As Crônicas de Aethel (II): O Livro das Bruxas escrita por Aldemir94


Capítulo 27
O Fantasma e o Dragão




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/807901/chapter/27

O Sol estava se pondo no horizonte, deixando a grande floresta, com seus pinheiros e  carvalhos com certo ar melancólico, como se não houvesse mais razões para que alguém, independente de quem fosse, pudesse sentir felicidade.

Nas copas verdes se viam corujas de penas brancas, piando umas com as outras e voando por entre os arvoredos, como fantasmas, sempre com os olhos voltados para o chão, na busca de camundongos e outras criaturas que lhes pudesse servir de alimento.

Dentro daquela grande floresta, em uma área já a muito esquecida pelos homens, havia um castelo em ruínas, construído a pelo menos mil e trezentos anos: ali era a antiga morada do Cavaleiro Verde; alguém cujo próprio nome havia sido esquecido na aurora da história – supondo que ele já tenha tido um.

Próximo a grande construção, em um morro onde se erguia um pequeno e humilde altar manchado de sangue, repousava aquele que fora, até pouco tempo atrás, o homem mais poderoso do mundo: Aethel.

Seu corpo ainda estava diante do local de sacrifício, com a cabeça virada para o norte, quase tocando o mármore frio da construção.

Não era tão triste quanto parecia: sobre o menino havia sido posta uma capa verde, com flores-de-lis fiadas a ouro e um colarinho com cordão dourado, que reluzia sob a luz da Lua. 

Também foram colocadas flores ao redor do garoto: crisântemos, rosas brancas e tulipas azuis.

Diante do corpo, Roland e Blair proferiram palavras de despedida, enquanto todos os presentes, Dipper, Sam, Spud, Trixie, Rosa, Tucker, Jack, Jazz, Merlin, Arquimedes e Gael, posicionaram-se em círculo, com suas cabeças baixas.

O Cavaleiro Verde já havia partido em direção ao acampamento de Felipe, em cumprimento da promessa feita a Aethel, de modo que não pôde participar da cerimônia de despedida; além do mais, como fora o responsável por executar o rapaz, não ficaria bem que permanecesse ali.

Mabel Pines se ajoelhou diante de Aethel, rasgou um pedaço do suéter que usava e, de forma cuidadosa, cobriu o ferimento no pescoço do imperador: a marca de seu sacrifício.

A garota chorava sem parar, mas teve forças para cobrir a mão esquerda do rapaz, ainda chamuscada, com pétalas azuis.

Após alguns minutos, Mabel se levantou e limpou as lágrimas:

— Gael, não confio em você – disse a menina – Quem fez isso? Foi o cara de armadura verde?

O mago sombrio preferiu ignorar a pergunta, dirigindo-se até o dragão ocidental:

— Venha comigo, “criança reptiliana”, temos trabalho a fazer.

— Como assim? – perguntou Jake – Onde a gente vai?

— Para o acampamento de Felipe – respondeu Gael – Você ajudará o general nessa guerra estúpida e Danny com sua via sacra. Além disso, um dragão sempre vem bem a calhar em momentos assim… Se eu tivesse me tornando uma dessas feras aladas em Gravity Falls, Merlin teria sido reduzido a cinzas.

Antes que algo pudesse ser dito, o mago olhou sério para Jake e perguntou se ele sabia a razão de Aethel estar desfalecido na grama verde:

— Sei… – respondeu o rapaz – Sei muito bem o porquê. Vamos, senhor Gael, se eu puder ajudar em alguma coisa, prometo fazer o possível.

— Bem falado, garoto – disse o mago, desaparecendo com o dragão ocidental em meio a um turbilhão de vento e pétalas brancas manchadas com sangue.

No começo, Jack Long se sentiu leve, como se flutuasse em uma nuvem feita de algodão, com pássaros cantando ao redor e uma brisa suave sobre seu rosto; em poucos instantes, o sino-americano se viu no meio de um campo de batalha, onde soldados com cimitarras e escudos redondos avançavam, cheios de raiva.

O clima caótico da batalha denunciava que Felipe estava, pouco a pouco, perdendo o controle sobre o campo e precisava de auxílio imediato.

Voando de um lado para o outro, estava Danny Phantom, lançando uma enxurrada de raios e ondas de energia esverdeadas, que derrubavam cavaleiros montados, destruíam escudos e faziam pequenas crateras no chão gramado.

É claro que Gael já não estava junto do sino-americano: independente do que pudesse acontecer, o mago sombrio não se sentia particularmente responsável, por mais que as tropas ghalaryanas estivessem em desvantagem numérica.

“Dragão na área!” exclamou Jake, logo adquirindo sua fisionomia draconiana, com asas, garras resistentes, escamas vermelhas e a força característica com a qual havia ajudado tantos inocentes, tempos antes.

Em um voo rasante, Jake derrubou uma fileira de soldados segurando lanças, enquanto tentava se aproximar de Juba e lhe chamuscar a barba viçosa.

Vendo o amigo, Danny seguiu com ele até se deparar com o rei dos franco-armanianos, que sacou sua espada dourada e ameaçou os dois.

Apesar da coragem, as lanças se encarregaram de afastar o fantasma e o dragão, sendo acompanhadas pelas venenosas flechas da guarda pessoal de Juba III.

Os garotos retornaram até a falange de Felipe, que ainda se mantinha à frente da cidade de Eudóxia.

Com um movimento de mãos, o general separou duas colunas de hoplitas, cada uma com mil soldados, preparou seu arco e disparou em direção ao campo, sendo esse o sinal para que os soldados avançassem.

A falange ficou logo atrás, pois Juba havia intensificado os ataques no flanco esquerdo com a cavalaria, impossibilitando que as lanças imensas pudessem fazer alguma defesa.

Para compensar essa fragilidade da falange, Jake voou de um lado para o outro, fazendo chover fogo sobre os cavaleiros inimigos.

Apesar da ajuda, Felipe levantou a bandeira Ghalaryana e chamou o jovem dragão:

— Garoto! Preciso que ajude Danny no centro do campo! – gritou o general, pois a barulheira da batalha era ensurdecedora – Não se preocupe com  os flancos da falange! Vou fortalecê-los com a cavalaria! Se o campo central for perdido, ficaremos acuados e seremos cercados próximos da muralha da cidade! Agora vá! Depressa! Depressa!

Jake não se fez de rogado e seguiu as orientações daquele que seria, daqui para frente, seu oficial comandante.

O general ghalaryano enviou a cavalaria do flanco esquerdo para acompanhar a falange e enfraquecer a muralha de lanças franco-armaniana; com a ajuda de Jake, cujas chamas derretiam as pontas de metal e os golpes de cauda derrubavam os cavalos, a falange conseguiu tomar o lado direito do campo, forçando as tropas de Juba a recuar até próximo do rio, de onde seu exército havia chegado anteriormente.

Com extremo esforço, Felipe montou barricadas no lado esquerdo do campo, junto com seus homens, para dificultar o futuro avanço dos soldados de Juba; as defesas não eram mais que toras de madeiras preparadas como estacas, posicionadas contra os inimigos, mas serviriam por algum tempo.

Era evidente que, mais uma vez, o dia havia sorrido para o bom general Felipe e suas tropas: independente de quão hábeis fossem as unidades do rei franco-armaniano, era inegável que não tinham condições de combater Danny e Jack, que tanto fortaleciam a falange ghalaryana e protegiam a cavalaria.

“Deixe que sorriam”, debochou Juba, “Em breve meus reforços chegarão e tudo estará acabado!”.

Enquanto isso, Felipe se reuniu na tenda máxima com os representantes de cada unidade (falange, cavalaria, arqueiros, hoplitas e legionários) e chamou Danny e Jake, considerando as dificuldades vindouras.

Fazendo uma pausa, o general começou:

— Apesar de nossa resistência, eles continuam a avançar, mais e mais e mais… Não podemos continuar assim! Embora tenham recuado, com certeza receberão reforços.

— Concordo – disse Atreu (representante dos legionários) – Sugiro um ataque durante a noite; mataremos Juba e, dessa forma, quebramos a unidade do exército inimigo.

— Não! – gritou Danny – Chega dessa matança… Isso tem que acabar sem mais violência…

— Estou com o Danny – disse Jack – Nunca vi tanto sangue na vida… Acho que não vou dormir de novo por um bom tempo.

— Também não aguento mais isso… – respondeu Androcles (representante dos hoplitas), enquanto ajeitava seus cabelos negros – Se continuarmos com essas investidas intermináveis, provavelmente meu filho vai crescer sem um pai… Meu Deus, quero voltar para minha Helena e nossa fazenda…

— Sei como se sente, amigo – simpatizou Enéas (representante da cavalaria) – Minha esposa e eu compramos uma casa em Ghalary e nem nos mudamos ainda, por causa dessa maldita guerra.

— Palavras, só palavras… – lamentou Rufius (representante da falange ao lado de Felipe) – Considero que precisamos encerrar com tudo, antes que aquele criminoso do Juba receba mais tropas. Só Deus sabe quantos soldados aquele patife vai receber nas próximas horas… Talvez devêssemos nos aproveitar do cansaço dele e atacar agora.

— E ignorar o nosso próprio cansaço, irmão? – respondeu Felipe – Precisamos permanecer descansados, ou nem com um fantasma e um dragão poderemos segurar os próximos avanços de nosso inimigo.

De repente, um jovem oficial chegou, ofegante, para trazer uma notícia aterradora:

— General, comandantes… – disse o rapaz – Juba acaba de receber reforços e, pelas nossas informações, devem ser mais de dois mil soldados!

— Só isso? – surpreendeu-se Atreu – Mas o que Juba está pensando?! Mesmo que estejamos em desvantagem numérica, apenas dois mil soldados não podem romper nossas defesas.

— Mas senhor… – ofegou o rapaz, tenso – Esses reforços são liderados por Cláudio, o “Oriental”!

Nesse momento, os comandantes ficaram em silêncio: independente do número de reforços não ser dos maiores, ninguém podia questionar a competência de Cláudio.

Apesar disso, nem todos se deixaram levar pelo medo:

— Grande coisa, já surramos ele – disse Danny, confiante.

— O Aethel venceu ele com tanta facilidade… – disse Jack – Duvido que adiante alguma coisa.

— Aethel estudou de Sun Tzu a Maquiavel – suspirou Felipe – Merlin o preparou muito bem para o comando… Ainda assim, o que vocês fizeram em Nimrod foi um verdadeiro milagre. É uma pena que ele não esteja aqui, pois talvez trouxesse mais desses milagres consigo.

De repente, ouviram-se sons de cornetas e tambores, indicando que o inimigo estava voltando ao combate, embora desgastado e com tantas baixas.

“Deus nos proteja” disseram os comandantes, em uníssono, cientes do quanto suas unidades estavam exauridas.

Danny e Jack não entendiam nada de guerra, mas conseguiam perceber a nova estratégia dos franco-armanianos: atacar sem parar, até que o inimigo caisse pelo cansaço ou pela espada.

Disciplinados, os soldados ghalaryanos entraram em formação e iniciaram uma investida contra os inimigos, com a falange à frente e os arqueiros atrás, garantindo apoio aos flancos direito e esquerdo.

Sacando a espada, Felipe ordenou que seus soldados caminhassem ordenadamente, enquanto Danny e Jack forneciam apoio aéreo, com seus raios e chamas.

Logo os dois exércitos se chocaram, com lanças e cimitarras batendo-se violentamente, gerando feridos dos dois lados.

Subitamente, ouviu-se um grito vindo de Felipe: o general fora atingido por uma flecha desferida pelo arco de Cláudio!

Com o apoio dos arqueiros e ajuda dos legionários, o general foi tirado do campo de batalha, ainda com vida. Infelizmente, a flecha havia se alojado pouco abaixo do ombro esquerdo; fora dos pontos vitais mas, ainda assim, eficiente para incapacitar o militar.

Atreu, que até o momento havia permanecido próximo à muralha, assumiu o comando do exército e moveu seus legionários por trás da falange, de forma que Cláudio não pudesse ver o movimento das tropas ghalaryanas.

Em formação tartaruga, duas unidades legionárias compostas por quatrocentos soldados cada, marchou em direção às tropas do “Oriental”, com lanças posicionadas à frente e seguidas pela falange.

Juba ordenou que seus arqueiros fizessem chover suas flechas sobre os legionários que, habilmente, se protegeram com seus escudos retangulares; o que se estava vendo nos Campos Alexandrinos era toda a grandeza do exército ghalaryano! Moldado ao longo dos séculos pelos mais brilhantes militares, estadistas e inventores da história!

Danny olhava os soldados feridos, o esgotamento geral e o pobre Felipe, levado para trás das unidades, começando a sentir no peito uma angústia crescente, enquanto pedia, em uma voz quase rouca:

— Parem de lutar… parem de lutar, por favor, já chega… Parem… Chega dessa matança!

Nesse momento, Danny encheu-se de fúria e gritou, com todas as forças:

— Grito Fantasma!

A onda de energia foi tão poderosa, que derrubou as unidades mais a frente de Juba, destruiu boa parte dos escudos franco-armanianos e quase fez Cláudio apear do cavalo. Até Jack precisou de alguns momentos para estabilizar o voo, ou acabaria caindo em cima da tartaruga dos legionários.

Daniel Fenton desceu até a grama e se ajoelhou, esgotado pelas horas de batalha e pelo grito fantasma, mas não podia descansar: estava no meio de uma guerra e muitas vidas dependiam dele.

Ainda assim, o garoto caiu como um pássaro abatido e fitou o Sol, que já se punha no horizonte, como havia feito desde a aurora dos tempos, de forma melancólica e, ainda assim, nostálgica.

Danny lembrava-se de sua mãe alegre, seu pai maluco com coração de ouro, das batalhas contra Vlad, os fantasmas que capturou e outras lembranças belas. Perdeu-se em seus pensamentos, até que se lembrou de Samantha e do dia em que se declarou a ela; o primeiro beijo, os abraços e as promessas para o futuro.

Teria gostado de passar a vida ao lado dela, embora fosse jovem demais para pensar nessas coisas; “a guerra faz isso com a gente?” pensava consigo mesmo, quando foi tirado de seu transe por um aflito Jake, em forma humana:

— Danny! Danny! Fala sério! Ficou maluco, cara?! A gente não pode ficar aqui, com essas flechas caindo sem parar! – tendo dito isso, o menino dragão estendeu a mão direita e ajudou o amigo a se levantar.

— Você tem razão – respondeu o garoto fantasma – Quando o Aethel chegar, ele vai precisar de um exército, então, vamos garantir que ele ainda tenha um!

Jake não respondeu. Sabia que o jovem imperador não voltaria, mas não poderia dizer isso a ninguém, principalmente para Danny: o sino-americano tinha conhecimento de que a morte do rei fora causada pelos erros que ele e o garoto fantasma haviam cometido, no dia da audiência do Cavaleiro Verde.

Apesar disso, adiantaria confidenciar a tragédia e tirar as esperanças de todos? Gente da laia do Caçador ou do Dragão Negro (antigos desafetos do sino-americano) poderiam até se divertir com uma notícia tão calamitosa: não, Jake era diferente deles.

Considerando isso, o dragão ocidental disse “dragão na área” e reassumiu sua forma de dragão partindo para a batalha mais uma vez, ao lado de Danny, enquanto pensava “onde estará aquele tal de Cavaleiro Verde?”...



***



Enquanto a batalha dos Campos Alexandrinos se desenrolava, o clima de morte e tristeza ainda se abatia sobre Merlin e todos que permaneceram na clareira, próxima ao castelo em ruínas.

“Quem empunhará a Excalibur?” suspirava o mago, enquanto Arquimedes pousava, suavemente, em seu ombro direito e olhava para os olhos velhos e cansados do amigo.

A ave pensou se não teria sido melhor, para todos, que Aethel jamais houvesse conhecido Merlin, considerando que fora o encontro com o feiticeiro que selou o destino de ambos, anos atrás.

Sam, Rosa e Trixie ainda choravam, em silêncio, mas Mabel parecia anestesiada pela tristeza, já nem esboçando mais expressões, fossem elas desoladas ou alegres: para todos os efeitos, a garota estava apática.

Roland e Blair lamentavam por ela, assim como Dipper e a coruja, mas o que poderiam fazer? Se não estavam em estado semelhante ao da gêmea, era por puro milagre!

Spud e Tucker estavam sentados na grama, enquanto Jazz se distraía com pétalas de tulipas.

De repente, um gato preto, com olhos que mudaram do verde esmeralda para o amarelo ouro, apareceu, não se sabe de onde, e caminhou pelo grupo, quase sem ser notado.

Seus passos eram tão silenciosos quanto solenes: seu porte era nobre, sua pelagem era macia e seu olhar era profundo, sereno, majestoso; tal qual o de um rei.

Além disso, seus bigodes de sua face reluziam de tal forma com a luz da Lua, que pareciam feitos de prata.

Bastou um piscar de olhos para o felino se aproximar do falecido rei, com uma expressão de tamanha tristeza, que ninguém se atreveu a tirá-lo de perto do garoto.

Mabel Pines, que até aquele momento se encontrava amortecida pela dor, se aproximou, com cuidado, para tocar o gatinho, mas não pôde fazer mais do que fitá-lo direto no olhar: nunca houve desde a primavera dos tempos até o dia de hoje, olhos tão profundos e puros como aqueles.

O gato não chorava, mas seu olhar era tão poderoso, que parecia trazer toda a tristeza do Criador, junta de outras coisas mais, como misericórdia, resiliência e, inacreditavelmente, esperança.

Como se recordasse de um sonho, Mabel lembrou do gato que lhe havia feito companhia, quando ela cruzava o mundo em ruínas e, conforme olhava o felino a sua frente, entendeu tratar-se do mesmo gatinho de antes.

Com delicadeza, o felino lambeu a testa da garota e, para espanto geral, disse:

— Em breve, derramarás outras lágrimas, muito melhores do que essas; águas puras, carregadas de alegria. Não haverá mais pranto nem dor. Alegrem-se todos, meus filhos, que o menino não está morto, mas dorme como criança alegre em dia de outono.

Roland e Blair olharam, atônitos, ante aquela cena digna de Perrault: um gato falante, cheio de palavras animadoras.

— Aproximem-se, meus filhos, que a jornada ainda não terminou. Merlin, não vire o rosto, vamos, olhe para mim. Não estou zangado. Porque teme que vejam suas lágrimas? Tantas vezes vi Gael chorar, mas ele nunca escondeu os olhos marejados de mim.

Envergonhado, o mago virou-se para mostrar a face marejada, deixando que todos o vissem no momento de fraqueza, impressionando até Arquimedes.

Com delicadeza, o felino descobriu a mão queimada de Aethel e a lambeu, enquanto mantinha o olhar nobre de antes.

Em seguida, caminhou sobre o peito do garoto e tocou a marca de sangue com a pata direita, olhando o menino de tal maneira, que parecia a todos que o felino estava revivendo todos os piores momentos de Aethel, desde o dia em que nasceu até o sacrifício final no altar de mármore.

Não é o tipo de coisa que se pode explicar: aquele gato era mais “vivo” do que os de nosso mundo, seus sentimentos eram mais profundos e sua presença carregada de tamanha majestade, que ninguém, fosse um papa, imperador ou rei, se sentiria grande em sua presença.

Como alguém tão humilde poderia ser tão grandioso? Nem Merlin era capaz de responder.

O felino, delicadamente, lambeu o testa de Aethel e depois lhe soprou nas narinas, como se desejasse devolver o ar aos pulmões do garoto.

Para espanto geral, o gato colocou a pata direita novamente sobre a marca de sangue e, sem mudar sua expressão extraordinária, arranhou profundamente o peito do garoto.

Olhando o jovem deitado, sem vida, o felino ordenou:

— Aethel, ainda não chegou a hora da grande viagem. Abra os olhos e se levante; seu trabalho ainda é grande e o tempo é breve.

Após dizer isso, a palidez do garoto deu lugar a um rubor alegre e cheio de vida; sua mão esquerda, outrora ferida por fogo, recuperou a carne e a cor de outros tempos; a ferida em seu peito desapareceu e o coração, antes parado, voltou a bater.

Neste momento, como se despertando de uma noite de sono, Aethel abriu seus olhos, em meio a um suspiro profundo e cheio de vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Perrault:
Considerado o "Pai da Literatura Infantil", Charles Perrault (1628 - 1703) foi um grande poeta e escritor francês, famosos por seus contos de fadas, como "A Bela Adormecida", "Chapeuzinho Vermelho" e "O Gato de Botas". Responsável por estabelecer as bases para o gênero dos contos de fadas (que registrou e deu o devido acabamento literário), Perrault publicou em 1697 "Contos da Mãe Gansa"; livro magno da literatura infantil que, em 1861 ganhou uma nova edição que, embora tenha excluído alguns contos, contava com as extraordinárias ilustrações do mestre Gustave Doré (1832 - 1883).



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Crônicas de Aethel (II): O Livro das Bruxas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.