— Maravilhoso. Levamos a Lis no restaurante perto do mar.- explicou Thea.

“Lis?”- perguntei curioso.

— Apelido. Ouviram minha amiga me chamar assim no telefone e agora não param mais.

— Sempre irritante.- Thea me mostrou a língua.- Mas gostou da nossa cidade vizinha?

—É linda! eu amei! É como se fosse um lugar fora do planeta, que nem aqui.- sua descrição me chamou atenção. Eu via Virgin River exatamente assim.- Só não sou muito chegada a frutos do mar, essa foi a parte embaraçosa. Acidentalmente joguei minha lula no garçom quando a vi se mover.- foi impossível não rir.- Viu? Eu disse que seria uma piada se voltasse lá.

— Uma piada adorável se quer saber.- Felicity sorriu. Percebi que estávamos nos olhando tempo demais pelo pigarrear de Sara.

— Bom...Eu vou indo.- trocou um olhar com Thea que assentiu, sorrindo cúmplice.- Boa noite Ollie. Lis.

— Eu também vou. Quero dar uma olhadinha em Roy.- disse ao se levantar, dando um abraço em Felicity.- Vamos sair mais vezes, viu? Te vejo amanhã de manhã maninho. Não vá pra casa.

— Mas…- me calei no meio da frase, entendendo seu significado.- Diga a Roy que se bagunçar alguma coisa ele terá o turno mais intenso da vida dele amanhã!

— Não seja ciumento.

 

Felicity prendeu o riso, me vendo encarar Thea aborrecido. 

— Proibido de entrar na própria casa, em que mundo vivemos.- fingi pesar.

— Acontece nas melhores famílias.- brincou- Tem onde dormir?

— Sim, fiz um quarto reserva no andar a acima.- apontei.- Mas então, tirando a parte da lula voadora…- Felicity riu.- Como foi o jantar?

— Foi bom, extremamente divertido, mesmo quando achei que fosse enlouquecer com Thea e Sara.

— Eu a avisei sobre Thea.

— Mas não falou nada sobre Sara.

— Defendo o autodescobrimento.- a vi semicerrar os olhos.

— Eu sou uma visitante, e você prometeu que seria meu guia.

— Guia de lugares, não de pessoas, essa última atração eu deixo totalmente aberta a você.- brinquei, Felicity sorriu.

— Tenho que contratar essa segunda parte do serviço então.- deu de ombros. Virou o rosto ao encarar as outras mesas, notando que estávamos sozinhos.- Eu estou monopolizando você, não é? Deve estar querendo fechar o bar…

— Sou um funcionário muito aplicado, se tiver um cliente eu vou estar aqui.- pisquei.- E sobre Quentin?

— Ah.- seu resmungo desgostoso me deu uma ideia de como as coisas estavam indo.- Terríveis Oliver. Semana passada ele me demitiu, essa semana de novo.- revirou os olhos.- Tem sido uma luta constante.

— Eu imagino.- sorri solidário.- As coisas vão melhorar.

— Não sei não. Minhas últimas experiências vividas mostraram que mesmo quando estamos no fundo do poço, dá pra pegar uma pá e cavar mais fundo. - suspirou. Puxei um dos banquinhos e me sentei em sua frente.

— Já tive situações assim. E quer saber a melhor parte?- seu olhar sério se prendeu ao meu.- Passa, por mais difícil que pareça.

— As pessoas sempre dizem que temos que continuar, que lamentar não adianta. Mas a teoria é bem mais fácil do que a prática.

“ Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente”.

— Nossa.- me olhou com a boca entreaberta.- Não sabia que conhecia Shakespeare.

— Um tanto dramático, mas tem seu conhecimento. Felicity…- me olhou com atenção.- Não sei o que passou, mas quero que saiba que pode contar comigo, ok?

 

Permanecemos em silêncio. Seu rosto estava sério, e me analisava tão abertamente que por um instante me senti um livro sendo folheado. Felicity assentiu, soltando um sorriso de canto.

— Obrigada.- foi tudo o que respondeu.- Nossa, como ficamos sérios.

— Sabemos parecer responsáveis quando queremos.- brinquei. Felicity sorriu mais uma vez. Nos encaramos profundamente, no entanto, notei um rubor tomar conta de suas bochechas quando abaixou o olhar, balançando a cabeça.

— Bom, eu tenho que ir.- sorriu um pouco nervosa.- Obrigada pelo papo.

— Sempre que quiser.- a assistir caminhar até a porta, mas parar no meio do caminho.

— Sabe, eu estava pensando…- começou um pouco incerta.- Quentin me pediu para ir a casa de uma paciente amanhã, apenas para saber os sintomas e os pegar a receita antiga.- revirou os olhos.- Mas a questão é que eu não sei bem onde é, e eu gostaria de saber se você poderia me acompanhar? Claro que tudo bem se não puder.- se apressou a dizer, nervosa.- Eu entendo, e tudo bem se…

— Eu levo o café.- interrompi seu discurso, o que a deixou aliviada.- Até amanhã, Lis.- a chamei pelo novo apelido. Suas sobrancelhas arqueadas em tom divertido mostravam que havia notado.

— Até mais, Ollie.

 

A vi desaparecer, e fiquei sorrindo como um bobo. Era claro que eu estava interessado nela, mas não podia responder isso a Tommy. No entanto eu não sabia dizer, mas Felicity é…

 

Diferente

 

E boa

 

Muito boa

 

Embora com a constante mania de achar que o sofrimento nunca a deixaria. Eu tinha milhares de perguntas, e essas dúvidas ficavam martelando em minha cabeça. O que ela havia passado? E por que se sentia assim? Claro que eu não perguntaria, apenas estaria ali, caso ela precisasse de um amigo, mas eu estava ciente do impacto de sua presença na minha.

 

 Ela despertava algo novo em mim

 

 Desconhecido

 

E se eu quisesse saber as respostas, teria que aguardar pacientemente.

 

***

O céu não amanhecera tão convidativo como o anterior. Grandes formações de nuvens se dissipavam pelo horizonte, deixando claro que uma grande tempestade se formava. A temperatura, no entanto, não havia mudado, e por conta disso, optei por vestir uma jaqueta caramelo, caso sentisse um pouco de frio. Convenci Felicity a nos deixar ir em meu carro, já que em comparação a sua BMW, meu Jeep era bem mais alto, e correríamos menos riscos de ficarmos atolados por aí. Thea, assim que eu cheguei, já havia deixado nossas coisas preparadas, com a inclusão de um bolinho.

— Você está mimando muito ela.- brinquei ao abraçá-la quando entrei no trailer. Era pequeno, mas extremamente organizado, e Thea era feliz ao fazer seus doces.

— Diz o homem que está construindo uma casa pra ela.- a encarei, surpreso por ela saber dessa informação.- Tommy me contou que você e Sara pressionaram a prefeita enquanto a isso.

— Tommy é um grande fofoqueiro.- revirei os olhos. Thea riu.- Quem mais sabe?

— Só nós, e relaxa.- deu um empurrãozinho em meu ombro.- Não vou contar. Esse papel de espalhar fofoca você pode deixar com a Bertinelli.

 

Foi impossível não rir de sua careta. Helena Bertinelli era, sem sombra de dúvidas, a pessoa mais fofoqueira e intrometida desta cidade, o que chegava a ser irritante. Precisávamos muitas vezes ser pacientes.

 

O que Thea não era.

 

Ambas sempre estavam em constante conflito.

 

Até eu precisava de um controle enorme para não discutirmos. 

— Você gosta dela, né?- disse de repente.

— Da Helena?- a encarei confuso, Thea bufou.- Sabe que não tenho uma bola de cristal que acompanha seus pensamentos, né? O que seria muito útil.- a mesma me mostrou a língua.- Que feio Speedy.

— Estou falando da Lis.- me ignorou, retirando do forno mais bolinhos.- Ela é legal. Bem reservada.

— Ela é sim.- concordei, suspirando.

— Ela parece gostar de você.- murmurou. A encarei interessado.

— O que ela disse?- foi impossível segurar, e tardiamente notei que havia caído em uma armadilha por sua risada. A mesma se virou para mim, com os olhos brilhantes.

 

Isso não era algo bom…

— Você gosta dela!- disse animada. Tentei ignorá-la.- Eu sabia!

— Você fala demais, e com licença, preciso ir.- a dei as costas.

— Ela parece gostar de você, a propósito.- Me seguiu, abandonando o trailer.

— É perigoso deixar sua renda totalmente desprotegida.

— É Virgin River, o crime mais grave aqui é atravessar a rua sem olhar para os dois lados.- rebateu. Continuamos a caminhar, e quando cheguei ao carro, a vi parar ao lado da porta.

— Se tem alguma coisa a dizer diga logo.- falei impaciente.

— Por que não tenta nada com ela?- disse em tom baixo. Notei que havíamos deixado as brincadeiras de lado e ido a um âmbito mais sério.- Sabe, não é errado você querer ser feliz, principalmente porque faz questão que todos ao seu redor sejam.

 

Não soube o que responder, e nunca saberia. Thea foi para o lado, me dando passagem para entrar. Coloquei o cinto, e ao abaixar o vidro recebi um beijo seu na bochecha.

— O que eu disse foi sério.- continuou.- Quero vê-lo feliz Ollie, especialmente depois de tudo o que fez por mim.- seu rosto se tornou um pouco sofrido. Segurei em sua mão, a fazendo olhar para mim.

— Fiz e faria de novo, sabe disso.

— Você deixou de cuidar de você por minha causa, não é justo.- notei que seus olhos marejaram.- Só quero que seja feliz.

 

Cuidar de Thea não havia sido fácil, especialmente pela época em que eu me encontrava. Os primeiros anos pós guerra foram os piores, mas minha irmã precisava de mim, desesperadamente, e eu jamais iria abandoná-la.

 

Abandoná-la

 

Já não havia feito isso com minha própria equipe?

 

Tentei ignorar os pensamentos mórbidos e focar em Thea.

— Eu sou feliz, apesar de tudo essa cidade me deixa feliz.- a mesma não parecia convencida.- Não tem que se sentir culpada por ter precisado de ajuda Speedy.

— Diz o homem mais orgulhoso do mundo.- sorri de forma tímida.- Sei que ainda tem os pesadelos.- comentou em tom baixo, como se compartilhasse um segredo.- Me preocupo com isso.

 

Talvez eu gritasse alto demais 

 

Não imaginava que ela ouvisse

 

Aquele era um dos demais na pilha de assuntos que eu não queria falar com ninguém, e minha irmã sabia disso. Dei partida no carro e a olhei mais uma vez.

— Não se preocupe comigo.

— É impossível.- sorriu calorosa.- Poderia falar com alguém sobre isso.

— Talvez um dia.- foi tudo o que respondi, tentando acabar logo com aquele assunto.- até mais.

— Mande um beijo à Felicity. Ou, se assim desejar, pode dar um nela.

 

Gargalhei, e minha irmã com um sorriso angelical voltou ao seu local de trabalho. Thea era assim, e por mais que eu já tivesse me acostumado ainda me surpreendia com sua audácia. Dirigi até a pousada, e ao estacionar a vi.

  Felicity parecia falar ao telefone com alguém. Ela trajava uma calça jeans preta, e mais uma blusa de gola alta que a deixava simplesmente maravilhosa, dessa vez branca, que caia como uma luva sob sua pele. Seu casaco estava jogado sob um de seus ombros, enquanto no outro carregava uma bolsa. A ajudei a abrir a porta, a dando um aceno rápido.

 

“- Sim. Eu já disse que sim, Caitlin.- suspirou impaciente.- Eu estou bem e agora preciso trabalhar...Também amo você.- sorriu de leve.- Beijos, agora vou sair com Oliver.”

 

Não consegui escutar o que sua amiga dizia, mas por seus olhos arregalados não fora algo bom. Suas bochechas estavam rosadas, e minha curiosidade estava altíssima. Felicity desligou o telefone e resmungou em voz baixa, enquanto o guardava em sua bolsa.

— Um café para melhorar seu dia doutora Smoak.- a entreguei.

— Obrigada.- agradeceu sem jeito. Seus olhos vagaram até a sacola.- Bolinhos!

— Thea mandou trazer. Estou começando a ficar com inveja.- brinquei.

— Acho que sou a nova favorita dela. - sorriu convencida.- Você sabe mesmo aonde é?- indicou a estrada.

— Sim, conheço a família de Nicole, sua paciente. Eles sempre vão às festas da cidade, são produtores, garanto que você vai amar a geleia.- a vi sorrir.

— Céus, você é mesmo um garoto do campo.- disse divertida.- O que mais faz por aqui? Além das geleias.

— Gosto de fazer trilhas, andar de caiaque.- seus lábios se entreabriam.- O que foi?

— Eu sempre quis andar de caiaque, mas nunca tive coragem.- respondeu.-  Paraquedas, caiaque...Parece que estou diante de um  aventureiro aqui.

— Não é pra tanto. Só gosto de sentir a adrenalina alta.- respondi.- E…

 

Um trovão soou ao fundo, a fazendo encarar o céu. Seu rosto de repente se tornou tenso, e a forma em que apertava as mãos, como se esperasse uma tragédia...Isso era algo que eu não poderia ignorar.

— Está tudo bem?- perguntei preocupado. Felicity me encarou, e pude perceber a angústia de seus olhos.

— Sim, só…- escolheu as palavras. Tomou um tempo para respirar.- Não gosto de dirigir na chuva, é só isso.

 

Franzi as sobrancelhas. Já havia conhecido pessoas com um medo parecido, mas a questão era que ela parecia apavorada.

— Se for pelo carro não se preocupe, está acostumado a andar pelas estradas de terra das fazendas. Estamos seguros.

— “Seguros”-  murmurou em tom irônico, seus olhos pareciam pedra.- Foi o que eu pensei da última vez também.

 

Felicity não parecia ter notado que havia falado em voz alta. Era um costume engraçado, mas no momento sua frase havia me deixado dez mil vezes mais preocupado. Última vez?

 

O que aconteceu da última vez?

 

E por que ela parecia prestes a ter uma crise?

 

Encarei ao redor, quando uma ideia surgiu. Ao invés de seguir pela estrada principal entrei em uma estradinha, já conhecida por mim pela quantidade de vezes que vinha aqui. Felicity pouco percebeu, perdida demais em seus pensamentos. Mostrou reação somente quando percebeu que eu havia parado o carro.

— Já chegamos?- suas sobrancelhas estavam franzidas, olhando ao redor.- Aqui não parece ter uma fazenda, e eu não me lembro de Quentin ter mencionado um lago…- sua voz sumiu ao me ver abrir a porta e sair. Contornei o carro, e fiz o mesmo com ela.- Que lugar é esse, Oliver?

— Estamos perto da fazenda, mas antes quero te mostrar uma coisa.

— Não.- negou.- Temos que ir à fazenda.

— Nós vamos, quando você se acalmar.- sua feição mudou para preocupada.- Não precisa me falar nada, ok? Só...Só venha.

 

Felicity suspirou.

 

Desceu do carro um pouco incomodada. Seus braços estavam cruzados, e os olhos fixos ao redor. A floresta fechada continha uma pequena escada natural de pedras, qual eu a ajudei a descer. Passamos por ramos e alguns galhos caídos pelo vento, até finalmente escutar o barulho de água.

  Suspirei profundamente ao finalmente chegarmos ao rio, enchendo os pulmões com ar puro. Ao contrário da represa, este continha uma corrente extremamente forte, além de seu volume cheio que o tornava perigoso ao cortar pelas pedras. Uma dessas pedras enormes trabalhava como banquinhos a quem quisesse se sentar à aquele mar tormentoso, já que por ser um pouco mais alta, a água não a molhava, somente descendo em seu entorno.

  Abri os braços, fechando os olhos e ouvindo somente o curso barulhento das águas. Eu amava aqui, tanto a represa como esse lugar eram meu paraíso particular, já que em muitas crises, eram nesses ambientes onde eu conseguia sobreviver e lutar contra meus temores.

 

Era exatamente o que Felicity parecia precisar fazer agora.

 

Eu não precisava falar alguma coisa, não era assim que funcionava, e a mesma parecia ter entendido perfeitamente bem. Ao abrir os olhos, notei que ela havia assumido uma postura similar à minha, e o melhor de tudo.

 

Ela sorria.

 

E que sorriso.

 

Encarei seu rosto por demorados minutos, me atentando a cada mudança. Ela não merecia ter passado seja lá o que fosse, e eu gostaria de ajudá-la.

 

Sabia como era não conseguir lutar contra seus demônios.

 

Felicity abriu os olhos e me observou, sem dizer uma única palavra. Permanecemos assim, em completo silêncio, apenas escutando a correnteza. Me senti conectado a ela, o que foi estranho. Seus olhos tão azuis me encarravam tão profundamente, e mesmo assim eu não sentia vontade alguma de desviar.

— Obrigada.- disse em voz alta, a fim de me fazer ouvir.

— Não precisa agradecer.- respondi no mesmo tom.- Vamos?- estendi a mão. A vi sorrir mais uma vez.

— Vamos.

 

Andamos juntos, retornando pelo menos caminho. Felicity estava mais leve, embora quieta. Parecia pensar muito. Seus olhos me encontraram mais uma vez.

— Que lugar é esse? É lindo.

— Fico feliz por saber que seu guia acertou mais uma vez. Ele deve ser um excelente funcionário.- a vi rir.

— Excelente e bem convencido.- provocou.

— Me magoa desse jeito doutora Smoak.

— Céus! Você e Thea são iguaizinhos!- me encarou, divertida.Soltei um riso baixo.- Deve ser alguma coisa relacionada a genética Queen.

— Talvez, mas não pode negar que não somos bonitos.- um rubor surgiu em suas bochechas.- Pode?

 

Era claro que eu queria saber, especialmente por conta da conversa que eu “sem querer” ouvi no restaurante. Felicity parecia ter perdido a capacidade de falar quando bufou, irritada.

— Vocês são chatos. Muito chatos.- soltou minha mão e a levou até a cintura.- Extremamente chatos.

— Sabemos ser legais, quando queremos.— enfatizei, a vi prender o riso.

— São raros esses momentos, então?- provocou, balancei a cabeça, divertido.

— Você é impossível.- Felicity sorriu.- E muito exigente, estou trabalhando duro como seu guia particular, e no final ganho um “chato”?- levei a mão ao peito, fingindo dor. Felicity riu novamente.

— Você é muito dramático, Queen. Mas ok, se isso o faz feliz…- deu de ombros, fingindo pensar.- Você é um guia bom.

— Só bom?

— Ta. Incrível. Melhor?- me aproximei.

— Satisfatório. Com o tempo vou ganhar um elogio melhor que esse.- pisquei.

 

Notei seu rosto ficar vermelho novamente.

 

 A ajudei a subir, e quando no carro, voltamos à estrada principal. Não demoramos muito para chegar, à fazenda dos pais de Nicole era uma das principais da região pela produção de produtos orgânicos.  A casa era grande, de madeira como as diversas da região. Felicity foi á frente, assumindo uma postura mais profissional quando bateu na porta. A vi morder os lábios.

 

Ela estava um pouco nervosa.

— Vai conseguir, você é boa.- sussurrei. A mesma me lançou um olhar agradecido.

— Eles precisam confiar em mim. Confiam em Quentin, se eu quiser mesmo ser médica as pessoas da região precisam me ver como uma amiga.- comentou em tom baixo, virando o rosto para me encarar.- E se eles não gostarem de mim?

— Eles vão gostar, seriam tolos se não gostassem.- sorriu de forma tímida.- Só faça o que sabe fazer.

 

Deixamos de lado nossa conversa entre sussurros quando a porta foi aberta. Uma mulher de cabelos castanhos claros e olhos verdes apareceu, com um sorriso pequeno, que se ampliou ao me ver.

— Oliver!- me abraçou.- Que surpresa!

— Como vai senhora Cooper?- sorri.

— Poderia estar melhor.- suspirou pesadamente. Seu olhar se focou em Felicity.- Você deve ser a garota de Los Angeles.

— Felicity Smoak.- sua mão foi dispensada por um abraço, que a surpreendeu.

— Fico feliz que tenha vindo. Quentin nos disse que estaria ocupado hoje, uma pena.- suspirou.

— Não sou o doutor Lance, mas prometo examinar sua filha muito bem.- seu comentário a fez sorrir.- E onde está a pequena Nicole?

— Na sala. Me sigam por favor.

 

A seguimos até uma sala espaçosa. A menina estava deitada no sofá, quieta, e por seu rostinho não parecia estar em seus melhores dias, o que era estranho, em todas as festas da cidade Nicole sem sombra de dúvidas era uma das mais energéticas.

— Filha? Olha quem está aqui?- Linda a chamou. A vi ergueu o rosto, um pouco tímida.- Está é a doutora Smoak.

— Oi princesa.- Felicity sorriu de forma carinhosa ao se aproximar.- Posso me sentar aqui?- a menina assentiu, também se sentando. Felicity a observou, até sorrir diferente enquanto olhava para sua camiseta.- Gosta da Bela e a Fera? É a minha princesa favorita.

— Sério? É a minha também.- sorri. Entendi o que estava fazendo, e por sua animação estava tendo êxito.

— Qual parte do filme você mais gosta?

 

— A que ela dança com a fera.- Felicity abriu sua bolsa, retirando os equipamentos.- E a sua?– Gosto dessa, e quando ela está na biblioteca. Se eu estivesse naquele castelo passaria o dia lá.- Nicole sorriu, animada.- Olha, eu vou pegar isso aqui.- mostrou o estetoscópio.- E vou colocar aqui.- indicou seu peito.- É um pouco gelado, mas isso é normal.- a menina subiu a camiseta.- Quando eu pedir pra você respirar bem fundo você respira, pode fazer isso?- Nicole assentiu.- Certo. Vamos lá. E…Respira.

 

A assisti ficar concentrada. Era óbvio que Felicity amava o que fazia. A todo momento dizia algo a Nicole que a fazia rir, esquecendo que estava sendo examinada. Ela era boa com crianças.

 

E parecia gostar muito delas também.

 

A vi ficar séria um único momento, quando anotava os sintomas que Linda descrevera. Ao que parecia, Nicole estava sofrendo de asma nos últimos meses.

— Ela já teve isso antes?- perguntou Felicity.

— Não, começou recentemente.- Felicity franziu as sobrancelhas.

— Ela já teve que ir ao hospital por conta de alguma crise?

— Somente com Quentin, mas nada tão grave. Mas tenho sentido que ela piorou nesses últimos dias.- disse preocupada.- É grave?

— Não, mas precisamos fazer outros exames. É comum crianças na idade dela desenvolverem asma, que pode ser desencadeada por uma série de coisas. No caso dela, acredito que seja alérgica.- Linda assentiu.- Recomendo, até termos certeza, que retire os tapetes e cortinas, e evite usar produtos de limpeza muito fortes. Tudo isso pode ser um fator que inicie as crises.

— Certo. Os medicamentos…

— Estão aqui.- Felicity os entregou.- Quentin deixou anotado as observações. E caso ela tenha uma crise muito grave nos procure imediatamente, ok?

— Muito obrigada.- a abraçou.- Principalmente por fazê-la rir. Sabe que uma mãe ama automaticamente qualquer pessoa que trate seu filho bem, não é?- Felicity entreabriu os lábios, e logo após sorriu de forma forçada.- Fazemos de tudo por eles, e mesmo assim às vezes sinto que não é o suficiente.

— Sei como é.- observou Nicole, que escutava o próprio coração com o estetoscópio.

— Tem filhos?- sua pergunta fez Felicity murchar.

— Na...Não.- suspirou, apertando as mãos. Seu olhar se tornou tenso, exatamente como no carro.- Mas acredito que deva ser.

 

Seu tom, embora mostrasse gentileza, não poderia ter sido mais triste. Linda não pareceu notar, e não sei se era um costume meu, trabalhei anos estudando pessoas, sempre atento a forma de falar e até mesmo, o uso de uma pausa, que indicava que estava pensando em como prosseguir com sua história, mas Felicity parecia triste.

 

Imersa em lembranças dolorosas.

 

Eu queria saber o que era, para assim ajudá-la. Mas isso requer tempo, e pelo o que pude notar até o momento, quando se trava de sua vida pessoal ela era extremamente reservada. Seja qual fosse o motivo, tratou de escondê-lo, voltando a sua postura habitual

— Dê tchau a doutora Smoak, filha.

— Até mais, princesa.- Felicity a abraçou.

— Posso te fazer uma pergunta?- disse tímida, Felicity assentiu.- Você é de Los Angeles, né?

— Sou sim.

— Já conheceu alguém famoso?- Felicity sorriu, divertida.

— Já, tem artistas bem temperamentais.- brincou.- Mas eu tive sorte.

— Quem conheceu?

— Eu já examinei o homem aranha uma vez, foi bem legal.- Nicole sorriu.

— Eu gosto de você.

— E eu de você.- apertou sua bochecha, se levantando.- Tenham um bom dia família Cooper.

 

Linda nos levou até a porta, sem não antes agradecer Felicity, mandando beijos a Tommy e Quentin, e a entregando a famosa geleia da fazenda.

— Quentin adora, dê para ele assim que chegar.- Felicity assentiu ao pegar os dois potes.- Um é seu claro, e diga a Tommy que se ele quiser terá que vir pessoalmente.

 

Felicity pareceu confusa, e por julgar por seu olhar que me observava sabia no que ela estava pensando. Dei de ombros, indicando que conversariamos depois.

—Você não é como eu pensava.-continuou Linda.- Para alguém de Los Angeles é bem gentil.- Felicity franziu as sobrancelhas.- As pessoas comentam, sabe? Falaram que você parecia metida.

— É, já me avisaram sobre a fofoca.- Felicity suspirou pesadamente, Linda a deu um empurrãozinho no ombro.

— Você aprende a lidar, menina. E se tiver alguma dúvida pode perguntar para o nosso multitarefas aqui.- apontou para mim.

— Está exagerando.- falei sem graça.

— É, eu já percebi que ele é multitarefas.- seu olhar encontrou o meu, e brilhou em tom provocativo por nossa piada interna. Segurei a risada.

— Multitarefas e muito bonito.- encarei Linda, sem saber ao certo o que responder.- Claro que já encontrei meu marido, mas se não fosse isso com certeza estaria na fila, Oliver.

 

Felicity parecia estar prestes a ter um ataque nervoso, já que seu rosto estava vermelho e sua boca coberta pela mão, abafou uma risada. E eu, bom.

 

Não sabia o que dizer.

 

Principalmente por Linda ser casada.

— Foi um prazer conhecê-la, senhora Cooper.- Felicity, que a todo custo se esforçava para não rir.- Direi ao doutor Lance seus cumprimentos.

— Até a próxima!

 

A porta foi fechada. E caminhamos juntos até o carro. Não demorou junto, já que no momento em nos distanciamos Felicity explodiu em uma gargalhada. Seu corpo se contorcia, enquanto seus olhos juntavam lágrimas.

— Não é engraçado.

— Devia ter visto sua cara.- riu mais uma vez.- Estava apavorado!

— Claro! Ela é casada! E você ao invés de ajudar ficou rindo.

— Foi mais forte que eu, sinto muito. Ah, deixa eu recuperar o fôlego.- sorriu, respirando fundo.- Acho que deve tomar cuidado, hein? Capaz dela arrastar você para algum lugar.

— Por favor, não diga isso.- fiz careta. Linda era uma pessoa boa.

 

Mas não se importava se usava uma aliança ou não, e eu jamais me envolveria com uma pessoa comprometida. Principalmente quando eu sabia que essa pessoa era comprometida.

 

A última vez foi uma confusão enorme.

— Acho que vou precisar de você andando do meu lado por um tempo, Felicity.

— Será uma honra salvar o homem mais cobiçado de Virgin River, de novo.

— A primeira vez eu me machuquei por sua causa, então tecnicamente não conta.- a vi semicerrar os olhos.

— Hoje podemos contar como uma. Se eu não estivesse aqui a senhora Cooper…

— Não gosto nem de pensar.- Felicity riu.

— Isso é novidade. Tem homens que não ligam pra isso.- me analisou.- Você é mesmo diferente.

— Não gosto de me envolver com pessoas compromissadas, especialmente casadas.- enfatizei.- Já me meti em muitas confusões por conta disso.

— Ah, eu quero ouvir essa história. Mas de preferência no carro, vai que ela decide voltar.- brincou.

— Vamos dar o fora daqui.

 

Entramos no carro, e acelerei para sairmos o mais rápido possível da fazenda, o que a fez rir mais uma vez. Quando pegamos a principal, notei seus olhos curiosos em mim, aguardando a história.

 

Eu sabia que ela não era paciente.

 

Mas ver sua boca abrir milhares de vezes era estranhamente satisfatório.

 

A vi chegar em seu ápice por um resmungo.

— Estava vendo quanto tempo mais você iria aguentar.- suas sobrancelhas arquearam como de costume.- É realmente sem paciência.

 

Felicity sorriu, entendendo do que se tratava.

— É mais forte que eu, sinto muito.

— Não, não sente.

— Tá, não sinto.- ri, balançando a cabeça. Felicity se virou para mim.- Conte a história.

— Bom, eu estava em uma viagem, e acidentalmente conheci uma mulher.

— "Acidentalmente'' .- repetiu, fazendo aspas.- Continue.

— Nós...Nós começamos a nos conhecer melhor.- Minha mente vagou até aquele dia no Hawaii. Estava quente, e eu após uma missão queria apenas um pouco de diversão.- Ela sempre dava um jeito de me ver, deixando claro suas intenções, e eu...Eu estava sozinho, então via mal algum nisso.- dei de ombros.- Em uma noite nós conversamos, rimos, bebemos…

— E vocês transaram.- completou, como se essa parte não a importasse. Virei o rosto.- O quê?

— Apenas abismado com a sua objetividade.- a vi sorrir.

— Só estou poupando os detalhes, até porque eu não quero ouvir sobre a sua noite espetacular com essa mulher.-fez uma careta.

— Eu não disse que foi espetacular.- a corrigi. Sua cara emburrada me fez sorrir.- Bom, voltando a história…- a mesma pareceu relaxar.- No dia seguinte eu a encontrei, mas foi um pouco complicado.

— Por quê?- não se segurou.

— Porque eu a encontrei em um vestido branco, trocando votos na beira da praia com o seu futuro marido.

 

Seu queixo caiu, em choque, e seus olhos, arregalados, refletiam a mais surpresa das criaturas.

 

— Pois é doutora Smoak. Aparentemente eu fui a despedida de solteiro de alguém.- brinquei.

— Mas que....Que vadia!- esbravejou.- Ela casou?

— Casou. Mas mentiu para o noivo, dizendo que eu a beijei à força na noite anterior, já que um dos convidados nos viu.- gemi em tom de desgosto.- Foi complicado.

 

Felicity permanecia com os lábios entreabertos. ainda sem acreditar.

— Acho que entendi seu medo com a senhora Cooper. É um homem traumatizado.

— Você não faz ideia.

 

Ela realmente não fazia.

 

Reflexos de guerra voltaram com força a minha mente. Não era frequente, geralmente voltavam quando eu estava sozinho…

 

Mas agora eu estava com ela.

 

Precisava me controlar.

 

Apertei o volante, respirando fundo. Eram sensações que duravam somente alguns minutos, mas que faziam um grande estrago.

 

— Sabe, uma vez, na época da faculdade eu comi um brownie com maconha sem querer.- sua voz me despertou daquele pesadelo.- Eu estava me preparando para entrar em um plantão, quando de repente me senti completamente chapada.– Você o quê?- a encarei, divertido.- Eu pagaria fortunas para vê-la desse jeito.– Não foi legal. Na verdade foi estranho.- sorriu.- Eu comecei a questionar os médicos sobre o porquê que tinham corpos para estudo no necrotério, já que eles estavam mortos e deviam estar no cemitério, e que caso algum deles me perturbasse a noite por mexer aonde não deveria eu iria culpar a equipe médica.

 

Explodi em uma gargalhada. Felicity me acompanhou, um pouco envergonhada. Encontrei seu olhar por um momento, e entendi ali, o porquê que ela me contou sua história.

 

Eu não era o único observador ali.

 

De repente me senti melhor

 

Não precisei dizer com palavras um “obrigado”, já que pelo olhar, vi que a mesma havia entendido quando deu de ombros, dizendo que não havia sido nada. Fomos para o bar, já que pela a mensagem, Tommy pediu carinhosamente para que Felicity levasse o almoço dos dois.

  Assim que descemos me arrependi imediatamente. Helena estava ali do lado de fora, conversando com algumas pessoas quando nos viu. Seu olhar soberbo, e o sorriso malicioso me indicaram que algum comentário maldoso estava por vir.

— Seja lá o que ela disser, não leve a sério.- murmurei entre um sorriso forçado. Felicity me encarou confusa.

— O que…

— Oliver Queen.

 

Helena parou na nossa frente, e nos analisou sem se dar ao trabalho de esconder. Felicity pareceu incomodada quando toquei levemente em seu braço.

— Helena.- cumprimentei.- Essa é....

— Eu sei. A garota de Los Angeles.- Felicity sorriu forçadamente.- Felicity, não é?

— Isso. Um prazer.- Helena sorriu.

— Vejo que estão bem próximos…- um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.- Chegaram juntos.

— Trabalho.- Felicity respondeu, arrumando a postura. Não se sentiu intimidada pelo olhar de Helena.- Oliver me ajudou a encontrar a fazenda da família Cooper.

— Hmmm.- foi tudo o que respondeu. Não gostei de seu tom.- Foram sozinhos?

— Pela quantidade de pessoas que desceram do carro você pode notar que sim.- respondi. Felicity me encarou surpresa.

.- Há realmente muita coisa entre a fazenda e aqui….

— É. E até onde eu me lembre nenhuma delas diz respeito a você.

 

Sorri com a voz de Thea, que soou em nossas costas. Minha irmã caminhava com Sara, e lançou um olhar hostil a Helena.

— Thea.- Helena sorriu forçadamente.- Mas que surpresa.

— Não sei se notou, mas a placa ali diz “ Queens”, não me parece nada surpreso.- prendi o riso. Helena contraiu os lábios.- Não é, Lis?

 

Felicity pareceu assustada por de repente ser envolvida na conversa.

— Bom, eu uso lentes, mas sem elas ainda consigo ver bem o nome Queens ali.

 

Eu não me segurei.

 

Fingi uma tosse, a fim de esconder a risada. O olhar aborrecido de Felicity me encontrou, mas logo mudou para diversão.

 

E Helena parecia que iria me matar.

— Engraçada.- disse sem humor.- Muito engraçada.

— Bom, acho bom entrarmos. Pelo o que conheço meu amigo ele deve estar com fome.

— Tommy vem?- Helena se tornou doce.- Agora?

— Não. Ele pediu que eu levasse o almoço…-Felicity pareceu notar no meio da frase que havia dito as palavras erradas, já que ganhou um olhar raivoso.

— Ele pediu...Pra você?

— Recomendo que vá visitar meu pai, Helena. Visão turva, agora audição ruim...Deve ser alguma coisa.

 

O ódio direcionado a Felicity mudou para Sara.

 

Era melhor acabar com isso.

— Bom, com licença.- coloquei a mão sob o ombro de Felicity.- Mas temos que ir.



A mesma pareceu agradecida por ter sido tirada daquela bolha de tensão. Thea e Sara nos acompanharam, um pouco irritadas.

 

Bem irritadas.

— Aquela mulherzinha insuportável.- esbravejou Thea.- Não sei como Tommy consegue dormir com ela.

— Ele dorme com ela?- Felicity quase gritou, ganhando olhares de repreensão, que a deixou vermelha.- Ele dorme com ela?- perguntou em tom baixo.

— Dorme.- respondi.- Lembra do que lhe avisei sobre Tommy?

— Ele se arrisca em tudo mesmo, hein?- fez careta.- Ela não pareceu gostar de mim.

— Helena não gosta de ninguém, finge gostar.- respondeu Sara.- Não se preocupe com o julgamento dela.

 

Felicity assentiu. Seu olhar dispersou as portas atrás do balcão, onde John surgiu com duas sacolas. Seu sorriso se ampliou ao ver Felicity.

— Olha só se não é minha fã número um de salmão.

— Só você sabe fazê-lo como eu gosto. Grelhado...

— Mas nem tão grelhado.- piscou.- Cliente difícil Oliver.

— Ela é bem exigente.- sorrimos um para o outro.- Essa é a encomenda de Tommy?

— Isso,e ele já deixou pago. Algo sobre “ hoje é o meu dia”, não entendi bem.

— Combinamos de cada dia um paga a comida um do outro.- Felicity explicou.- Tem sido útil.- brincou.- Meus pedidos são mais caros.

— Garota esperta, assim que gostamos.- Thea bateu em sua mão.- e sabe do que mais gostamos…?

— O que Speedy?- suspirei cansado, por seu olhar ela iria aprontar alguma.

— Almoços em família.- respondeu.- Principalmente os de sábado.

— Não enten…

— Esse sábado eu estava pensando em fazer um almoço. Não aqui, mas na outra casa.- seu olhar encontrou o meu.- Por favor….

— Se as pessoas puderem ir nós fazemos.- a vi sorrir alegre.

— John, traga a pequena Sara.- mandou.- E Sara adulta, se não aparecer eu vou matá-la.

— É muito interessante sua forma de convidar as pessoas. Sempre os deixando com opções.- ganhei um olhar rabugento em resposta.

— Tommy eu sei que vai. Então Lis….- fez olhos pidões- Por favor…Por favor…- Felicity suspirou.

— Se Quentin não precisar de mim…

— Meu pai não vai. Sábado vamos a clínica somente por ligações de emergência.- explicou Sara.

 

Felicity parecia sem saída.

— Se não quiser, tudo bem.- A lancei um sorriso gentil.- Mas se puder ficarei...Ficaremos.- me corrigi.- Muito felizes.

— Vocês dois são dois dramáticos, não são?- encarou a mim e a Thea, indignada.- Certo, eu vou.- revirou os olhos.

— Vou providenciar as coisas. Quando se trata de festas eu sou a melhor.

 

Ri vendo a animação de Thea. Era claro que a pestinha havia planejado aquilo havia muito tempo, e como sempre, caímos como um pato. 

 

Essa era a primeira parte do plano

 

E eu temia em descobrir a segunda.


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Notas finais do capítulo

E aiii? O que acharam? Não esqueçam de comenta, hein? KKK

Beijos e até a próxima!



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