EndGame escrita por Helly


Capítulo 6
Nível V. Fácil


Notas iniciais do capítulo

Desculpa a demora para postar, é que eu estava estagiando de segunda a sexta em laboratório de hospital infantil. Ai com o tempo livre eu escrevia o cap 7, revisando minhas outras fics e criando uma nova fic Reylo kkkkkkkkk Perdão.

O próximo cap é do Luke, particularmente eu gosto desses dois caps.

E sim, eu sei que já fiz capas melhores, mas até que essa tá aceitável e é assim que eu imagino o Chewie.



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“E se você pedir

Papai vai te comprar um passarinho

Eu vou te dar o mundo

Eu vou comprar um anel de diamantes para você

Eu vou cantar para você

Eu farei de tudo por você, para vê-la sorrir”

Mockingbird – Eminem

 

REY

 

— O que vocês vão querer? – padrinho arruma os talheres e o guardanapo da mesa.

De tudo que li até agora, a única coisa que despertou algo em mim foi a sopa de ervilha. O cardápio é um tanto peculiar, são comidas fora de estação e algumas bem difíceis de achar. Papai bate duas vezes no meu braço.

— Que tal sopa de ervilha? – passo o cardápio para o garçom.

— Tá calor, garota.

— E? Só se come isso daqui a meses.

— Bem pontuado. – padrinho passa o cardápio de papai ao garçom. – Vou querer peixe grelhado com ervilhas e aipim frito. Eles vão querer sopa de ervilha e cuscuz com bacon e linguiça.

— Minha mãe vai matar os dois por quebrar a dieta. – cutuco papai.

— Mês passado você socou dez batatas fritas na boca e de uma só vez. – mordo os lábios para não rir, estava cagada de fome naquele dia. – Até fiquei com medo de um deslocamento do maxilar.

— Rey não é disso. – toco em meu peito emocionada com papai saindo a minha defesa. – Ela não é amadora ao ponto de deslocar o maxilar, essa garota aqui nasceu com a incrível habilidade de escancarar a boca que nem uma anaconda na hora de comer.

— Traidor. – digo rindo.

— Mas o pai está te defendendo, pacotinho.

— Vou até o banheiro, depois dessa. Tente não quebrar outras regras da mamãe.

— Pode deixar. – padrinho não me convenceu, principalmente depois de rir que nem um cafajeste.

As águas que bebo de madrugada e as vitaminas finalmente bateram. Caminho estalando os meus dedos, que estão morrendo lentamente de saudades dos meus dias de duelos intergalácticos.

Adentro o banheiro e agilizo os passos até o cubiculuzinho. Até que sou rápida, levo um minuto e tá tudo bem, e, como mamãe ensinou, não sento no vaso. Limpo minhas mãos na torneira e estudo meu reflexo, desperdiço um bom tempo nisso.

Meu cabelo está solto hoje, até que está bonito, com volumes nas pontas. De maquiagem só passei um batom rosa, um lápis de olho, rímel e uma sombra de uma cor que até hoje não sei se é cinza, marrom ou nude. A roupa também está boa, um pouco desconexa talvez, uma blusa cinza de alça com brilhos brancos e uma saia branca com traços em tons de laranja e marrom. O salto baixo só escolhi para mamãe não reclamar de que só ando de tênis – o que não é uma mentira, cá entre nós. Até a unha pintada de preto, que de alguma forma misteriosa ainda está durando depois de três semanas, está combinando com esse look peculiar.

Não sou alguém apagada ou de baixa beleza, mas não nego que sou de certa forma normal, uma beleza mediana. Ok, que se comparada às garotas do andar de Leia, eu sou uma desleixada de baixa beleza. De repente não seja algo na minha aparência que o levou a me tratar daquele jeito, talvez tenha falado muito, ou ele é só um babaca grosso mesmo. Gosto dessa última opção.

Seco as mãos naquelas máquinas estranhas que expele vento quando colocamos a mão, sempre suspeito que perderei as mãos ou as baterei contra uma superfície quente da máquina e ficarei com uma queimadura enorme. Sou perfeitamente normal, é um medo plausível.

Alisando a saia, volto sorridente para a mesa. Só demorei alguns minutos, uns sete ou nove minutos me olhando no espelho e procurando algo para ser odiada de primeira e eu não achei. Só que a minha felicidade não demora muito para acabar, papai tem espírito fofoqueiro.

— Foi grosso sem necessidade. Como um homem pode tratar a minha filha assim? Ela é boa! – eu só fui ao banheiro!

Sento na minha cadeira e acerto o braço do fofoqueiro. Por que eles vivem dizendo tudo um para o outro como eu e o... Droga! Minha vida nunca pega leve comigo. Tento não focar nisso enquanto estou no olho do furacão.

— Não era para contar.

— Que tem um babaca te machucando. Se quiser posso falar com o meu filho para bani-lo do jogo.

— Ele não está me machucado e, pelo amor, não, só não. – não tem nem como isso acontecer sem uma razão, padrinho nem deve entender como o jogo funciona.

— Podemos chamar Lando e nós três conversamos com ele.

— Dindo, o senhor e o tio Lando eu não sei se aguentam um homem daquele tamanho e daquele porte. Meu pai até que vai, olha o shape do menor. Papai pulou e já chega no topo do Monte Everest. Mas vocês... Vocês possuem… Coragem, e isso é bem legal e eu respeito isso.

— Pois saiba que eu ainda corro e o seu tio Lando... Ele sabe se virar também.

— Não precisam, de verdade. Eu estou bem e mamãe e eu já conversamos.

— Que nem aquela vez do garoto do ginásio de esgrima, viu? – papai está indignado com isso até hoje, nunca superou esse acontecimento.

— Pai, – perco a meada por alguns minutos, mas não tem como não rir da indignação dele. – não há com o que se preocupar e nenhum babaca para amedrontar. Eu estou bem.

— Tem outro garoto implicando com você no ginásio de esgrima? Meu filho vai em um ginásio depois daqueles conjuntos de prédio do centro da cidade. Posso falar com ele para te colocar lá e talvez assustar o babaca que vem te incomodando. O garoto é bom nisso de amedrontar, por mais que a mãe diga que ele puxou isso dela, sabemos que ele herdou o meu gênio. Mas só se você quiser, é claro.

Os pratos são postos no balcão que estamos sentados, exceto o do padrinho. A nossa “mesa” fica na janela e só possui três banquinhos, ao qual estamos sentados; comigo e o padrinho nas pontas e papai no meio. As bebidas variam de refrigerante, suco e água.

— Padrinho, não há ninguém com quem se preocupar ou amedrontar. Está tudo certo e eu sei desse ginásio, irei na próxima vez porque o que eu frequentava foi alagado no dia da chuva. E o senhor não é brigado com o seu filho?

— Sim, mas a mãe dele ainda fala com ele todo dia e ele idólatra seus pais, nunca escondeu o seu favoritismo, com certeza larga tudo para ajudar a prima. – Han bate no braço de papai rindo. – O garoto cresceu em tudo, menos na visão da mãe.

— Maz é assim com o pacotinho também.

— E você também. – rebato na hora.

— Não sou. – papai responde mais rápido que eu, é o reflexo da época que ele era corredor de Fórmula um.

— É... Como te dizer? – padrinho coça o pescoço. – É sim, parceiro.

— Não sou, você que é. – sopro a sopa prestando atenção atentamente na conversa deles.

— Eu nunca tratei o garoto como um bebezinho.

— Se lembra daquela vez que você falou que ele era uma criança durante uma briga com o diretor dele?

— Porque ele era!

— Ele tinha dezenove anos, Han. O diretor era o diretor da faculdade.

— Um pintinho recém saído do ovo!

— Ele já tinha perdido a virgindade, já era galo formado para governar o galinheiro. – engasgo com a cenoura da sopa. Eu que me acudo, até porque padrinho está distante e papai caçando algo na mesa.

— A o que? – meus olhos arregalaram com o grito do meu padrinho.

— Pai, acho que isso era algo que você não deveria ter falado. – bato duas vezes na sua mão. Minha voz saiu tão rouca que bebi um pouco da água de papai.

Não sei que ideia de girico é essa dele, é uma tentativa de equilibrar toda a gordura do bacon com a água? Ou ele está tentando ser 50% saudável com a água?  Papai se supera às vezes.

— Ele não perdeu aos vinte e três?

— Filha, passa o sal para o pai. – aponto para o sal na sua frente. – Obrigado, querida.

— Não mude o foco, Wookie, conte o que sabe.

— Como você não sabe o básico do seu filho? – realmente estou curiosa, meu padrinho não conhece o filho? Não possuía uma relação íntima?

— Não é como se o seu pai soubesse quando você perder. Você possivelmente não irá contar a ele.

— Foi aos dezesseis com aquele ex dela, Poe. – papai sinaliza rindo vitorioso, do que eu não sei.

Fica um silêncio arrebatador, parece até o apocalipse. Uma veia pulsante surge na testa do padrinho e seus olhos tremem de forma preocupante, é daqui o único som proveniente no atual momento. Ou ele está começando uma síncope, ou está se transformando em um zumbi.

— Ela é uma criança, Chebacca! Como você pode deixar?

— Ela já era grandinha e perdeu depois de meses de namoro.

— E o meu filho? Ele namorava? Eu só conheci três ou quatro namoradas doidas com fichas criminais e só conheci a partir dos vinte e dois. – espero que ele esteja brincando na parte criminal da frase. – Achava que perdeu aos vinte e três porque o moleque transou no meio da sala de estar da mãe, parecia um coelho!

Somos uma família perfeitamente anormal, que de forma anormal se grudou mais forte que cola super bond e tem entre si lembranças igualmente anormais.

— Não posso dizer, não quero criar uma guerra. – papai coça a barba após terminar de sinalizar, ele realmente está pensando na guerra que pode desencadear.

— Meu pai é pacifista, sabia dindo? – digo após ficar comendo em silêncio vendo eles jogarem ping pong com as palavras.

— Teu pai apagou um homem com um soco só, ele é tudo menos pacifista. – metade da sopa na minha boca é cuspida quando começo a rir, creio que sopa não seja uma comida recomendada para esta conversa. – Por que criaria guerra? O garoto pegou a filha de algum concorrente nosso? Qual foi a merda da idade? Quem era? Que merda ele fez agora?

— Quinze e isso é tudo que posso contar. – bebo a água para ajudar a sopa, que é algo líquido, a descer. Meu refrigerante continua intacto na mesa.

Tão bom ter uma família que discute sobre tudo em qualquer lugar e não importa a hora. Estou mega abençoada em saber sobre a vida sexual de um primo que nunca conheci.

— E a garota? Desembucha.

— Não.

— Você se lembra daquela vez em Yavin? – levou exatamente sete minutos de conversa para o padrinho usar a vez misteriosa de Yavin.

— Jannah – tudo que estava na minha boca, sopa e água, é expelido de uma vez só.

— A Jannah do Lando? – agora quem quer saber sou eu. Papai confirma com a cabeça. – Ele perdeu a virgindade com a prima? Esse moleque não tem medo de queimar no inferno? Isso é pecado!

Só estou em choque com a boca escancarada. Essa safada nunca me disse nada! Só falou que foi diferente e legal, não mencionou a melhor parte! Eu vou matar ela, que tipo de prima/irmã mais velha Jannah é? Será que o filho do padrinho é estranho e ela tem vergonha de falar que perdeu a virgindade com um homem que pega criminosas? Tudo faz sentido agora. Irei usar isso para brincar com a cara dela e irritá-la.

O prato do padrinho finalmente chega, eles têm a decência de ficarem em silêncio e esperar o garçom sair para poder voltar a conversar sobre a vida sexual do meu primo misterioso. Padrinho não é muito de usar linguagem de sinais enquanto estão brigando, é mais quando estão fofocando ou contando segredos um para o outro.

— Teoricamente não são primos de sangue, então tá tudo bem. – estou surpresa com a resposta de papai.

— Foi isso que ele te disse? Ou você está falando isso porque transava com aquela sua prima bonita? Sabe, aquela que você vivia transando em tudo conter superfície antes de conhecer Maz e que te fez de trouxa por quatro anos.

— Ok, que tal a gente mudar de assunto? Já estou começando a ficar traumatizada. – padrinho ergue o indicador em riste, ele mandou eu calar a boca? Que isso? Uma piada? 

— Você deixou meu filho transar com a prima e a minha menininha transar com aquele garoto mais velho?

— Ele era só dois anos mais velho que eu.

— Na sua cabeça infantil. – finalmente ele me responde. – Chebacca você despencou na minha concepção de bom pai. – padrinho finalmente começa a comer o peixe. – Eu esperava mais de você.

Papai só ri, esse grandão adora implicar com Han. Comemos em silêncio, vez ou outra padrinho resmunga sobre o castigo que aguarda o filho cabeça dura dele. Termino o meu prato e pego o cardápio, hora da sobremesa. Folheio com todo cuidado, é a minha parte favorita dos almoços com Han.

— Ele ao menos usou camisinha?

— Meio tarde para o senhor perguntar isso, não?

— Bem pontuado, pacotinho. – Han ergue novamente o dedo depois da resposta de papai.

— Aquele garoto escondia muita coisa de mim.

— Ele era que nem você. – papai revida na hora, eles gostam de conversar assim.

— Eu nunca me meti em rachas e dei perda total a dois carros antes dos vinte e um.

— Seu primo tinha um dom de tirar o seu padrinho do sério.

— Ele ainda tem. – padrinho dá um longo gole no seu suco de goiaba antes de continuar. – Algumas semanas atrás veio almoçar com a mãe aqui e foi embora com um carro zerinho das empresas Hutt.

— Essa não é a principal concorrente de vocês? 

— Exato! O garoto sabe disso e usa isso para me provocar mesmo sem falar comigo.

— Maz tem razão então. – papai solta essa encarando fixamente a rua.

— Sobre?

— Sobre o seu filho não ter te excluído completamente da vida dele.

— Eles não se falam há anos, pai. – sinalizo para não machucar o padrinho, mas esqueço de que ele entende.

Desde que cheguei nessa família, treze anos atrás, ouço sobre o renegado de Han e como ele vinha evitando todos antes de brigar com os pais e sair mundo afora. Se levarmos em consideração que conheci Han aos doze, contabilizando quinze anos, esse caos acontece a mais tempo do que aparenta.

Nunca vi nenhuma tentativa dele de manter contato, até porque nunca o vi, e as demonstrações de seus sentimentos, que sei por meio dos meus tios e dos meus pais, são sempre caóticas.

— O mini Han nunca perde tempo com pessoas e coisas triviais. Se ele ainda usa o carro da concorrência, é um claro sinal que ainda se importa o suficiente para implicar com o pai. – mamãe e papai possuem uma visão única da vida, que mais ninguém consegue captar ou ver como eles. – Veja bem, meu milagre, seu primo é cabeça dura que nem o seu tio, você acha que o seu tio implicaria com alguém que ele não se importa?

— Bem pontuado, paizão. – repito suas palavras. Faz sentido, sabe? Essa é a coisa esquisita da visão deles, que quando explicada faz todo sentido. – Mas ele é tão idêntico ao padrinho?

— Não. – diferente de Han, que nega veementemente carrancudo, papai confirma com a cabeça todo sorridente.

— Ora, ora. Parece que temos respostas conflitantes aqui.

— Que nem os dois cabeças duras. – após dizer isso, papai cutuca meu nariz.

Nem papai e nem Han volta a falar, só encaram o movimento da rua com olhares tristonhos. O sorriso de papai morreu lentamente em seu rosto e deu lugar a um ar triste e sofrido. Odeio esse momento que se sucede após falarem do revoltado.

O garçom traz mais bebidas para gente. Papai e eu fomos os únicos a comer tudo, meu dindo deixou um pouco do peixe e das ervilhas.

Ultimamente o padrinho vem sentindo muito a falta do filho na sua vida. Mês passado ele me contou que o filho era esgrimista e por um tempo foi um excelente corredor de fórmula um. Papai às vezes fala da época que levava o seu garoto risonho em convenções de Star Wars. Foi a mamãe que me contou que eles não dizem o nome dele por precaução, ambos choram e ficam extremamente tristes ao ouvir o nome do meu primo.

— Eu sinto saudades dele, queria que ele conhecesse o meu milagre. – papai sorri melancólico. É a primeira vez que o vejo me chamando de “meu milagre” em meio a tristeza, papai costuma ostentar um sorriso alegre todas as vezes. – Você e o seu primo se dariam muito bem, vocês têm muito em comum.

— Não há um único dia que não sinta saudade daquele garoto. Eu só quero vê-lo, ouvi-lo e até deixo ele brigar comigo, se isso significa tê-lo em minha vida novamente. – Han encosta nas costas da cadeira e arruma o cabelo. – Antes não o via por causa do trabalho, agora não o vejo por equívocos dos dois lados. Me sinto burro por ter desperdiçado tanto tempo com o trabalho ao invés de ter ficado do lado dele, aproveitando ele. Fiz tudo para ele ter um futuro bom, que esqueci de viver mais tempo ao seu lado. Agora ele tem um futuro completamente diferente do que eu desejava para ele.

Eu nunca entendi essa briga. Não sei se é porque eles nunca me contaram tudo, ou pelo que me foi contado soar esquisito. Pelo que sei padrinho, a ex-esposa na época – e atual nessa época – e o seu filho brigaram por causa das atitudes erradas dele e de algum jeito o filho dele entendeu tudo de forma errada e padrinho demorou a perceber que o machucou profundamente, como um pai nunca deve machucar o filho; sendo estas as suas palavras ao me dizer o porquê de nunca ter conhecido o seu filho. Quando tudo se clareou, já era tarde demais, padrinho já tinha perdido aquele que tanto amava e não sabia como chegar até ele e explicar tudo. Todas as tentativas dele de se explicar falharam e algumas levaram até outras brigas que machucavam ambos. Talvez o papai tenha razão e Han e o filho tenham muito em comum.

— Ele vai voltar para gente, aquele garoto não consegue ficar longe da gente por muito tempo.

— Vai fazer nove anos daqui a um mês.

— É normal surtar por uma década, os pais e o tio dele teve esse surto. – cada ano me surpreendo mais com as coisas que descubro. – Lembra daquela vez que você surtou e só usou couro por oito anos?

— Só parei de usar quando conheci a minha princesa.

— Ah, que fofo. – murmuro, eu quero um assim.

— Ela realmente é uma princesa, garota.

— Claro que é. – padrinho e papai são os últimos românticos.

— Não, você não entendeu. Minha esposa realmente é uma princesa, no sentido literal e real da frase.

— Espera aí, o que? – enfio a cabeça na frente do peitoral do papai para poder me aproximar mais de Han. – O senhor é um príncipe, dindo?

— De certa forma, sim.

— Ele nunca te contou sobre a esposa dele?

— Não! Tudo é um mistério para mim. – meu dindo bate na testa, incomodado com algo.

— Me lembrei do que aquela baixinha me pediu para avisar.

— Por que minha filha não sabe da. – padrinho segura a mão de papai desesperado.

— Vou explicar tudo para você no carro. Por hora só posso dar o aviso que ela pediu. – seu rosto se ilumina com o enorme sorriso que ele dá para mim. – Você e seus pais estão sendo convidados para as festas de final de ano que a minha esposa e eu iremos dar. Faz uma década que não damos essa festa e estamos empolgados.

— E o senhor vai me explicar lá sobre o fato de ser um príncipe? – deixo tudo bem claro na minha voz, não é uma simples pergunta.

— Chantagista, tem futuro continue assim. Mas sim, eu explico.

— Então eu vou. – afasto e volto a escolher a sobremesa. Torta de limão parece ser a melhor escolha. – E o senhor, pai?

Passo para ele o cardápio e espero suas duas respostas. Papai olha e olha e olha antes de passar para o dindo.

— Não posso ir, nem a Maz. Estamos com muita demanda esse ano, só paramos para ver a nossa filha. 

— O garoto deve ir. – Han joga baixo, muito baixo. – Você não quer ver o encontro do seu bebezinho e do seu monstrinho favorito.

— Eu sou o bebezinho, né? – ele só ri em resposta. – Né?

— Tente descobrir, garota. – padrinho folheia o cardápio. – Ia ser o reencontro da nossa família. Finalmente todos juntos.

— A gente quer comparecer, vai por mim. Tudo que mais amamos é passar o final do ano com aqueles que amamos. Mas dessa vez realmente não dá. Se não eu ia, tenho um monte de blusa para mostrar a ele e vários presentes para dar. Minha menina também é um pouco acanhada nos primeiro minutos que conhece alguém, as vezes perde o fio da meada, gostaria de estar presente para aproximar eles dois. Mas não posso.

— Tudo bem, amigão. – padrinho põe o cardápio na mesa. – Talvez tudo saia como a princesa planejou e logo o garoto visite vocês.

— Eu não posso ir na festa, padrinho. Preciso passar o final de ano com os meus pais. – repuxo os lábios em um sorriso sem graça. – Desculpa.

— Não, você vai. Você precisa conhecer o seu primo.

— Eu posso conhecer ele depois. – cruz credo, eles que são a minha prioridade.

— Minha menina, não. 

— É mais importante passar com os pais. – ignoro e continuo a explicar o óbvio.

— Você vai, Rey. – papai revida sério.

— O padrinho me entende.

— Reyhan.

— E eu posso conhecer ele quando ele finalmente for na fazenda em Janeiro.

— Shivanshika. – meu corpo todo gela da cabeça até os pés, até a minha alma fica arrepiada. Ele não sinaliza esse nome para mim em repreensão, papai nunca chama a minha atenção utilizando o meu terceiro nome. É um nome sagrado e importante para ele, nunca é utilizado desta forma. O Reyhan sim, mas o terceiro nunca.

— Eu vou. – respondo meio aérea, é a resposta esperada, papai balança a cabeça em concordância.

— Vamos pedir a sobremesa?

— Sim. – resmungo bicuda. Ele me chamou de Shivanshika e não foi de forma carinhosa.

Pisco, porque por algum motivo quero chorar. Esses tempos não tem me feito bem. Eles voltam a conversar sobre o garoto e dessa possível reconciliação. Acho o garoto um idiota como o Supremo líder, são dois babacas mal educados que não percebem a sorte de ter pessoas que os ama imensamente na vida e são boas com eles. Dois grandíssimos idiotas.

Seu enorme braço peludo passa pelos meus ombros e sua mão descansa no braço. Papai beija a minha cabeça e demora alguns segundos para me afastar. Sou balançada e faço o que ele espera de mim, olhar para ele e compreender o que ele sinaliza. Como uma boa filha desejada, faço o que esperam de mim.

— Não fique assim, filha. 

— Eu não sei do que o senhor está falando. – curvo a cabeça para frente para o cabelo cobrir o meu rosto.

— Vamos pedir a sobremesa? – padrinho pergunta animado, papai bate com o ombro no meu.

Ah pronto, agora eles querem me animar. Por que não vão animar o garoto? Aposto que ele estará contentadíssimo no final do ano sendo o babaca de sempre.

— Uhum. – mordo minha bochecha por dentro.

Papai me abraça rindo, seu queixo apoia-se na minha cabeça. Recebo mais beijos. Eles estão adorando isso tudo, esses velhos safados com senso de humor quebrado.

— Chewie, se a menina não quer ir, está tudo bem. – papai responde algo que não consigo enxergar. – Depois eu que sou cabeça dura.

— Pois não. – o garçom pergunta assim que chega.

— Queremos pedir três sobremesas. Rey. – minha deixa.

— Torta de limão. – foi a única coisa que gravei mesmo.

— Chewie? – papai responde ainda abraço em mim, mas não consigo compreender. – Boa escolha amigão. Dois Brownie com chocolate ao leite e mais um suco de manga, água e... – sussurro Coca-Cola para ele. – mais uma Coca-Cola.

— Tá bom, já volto com o pedido.

Fica um silêncio chato na mesa. Papai finalmente para de me abraçar e volta a conversar com Han, pelo menos dessa vez não é sobre o garoto – deduzo isso pelos resmungos de Han que ouço vez ou outra.

— Já volto, vou no banheiro. – padrinho arrasta a cadeira no chão antes de sair.

Faço algo que mataria mamãe se ela visse, apoio meus cotovelos na mesa e coloco meu queixo entre as minhas mãos.

Ele nunca me repreendeu utilizando Shivanshika em todos esses anos, só chamava de Reyhan quando repreendia. Shivanshika foi o nome escolhido por ele e papai só usa quando está orgulhoso de mim e sorrindo, nunca quando chama a minha atenção por fazer algo errado. Não gosto quando ele sinaliza em repreensão esse nome. Já fiz muita besteira nesses treze anos e em nenhuma fui repreendida por ele, se bem que mamãe estava por perto e ela que fazia isso me chamando de Reyhan; mas nunca pelo segundo nome que ela escolheu, Ruyi. Papai nunca me repreendeu, nunquinha mesmo; e eu sinto que foi com raiva, porque ele estava sério e chamou de Shivanshika. Não sou mais a Shivanshika boa, eu sou a menina repreendida. Isso me desespera, porque depois disso eu era mandada embora para o orfanato novamente.

Eu era a sua menininha que nunca errava, a Shivanshika que era o presente do deus Shiva para ele. O seu pequeno milagre tão esperado. Eu escolhi uma faculdade para ele, eu nem gosto tanto assim de T.I. Sou um fracasso que uma hora ou outra decepciona quem eu amo, meus pais e Kylo tão aí para provar esta teoria.

Papai coloca só uma mão na minha frente e vai sinalizando S-H-I-V-A-N-S-H-I-K-A. Mordo meu lábio inferior, isso é um pesadelo sem fim. Sua mão vira gentilmente minha cabeça em sua direção, ele está com aquele sorriso de quando me machuco e ele tenta me tranquilizar ao cuidar de mim.

— Por que você está chorando?

— Eu não to. – estou sim, a voz denúncia. – To ótima, nunca estive melhor.

— É seu nome, o que eu escolhi, por que você não gosta quando a chamo assim?

— Porque você não chama. – sinalizo após sua expressão confusa.

— Minha menininha, não fique assim. – papai limpa minhas lágrimas. – Minha Reyhan Ruyi Shivanshika é preciosa demais para chorar por algo bobo.

— Você ficou com raiva de mim.

— Não. – ele desata a rir sem parar, como se eu fosse uma criança. – De onde você tirou isso? Filha, o papai só estava chamando sua atenção para conversarmos sobre aquilo depois, em um momento oportuno como agora.

— Vocês não me querem mais, é isso? Por isso você quer que eu passe o final de ano com Han e o garoto. – papai ri da forma ciumenta que digo a última palavra da frase.

— Filha, respira. – papai me passa a água dele. – Eu te amo, meu milagre. Sempre vou querer ser o seu pai, é uma honra ser o seu pai. É a coisa que mais me orgulho de ser. Eu só chamei a sua atenção, mais nada. Não há nada por trás disto, se acalme.

Bebo água enquanto meu cérebro bugado tenta entender que papai só chamou a minha atenção e não estava com raiva. Uma hora isso ia acontecer, eu só não queria que acontecesse. Treze anos de passada de pano me mimaram muito, ser chamada de Shivanshika quando faço coisas maravilhosas também. Às vezes esqueço que papai gosta de me chamar pelo nome que ele escolheu.

— Por quê? Por que você quer tanto que eu vá e não passe o natal e ano novo com vocês?

— Porque você não parava de falar e não me ouvia, foi por causa da necessidade desta conversa que tive que chamar sua atenção naquela hora. – ok, ok; ele tá certo nesse ponto. – Filha, eu só quero que você passe o final de ano com Han por um motivo bom e plausível.

— Mas eu não quero passar longe de vocês, eu nunca passei.

— Han precisa de um de nós dois com ele nesse instante tão delicado. Nós dois, a esposa dele e aquele garoto são a vida dele, o que o motiva e dá força. Ele deseja tanto voltar a conversar com o filho e se empenha tanto nisso, mas ele não sabe como se conectar e falar o que aconteceu. Se você fizer amizade com o seu primo, talvez possamos ajudar Han.

— Plausível. – respondo.

— E, que Shiva nos livre, se der alguma briga ou problema, você vai estar lá ao lado dele. Han não estará sozinho com o fracasso e a tristeza da perda de outra oportunidade de trazer o filho para mais perto dele. Talvez você até diminua o impacto da briga dos dois lados.

— Mas a esposa dele vai estar e, pelo jeito que ele falou, os tios também.

— É uma ruptura do marido com o filho, os dois homens que ela mais ama. Aquela mulher não está preparada para viver outra briga deles. E seus tios tomaram o lado do Han em um momento frágil, não são recomendados para isso.

Han me deu oportunidade quando todos fechavam a porta na minha cara, me tirou do orfanato para me dar uma família que nunca me devolveu ou rejeitou, consegui meu trabalho graças a ele. Padrinho é praticamente o meu salvador. Essa é a minha chance de retribuir tudo que ele fez por mim.

— Eu vou socar o garoto caso ele grite com Han.

— Talvez seja isso que o garoto precise, de uma garota de 1,70 disposta a quebrar os dedos ao socar a cara dele.

Luto contra a vontade de rir da sua frase. Creio que seja isso que falte na vida do garoto.

— Você é a única a quem confio o meu irmão, a única que o ama na mesma intensidade que eu.

— Bom. – o velho já me convenceu.

— Eu já falei que será numa casa de praia perto do mar?

— Do mar? – pergunto com o sorriso voltando para o meu rosto.

— Do mar. – sua mão tira gentilmente as mechas grudadas nas minhas bochechas. – Você vai poder ver as ondas enormes e entrar no mar.

— Eu sempre quis conhecer o mar, mas fica em outra cidade do estado.

— Agora você vai conhecer. – balanço o meu ombro.

— Então o senhor não está com raiva de mim? Só para confirmar.

— Eu nunca ficaria, nem mesmo se você queimasse o mundo todo. Porque você é minha bebezinha amada e preciosa, a criança que tanto pedi a Shiva e ele me deu. – aproxima minha bochecha dele e papai a enche de beijo.

— Nunca mais me repreenda utilizando Shivanshika, se não eu conto para mamãe que você me fez chorar na rua. – ganho mais beijos ainda.

— Minha monstrinho. – papai cutuca meu nariz. – Desculpe o pai?

— Desculpo, mas isso vai custar muitas blusas.

— Se isso significa que você perdoa este grandíssimo idiota, por mim tudo bem. Muitas blusas para o meu precioso milagre.

— E me chama de Reyhan na próxima vez e tudo está certo.

— Fechado. – papai acena para Han, ou eu suspeito que seja Han. Quem sabe ele esteja chamando o garçom. – Shivanshika é só para chamá-la ou dizer sobre você, nunca repreender.

Concordo sorrindo. Todas as vezes que fui chamada de Shivanshika foram com orgulho, nunca foi algo ruim. Ruyi e Shivanshika são nomes que nunca foram manchados pelos meus traumas, porque eles utilizam para expressar todo o seu orgulho e amor por me ter em suas vidas. Ter esses nomes entrelaçados a ações que me levavam de volta ao orfanato me apavora mesmo agora adulta, viro aquela garotinha esquelética abandonada por nunca ser o suficiente e nunca dar orgulho. Eu me desdobrava em mil para dar orgulho e ser boazinha e no primeiro deslize era mandada de volta. Reyhan Ruyi Shivanshika é a garota que mesmo quebrando os dedos e falando sem parar e sem pensar não é mandada de volta, porque ela é o orgulho dos pais. Ser a Shivanshika que faz coisa errada não é legal, não é aceitável, é ser a garota devolvida. Eu quero ser só a Shivanshika legal e que dá orgulho.

— Tudo ok, aqui? – acertei, dindo senta na sua cadeira sorrindo e o garçom coloca os pratos e bebidas na mesa.

— Obrigado. – agradeço sem graça.

Meu padrinho precisa viver esse momento de conversas, acertos e desculpas com o filho. Quero que ele seja feliz ao falar do filho e não dizer nostálgico com lágrimas nos olhos toda vez que o filho é citado.

— Vamos comer? – pergunto empolgada, reparei que a torta de limão utiliza muse como recheio e não gelatina.

— Claro, Shivanshika. – respiro fundo.

— Padrinho eu vou socar esse brownie na sua garganta. – papai e ele ficam rindo de mim, não tem vergonha na cara esses velhos. A quinta série não saiu deles ainda.

O clima fica mais leve na mesa e eles ficam rindo entre si e contando histórias do passado deles, que eu conheço muito bem e adoro saber. Como só fiquei rindo e dando um comentário ou outro, acabo primeiro. Papai é o segundo e por isso se levanta para pagar, ele segue o garçom até uma pequena recepção no canto do bistrô.

Padrinho é o último e deixa as mãos descansando na mesa. Não sei como não percebi antes, depois que se vê uma vez não tem como evitar de olhar ou não notar, é enorme.

— Padrinho, o que é isso? – toco na mancha roxa, azul e uma cor meio escura; enorme em sua mão.

— Devo ter me machucado mexendo nos carros.

É o mesmo hematoma, grande e com vários tons, que estava em seu antebraço mês passado. Não consigo evitar de querer agir como eles e protegê-los. A guerreira, disposta a derramar sangue em prol daqueles que ama, agora sou eu.

— O senhor está bem? Alguém o machucou?

— Nunca estive tão bem e eu nunca mentiria para a minha garota.

Isso alivia meus temores. Há tanta gente ruim e oportunista no mundo, que morro de medo dos meus pais, meus tios e Han se ferirem. Confio plenamente no meu padrinho, ele nunca mentiu para mim e não há o que esconder. Mesmo assim fico preocupada com esses hematomas que andam surgindo nele, já presenciei homens empurrando-o na oficina. Quebrei o dedão do pé nesse dia, mas não me arrependo de ter chutado o homem que o atacou.

— E você? Quer conversar sobre o menino cruelmente nefasto que machucou o seu belo coração altruísta e bondoso? – para Han falar assim, certeza que meu pai foi a fonte original dessa frase. – Cedo ou tarde iremos conversar sobre isso. Aproveite que o seu pai foi pagar a conta e me diga. Depois de hoje só nos veremos na festa e lá estará cheio.

Respiro fundo, exausta pela história longa que terei que contar e pelo esforço de fazer a mentira ser igual a aquela que contei aos meus pais. Nada consegue ser fácil na minha vida.

Repito tudo tintin por tintin. Estou contando com tanta veracidade dos fatos que até eu estou quase acreditando na minha mentira. Termino só com o acréscimo de que chorei e chorei.

— O que o seu pai disse?

— Que estou certa em não falar com ele.

— E o que a sua mãe disse? – Han sorri, já prevendo a resposta antagônica.

— Que deveria pedir desculpas e me explicar. Algo que já planejava fazer, mas aí ele me tratou como se eu fosse um nada.

— E você vai ouvir quem?

— Mamãe. – respondo só por educação, Han sabe quem sempre obedeço. – A razão anda lado a lado com ela.

— Sua mãe é ótima em dar conselhos. Creio que seja porque ela é uma ótima psiquiatra, mesmo que não esteja exercendo há anos. – às vezes esqueço desse fato, estou tão acostumada a ver mamãe como dona de fazendas, que outra coisa é meio peculiar.

— Por que ela deixou de ser? – isso é algo que nunca conversamos.

— É uma história triste, que cabe a ela lhe dizer. Mas saiba que a ferida é amenizada com a sua presença. – abraço seu bíceps e apoio a cabeça em seu ombro. – Ser sua mãe é a melhor coisa na vida dela.

— Eu já te agradeci esse mês por ter nos juntado?

— Ainda não. – Han tomba a cabeça para o lado ao inspirar profundamente. – Já estava achando que os seus pais tinham razão e você estava passando por algum problema perigoso e irreparável.

— Ah, esse velho. A língua parece um chicote.

— Não. – padrinho endireita a postura e ergue o indicador indignado. – Quem tem língua de chicote é a sua mãe e ela quase comeu a minha alma semana passada.

— O que você fez agora? – pergunto já rindo de sua longa história de como enervou mamãe com uma simples pergunta.

— Nada! Dessa vez realmente não fiz nada.

— Sei. – olho para ele desconfiada.

— Ela cismou que você não estava bem e ficou agindo que nem uma tigresa aprisionada vendo seu filhote sofrer. Só faltou arrancar os meus braços. – mexendo no cinto e tombando a cabeça para o lado, padrinho se prepara para o ataque. – O quanto a reação dele te machucou? – gargalho alto.

— Por que está todo mundo me perguntando coisas assim?

— Porque te amamos e nos preocupamos com você. – lá vai eu sugar os lábios de novo e piscar sem parar.

— Eu estou bem agora. – murmuro em resposta.

— Uhum. – por que eles não acreditam em mim?

— É sério.

— Eu sei, Shivanshika. – outra coisa que padrinho cismou.

— É o meu nome! E eu amo ele.

— Eu sei, seu pai sabe e todos que te conhecem sabem. E é por isso que fico preocupado, porque você ama o nome que o seu papai Chewie te deu. Você nunca chorou quando ele a chamava assim.

— Ele não me chamou, ele me repreendeu.

— E isso deve ter tocado em alguma ferida sua, aquelas que você carrega desde que a conheci em Jakku. – o velho me conhece muito bem. – Sabe, você e o garoto tem isso em comum, ambos sabem mascarar muito bem o que sente.

— E? – porque eu sei que tem mais coisas aí.

— Quando vocês estão muito mal, à beira da autodestruição, não conseguem suportar o peso da máscara e vez ou outra ela cai. Daí acontecem cenas como a que eu presenciei, você chorando por ser chamada de Shivanshika de forma negativa na sua concepção. O que acaba comprovando que sua mãe estava certa em ficar me alertando, me sinto burro por não perceber logo de cara que nem ela e o seu pai. – Han coça a barba cabisbaixo. – Eu cometi esse erro com o meu filho, fui cego perante a sua dor, e, olha agora, ele está ferido e longe de mim. Não quero vê-la ferida e muito menos longe de mim.

— Eu não vou me afastar de você.

— Mas vai continuar ferida e ninguém vai perceber até você deixar a máscara cair novamente.

— Eu já passei por coisas piores e sobrevivi, isso é nada.

— Isso é um catucadão nessa sua cicatriz de rejeição. – levantando da mesa Han estende a mão para mim. – Você deveria contar sobre elas para os seus pais e me contar o que realmente está acontecendo.

Não quero preocupar os meus pais, eu posso me virar sozinha e comentar vez ou outra com alguém. Costumava comentar diariamente com Kylo Ren e ele sabia exatamente o que dizer porque também as tinha. Talvez demore um pouco para me abrir por inteiro com alguém como eu me abri para ele.

Já sobre o outro tópico, eu acumulei tanta coisa ruim do trabalho em Novembro. Até agora não sei como estou aqui chorando por perder um amigo e por ser repreendida pelo meu pai, e não pelo que tive que ouvir de segunda à sexta por duas semanas seguidas. Até de xingue lingue falsificada eu fui chamada e ainda tive que ouvir que eu consegui falsificar os maiores falsificadores. Unkar Plutt é a junção de tudo de ruim que há na sociedade em um corpo só. Se um dia ele botar uma fita no umbigo, ele explode de tanta negatividade que há dentro dele.

— Estou bem agora, é sério.

— Quando você estiver pronta, estarei aqui para ouvir que nem ouvi sobre algumas das suas cicatrizes.

Ergo da cadeira e fico ao seu lado, ele é só alguns centímetros maior que eu. No momento certo, na hora certa. Não posso abrir a caixa de Pandora de uma vez só.

— Pode deixar.

— Vamos? – papai pergunta ao voltar.

Odeio me despedir dele e da mamãe. Passo a língua pelos lábios e fico forçando sorrisos. Não me ensinaram ou avisaram que depois de ter pais você sentiria uma saudade enorme ao se separar deles.

Fico em silêncio apreciando eles conversando todos animadinhos. Eles me levam até o estacionamento perto da oficina do padrinho. O homem possui uma empresa e prefere ficar cuidando de uma oficina pequena em um bairro de classe média. Papai também é assim, prefere cuidar dos seus vinhedos, fazendas e carros antigos.

— Vou buscar o carro. – papai aponta para a oficina. – Vem cá para o abraço, minha menininha.

Abraço papai igualmente forte, bato três vezes nas suas costas e sorrio quando ele faz o mesmo. Odeio a hora de largá-los, fiquei mais apegada às pessoas depois que fui adotada. A separação dói tanto.

— Até Janeiro, meu filhote de monstrinho.

— Até Janeiro, papai Chewie. – papai limpa algo na minha bochecha.

— Você é o melhor milagre que já aconteceu na minha existência. – por via das dúvidas, dou outro abraço apertado nele.

— Te amo. – sinalizo com as mãos trêmulas.

— Eu sempre vou te amar. – papai sinaliza após se afastar de mim.

— Estarei esperando aqui. – Han avisa endireitando a calça. Papai Chewie bate duas vezes no braço de Han antes de sair.

Às vezes me pergunto se eles se esquecem que sou cria deles e compreendo os sinais com maestria. Espero papai entrar na oficina para virar em direção ao meu padrinho cabeça dura.

— Desembucha.

— O que?

— Não sou burra, papai bateu duas vezes no braço esquerdo do senhor para lembrá-lo de algo. – aponto com o dedão para o restaurante. – Minutos atrás o senhor estava falando sobre como eu estou me sentindo. – bato em seu ombro direito. – Fala!

— Ah! – Han bate nas suas coxas e fecha a cara rapidamente. – Já ia esquecendo de te dizer, ele me mataria se eu esquecesse de te dizer e mataria o seu pai por não me lembrar de uma forma boa. – seu sorriso é contagiante. – Seu tio Luke vai vir aqui na cidade, no próximo final de semana, e quer jantar com você no restaurante chique do centro, alguma coisa Imperial.

— Isso! – ergo os braços em êxtase.

Tio Luke é como um mestre, e chegou a ser meu mestre literalmente. Não o vejo a mais de cinco anos, da última vez ele estava seguindo uma doutrina de paz e falhou no momento que errei um golpe de esgrima. Será que ele irá querer duelar comigo? Estou tão despreparada, ele vai me obrigar a carregá-lo nas costas de novo. 

— Entendi finalmente quem é o seu tio favorito.

— Não fica assim, você é o meu padrinho favorito. – implico, forçando meu rosto a ficar sério.

— Eu sou o único, né. – solto uma gargalhada alta.

— Tchau, dindo.

— Agora me chama de apelido fofo para limpar a barra.

— Com quem será que aprendi? – caminho em direção ao estacionamento ao ar livre.

— Não sei. – com ele. – Tome cuidado na hora de voltar, vá ver o ginásio de esgrima que falei e faça logo o que a sua mãe disse, não prolongue a sua dor.

— Tá bom. – grito já no carro.

Destranco o carro e faço o processo de sempre. Dirijo com todo cuidado, as peças do carro são caras. Me sinto um pouco leve, como se tivesse me recarregado pela metade. Peguei um gás.

Na última semana tudo que pedi foi um sinal do criador para saber o que fazer e hoje só faltaram esfregar a minha cara em um papel escrito “Converse com ele e diga tudo”. Creio que tenha levado embora toda a paciência do senhor ao não ver os outros sinais, ou quem sabe até o criador sabe que sou lerda e teve que ser direto na hora de falar. De qualquer jeito, só há um caminho a seguir e meu padrinho e minha mãe estão certos, estou prolongando a minha dor. Não sei quanto a Kylo Ren, talvez ele nem esteja ligando muito para o meu sumiço.

Chego em casa com o coração batendo a mil, parece até uma escola de samba no dia da apresentação na Sapucaí. Estou uma mistura de alívio, ansiedade, felicidade e nervosismo. Vai entender.

Assim que entro em casa estudo cada canto, mamãe arrumou a minha casa antes de ir embora. Ela até cuidou da área verde na janela. Não importa quantas vezes converse com ela, mamãe sempre irá fazer isso.

Jogo minha bolsa no sofá e faço o que vinha evitando, ligo o computador. O barulho do computador é uma música agradável aos meus ouvidos. Digito minha senha e logo surge a minha tela inicial, com uma bela foto minha junto aos meus pais. Como botei para o aplicativo do jogo iniciar junto ao computador, em segundos começa a pipocar mensagem atrás de mensagem. Depois de quatro minutos tenho 140 mensagens no jogo. Não pode ser dele.

Sento na cadeira curiosa. Realmente não são todas dele. Doze são de Damen, dez de FN-2187, quatro de Res e duas do sistema. As outras cento e doze são dele.

Não sei, me sinto importante, feliz de certo jeito, preocupada com ele e mal por ter sumido de repente. Estalo meus dedos, está na hora de enfrentar tudo e começar a voltar a ser eu e não está Rey desconhecida que chora à toa e tem medo de tudo. Eu sou uma árvore resiliente que sobrevive até a pior das tempestades.

Primeiro vejo as notificações do sistema avisando sobre uma nova atualização de segurança e promoções de Skin. Em seguida vejo o chat de Res, ela está bem empolgada para me dizer algo importante que descobriu. Respondo que estou curiosa para saber. Quase não conversamos muito, mas é uma pessoa legal e alta astral e por isso respondo igualmente interessada.

Meu gêmeo, FN-2187, surta em seis mensagens sobre o meu sumiço e as outras são sobre batalhas e duelos e um único balão no final para falar sobre como Supremo Líder está devastando jogadores e ganhando todas, que devo voltar para bater de frente contra o cavaleiro sombrio. Tranquilizo ele e digo que tudo ficará bem agora.

Damen passa metade da conversa me xingando por sumir e xingando Supremo Líder por ter feito ele perder mais de 700 pontos em um duelo. Só respondo com uma risada e uma leve provocação.

Finalmente meu nêmesis. Ergo da cadeira e vou até a cozinha pegar a minha garrafa de água na geladeira. Cento e doze mensagens! Preciso de água para ler tudo isso. Volto nervosa e sento; me preparando para tudo, seja bom, seja ruim, estarei pronta. A primeira mensagem é do dia que sumi.

Pronta para a revanche?” 22:45

Arregou?” 23:30

Toda aquela tristeza, ansiedade e nervosismo evapora no “arregou” e me sobe uma vontade louca de chamá-lo para um duelo só para mostrar que não arreguei nada. Vou meter umas sete vitórias consecutivas na bunda dele.

Mantenha a calma, Rey, mantenha a calma. Volto a descer a tela para continuar lendo.

Pelo visto está dormindo mais do que a cama.” 9:27

Viajei e já cheguei no meu destino e nada de você aparecer.

Está tudo bem?” 17:16

Eeii, me responde! Eu sei que você está ai.” 21:43

Reconheço essa. Mandava para ele no começo da nossa amizade, quando ele estava tão mal que não conseguia forças para existir. Era uma forma minha de mostrar para ele que eu ainda me importava com ele e ainda queria falar com ele.

Estou cogitando que talvez devesse ter contado tudo para ele nesse dia, pouparia tantas lágrimas e inseguranças. Também pouparia Kylo Ren de metade destas conversas, visto que metade é perguntando se estou bem, outras sendo estranho, algumas implorando pela a minha volta e outras só sendo o implicante de sempre.

Hoje ganhei de lavada daquela formiguinha da sua equipe.” 23:44

“Você realmente é a única boa na sua equipe? Não sente dor nas costas por carregar eles? Como anda a coluna? Os exames estão em dia?” 23:45

A vontade de responder é grande, do tamanho dele. Agora compreendo o balão com palavrões de A à Z de Dam. Supremo pode estar na merda, mas não perde a pose.

Não houve um único dia que ele não tenha mandado mensagem, em todas Kylo é bem claro sobre tudo e gentil. O oposto do homem do escritório.

O que seria de mim sem a minha outra parte natureba? Possivelmente um serial killer de plantas.” 3:39

É muito difícil me desapegar dele quando ele fala coisas assim, que me fazem rir sem querer. Nosso humor quebrado também é parecido.

Descendo as conversas acho algo que acende um alerta vermelho na minha cabeça. Como já disse, eu o conheço no mesmo nível em que me conheço e consigo reconhecer alguns sinais alarmantes.

Seu sumiço é ocasionado pela nossa última conversa? Passei algum limite ao dizer que não sabia de nenhum embate seu e que você estava perdendo o jeito? Pois saiba que somente estava provocando-a, a verdade é que procuro por qualquer notícia sua; não de forma Starlker ou psicopata, e sim de admirador e amigável. Por mais que você suspeite que eu seja o próximo grande serial killer da nação, eu sou só um cara comum qu

Eu me importo com você, me desculpe se a machuquei de alguma forma. Por favor, aceite o perdão deste grande idiota.” 15:12

…Qu…

…Qu…

…Qu…

Mantenho meu olhar fixado neste único erro em seu texto “Qu”. O que ele apagou? Posso dizer com toda a certeza do mundo que ele estava ocupado quando mandou a mensagem e só deve ter revisado a mensagem depois que enviou; pelo horário ele deveria estar trabalhando. Kylo Ren estava realmente preocupado comigo e focado no trabalho e isso é bem raro, porque o trabalho é tudo para ele. Nada tira sua atenção do seu precioso trabalho, só houve uma vez que sua atenção foi tirada e foi quando o pai dele o machucou profundamente. E agora eu fiz isso.

Essa mensagem foi enviada um dia antes da nossa conversa, até aqui ele era um bebê inocente e ranzinza. Um bebê chorão e implorando por atenção.

Percebo agora que o que eu fiz também foi muito errado. O fiz pensar que o problema estava nele, agi que nem o pai dele e talvez tenha feito, inconscientemente, com ele o mesmo que ele fez comigo – o fiz reviver um trauma profundo que nunca se cura. Fui bem cuzona e devo arcar com os meus atos e pedir desculpa e explicar tudo tintin por tintin. Porque a única coisa que ele tem culpa, é de ter sido grosso comigo, o resto eu sou a culpada e tá tudo bem aceitar os meus erros e resolver as consequências.

Eu só quero saber se você está bem ou viva, qualquer sinal para mim basta.

Se quiser sumir da minha vida por algum erro colossal e imperdoável meu, suma. Mas não me deixe pensando o pior, não me deixe preocupado pensando em acidentes, doenças e em tráfico internacional de pessoas. Só desejo coisas boas para você.

Atenciosamente, o idiota preocupado com você.” 20:00

O deixei preocupado e posso ter prejudicado o seu desempenho no trabalho, se ele não quiser mais falar comigo será compreensível – doloroso também.

Oi, sou eu de novo. Meu melhor amigo disse que não havia nada errado na nossa última conversa e que possivelmente foi outra coisa.

Você sofreu algum acidente? Precisa de ajuda? Perdeu alguém da sua família? Seus pais estão bem? Como eu posso te ajudar? Eu conheço algumas pessoas influentes que podem nos ajudar. Você foi assaltada? Está doente? Deseja que envie o meu número novamente?” 2:02

Sorrio melancólica, sua preocupação era tamanha que Kylo nem ligou para seu toque em manter tudo organizado; celular de trabalho é para trabalho, o chat no jogo é para conversamos e o celular pessoal, bem, é íntimo. Ele literalmente se abriu para mim e me mostrou mais um lado sensível e acolhedor. Na sua situação faria o mesmo, até ligaria para a polícia.

Sua última mensagem foi há uma hora atrás e provoca algo que não queria sentir nesse instante, vontade de rir.

Se você não voltar terei que tomar medidas drásticas e brutas, as quais não desejo tomar para não ser cruel.

Isso mesmo.

Comprarei uma planta e a farei de refém até você voltar.

A vítima só será passada adiante após o seu retorno. Até lá estarei cuidando dela e sabemos que ela está melhor longe de mim.

Att; Exterminador do futuro.

 Que ódio! Kylo Ren torna toda a minha vida difícil agindo assim. Quero tanto gargalhar disto, meu humor é tão esquisito devido a convivência com ele e seu humor peculiar.

Oi|

A barrinha pisca que nem os meus olhos após a nossa “conversa”. Depois da forma que ele falou comigo naquele dia, não queria ser tratada daquela forma rude e desinteressada novamente. Só que errei com Kylo Ren e, mesmo chorando por novamente decepcionar alguém e futuramente ser “devolvida”, devo fazer a coisa certa com ele, porque, acima de tudo, Kylo Ren é uma pessoa inestimável para mim e muito importante na minha vida. A única certeza que tenho, após ler suas mensagens, é que devo conversar com ele.

Kylo parece sentir tanto a minha falta, chegou a digitar que está preocupado comigo e mandar o número dele. Mamãe disse que devo arcar com as consequências dos meus atos como uma boa adulta e amiga. Me sinto como a personagem de Star Wars que jogo, esse é o momento crucial durante a batalha.

Devo respondê-lo pelo chat? Ou quem sabe no celular? Ligo para ele?

Uma nova notificação pisca em vermelho na minha tela chamando a minha atenção. É uma notificação de urgência do sistema. Não é que eu queira evitar de responder Kylo Ren, muito pelo contrário, eu quero falar com ele e por tudo em pratos limpos; só que eu não sei por onde começar e o que falar. Ler essa notificação dará tempo para pensar sobre onde conversar com ele e pensar em como responder da maneira certa e detalhada.

Leio a mensagem e ao final meus olhos estão tão esbulhados, que suspeito que irão cair para fora da minha órbita. É uma proposta incrível e inimaginável envolvendo o jogo que amo, em que eu seria uma das novas personagens de uma nova jogabilidade que será lançada e a garota propaganda deles. Mas não é isso que me deixa sem reação, é o nome do CEO responsável pelo projeto e pela empresa, que possui os direitos de Star Wars. Está escrito no final em negrito.

Atenciosamente, Kylo Ren.

Isso me assusta profundamente, estava a um passo de assumir para o dono de Star Wars que eu cometi um crime envolvendo o seu jogo, a sua conta e o seu celular.

Acho que vou desmaiar vomitando de nervosismo. Talvez esteja começando a ter uma síncope como o padrinho.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado :D



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