Insomniacs escrita por Skadi


Capítulo 6
Capítulo Seis - Erros e Acertos




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Ele dirigiu seu carro de volta para o seu prédio, o segurança dando a ele um olhar estranho pelo estado do veiculo enquanto Alex estacionava. Ele definitivamente precisaria chamar alguém para concerta-lo no dia seguinte, ou até mesmo comprar um novo já que isso não seria problema algum para ele. A caminhada em direção ao saguão e uma olhada no relógio lhe disseram que já era perto das cinco da manhã. Ele caminhou em direção ao elevador xingando baixinho, querendo voltar para casa o mais rápido que pudesse. Sua dor de cabeça ainda estava lá, como sempre, e Alex sabia que não iria melhorar antes que ele voltasse para dentro. Afinal, ele não dormia há quatro dias e considerava o que tinha feito aquela noite com seus amigos um milagre.

O elevador se abriu um DING! e Alex rapidamente saiu, sentindo-se esgotado mentalmente e fisicamente cansado pela primeira vez desde sempre, até que encontrou uma figura deitada bem em frente a sua porta, dormindo. Se sua noite havia sido estranha, ela parecia ficar cada vez mais ao encontrar Xavier dormindo ali no corredor jogado no chão.

Alex estalou a língua.

“Ei, Xavier, acorda pirralho. O que você está fazendo aqui?”

Ele já podia até adivinhar. O garoto havia fugido de casa novamente e provavelmente pensou que o apartamento de Alex era o lugar seguro mais próximo para passar a noite. Isso o irritava de alguma forma. A ultima vez que ele se lembrava, eles estavam quites, então não havia necessidade de o garoto voltar. Eles poderiam voltar a ser estranhos e esquecer um do outro, sem se falar nunca mais. Ele ficaria contente com isso.

Mas não, as coisas nunca funcionavam como ele queria. É claro.

“Ei, Xavier!” Ele chamou novamente, mais alto. Sendo como era, ele cutucou o garoto com a ponta da bota, com preguiça de se ajoelhar e chacoalhar o garoto.

Xavier resmungou e esfregou os olhos, bocejando. Ele lentamente se levantou do chão, ficando sentado e olhou para Alex com um pequeno sorriso que dizia ‘Oi’. Isso o lembrou muito daquele sorriso que ele viu quando ambos se encontraram na frente de uma boate, o único sorriso que de alguma forma ficou gravado em sua mente — e por que ele lembrava disso agora estava além de sua compreensão.

“Ei, Alex.” Disse o garoto, a voz rouca de sono.

E assim Alex percebeu um detalhe a mais. Os olhos de Xavier estavam vermelhos e levemente inchados, como se ele tivesse chorado muito recentemente. Ele podia até distinguir o resto de lágrimas secas nas bochechas do garoto, se é que isso poderia ser notado. Mas ele definitivamente tinha chorado, os sinais eram claros como a luz do sol.

“O que você está fazendo aqui?” Ele disse, cutucando-o com sua bota mais uma vez.

“Pare de me chutar!” Xavier reclamou, empurrando o pé de Alex para longe. “Você é mau.”

“Mas é claro, ninguém dorme no meu capacho. Agora saia daí, eu quero ir para casa.” Ele reclamou em resposta, desta vez propositalmente empurrando Xavier para fora do caminho com a perna. Pela primeira vez em muito tempo ele estava exausto e a dor de cabeça ameaçava voltar. Não era realmente exaustão que ele sentia, para ser exato, mas ele ficaria feliz em colocar um rótulo nessa sensação estúpida, pois era melhor do que não ter nada.

Xavier se levantou, mas ao invés de ir embora, o garoto levantou a mão para o lado, tentando impedir que Alex chegasse até a porta. Alex revirou os olhos em aborrecimento; não tinha tempo para algo tão estúpido para isso agora.

“Mova-se!” Disse ele, baixando a voz, mostrando como estava apenas a um passo de sair de irritação para a raiva.

O garoto a sua frente fingiu não entender, mantendo a postura mesmo quando Alex o empurrou e tentou chegar a maçaneta. Eles terminaram em algo como crianças brincando de lutinha, Alex tentando abrir caminho com a chave da porta já em mãos, e Xavier sendo persistente em afasta-lo da fechadura.

“Não tenho tempo pra isso!” Ele rosnou.

Isso não assustou Xavier, que continuou resistindo. Com a condição de Alex agora, somando o álcool e a dor de cabeça, ele sabia que sua chance de dominar o garoto seria quase nula. Ele também não era de envolver em força física e estando praticamente peito a peito com o garoto, ele meio que já tinha esquecido como não gostava de contato físico.

“Eu deixo você entrar se você me deixar dormir no seu sofá.” Xavier ofereceu por fim.

“E eu porque eu faria isso porra. Estamos quites. Você nem deveria estar aqui para começar.” Alex respondeu, irritado. Era verdade, ou pelo menos parecia, os dois estavam quites e não havia razão nenhuma para Xavier aparecer perto de seu apartamento novamente.

“Mas Alex eu—”

Ele aproveitou a chance e agarrou a porta rapidamente, enfiando a chave antes que Xavier pudesse reagir e abriu a porta com força total. A vitória estava claramente pintada em seu rosto com um certo “AHA!” sendo falado em voz alta. Ele pensou em entrar e bater a porta bem na cara de Xavier para ter a sensação de triunfo e ver seu inimigo amuado em desespero. Ele estava sendo infantil, mas, novamente, era parte das maravilhas do álcool.

“Eu não tenho para onde ir.”

Ele deu um passo para dentro de seu apartamento e se virou para Xavier. Ele olhou para o garoto mais uma vez, lembrando-se do vermelho em seus olhos e das marcas de lágrimas. Xavier parecia triste e de alguma forma Alex invejou isso. Ele não conseguia chorar. Ele não podia se sentir triste. O que Xavier estava sentindo provavelmente era horrível, pois ele deve ter fugido por razões que ele nunca saberia. Xavier devia estar com raiva e triste por fazer tal coisa, mas por mais horrível que soasse e parecesse, ele não podia deixar de invejar isso. Ele não conseguia nem se sentir horrível consigo mesmo. Ele ficaria, assim como tinha experimentado segundos atrás, irritado ou com raiva por tal coisa, mas ele sabia que não era um sentimento real. Ele ficava apavorado sempre que o telefone tocava. Ele também sentia dor e fome, a primeira principalmente durante os episódios de dor de cabeça.

Mas, acima de tudo isso, ele se sentia mentalmente cansado ao perceber que não estava vivendo.

Ele queria perguntar. ‘Por que você estava chorando? Ou ‘Por que você continua fugindo?’ mas manteve isso para si mesmo, sabendo que era a escolha de Xavier falar sobre isso. Ele não queria ser como Oliver, ele queria deixar Xavier falar sobre isso quando ele quisesse. Pelo menos Xavier ainda tinha algo para ficar bravo ou triste. E quanto a ele? Ele quase não tinha nada e aqui estava ele sendo cuidado por quase todo mundo que ele conhecia. Não havia nada de errado com ele, mas eles continuavam insistindo e, até esse ponto, até o fizeram acreditar que havia.

“Por favor, Alex.”

Eram cinco da manhã, perto do amanhecer, e Xavier Sharpe havia escolhido vir até ele. Por mais mau que pudesse ser, ele não tinha coragem de deixar o garoto do lado de fora dormindo no corredor do prédio. O álcool fazia maravilhas, pois ele suspirou e deu um passo para o lado para que Xavier pudesse entrar.

“Você pode dormir no outro quarto.” Ele disse antes de fechar a porta e cair no sofá como sempre.

“Mas eu quero o sofá.” Xavier disse novamente, choramingando, apoiando-se ao lado dele e ficando muito perto como da ultima vez.

Alex apenas gemeu, massageando suas têmporas. Seu corpo estava cansado e, pela primeira vez, isso era um bom sinal. Sim, cansado era bom. Fazia muito tempo que não sentia a necessidade de dormir e ficaria bem feliz em abraça-la novamente.

“Não faça com que eu me arrependa disso.” Ele murmurou.

Podia sentir a escuridão engolindo-o por inteiro, puxando-o suavemente para o seu calor, acariciando-o com as mãos. Ela se movia tão suavemente e com tanto cuidado que Alex nem percebeu que estava caindo no sono. Isso o ligeiramente lembrou muito daquela primeira noite com Xavier. Por quê? ´Por que o sono vinha tão fácil apenas quando aquele garoto estava por perto?

“Você não vai se arrepender. Vai adorar minha companhia.” Xavier respondeu, sendo estranhamente verdadeiro. Era como se ele pudesse ler sua mente. Mas, novamente, depois de pensar nisso todo esse tempo, não duvidava que Xavier realmente poderia.

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Não foi a dor de cabeça que o acordou dessa vez, e sim outro pesadelo embora aquele fosse ridículo demais para ser um. Luka estava dando uma cambalhota no ar e um Percy mais velho e barbado o convidava para um casamento. A cerimônia foi bastante descente, até que ele subiu ao estande como padrinho, tendo que falar sobre como os noivos estavam condenados a viver um com o outro pelo resto de suas vidas. Ele pegou o microfone na mão, olhando para Luka e Percy com um olhar confuso quando abriu a boca para falar.

“Eu sou—"

Queria dizer que era conhecido dos dois noivos (tinha vergonha de dizer que era amigo, pois seria condenado chamar os dois de bons amigos) quando, em vez disso, outras palavras escaparam de seus lábios.

“—um assassino.”

Alex piscou. Ele não quis dizer isso. Mas quando abriu a boca novamente, as mesmas palavras escaparam de seus lábios. Ele tentou falar sobre outra coisa, mas de alguma forma essas eram as únicas palavras que ele conhecia e repetia no microfone. Os convidados estavam olhando para ele com confusão no inicio, antes de seus olhares se transformarem em acusação. Ele tentou sair do palco mas alguém segurou sua mão, sussurrando as mesmas palavras em seu ouvido.

“Você é um assassino.”

Foi isso que acordou Alex. Ele arregalou os olhos, seu coração batendo rápido e seus pulmões ofegantes por ar. Parecia que tinha sido mergulhado em uma banheira de gelo e então puxado para cima novamente. Ele apertou uma das mãos no peito, tentando respirar fundo. A outra mão foi em direção a cabeça dolorida e ele gemeu de dor, fechando os olhos com força a ponto de lágrimas começarem a se acumular.

Foi então que percebeu que Xavier estava lá. Ele havia dormido no sofá, sentando como sempre fazia e Xavier acabo dormindo ao seu lado, a cabeça apoiada na coxa de Alex. Se ele não estivesse com tanta dor, teria protestado sobre isso, mas agora tudo o que importava era se livrar da dor excruciante. Seu movimento repentino despertou Xavier e o garoto levantou rapidamente, examinando o ambiente antes de olhar para Alex que estava agachado a ponto de quase beijar os próprios joelhos, ambas as mãos agarrando sua cabeça.

“Alex, Alex, o que há de errado?” Xavier perguntou, pânico em sua voz.

Ele queria responder que era apenas um pesadelo estúpido. Isso combinado com a ressaca e dormir no sofá havia sido uma combinação dos infernos.

“Você está com dor?” Xavier se aproximou e colocou a palma da mão suavemente em sua testa. “Você está com febre, Alex.”

Engraçado. Ele não tinha pensando em ficar doente.

“Deite-se.” Comandou Xavier.

Alex obedeceu, deitando no sofá. Suas articulações gemeram em protesto e ele não conseguia sentir a perna esquerda, provavelmente resultado de Xavier usa-la de travesseiro a noite toda.

“Espere aqui.” Disse o garoto antes de desaparecer.  Ele logo voltou com uma cartela de aspirinas e um copo d’agua, provavelmente vindo do armário do banheiro. Então Alex estava tomando aspirinas o tempo todo, mas estranhamente não se lembrava de compra-las em primeiro lugar. Como Xavier as encontrou? Colocar remédios atrás do armário do banheiro provavelmente era uma coisa que todo mundo fazia também. Ele realmente não queria pensar nisso agora no meio dessa dor.

Xavier lhe passou os remédios e a água e ele obedeceu antes de voltar a se deitar no sofá, uma mão nos olhos e outra pendurada inutilmente fora do sofá. Sua cabeça ainda latejava, mas pelo menos sua respiração havia melhorado. O que foi isso? Apenas mais um pesadelo, não? Apenas mais um sonho estranho.

“Você está bem, Alex?”

Apenas uma combinação ruim de ressaca e sonhos ruins.

“Estou bem, garoto. Estou bem.”

Xavier apenas ficou sentado no chão ao lado do sofá, olhando para ele. Ele pensou que pelo menos o pirralho diria que não, assim como Oliver e os outros diziam. Como se as palavras fossem mentira, mas o garoto apenas ficou sentado em silencio, observando-o.

“Ok.” Xavier disse finalmente.

Ele se perguntou que horas eram, mas só pensar fez sua dor de cabeça piorar. Provavelmente era meio dia, porque o sol estava brilhando la fora por trás de suas cortinas fechadas.

“Obrigado por me deixar ficar, Alex.”

Ele não estava com disposição para conversa, mas percebeu que simplesmente precisava ouvir o garoto.

“Sinto muito por ter usado sua coxa como travesseiro. O sofá parecia confortável e eu não me importo de compartilhar as coisas.”

Mas Alex se importava, na verdade, em compartilhar. Se não fosse por sua dor de cabeça, ele provavelmente teria dito alguma coisa.

“Sinto muito por ter chorado nas suas calças também. Eu vou lava-las se você estiver com raiva de mim, não se preocupe.”

Ele não sabia se tinha que rir, ficar com raiva ou suspirar com isso. Ele pensou em levantar a outra mão para dar um tapa na cabeça do garoto, mas Xavier continuou.

“É só que meus pais, eles—”

Por um momento Alex teve medo que Xavier fosse chorar. Ele odiaria isso. Ele esperou pelas palavras de Xavier, esperou que uma história começasse ou uma explicação se seguisse. O garoto respirou fundo antes de continuar.

“As coisas estão difíceis lá em casa. E eu simplesmente não suporto estar lá e ver meus pais.”

Alex quase nunca conheceu os dele. Eles nunca discutiram na frente dele, nunca brigaram. Eles quase não eram pais. Falavam com ele apenas quando consideravam necessário. Sua única tentativa de chamar a atenção deles se transformou em uma percepção horrível, o que o mudou para sempre. Era para o bem deles, porque desde então ele havia aceitado o que esse universo havia definido para ele. Seu destino estava a sua frente e Alex Webber só precisava seguir em frente e seguir as placas.

No entanto, agora ele não se movia.

Ou talvez ele simplesmente não quisesse se mover.

 

 

A dor de cabeça melhorou, mas todo o seu corpo parecia pesado. Xavier disse para ele dormir de novo, mas ele não conseguiu. No fundo de sua mente, ele pensou que era algo mais sobre estar com medo do que ser incapaz. Ele estava com medo de ter outro pesadelo, de ouvir a palavra ‘assassino’ soar em seus ouvidos. No fim, ele apenas ficou deitado no sofá, Xavier sentado no chão com as costas contra o sofá, olhando para o teto até que sua dor de cabeça diminuísse e ele se sentisse gradualmente melhor.

Seu corpo se sentia melhor, porque ele mesmo não se sentia. Seu corpo era aquele que estava quebrado e ele como pessoa ainda estava longe de ser quebrado ou não. Ele era, assim como o sentimento que persistia, nada.

Xavier ligou a televisão, abraçando os pés a frente, a cabeça apoiada em cima dos joelhos, assim como um garoto de dez anos assistindo seu desenho favorito em um domingo de manhã. Observar Xavier pelo canto dos olhos de repente se tornou divertido. Ele observou o garoto ficar de boca aberta a maior parte do tempo antes de transformar em um sorriso ou gargalhada quando algo engraçado acontecia na tela. O sorriso as vezes se transformava em um beicinho de vez em quando, sempre que uma cena que não era de seu agrado aparecia.

Alex apenas observava todos eles e não sabia porque aquela visão o encantava tanto. Dificilmente era uma visão incrível, mas naqueles dias era algo mais do que apenas seu próprio rosto olhando para a tela da TV desligada. E Xavier...Xavier era diferente. Ele era expressivo e Alex invejava isso, assim como invejava como Xavier podia chorar. Ele invejava seu sorriso e seu choro, sua risada e seu beicinho. Como ele estava chorando na noite passada e como ele estava rindo agora.

Xavier Sharpe podia chorar e rir.

Alex Webber não podia fazer nada além de respirar.

O telefone tocando chamou sua atenção. Algo afundou dentro de seu coração quando o som do toque encheu o apartamento. Xavier virou a cabeça e sendo um idiota insolente como Alex sabia que ele era, Xavier caminhou em direção ao telefone e tentou pega-lo. Foi quando Alex se levantou de sua posição no sofá quase gritando:

“Não!”

Xavier congelou, seus dedos já na alça do telefone, pronto para pega-lo. Levantar assim de repente fez sua cabeça doer novamente e Alex rosnou, fechando os olhos — a ação apenas o deixou tonto e o som do toque não melhorou a situação.

“Por que? É só um telefone, Alex. Você está fugindo de um cobrador de dividas ou algo assim?” Xavier disse, virando a cabeça para ele com um sorriso torto no rosto, pensando que havia feito uma piada legal.

O telefone continuou tocando e cada segundo que passava fazia Alex olhar para o telefone horrorizado. Este não era o primeiro telefonema que ele recebia desde aquele ultimo terrível e cada um deles o fazia contar os toques, esperando longos segundos para que o toque diminuísse e fosse direcionado ao correio de voz.

Oito vezes.

Ele poderia até dizer que o telefone tocou oito vezes.

Um, dois, três...

“Alex, você parece apavorado.” Disse Xavier, olhando para ele como se estar apavorado com o telefone fosse uma piada.

Quatro, cinco...

Alex engoliu seco. Não era o telefonema que o atormentava. Era o sonho dele que acontecia agora e não importava onde ele fosse, dormindo ou acordado, o pesadelo o perseguiria. Era a estática no fim da ligação, que foi desviada para o correio de voz e uma voz falando depois dela, rouca e confusa, mas proeminente o suficiente para ele entender a palavra que estava sendo falada. O sorriso de Xavier gradualmente desapareceu de seu rosto, o garoto finalmente percebendo que Alex estava com medo por um motivo. Um motivo real.

Seis, sete...

“Do que você tem tanto medo?” Ele perguntou, olhando para Alex confuso.

O toque foi substituído por um bipe. A estática encheu o ar e Alex congelou no sofá, seus dedos agarrados a borda, esperando.

“Ei Alex, sou eu Scott.”

A voz de Scott se espalhou pela sala e Alex pôde respirar novamente. Era apenas Scott. Nada a temer.

“Apenas checando você. Você desapareceu ontem à noite e, como sempre, ficamos meio preocupados. Você está em casa? Por favor, me ligue de volta. Deus, que ressaca de merda.” Choramingou Scott, gemendo. Alex sentiu uma espécie de satisfação maligna ao saber que ele não era o único lidando com dores de cabeça horríveis. Ele pensou por um momento como o álcool poderia ser a resposta para sua situação, mas se uma ressaca como essa e o gosto azedo de vomito em seus lábios fossem a única coisa perto de deixa-lo se sentir genuíno, então ele preferia não beber pelo resto de sua vida.

Alex suspirou, caindo de volta no sofá. Xavier continuava olhando para ele com o rosto cheio de perguntas.

“O que foi isso?”

“Nada.”

Porque Alex estava bem.

Ele estava perfeitamente bem.

 

 

Alex acabou retornando a ligação de Scott, deixando o amigo surpreso por ele ligar de volta pela primeira vez. Não era como se ele quisesse faze-lo, mas algo lhe dizia que precisava. Ele pediu a Scott para reabastecer sua dispensar e comprar alguns mantimentos para ele. Não foi o maior pedido, porém, porque o principal motivo da ligação foi ele ter se lembrado do estado de seu carro na garagem e ele resolveu pedir a Scott para pegar seu carro e leva-lo para o conserto. É claro que Scott usou essa oportunidade para persuadi-lo a fazer uma promessa, mas sua voz cansada e a desculpa sobre esse favor foram redimidas por ele ter saído com eles na noite passada.

"Sim, estávamos meio felizes, ontem. Parecia como nos velhos tempos e você parecia estar feliz, aproveitando seu tempo," Scott comentou.

Ele não o fez, e de alguma forma o que Scott disse o fez se perguntar se a pessoa na outra linha do telefone era digna o suficiente para ser chamada de melhor amigo ou não. Era um pensamento horrível, ele percebeu. Um Oliver bêbado significava que seu amigo estaria dormindo por algum tempo, explicando assim por que foi Scott quem ligou para ele. Ele estava agradecido na verdade, porque depois do que aconteceu na noite passada ele realmente não queria falar com Oliver naquele momento.

Após o término da ligação, ele olhou para Xavier que assistia a um desenho animado, sentado em frente ao sofá, no chão. O próprio Alex se deitou em cima do sofá novamente.

“Eu odeio esse desenho.” Comentou Alex.

Hora de Aventura. Ele já tinha gostado uma vez (e ele tentava ao máximo apagar essa memória de sua mente) mas agora parecia estranho.

“Ah, vamos lá Alex, eu sei que no fundo você gosta disso.” Xavier rebateu, se recostando contra o sofá.

Esse foi um dos momentos que Xavier se tornou assustadoramente verdadeiro, como se o garoto tivesse um acesso especial a certas memórias e pensamentos de Alex. Falando nele, já era quase meio-dia e ele ainda estava sentado em sua sala sem a intenção de ir para casa. Ele havia mencionado algo sobre os pais e Alex já conseguia entender como Xavier devia estar se sentindo por ter que ir embora.

“Volte a dormir de novo, Alex, parece que você precisa disso.” Disse ele, virando-se para olhar para Alex e desligando a televisão. Ele ainda estava sentado no chão, e cruzou as mãos e as colocou no sofá bem ao lado de Alex, ficando muito perto como sempre fazia.

“Não posso.”

“Você tem insônia?”

“Pode ser.”

“Você já tentou contar?”

“Você não vai acreditar em quantos carneirinhos eu contei.”

“Já experimentou chá de ervas?”

“Eu não—”

“Que tal remédio para dormir? Longe de mim recomendar isso, já vi gente ficar viciada nessa merda mas po—”

“Cala a boca tá?! Você não está melhorando nada!” Alex levantou a voz, cobrindo os olhos com as costas da mão.

Xavier pareceu surpreso ao ouvir seu berro. Ele ficou tenso, mas não com medo.

“Não precisa ficar bravo, Alex.” Ele disse lentamente, a voz baixa e falando sério provavelmente pela primeira vez em sua vida.

Raiva? Certo, essa queimação no peito com certeza era raiva. Ele não sentia isso há muito tempo, tanto que se tornou estranho para ele. As pessoas sempre faziam muitas perguntas, sempre se intrometendo, sempre colocando rótulos em cima de qualquer porra de problema que eles achavam que ele tinha quando não tinha uma solução para explicar tudo. Quem o conhecia melhor do que ele mesmo? E todas aquelas pessoas decidiram que podiam dizer o que havia de errado com ele. Essa era outra razão pela qual ele odiava médicos e evitava ir a um.

“Bem, vamos ver, Xavier. Eu não consigo dormir. Não consigo sentir sono. Passo meus dias olhando para o teto, contando até um milhão e ainda não consigo dormir. Quando consigo, só tenho pesadelos e quando acordo parece que eu nunca dormi.”

Tudo o que conseguiu dormindo foram as mesmas malditas palavras. Assassino, assassino, assassino, assassino, assassino, assassino.

“Parecia que eu estava me afogando.”

Ele realmente não deveria fazer isso. Xavier estava simplesmente sendo um pirralho ignorante com suas perguntas estupidas, ele não queria causar problemas. Ele não fez aquela pergunta que ele mais odiava, não perguntou com um aborrecimento persistente como seus amigos sobre ele estar bem ou não. Ele nem mesmo estava dando a ele aquele olhar de preocupação que ele passou a detestar. Xavier Sharpe simplesmente o pegou um mal momento. Ele nem sabia ser era com seus amigos ou com Xavier que ele estava bravo.

“Alex, você—”

E Alex se levantou, virando a cabeça para Xavier que o olhava com os olhos arregalados. Ele não sabia, mas palavras começaram a sair de seus próprios lábios, direcionadas a Xavier. O garoto certamente não previu isso e nem mesmo Alex.

“Não, não comece com essa merda, certo? Estou farto de pessoas perguntando se estou bem ou não. Estou perfeitamente fodidamente bem. Por que ninguém me deixa em paz? Você nem deveria estar aqui de qualquer maneira, pirralho.”

Não era realmente com eles que ele estava bravo. Seria ele mesmo. Seria o destino, se tal coisa existisse.

Ele soltou um grande suspiro. Sempre lhe disseram que falar melhorava as coisas. Não, não. Acontece que aqueles conselhos de merda eram realmente uma merda, afinal. Ele só se sentia frustrado, sentindo-se até traído, por que isso não deveria lhe dar algum alivio? Onde estava agora? Ele já havia falado o bastante, então onde estava o alívio prometido a ele? Não havia nenhum, certo? Todos eles estavam mentindo para ele. No fim, ele apenas cuspiu as palavras para Xavier, que na verdade não merecia ouvir isso em primeiro lugar. Ele estava, como Xavier sempre dizia, sendo mau.

Xavier estava quieto. Ele manteve sua expressão, olhando direto para os olhos de Alex. Ele não olhou para ele como se estivesse arrependido ou preocupado.

“Sinto muito.” Disse o garoto suavemente. “Você merece dormir. Queria que seu corpo permitisse isso para você.”

Com isso Xavier se levantou lentamente. Alex apenas ficou sentado ali, olhos fixos no chão enquanto ouvia o garoto caminhar até a porta da frente. Ele ouviu a porta sendo aberta quando Xavier saiu e ele nem se deu ao trabalho de se levantar do sofá e correr atrás dele. Havia pedido para ele ir embora, não foi? Ele apenas ficou sentado sem olhar para Xavier, fazendo a única coisa em que era bom — respirar.

Havia cometido um erro?

Falar não o fazia ficar melhor. Só piorava as coisas.


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