Insomniacs escrita por Skadi


Capítulo 4
Capítulo Quatro - Terapia Tarde da Noite




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/808114/chapter/4

Uma noite Alex percebeu que estava muito cansado.

Não, não era realmente essa a palavra certa para descrever o que sentia, afinal ele nunca se cansava de verdade — fisicamente, pelo menos. Além disso, como ele poderia estar cansado se tudo o que fazia era sentar no sofá e olhar fixamente para a parede? As vezes era a parede. Outras vezes era seu próprio reflexo na tela preta da TV, olhando para ele com um olhar tão patético. Foi durante uma de suas noites sem dormir, sentado em sua mesa de jantar com uma tigela de macarrão instantâneo a sua frente, que ele finalmente encontrou a palavra perfeita para descrever sua situação. Não, não era cansaço ou sonolência que ele sentia, nem era qualquer sensação física de cansaço ou sono.

E esse era o problema.

Ele não sentia realmente nada.

Claro, ele sentia fome. Se sentia irritado sempre que alguém batia em sua porta. Acima de tudo, ele se sentia ansioso sempre que o telefone tocava, esperando que o toque parasse e quem estivesse ligando fosse direcionado para o correio de voz. Mesmo assim, ele ainda olhava para o telefone com os olhos arregalados, agarrando a borda do sofá com os dedos, apenas para descobrir que toda essa ansiedade não tinha sentido quando a voz de Scott ou Oliver saia pelos auto falantes.

Fora isso, ele não sentia absolutamente nada e se sentia completamente cansado com isso.

Não era algo que Alex pudesse descrever, mas aquele vazio persistia. Ele estava sentado à mesa de jantar com uma tigela quente de comida à sua frente. Não era o melhor momento para ter um epifania sobre a vida de alguém, era? Então, novamente, porque só agora o pensamento lhe ocorreu? Provavelmente porque ele estava de olho no conjunto de facas não usadas que Oliver deixou na pia para secar. Engraçado. Por que ver aquelas facas levou seu pensamento para uma coisa completamente não relacionada a elas? Facas eram usadas para cozinhar, não serviriam de salvação para ele. Claramente não porque elas eram usadas para cortar.

E não havia nada para ele cortar.

Como se não houvesse nada para ele sentir.

Ele provavelmente ainda estaria sentado lá, os restos de seu jantar esquecidos, se não fosse pela batida na porta. Ele levantou sua cabeça ligeiramente, olhando para o corredor que levava à porta da frente. Seus olhos então dispararam para o relógio pendurado na parede. 23:00. Alex pensou em ignorar a pessoa na porta para deixa-la pensar que ele estava dormindo, finalmente voltando sua atenção para seu macarrão instantâneo e finalmente o comendo, o macarrão estando um pouco encharcado e não tão quente graças a sua pequena epifania.

A batida continuou, dessa vez mais forte. Quem quer que estivesse parado atrás da porta era bastante persistente. Ele estalou a língua e continuou com seu jantar.

“Eu sei que você não está dormindo, Alex!” A voz abafada berrou do outro lado da porta, difícil de reconhecer. “E eu sei que você está aí, não me engane!”

Alex gemeu. Isso era problemático. Talvez ele pudesse deixar quem quer que estivesse batendo parado no corredor até o amanhecer. A pessoa definitivamente desistiria então.

“Vou gritar tão alto que os seus vizinhos vão reclamar por sua causa se você não abrir essa porta agora!”

Alex fez uma careta, voltando a comer, se sentindo inquieto. Ele não ousaria, não é? Gritar no meio da noite? Claro que não. Quem seria louco o suficiente para—

“ALEXANDER WEBBER MOTORISTA MALUCO ABRA A PORTA AGORA OU EU—”

Ao ouvir isso, Alex correu de sua cozinha em direção à porta da frente, derrubando sua tigela de macarrão no processo e derramando o caldo no chão. Ele abriu a porta do apartamento com pressa, vendo o rosto de Xavier Sharpe, sorrindo amplamente para ele e fazendo um sinal de paz com as mãos.

“CALA A BOCA, PORRA—”

A porta do apartamento ao lado do dele se abriu no momento mais improvável. Alex congelou, vendo a Sra. Fitzgerald espiar a cabeça para fora para vê-lo parado no corredor xingando. A mulher de meia-idade levantou a sobrancelha e lhe lançou um olhar irritado.

“Alexander, por que esse barulho todo?”

O rosto de Alex estava vermelho e vergonha. Ele rapidamente fez um gesto com as mãos, expressando seu pedido de desculpas: “Sinto muito, Sra. Fitzgerald. Não vai acontecer de novo, eu prometo.”

Por mais que Percy fosse um pirralho bobo e idiota, Alex nutria algum respeito por aquela mulher como um bom vizinho que ele era. Ela deu a ele um ultimo olhar antes de voltar para dentro de se próprio apartamento, trancando a porta atrás de si.

No momento em que ela sumiu de vista, Alex agarrou Xavier pela gola da camisa e praticamente o jogou para dentro do apartamento, o rosto uma mascara de fúria e dentes cerrados.

“Seu pequeno pedaço de merda!”

“Ei, me desculpe, cara, eu realmente não achei que sua vizinha viria de verdade.” Disse o garoto, levantando as mãos para ele, com as palmas abertas.

“Bem, ela realmente saiu e tudo por causa da sua boca larga!”

“Ei, não sou eu que fui pego xingando os outros!”

Alex sentiu vontade de se dar um tapa. Ele respirou fundo antes de estudar o garoto, parado estranhamente em sua sala como na noite em que quase o atropelou. Um sorriso tímido pintado naquele rosto. Ele tinha certeza que ter uma discussão com Xavier não daria fruto algum e ele só terminaria mais irritado.

“O que você está fazendo aqui, afinal?” Ele perguntou por fim, sentando-se em seu sofá. Com o canto dos olhos, ele podia ver os restos do macarrão espalhados na mesa e no chão da cozinha, e só o pensamento de ter que limpar aquilo mais tarde o fez gemer. Isso tudo era culpa daquele garoto.

Xavier caminhou em direção ao sofá e sentou-se ao lado dele. Ele não lembrava de ter dado permissão para que ele sentasse, mas estava cansado demais para realmente se importar.

“Fugi de casa de novo.” Disse Xavier com indiferença, mas havia um pouco de diversão e orgulho em seu rosto na forma de um pequeno sorriso.

Alex ergueu uma sobrancelha. Da ultima vez, Xavier admitiu ter feito isso as três horas da manhã depois de quase morrer atropelado. Ele devia ter uma família horrível se fugir de casa tinha se tornado um habito.

“Não acho que isso seja saudável.” Comentou Alex.

“Como se você fosse alguém para falar.” Xavier zombou, cruzando os braços sobre o peito.

Alex rolou os olhos, sentindo-se irritado. Xavier não merecia dizer aquelas palavras como se o conhecesse, o que ele claramente não o fazia. Ambos eram estranhos aos olhos um do outro. Cansado de discutir, Alex apenas cruzou os braços e afundou no sofá, suspirando novamente. Se lembrava de não sentir nada e estar cansado alguns minutos atrás, mas agora nada parecia tão cansativo quanto manter uma conversa com o garoto agora e nada parecia mais irritante que Xavier Sharpe naquele exato momento.

“Alex, você me prometeu uma coisa.” Xavier disse, virando-se para ele, puxando sua manga.

O contado o incomodou um pouco já que Alex não gostava muito de ser tocado. Ele puxou sua mão, tentando se afastar de Xavier enquanto o ignorava também. Xavier entendeu a mensagem, e uma pessoa normal o deixaria em paz, mas Xavier Sharpe certamente não era uma pessoa normal, porque ele sorriu e agarrou a mão de Alex, a abraçando.

“Que porra! Me solta!” Reclamou Alex, tentando soltar a mão.

“Mas você me prometeu comida.” Xavier choramingou.

“Isso não significa que vou te dar comida agora!”

“Mas você não disse quando, então presumi que qualquer hora estava bem.”

“Eu claramente não quis dizer isso, então me solte!”

Xavier apenas agarrou seu braço com mais força e passou a cutucar o ombro de Alex com a cabeça, imitando o movimento de um gato manhoso, roçando sua bochecha no tecido de seu moletom.

“Vamos, Alex, ficaremos quites então. Você quer me compensar, não é?”

Ele realmente queria. Ele ainda tinha o lenço de Xavier em seu quarto e não havia comprado um novo para devolver. Ele parou de resistir por um minuto e pensou por um momento; talvez essa fosse realmente uma boa maneira de se livrar daquele garoto para sempre.

“Tenho macarrão instantâneo.” Declarou ele por fim.

Xavier parou de cutuca-lo, virando a cabeça para olha-lo nos olhos e ergueu uma sobrancelha.

“Você quer comida, certo? Eu tenho um estoque de macarrão instantâneo. Ficaremos quites então.”

Xavier fez uma careta.

“Sério, cara? Macarrão instantâneo? Vamos sair e comprar comida de verdade.”

Sair de casa não estava marcado em lugar nenhum da sua agenda. Alex detestava o mundo exterior — sempre tinha essa dor de cabeça toda vez que colocava o pé para o lado de fora. Estava contente e confortável confinado em seu apartamento, tinha tudo o que precisava ali. Não havia necessidade de se aventurar lá fora. Pelo menos ele tinha comprado mantimentos da ultima vez. O próximo passo provavelmente seria o isolamento total, fazendo suas comprar por um aplicativo para que fossem entregues em sua porta da frente e ele nunca mais teria que estar nas garras do cruel mundo exterior.

“Vou pedir comida chinesa e depois você vai embora.”

Xavier balançou a cabeça negativamente e deixou escapar um ‘não’. Ele encostou a cabeça novamente no ombro de Alex. Chegou ao ponto em que Xavier levantou as pernas e as colocou entre as dele, prendendo a perna esquerda entre as suas, praticamente o prendendo no sofá. Alex estremeceu porque o toque tinha sido demais e dar um soco no queixo do garoto agora provavelmente seria a melhor opção.

“Hmm, pizza então e você tem que passar a noite.” Alex deixou escapar, esperando que isso fizesse o garoto pular de excitação em meros segundos e o largasse.

Xavier não o deixou ir como ele pensou. Em vez disso, o garoto o abraçou ainda mais forte, soltando-se por um breve momento apenas para abraça-lo novamente, desta vez envolvendo suas mãos ao redor dele. Alex pensou que odiaria isso tanto quanto odiava ser tocado, mas o abraço o deixou estupefato. Ele odiava toques mesquinhos, calor corporal trocado entre mãos tremulas e roçar de ombros em um abraço. Era desconfortavel, parecia que ele estava levando um choque e ele sempre queria afastar isso rapidamente. Luka gostava de abraços, mas era diferente. Xavier não fez aquele gesto de aperta-lo no meio do abraço, ele apenas deixou seus braços envolverem Alex e de alguma forma Alex se viu não se importando com isso, mesmo quando o garoto descansou o queixo conta a curva de seu pescoço. Isso certamente era novo.

“Você está gostando disso, não está, Alex?” Xavier perguntou, sorrindo contra seu pescoço.

E essa foi a deixa para dar um soco no rosto de Xavier (brincando, é claro). Um leve rubor surgiu em seu rosto mas ele rapidamente se levantou, pegando o telefone para pedir uma pizza.

Xavier Sharpe era a definição de irritante.

 

 

Ele nunca, em toda a sua vida, se imaginaria sentado em seu sofá, dividindo uma pizza com o garoto que ele tinha quase atropelado tempos atrás. Na verdade, ele jamais imaginaria dividir uma pizza com alguém hoje em dia.

Ele ainda achava Xavier extremamente irritante. O garoto não passava de um intruso em sua vida de solidão, mas estava aprendendo cada vez mais sobre esse estranho, mais do que gostaria de admitir. O garoto falava demais e sobre qualquer coisa, e como Alex não era de puxar conversa, ele deixou Xavier falando enquanto finalmente cuidava da bagunça derramada no chão frio da cozinha. Ele deixou o garoto vagando com uma pizza na mão, olhando para os móveis e passando pelas portas, desde que o deixasse em paz. Ele meio que se arrependeu de deixa-lo passar a noite, já que aquilo foi dito no calor do momento, embora o garoto pudesse facilmente dormir no quarto de hospedes.

“Hey, Alex.” Xavier chamou de dentro de seu escritório. Ele estava mexendo nos papéis e Alex não se importava muito. Ele não respondeu ao chamado até que o garoto voltou para a sala e o chamou mais uma vez. “O que você estuda na faculdade, Alex?” Perguntou o garoto, puxando uma das cadeiras e se sentando na mesa da cozinha, descansando a cabeça sobre o braço dobrado em cima da mesa.

“Administração.”

Alex estava atrapalhado com os pratos na pia. Em momentos como esse, a ideia de ter uma empregada começava a atrai-lo, mas, novamente, isso significaria deixar outra alma entrar em seu apartamento e isso era exatamente o que ele estava tentando evitar. Ter Oliver por perto era como ter uma empregada de qualquer modo, então deixar seu amigo visita-lo de vez em quando não parecia uma má ideia, afinal. Mas apenas se Oliver classe a boca e não tentasse ter outra conversa psicológica sobre sua saúde mental.

Xavier assentiu. “Hmm, eu não acho que você realmente gosta de administração.”

“Não fode, pirralho.” Respondeu Alex, sem olhar para o garoto. Xavier estava certo, porém, e meio que o irritou a facilidade com que o garoto podia lê-lo.

“Então você gosta de fazer administração? Sério mesmo?” Xavier rolou os olhos. “Quero dizer, há poeira em toda a sua mesa e seus livros. Acho que você não vai para a faculdade há muito tempo.”

O que era ele? Sherlock Holmes ou algo assim?

“E se eu estiver estudando na mesa da cozinha? Ou num Starbucks?”

“Ok, eu não pensei nisso.” Xavier abriu um sorriso.

Alex continuou limpando a pia, mesmo quando ela já estava limpa. Ele estava tentando evitar conversa, mas Xavier claramente não entendia isso. É claro que não.

“O que você realmente gostaria de fazer, Alex?”

O que Xavier Sharpe sabia sobre ele, realmente? Ambos eram estranhos aos olhos um do outro. Alex não tinha motivos para responder as suas perguntas, ele não deveria nem deixar o garoto ficar por perto para começar. Na manhã seguinte, ele chutaria o garoto para fora e eles nunca mais se veriam. Não haveria batidas na porta e encontros acidentais, e Alex finalmente ficaria em paz. Assim, ele percebeu que não deveria realmente continuar a conversa, nem que deveria tentar saber mais sobre o garoto. Além disso, ele não deveria falar sobre si mesmo mais do que o necessário. Ele poderia facilmente ir para o seu quarto, trancar a porta e deixar Xavier dormir lá no outro quarto ou no sofá como havia prometido.

Mas não, de alguma forma ele conseguiu jogar o pano sujo que estava usando na pia, puxou uma cadeira na frente de Xavier e se sentou lá como Oliver fez dias atrás. Talvez por que tenha passado tanto tempo, talvez porque seus pais nunca lhe faziam essas perguntas. Ninguém realmente sabia, na verdade, exceto Scott e Oliver, que uma vez perguntaram isso a ele anos atrás, quando ele havia acabado de começar a faculdade e percebido que odiava tudo isso.

“Eu gosto de música, na verdade.” Ele deixou escapar.

Seus pais nunca perguntaram e Alex sempre soube que trazer o assunto para a mesa levaria a brigas e discussões. Ele estava cansado de discussões e sabia que seus pais ganhariam de qualquer jeito. Seu futuro envolvia tomar conta da empresa da família, um caminho traçado que ele não podia mudar. Não havia como fugir e talvez essa fosse uma das razões de que não ir as aulas por um mês inteiro não faria diferença. Não havia como escapar disso tudo, mesmo que ele fugisse.

“Que tipo? Não me diga música clássica. Espere, você é um cantor de ópera?”

“Ah, claro, pirralho, eu lá tenho cara de cantor de ópera?” Alex respondeu, revirando os olhos.

Na verdade, seus pais o forçaram a aprender música clássica no violino e piano por anos. Xavier nem imaginava essas coisas.

“Então o que você realmente quer fazer?”

“Eu quero que você cale a boca e vá dormir, se puder.”

“Ah vamos lá, Alex, responda a pergunta.”

Xavier fez beicinho na frente dele, fazendo uma careta estranha. Alex suspirou, massageando a têmpora. Ele não estava realmente com dor de cabeça, mas aquela expressão desagradável de Xavier poderia facilmente lhe dar uma. Por que ele estava se dando ao trabalho de responder mesmo?

“Eu sempre quis ser parte de uma banda, ok? E também queria estudar produção musical, mas por algum castigo divino estou preso em administração. Feliz?” ele disse, aumentando um pouco o tom de voz quando percebeu claramente que na verdade não precisava. Ele suspirou, percebendo-se mais irritado do que o normal, sentindo aquela leve pontada de raiva que na verdade havia enterrado dentro dele. Ele fez as pazes com não ser capaz de perseguir seu sonho. Ele havia feito as pazes com o caminho traçado diante dele por seus pais. A raiva havia sido esquecida há muito tempo, ou assim ele pensava.

Xavier não respondeu imediatamente. Ele apenas ficou lá, absorvendo suas palavras e olhou de volta nos olhos de Alex com um olhar ele não conseguia descrever.

“Você é, Alex?”

Alex ergueu uma sobrancelha.

“Feliz, quero dizer. Você é?”

Seus pais nunca perguntaram isso a ele. Seus amigos nunca perguntaram isso a ele. Ninguém nunca tinha feito isso antes. Seus amigos simplesmente perguntavam se ele estava 'bem', se ele estava aguentando firme e, pelo menos, se bem significava viver, então ele estava realmente bem. Ele estava tão bem quanto poderia estar. Mas ninguém jamais lhe perguntou se ele estava contente com sua vida. Se ele estava feliz ou não. Ele sabia o que realmente queria. Não era algo que seus pais impuseram e ele não podia recusar. Ele não era ruim em administração, então pelo menos conseguia aguentar. Mas ele sabia que não estava feliz com isso.

"Não."

Feliz. Fazia muito tempo que não sentia isso. Porra. Ele nem mesmo sentia vontade de ter sentimentos nas últimas semanas. A única coisa que ele sentia era o nada, mesmo que tal coisa pudesse ser sentida.

━━━━━━━✦✗✦━━━━━━━

Alex estava atrás do volante novamente. Sua dor de cabeça era agonizante e ele definitivamente estava indo rápido demais. Ele não podia se culpar, porém, porque se lembrava de querer ir para casa o mais rápido possível. O cheio de álcool estava no ar e cada farol não fazia nada além de fazer seus olhos arderem e sua visão embaçar. Suas palmas suavam e seu coração batia forte. Só um pouco mais e logo ele estaria em casa. Ele conhecia a rua muito bem e com certeza sabia que havia um cruzamento na frente, aquele pelo qual ele tinha que passar toda vez que tinha que chegar ao seu prédio com um sinal vermelho que demorava demais. À distancia, ele podia ver a luz brilhando em verde. Estaria vermelho quando ele conseguisse alcança-lo, então ele fez o que faria uma pessoa em uma rua vazia às três da manhã.

Foi quando sua dor de cabeça o atingiu novamente, como se uma pessoa estivesse batendo um martelo em seu cérebro. Alex gemeu, fechando os olhos por alguns segundos, tirando uma das mãos do volante para massagear a testa. Foi algo que ele fez apenas por uma fração de segundo, mas no momento em que abriu os olhos, pôde ver alguém parado bem na frente de seu carro, as luzes dos faróis atingindo a figura. Não demorou muito para ele registrar quem poderia ser, apenas para perceber que realmente havia alguém parado na frente de seu carro com os olhos arregalados, aparentemente tão surpreso quanto ele. A essa altura, era tarde demais para pisar no freio e, estranhamente, ele nem tentou. O carro continuou andando e a figura foi jogada da estrada em direção ao vidro de seu carro antes de rolar em direção ao teto e desaparecer de vista.

Ele não conseguia processar o que havia acontecido, sua mente simplesmente ficou em branco. Ele acabou de bater em alguém, não foi? Mas por que ele não estava parando agora? Ele deveria estar parando e checar a pessoa. Quem quer que ele tinha atingido ainda estaria vivo, certo? Seu pé estava colado no acelerador e tudo o que ele podia sentir agora era a dor de cabeça derrubando-o novamente. Não havia nenhum ruído nem som. Pelo menos deveria haver alguma coisa, não deveria? Um grito, pneus cantando, um baque forte, uma voz. Mas não havia nada. Nada.

“Você é um assassino.”

Não, ali estava aquela voz, como se estivesse sendo sussurrada bem perto de seu ouvido de dentro do próprio carro. Seu corpo congelou. Não era o rádio, que estava desligado. E ele claramente não estava imaginando. Estava ali, bem ao lado dele, sussurrando. Ele não ousou virar a cabeça em direção ao banco do passageiro, mantendo os olhos na estrada. Ele deveria chegar a seu apartamento a qualquer minuto, mas a estrada se tornara interminável de alguma forma.

“Assassino.”

A voz continuava sussurrando em seu ouvido, repetindo-se várias vezes, passando de um leve sussurro para uma voz alta o suficiente para ser ouvida até se transformar em um grito.

“ASSASSINO!”

Alex pulou da cama, o corpo encharcado de suor e o coração batendo rápido e forte. Um pesadelo, nada demais. Ele deu um suspiro profundo antes de enterrar o rosto nas mãos. Um pesadelo, um simples sonho. Não foi uma voz que ele ouviu no telefone ou os sussurros que ouviu na boate. Era um sonho e um sonho poderia ser facilmente explicado.

“Foi apenas um sonho. Você está bem. Você está perfeitamente bem.” Ele sussurrou para si mesmo.

Ele respirou fundo, virando a cabeça para o teto, tentando se acalmar, repetindo as palavras em sua mente diversas vezes.

Alex Webber estava bem.

Ele estava perfeitamente bem.

Ele engoliu seco, virando a cabeça para o relógio pendurado na parede. Havia se lembrando agora; havia se retirado para seu quarto naquela noite, dizendo a Xavier para dormir no outro quarte antes que ele de alguma forma conseguisse cair no sono que tanto desejava. Ele com certeza sentir falta de dormir, mas não do pesadelo. Era a primeira vez que seu sono vinha decorado com imagens tão horríveis.

Eram quatro da manhã de acordo com o relógio. Ele já tinha dormido algumas horas e meio que duvidava que conseguiria voltar a dormir. Mesmo algumas horas eram melhores do que passar dias sem um único pingo de sono. Então se levantou da cama e saiu, pensando em beber um copo d’agua e tentar dormir mais um pouco no sofá como costumava fazer. E ele teria voltado para o sofá se não fosse por Xavier dormindo pacificamente nele. No momento em que saiu do quarto, pôde ver Xavier ocupando o sofá e meio que resmungou sobre a decisão do garoto de dormir em seu sofá ao invés do quarto de hospedes.

Ele ficou de pé na sala por um minuto, olhando para a figura de Xavier Sharpe esparramado em seu sofá. Ele não estava com a boca aberta como Alex pensou que ficaria com a baba decorando os lados. No geral, ele parecia uma mera criança, mais jovem do que sua idade dizia. Ele não podia deixar de se perguntar como um garoto como aquele estava fugindo de casa no meio da noite. Se não fosse por ele oferecer abrigo, ele não poderia imaginar onde Xavier estaria dormindo naquela noite. Alex se viu abrindo um sorriso. Por mais que ele odiasse seus pais e sua casa, ele nunca teve coragem de fugir como Xavier. Ele o admirava um pouco por aquela bravura ingênua.

Ele acabou sentando na poltrona ao lado do sofá, olhando para a visão de Xavier adormecido. Isso o acalmou de alguma forma, os sussurros e pesadelos há muito esquecidos. Isso o lembrou de ver o sorriso que Xavier lhe dera naquela segunda noite de seu encontro, o momento em que Xavier lhe disse seu nome. E de alguma forma ele fechou os olhos novamente, muito parecido com o primeiro dia do acidente com Xavier sentado ao lado dele e Alex segurando o lenço na testa. Ele caiu no sono mais uma vez com a imagem fraca de um sorriso cruzando sua mente.

 

 

Ele acordou com som de alguém cantarolando. Demorou algum tempo para processar de quem era a voz antes de perceber que havia mais alguém em seu apartamento. Um cheiro agradável enchia o ar e Alex se levantou com um gemido, o corpo rígido de dormir na poltrona. Abrindo os olhos, ele viu Xavier parado na cozinha, fazendo algo no fogão.

“Bom dia, Alex!” Disse o garoto alegremente.

Alex caminhou até a mesa da cozinha e se sentou, balançando a cabeça e tentando tirar a sonolência de seu sistema. Isso era novo — ele não tinha acordado com a sensação de querer dormir mais dessa vez.

“Você não tem, sei lá, aula ou coisa assim?” Ele perguntou, a voz rouca de sono.

“Hoje é domingo.” Xavier respondeu, puxando um prato da pia e colocando uma omelete recém-cozida em cima antes de traze-la para a mesa e deixa-la bem na frente de Alex.

Ele inicialmente quis gemer, comentando como Xavier estava usando sua cozinha sem permissão. Mas o que havia para reclamar quando alguém estava cozinhando para ele de graça? Isso foi, até Alex provou o omelete e decidiu que deveria ter reclamado. Xavier havia colocado muito sal, e não conseguia nem quebrar um ovo direito pelo que parecia.

“Você cozinha tão mal quanto eu, cara.” Ele comentou.

Para isso, Xavier se virou e fez um beicinho.

“Ei, eu preparei o café da manhã, ok? Você não deveria ser mais atencioso?”

Alex rolou os olhos. Na verdade, ele queria que Xavier tivesse ido embora no momento em que abrisse os olhos, afinal esse era o acordo. Uma caixa de pizza e um lugar para dormir por uma noite. Era um preço baixo, considerando que era tudo o que ele precisava fazer em troca de quase atropelar o garoto e não pagar nenhuma despesa médica. Falando nisso, ele tinha quase se esquecido de que Xavier também tinha se ferido.

“A propósito, como está a perna.”

“Não dói mais.” Xavier respondeu alegremente, colocando sua própria omelete em outro prato antes de sentar na frente de Alex. De alguma forma, ele notou como essa cena era estranha, mas que Xavier se encaixava perfeitamente na imagem. Tomar café da manhã com alguém era definitivamente estranho, mas ao mesmo tempo parecia certa de todas as maneiras possíveis. Ele não tinha se imaginado tomando café da manhã com alguém, nem mesmo seus amigos fizeram isso com ele.

“Por que você dormiu no sofá? Eu disse para você dormir no outro quarto.”

Xavier deu de ombros. “O sofá parecia bom. Eu não quis acordar com você me forçando a arrumar a cama.

Para isso, Alex se lembrou da pergunta de Scott, sobre porque ele gostava de dormir no sofá em vez de sua própria cama. Ele havia respondido algo semelhante. E ele não passaria tanto tempo em seu sofá se ele não fosse confortável para começar.

Ele observou Xavier comer seu café da manhã e pensou em perguntar. ‘Por que você foge, Xavier?’, ele pensou. Mas logo se colocou no lugar do garoto e percebeu que Alex Webber ficaria irritado se alguém lhe perguntasse tal coisa. Alex só falava sobre essas coisas quando queria. E Xavier não passava de um estranho cuja vida pessoal Alex não deveria se intrometer, então ele engoliu a pergunta e resolveu troca-la por um pedido simples.

“Termine seu café. Depois você vai embora.”

“Sério, Alex? Vamos, não posso passar mais um tempo aqui? É domingo!” Xavier reclamou, fazendo uma careta.

Alex suspirou. Ele odiava aquele garoto.

"Estou ocupado, ok?" ele devolveu as palavras, concordando com sua desculpa favorita de todas.

Xavier zombou disso, de alguma forma sabendo o quanto era mentira.

"Okay, certo."

 

 

No fim, Xavier não reclamou muito. Surpreendentemente, o garoto terminou seu café da manhã e o seguiu até a porta. Ele pensou que seria o fim antes que o garoto dissesse que queria que Alex o levasse até o saguão, pelo menos. Ele disse que odiava andar de elevador, embora não tenha mencionado como realmente o assustava estar dentro dele sozinho. Odiar andar de elevador era sua própria razão para evitar fazer exatamente isso, mas Xavier fez outra oferta que parecia mais problemática para seu gosto. Ou o acompanhava até o saguão ou o levava de volta para sua casa. Ele não sabia onde era essa casa, mas sabia que seria mais difícil para ele chegar ao carro e levar o garoto para casa do que arrastar os pés em direção ao saguão.

Ele teve que obedecer, trancando seu apartamento atrás de si e saindo para o corredor. Xavier estava quicando ao lado dele, esperando o elevador chegar ao andar. Quando isso aconteceu, Alex entrou com um gemido. Ele odiava andar de elevador e como isso o fazia se sentir sufocando. Engraçado. Esse sentimento não se desenvolveu até recentemente. Agora, a descida do vigésimo andar parecia uma eternidade. Se ele soubesse que desenvolveria tal sentimento, ele nem compraria este apartamento para começar e se estabeleceria em algum lugar mais próximo do nível do solo.

A porta estava prestes a fechar quando ouviu outros passos correndo em direção ao elevador, dizendo-lhe para mantê-la aberta. Honestamente, ele não queria se não fosse por Xavier pressionando o botão. Quando ele viu que era Percy que deslizou pelo elevador e expressou um alto 'obrigado', ele só conseguiu xingar baixinho. Esse pirralho tornaria a viagem de elevador ainda mais agonizante. Xavier falava alto e esse garoto também. A pior combinação de todas.

“Mamãe disse que você vai fez uma confusão ontem a noite, xingando e tal. Você estava brigando com sua namorada, Alex?” Percy brincou.

Alex gemeu. Ele estava parado a apenas alguns centímetros da porta do elevador e mal podia esperar que chegasse ao nível do solo. Percy e Xavier estavam, respectivamente, lado a lado atrás dele.

"Nah, isso foi tudo por causa daquele garoto", disse ele, levantando o polegar e apontando-o por cima do ombro para Xavier, que certamente agora estava com um sorriso largo, provavelmente orgulhoso do resultado de sua ação.

“Bem, em minha defesa, você não me deixou entrar. Você é tão mau, sabe, Alex, me deixando parado no corredor frio assim,” Xavier disse a ele.

“Quem você tem aqui, huh? Um novo amigo?" Percy perguntou. “Eu nunca sei quem são seus amigos novos.”

“Ele não é meu amigo, Percy. Ele é apenas alguém que eu conheço.”

"Viu? Te disse que o Alex é mau,” Xavier entrou na conversa. Alex sentiu que isso era uma má ideia. Xavier certamente não deveria ser amigo de Percy de todas as pessoas.

“É falta de educação da sua parte não apresentá-lo a mim!” Percy reclamou.

“Sim, você está certo,” Xavier se juntou.

Isso era tão ruim. Pior combinação de todas.

"Ok. Percy, esse é Xavier Sharpe. Xavier Sharpe, este é Percy Fitzgerald que mora ao lado, aquele que você perturbou na outra noite. Percy, este é Xavier Sharpe que eu conheci dias atrás quando acidentalmente bati meu carro nele. Vocês estão felizes agora?”

Alex tinha certeza de que se arrependeria de ter feito isso mais tarde.

"O que? Você bateu nele, Alex? Você não está muito ferido, não está, Xavi? Espera, posso te chamar de Xavi? Achei fofo.” Perguntou Percy.

Xavi? O que?

“Estou perfeitamente bem. Apenas quebrei minhas pernas, mas estou perfeitamente bem agora. De qualquer forma, prazer em conhecê-lo, Percy.” disse Xavier.

Ele ouviu os dois garotos levantando as mãos, provavelmente trocando um aperto. O tempo todo, Alex só conseguia bater os pés impacientemente, cruzando os braços e esperando que eles chegassem ao saguão o mais rápido que o elevador pudesse. Estranhamente, ele também percebeu que não estava tendo uma de suas dores de cabeça habituais. Bem, mesmo quando ele não estava tendo agora, ele certamente iria desenvolvê-la mais cedo ou mais tarde se não saísse desse elevador logo, já que os dois garotos atrás dele estavam começando a ficar muito barulhentos. Eles começaram a falar sobre coisas que ele achava que não eram dignas de serem ouvidas. Algo como 'Quantos anos você tem, Xavi?’, o que soou muito estranho para ele. Mas, novamente, era de fato Xavier e Percy. Ele havia criado o monstro perfeito, ao que parecia.

Quando eles finalmente chegaram ao andar térreo e o elevador abriu com um pequeno 'ding', Alex saiu rapidamente primeiro, batendo os pés no chão, tentando se livrar daqueles dois garotos barulhentos o mais rápido que podia.

“Bem, eu tenho que ir agora Alex. Foi bom conhecer você, Xavi. ”disse Percy, passando por ele e Xavier em direção à porta principal. "Prometa-me que vai me deixar sair com Xavi algumas vezes depois, ok Alex?"

Alex gemeu. Os dois poderiam sair o quanto quisessem, na verdade, desde que um Alex não fosse incluído nisso.

“Você não precisa da minha permissão. Não é como se eu fosse encontrar esse garoto chato de novo depois disso,” ele disse.

Xavier protestou com um 'ei' antes de gritar de volta. “Não se preocupe Percy. Eu vou até a sua casa e vamos irritar o Alex pra caramba.”

Dessa vez foi Alex quem protestou com um 'ei', batendo na cabeça do garoto ao fazê-lo.

“De qualquer forma, tchau Alex, tchau Xavi!” Percy finalmente disse, acenando com as mãos. Ele observou Percy deixar o saguão, acenando para eles e caminhando em direção ao meio-fio antes de Alex virar a cabeça para Xavier desta vez, ainda de pé ao lado dele com o rosto radiante.

“Você tem um bom amigo, Alex.”

Alex zombou.

“Percy não é um amigo. Ele é apenas um vizinho que vive esquecendo a chave de casa.”

“Ele se importa com você, no entanto.” Xavier disse.

Alex revirou os olhos. Tal acusação e julgamento após um breve encontro.

"Como se você soubesse das coisas." disse ele, claramente zombando.

Mas, em vez disso, Xavier apenas exibiu aquele sorriso enorme com o qual Alex havia se acostumado e retribuiu a piada.

“Eu sei de tudo, Alexander.”

E mais tarde ele percebeu, estranhamente, que Xavier Sharpe realmente sabia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!