― Isabella!! Aqui, olha pra cá! ― Flashes e mais flashes surgiam das inúmeras câmeras, quase me cegando, enquanto eu caminhava no aeroporto. Esse era um dos preços da fama. Eu não podia fazer nada como uma pessoa comum sem chamar atenção dos paparazzi e virar manchete.

Eu trabalho em uma das maiores agências de modelo de Topália, a Nine Models, fui descoberta bem jovem, aos sete anos, e desde então minha vida mudou completamente. Minha rotina se resume a viagens, ensaios fotográficos e passarelas, e acaba não sobrando tempo para outras coisas. Inclusive, nesse exato momento, acabei de desembarcar de um voo da Itália, onde participei da Semana de Moda de Milão, e estou tentando entrar num táxi para chegar em casa, porém o mar de fotógrafos está deixando essa tarefa um pouco mais difícil.

Parei na beira da calçada para aguardar o próximo veículo disponível, e os repórteres já aproveitaram o momento.

― Isabella, algum comentário sobre o desfile em Milão? ― Uma mulher se aproximou com um gravador nas mãos.

― Foi um momento muito gratificante, pude desfilar e divulgar pela primeira vez a marca Topaliense em um dos eventos de moda mais importantes do mundo… Estou muito feliz e realizada ― esbocei um sorriso cansado após pronunciar a resposta ensaiada. Já perdi as contas de quantas vezes me fizeram essa pergunta desde que o evento terminou. Ela agradeceu no mesmo momento que o táxi estacionou na minha frente, e enquanto o motorista me ajudava a guardar as bagagens no porta-malas, um rapaz baixinho usando óculos escuros e boné me questionou:

― Isabella, como você se sente após o anúncio de noivado do Mike? ― Congelei no lugar, e imagens de um passado não tão distante invadiram meus pensamentos. 

Mike foi meu primeiro namorado, nos conhecemos na escola e eu achei que nos casaríamos e formaríamos uma linda família, até descobrir que ele nunca me amou de verdade e só queria a minha fortuna. Quando começamos a namorar, Mike disse que estava saindo de um relacionamento que não deu certo, mas descobri anos depois que ele continuou se encontrando com a Jessica, e aposto que a ideia do nosso relacionamento foi dela. Balancei a cabeça para afastar os pensamentos, coloquei uma expressão inabalável no rosto para não demonstrar minha angústia, e respondi apenas:

― Felicidades ao casal. ― Entrei no táxi, fechei a porta e pedi para o motorista sair dali o mais rápido possível.

Ao chegar em casa, um edifício no centro da cidade, joguei as malas no canto do quarto e fui tomar um banho para tentar relaxar. Enquanto a água caía da cabeça aos pés, uma enxurrada de recordações me invadiu. Lembrei de todos os momentos felizes que passei ao lado do Mike, todas as viagens, todos os encontros, todas as declarações que ele me fez… Ainda não consigo acreditar que fui enganada durante seis anos. Para piorar, eu nem pude expor a situação na mídia a pedido do meu agente Tyler Crowley, pois de acordo com ele isso traria uma visibilidade ruim e poderia arruinar alguns contratos. E com isso, eu sou a megera na situação, a Jessica espalhou para todos os sites de fofoca que eu dei um pé na bunda do coitadinho do Mike porque ele é um zé-ninguém. Já se passaram 3 anos desde o nosso término e eu nunca mais consegui me relacionar com alguém. E a cereja do bolo: ainda preciso aturá-lo porque ele é amigo dos meus amigos. Amigos. Pessoas que me cercam apenas pela minha fama, agora eu vejo claramente.

Desliguei o chuveiro, vesti um pijama fofinho e me deitei na cama, refletindo em tudo o que já passei. Hoje, com vinte e cinco anos, sou a modelo mais famosa de Topália e uma das mais conhecidas no mundo todo, mas ainda assim não sou feliz. Tenho vários trabalhos que ocupam minha mente durante o dia, mas quando cai a noite e eu repouso minha cabeça no travesseiro, sinto apenas tristeza e solidão. Solto um suspiro, desanimada, e sinto minha barriga roncar. Não havia comido nada desde o voo, então resolvi pedir janta por delivery. Abri o aplicativo do meu restaurante saudável preferido e fiz o pedido, e enquanto aguardava peguei meu caderno de desenhos para dar uma olhada. Páginas e mais páginas com vários esboços de vestidos, blusas, saias e calças que nunca saíram do papel, pois Tyler disse “você precisa focar em apenas uma coisa para sua carreira decolar, e todos nós sabemos que modelar é a resposta correta”. Argh… 

Guardei o caderno na mesinha ao lado da minha cama e peguei meu celular para avisar os meus pais, Charlie e Renée, que eu já estava em casa e havia dado tudo certo na viagem. Eles moram em um bairro um pouco mais afastado da correria do centro. Decidi checar minhas redes sociais e notei que a foto que postei na Itália antes da viagem já atingiu 1 milhão de curtidas no Crowdpic¹ e havia milhares de comentários. Meus amigos deixaram vários, dizendo estarem com saudades e me mandaram mensagens querendo sair hoje à noite - claro que tudo por minha conta. Suspirei novamente, cansada da mesma rotina e do vazio.

A única amiga que eu tive de verdade foi na infância, antes de toda essa loucura. Alice e eu éramos inseparáveis, ou o quanto duas crianças de cinco anos podem se considerar inseparáveis, vivíamos brincando no parquinho e frequentando a casa uma da outra, até que o avô dela faleceu e o seu pai precisou assumir a fazenda da família no interior do país. Perdemos contato desde então.

O interfone tocou anunciando a minha janta. Desci até a portaria, peguei a comida e voltei logo para dentro do apartamento. Enquanto comia, não consegui parar de pensar na Alice. O que será que ela estaria fazendo hoje? Peguei meu celular novamente para procurar o nome dela no Crowdpic: Alice Brandon. Procurei de várias formas, mas não encontrei nenhuma foto parecida com ela. Quem não teria um perfil no Crowdpic hoje?!

Tentei lembrar o nome da cidade em que ela foi morar quando criança. Vila Nova? Vila Boreal? Vila Amanhecer? Pensa, Bella… Era Vila…

Aurora.

Isso! Vila Aurora! Assim que me recordei do nome da cidade, um sentimento diferente despertou dentro de mim. Saudade? Esperança? Não sei explicar, mas no mesmo instante eu estava procurando valores de passagens de ônibus para Vila Aurora. E quanto mais eu pensava nessa ideia, mais meu coração se alegrava. 

Comprei um bilhete para o dia seguinte, pesquisei por pousadas e só encontrei uma na cidade, Pousada Cullen, então liguei para lá e por sorte consegui o último quarto disponível - aparentemente havia um festival de abóbora na cidade para celebrar a chegada do outono e o local estava cheio de visitantes. Aproveitei que ainda não desfiz as malas da viagem à Itália e só troquei algumas peças. Vou deixar para enviar uma mensagem para o meu agente apenas quando já estiver no ônibus, assim ele não vai poder me encontrar pessoalmente para me fazer desistir. 

Por alguns segundos eu me perguntei se havia tomado uma atitude impensada. Será que Alice ainda morava lá? Era isso tudo uma loucura? Bem… Eu não imaginava o que essa viagem me aguardava, mas pela primeira vez depois de anos eu me animei com alguma coisa.