Contos da Campânula escrita por Mrs Isa


Capítulo 2
O Presságio de Thalea


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo/texto apresenta elementos de uma cultura e povo diferente dos citados no capítulo anterior.



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— Anda, Suyane! Temos que voltar antes do terceiro quarto do sol se quisermos voltar a tempo do jantar.

A garota ergueu a cabeça espantada com a proximidade do irmão. Há poucos minutos ele estava no norte da praia coletando flores e folhas de oleandro, uma planta que só crescia nos poucos trechos verdes da Costa de Sal. Suyane procurava por espirais coloridas enterradas na areia branca. Ergueu-se, limpando as palmas da mão sujas de areia nas calças largas enquanto saía da água. A barra da calça azul celeste estava encharcada. A jovem aceitou a mão amiga estendida como ajuda para não escorregar nas pedras lisas à beira d'água. Na outra mão segurava uma pequena trouxa de pano.

— Na próxima vez te ajudo a procurar essas conchas... - E observando o volume da trouxa da irmã, acrescentou: - Mas talvez seja melhor deixá-las aqui na praia. Não queremos irritar os espíritos e povos do mar.

A garota fez bico em desagrado, mas concordou devolvendo os itens para a areia. Ficou com apenas uma, a mais diferente e colorida que pôde encontrar. Era furta-cor e mudava de tom conforme o ângulo da luz. Suyane seguiu o irmão pela praia, por um caminho demarcado pelas pegadas deixadas algumas horas atrás. O rapaz parecia um pouco apreensivo, mordendo o lábio.

— Está vendo aquela planta crescendo entre as pedras?

Cauã apontava para uma colônia de plantas suculentas que cresciam à sombra das pedras em um paredão próximo. O sol já estava quase à pino e a areia branca refletia a luz, cegando e forçando a jovem a semicerrar os olhos para conseguir enxergar as plantas. As folhas verdes cresciam em pares e eram divididas por uma fissura por onde brotavam novas folhas e botões florais. Eram no mínimo exóticas. Ela nunca vira planta similar antes.

— São Lithopis. Mamãe as chama de flores de pedra. As flores quando abrem são brancas e perfumadas. Florescem nessa estação de temperaturas mais amenas e já deveriam estar abertas.

— O que acha que pode ser? O clima mudou?

— Não sei. Pode até ser que algo não esteja nas condições ideias para que floresçam, mas... - Cauã diminuiu o passo retirando uma flor rosa da bolsa trançada que carregava à tiracolo. - As flores de oleandro também estavam estranhas. Encontrei poucas, e nessa época costumam florescer em grande quantidade.

O irmão sempre passara uma imagem de confiança em Suyane. Era um rapaz forte e alto e os cabelos escuros e crespos bagunçados pelo vento que soprava do mar davam-lhe um ar de jovialidade. A mais nova raramente o via com aquela expressão de preocupação, as sobrancelhas grossas franzidas. Não sabia o que poderia estar ocorrendo e, na verdade, o simples fato de flores não desabrocharem em um dia frio não lhe parecia grande coisa.

— Acho que pode ser um sinal. Talvez um presságio. Thalea comunica-se conosco por meio de sinais sutis. - O jovem tornou a seguir pela trilha de pegadas, ainda mordiscando o lábio inferior. - Mas se a Mãe Terra utiliza um sinal de pouca vida... pode ser algo ruim se aproximando.

Suyane permaneceu em silêncio. Ela acreditava em deuses e presságios, mas achava aquele sinal um pouco sutil demais. No entanto, forçava-se a considerar a opinião do irmão, mais experiente, afinal. Seis anos mais velho, ele já possuía responsabilidades no vilarejo como todos àqueles que atingiam a maturidade. Desde cedo demonstrara que era habilidoso e ágil, não tendo muita dificuldade para atravessar as montanhas. Assim, Cauã também aprendera muito sobre a natureza. A irmã ansiava ter essa liberdade de aprender de forma independente. Enquanto ele desde cedo tivera permissão para se aventurar com outros coletores e caçadores e pudera conhecer os arredores das montanhas, a mais nova vivera a vida toda dentro do vilarejo. Escutava história sobre outras regiões do continente e sobre as demais culturas humanas, mas nunca tivera permissão de ir além da porção sul da Cordilheira Carborior, e sempre acompanhada do irmão.

Suyane o invejava em parte, mas também o admirava. Queria se tornar coletora como o irmão, motivada pela ideia de ter mais possibilidades de conhecer novos lugares. Sonhava em ter uma oportunidade de ir para além da cordilheira. Começara, então, a pedir para que Cauã lhe ensinasse como seguir pelas trilhas e caminhos pedregosos. Oferecia ajuda para carregar os cestos de frutos e raízes quando ele ia para os campos de altitude. E, foi assim, ganhando a confiança aos poucos, que conseguira autorização para acompanhá-lo até a Costa de Sal.

Era um lugar considerado perigoso, tanto por ser de difícil acesso quanto pelas águas e maré imprevisível. A não muito larga, porém extensa, faixa de terra e areia que contornava o lado leste da Cordilheira, não era habitada. Os únicos seres vivos não aquáticos eram os grandes lagartos de sal, violentos e territorialistas. Cauã conhecia um ponto em que poderiam colher flores e folhas de algumas plantas que eram utilizadas pelos anciões para fabricar medicamentos e venenos. Era justo ser ele o encarregado de ir buscar recursos na Costa. Suyane vira a oportunidade de ir a um lugar novo e oferecera ajuda, afinal não era seguro ir sozinho. Embora considerassem perigoso, os anciões aceitaram após Cauã prometer proteger e trazer a irmã de volta em segurança. No fim, não encontraram muitos desafios que não fossem as pedras pontiagudas. Não encontraram lagartos, nem outras pessoas.

Ao seguir o irmão pelas trilhas, Suyane percebeu o quanto ele estava diferente de alguns anos atrás. Ao assumir o papel de coletor na comunidade, ganhara músculos e sua pele estava mais bronzeada. Era um homem bonito, forte e habilidoso, além de prestativo. Não lhe surpreendia que arrancasse suspiros das moças Ôkoa por onde passava. O suspiro da irmã, no entanto, era de tristeza. Temia perdê-lo quando ele finalmente se casasse. Era apegada ao irmão e sempre o tivera por perto. Algumas vezes sentia-se mal por incomodá-lo pedindo para que o acompanhasse nas suas pequenas missões, mas, para além do desejo de aprender os caminhos, era sua forma de tentar manter o vínculo.

A voz do irmão interrompeu seu devaneio quando lhe ofereceu ajuda para escalar um pequeno paredão rochoso que terminava em uma pequena plataforma natural. Já estavam a uma altitude considerável, mas a brisa salgada que soprava do oceano ainda não havia dado lugar para o vento gélido e seco característico do pico das Cordilheiras. Enquanto esperava o irmão coletar frutos azuis de um arbusto próximo que crescia em uma mancha verde entre as pedras, Suyane olhou para o horizonte. Conseguia escutar o som das ondas agitadas quebrando no oceano e a brisa trazia o cheiro de sal que fazia seu nariz arder. 

Que Thalea nos abençoe em nosso caminho de volta, pensou a jovem antes de prosseguir. Tropeçava a todo momento, perdida em pensamentos que hora divagavam sobre o possível presságio, hora tratavam de suas angústias quanto ao futuro. Seu aniversário de 19 anos se aproximava, idade em que os anciões iriam destinar-lhe uma função na comunidade com base na suas habilidades. Estava insegura sobre o que os deuses planejavam para seu futuro. Mas a possibilidade de viajar parecia-lhe tão pequena que apenas um milagre poderia alterar o rumo que sua vida tomava agora.

O milagre chegou no 35° dia da estação amena. Entre os tantos homens de uma expedição Índigo que catalogavam as montanhas, um milagre chamado Emília chegou ao seu vilarejo. E, junto dela, trouxe o que o presságio de Thalea avisara.


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Notas finais do capítulo

O final é aberto, sim. Mas gosto assim, porque me estimula a pensar sobre as diferentes possibilidades de continuar essa história, mesmo que a intenção seja ser um texto independente.