Manchas no Natal escrita por Decepcionista


Capítulo 12
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

O próximo capítulo será o último.
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Espero que tenham curtido o estranho conto de Natal e que tenham permitido o coração fraco falar mais alto.
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Boa leitura :)



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Depois de bebermos como se fosse a última vez que teríamos a oportunidade, senti meus músculos faciais doloridos, o sorriso que invadia cada espaço do meu ser caótico preenchia as lacunas que as partes faltantes provocavam.

A blusa que o loirinho me presenteou escrita “broken” traduzia perfeitamente o que sempre senti, no entanto, vendo o sorriso do Zion, coberta pelo timbre do Roberto, que se fodam as partes quebradas. Enfiaria elas no cu do infeliz que tentasse tirar de mim aqueles dois idiotas briguentos.

Foda-se a grosseira. Foda-se a porra do mundo inteiro.

— Eu sabia que ela ia ficar bêbada. — Resmungou Zion. Ele bebeu tanto quanto eu e Roberto, mas continuou sóbrio, como se quisesse ter, a todo momento, o controle de tudo.

— Relaxa, Zion. Cê tá muito resmungão. Olha pra essa carinha — O loiro segurou meu rosto com as duas mãos, me permiti admirar com fervor cada detalhe de sua face. Aqueles olhos tão cinzas quanto meu coração, este, martelando com força e gritando com eloquência. — Ela é tão... — Roberto semicerrou os olhos. Até o cheiro de seu perfume, que me recordava da madrugada anterior na qual nos encontramos, tornava meu desejo tão quente quanto o calor que estava presente no meu estômago.

— É assim que você diz ser “resistente”? Parece que começou a beber hoje. — Zion se levantou, sua postura firme sempre fez meu âmago sacudir, o temporal de sua existência era meu porto seguro.

— E o filme? — Perguntei, me debruçando sobre a bancada. De canto, observei os dois caras mais estranhos que já conheci. Não saberia dizer o que penso sobre isso, minha cabeça tá uma bagunça, talvez por causa do álcool, talvez devido ao meu coração.

Caída em todos os pensamentos conflituosos na minha mente, tomei a decisão menos lógica possível: deixar meu coração decidir, pela primeira vez a decisão seria dele.

Esses pensamentos sempre estiveram aqui, no entanto, calados pela embriaguez, pude ouvir meu peito contestar sua vontade em alto e bom tom: eu sempre fui apaixonada pelo Zion e pelo Roberto. De um jeito diferente. Embora o mundo ameaçasse desabar, temia apenas perder o tão pouco que encontrei neles.

Roberto sempre me fazia sorrir. Do jeito idiota dele, guiava meu eu pra fora do caos que vivia.

Zion sempre me deu esperança. De sua forma protetora, me dizia que estaria ali mesmo se tudo desmoronasse.

Não quero perder nenhum dos dois...

E se no final, toda essa indecisão me tornar solitária novamente?

Não conseguia abrir os olhos. Entreguei minha consciência ao sono que me engoliu em um baque...

Toda a escuridão que existia em mim tirava a alegria da realidade. Aqueles malditos demônios acordavam.

A maioria das pessoas já teve a sensação de estar caindo da cama, o desespero com a possível queda e a forte pancada final da colisão. Eu tive a sensação de estar sendo carregada no ar, o suspender dos meus medos e, por fim, a entrega final, devolvendo-me a cada maldição que eu deveria viver.

O som do caminhar pelo familiar corredor do colégio de São Carlo me causava agonia. Os dias que passei naquele lugar eram sufocantes, assim como a memória.

Mas tinha algo diferente: o silêncio.

Caminhei por muito tempo na penumbra provocada pelo anoitecer soturno, os ecos de cada passo preenchiam o corredor, a sensação de solidão se fazia cada segundo mais presente.

— Tem alguém aí? — Arrisquei. Meus sentidos se aguçaram com o frio abrupto que surgiu, esfreguei os braços enquanto continuava a andar, hesitando cada vez mais.

O cheiro que sucedeu o estranho grunhido no final do corredor prendeu minha atenção dispersa antes pelas portas das salas do bloco I.

Estagnei, aguardando o que viria a seguir.

A criatura que se revelou, na interseção entre blocos da instituição, se assemelhava a um morto, um pouco diferente dos zumbis dos filmes. Em seus aspectos, existia vida pós morte, uma luta silenciosa pelo fim definitivo que lhe era tomado por outra existência. Outra fodida existência.

Admirei algo a mais naqueles olhos vazios, perdidos e implorando por misericórdia. Jamais me deparei com tamanha insanidade. Em seu cheiro podre, no debilitado andar e em sua deplorável situação, me comparei com sua existência.

— Freya... — Balbuciou a criatura, se arrastando na minha direção.

Não dava pra correr. A adrenalina irreal que me preencheu não era suficiente pra me fazer recuar. O que existia por baixo daquela íris mórbida que me cativava com tanta intensidade?

Os ruídos estouraram à minha frente. Diversos mortos vivos correram na minha direção abruptamente. De onde saíram? Não pude pensar ou perceber, apenas correr o mais rápido que conseguia. Não queria morrer, seja em um sonho confuso ou em uma realidade cruel. Existiam pessoas para as quais queria retornar. Pessoas para as quais queria me entregar.

Meus pés doíam caminhando sobre todas as brasas de meus medos naqueles malditos corredores de São Carlo. O eco abafado por todas as vozes que se arrastavam atrás de mim. O barulho do meu coração tão alto que parecia sair do meu peito. O suor frio permitindo meu corpo frágil sucumbir ao frio invernal.

Foi quando tropecei, bem na saída dos blocos, defronte à cantina, que um timbre familiar surgiu.

— Vem pra cá! — Meus olhos encontraram os verdes do Zion. Sua face estava coberta por toda a escuridão, no entanto, como a luz que sempre foi, sua existência era nítida pra mim.

Me ergui, desengonçada, buscando alcançar sua mão quando...

— Ei, baixinha! Corre! — O timbre do Roberto rompeu os pesadelos, pedindo que eu fosse até ele. Eu queria ir até ele, só que...

Não posso deixar o Zion.

Ergui a mão na direção do Zion. Ele me puxou com força, me fazendo cair sobre si. Seu abraço era reconfortante mesmo diante da morte que tomava os corredores.

Só que...

Tinha alguma coisa...

Faltando...

— O Roberto. Eu vou buscar o Roberto. — Me afastei, encarando o dono de parte do meu coração. Não havia universo paralelo em que permitiria perder um deles.

Não fazia sentido conceber esse sentimento conflituoso, mas na merda do meu pesadelo, minha mente era a mais traiçoeira.

Aqui, nessa porra de lugar, quem decidiria seria meu coração inocente.

— Quer tanto assim buscar o Roberto? — Perguntou Zion. Eu concordei, balançando a cabeça sem hesitar. — Que bom que concordamos. — A mão dele alisou meu cabelo pacientemente. — Me sentiria culpado se ele morresse aqui.

— Roberto! — Gritei sem medo. Ao lado do Zion, não existia espaço pro medo, pro terror.

Pro horror de viver.

Só havia algo que jamais encontraria nele...

Um sorriso sarcástico e irritante puxando pra esquerda.


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