As Folhas de Sicômoro escrita por Mayara Silva


Capítulo 4
Terra Molhada, Fim de Setembro


Notas iniciais do capítulo

Ooi gentee ♡

Desculpa a demora em responder os comentários, eu to beeem ocupada com a facul até o dia 6, depois disso vou ficar mais livre. Também vou tentar participar do desafio do Spirit, então vou escrever uma oneshot rapidinha, espero ver vcs lá * -- *

Sem mais demoras, boa leitura! ♡ ♡ ♡



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Havia acabado de chover. Michael pegou a rota 65 rumo a Indianápolis e seguiu por uma estrada deserta, em seu conversível cinza fechado, enquanto recebia os raios de um tímido sol a se pôr. A noite estava prestes a aparecer.

Luna, ao seu lado, usava o espelho do carro para retocar o batom vermelho. Distraída em sua vaidade, não percebeu quando o moreno passou a admirá-la em segredo.

 

— O que foi?

 

A princípio, ele não respondeu. Continuou admirando aquele lindo sorriso, aqueles lábios avermelhados, controlando a vontade que tinha de beijar aquela boca. Sorriu e, disfarçando qualquer insegurança, comentou aquilo que tinha o desejo de dizer a ela.

 

— Você é muito linda.

 

A morena não conseguiu disfarçar um sorriso bobo, que tratou de esconder ao virar o rosto novamente para o espelho.

 

— E você é muito bobo.

 

Ele deixou o próprio sorriso ainda mais evidente. Não gostava de esconder nada: a amava e queria que ela soubesse disso, mas não sabia por onde começar… até que resolveu arriscar.

Parou o carro na beira da estrada, pouco antes de entrar na cidade seguinte. A placa indicando Indianópolis a alguns quilômetros pousava, estática, na escuridão da noite. Ao longe, algumas lindas edificações luminosas podiam ser vistas. Michael deixou a chave descansando no encaixe e virou o rosto para a morena, que não havia entendido sua atitude. Ele deixou um sorriso fraco no rosto, fraco e discreto, em seguida levou uma mão ao queixo dela e roçou os dedos suavemente pela sua pele.

 

— Eu te amo muito…

 

Disse baixinho. Os lindos olhinhos azuis da menina se iluminaram com aquela confissão; como se, ainda que esperasse por aquilo, tivesse sido pega de surpresa. Eles ainda se encaravam quando Luna inconscientemente inclinou o corpo para frente, os olhos ainda nos seus. Michael se perdeu naqueles grandes olhos azuis, naquelas íris cristalinas e tão diferentes, e custou a buscar os seus lábios pintados de vermelho. Quando seus narizes tocaram, ele fechou os olhos e conduziu o barco dos seus lábios no mar daquele beijo. Luna, ainda um pouco tímida, o deixou sob controle de tudo. Buscou o seu peito com uma das mãos, passou as unhas delicadas pela sua camisa branca, subiu até o seu pescoço, sentiu o toque arrepiado de sua pele de veludo. Naquele momento, ambos estavam trocando experiências, sensações, sentimentos, e não buscaram pensar com a razão em nenhum momento. Ela sabia que podia, a qualquer instante e sob sua condução, passar para o banco de trás e iniciar uma jornada que não fazia ideia de como continuaria.

 

Todavia, o flash dos faróis de um veículo acabou por assustar o jovem casal. Um carro comum, que sumiu no horizonte na mesma velocidade que apareceu, seguindo em direção à cidade. Após sua partida, a folhagem das árvores foi levada com o vento uivante, e o frio começou a incomodar. Luna mordeu os lábios e voltou para seu cantinho.

 

— Eu… — murmurou o garoto, também um pouco desconcertado — vamos… — buscou a chave, ligou o carro mais uma vez e percebeu, pelo ruído, que infelizmente estavam diante de um problema.

 

— Por que não liga?

 

— Merda… — Michael murmurou, em seguida soltou o cinto de segurança e saiu do carro — lindinha, vem pra esse lado. Eu vou empurrar, okay?

 

A garota nunca havia passado por um mau bocado daqueles, mas aquiesceu em silêncio. Assim que pôs os pés no chão, o moreno sujou os tênis claros e acolchoados na lama ensebada de uma terra que, há pouco, havia recebido uma chuva passageira. Murmurou um palavrão e seguiu para a traseira do carro, buscando não centralizar naquele pequeno problema. Luna segurou o volante do carro e estava prestes a fechar a porta, quando, assim que tocou na maçaneta, ouviu aquele mesmo vento uivar alguma coisa nos seus pensamentos. Curiosa, a menina olhou uma única vez para aquela floresta, e sentiu como se alguma coisa ali chamasse por ela.

 

Engoliu seco, fez um esforço para trancar-se no carro, mas aquelas folhas tão singulares repousaram, com a força do vento, em seu colo. Ela as encarou por poucos instantes, enquanto o veículo começava a se mover.

 

— Fecha a porta, Luna!

 

O garoto exclamou, todavia, ela já não o ouvia mais.

 

A pequena folha voou para longe, e a morena se sentiu tentada a segui-la. Saiu do carro sem se importar com o movimento das rodas, e seguiu mata adentro. Michael parou imediatamente o que estava fazendo e correu em direção à menina, sem entender os seus atos. O carro e todas as coisas ficaram à beira da estrada; aquilo não importava mais, ele queria a sua amada de volta.

 

— Luna? Luna!

 

Estagnou ao chegar na beira do que seria o limite entre a rua e o matagal. Estava escuro, era ermo, e não fazia ideia do que diabos havia ali. Michael pensou por poucos instantes, retornou ao carro e buscou no porta-objetos uma coisa que ainda não havia mostrado a ela.

 

Enquanto isso, a garota sequer conseguia ouvir o trepidar dos galhos pelos ventos fortes — ou até mesmo o seu pisar barulhento pela terra molhada daquele fim de setembro —, a forma como aquela mísera folha havia invadido os seus pensamentos era quase tão bizarra quanto misteriosa. Era como se uma voz no seu inconsciente sussurrasse para que seguisse as direções comandadas; como se, dentro da sua mente, uma voz, um menino, algo chamasse por sua ajuda.

 

— Eu… estou indo… te buscar…

 

— LUNA!!!

 

Michael gritava em meio às folhagens daquela mata densa e escura, completamente perdido. Tentou seguir as marcas do seu sapato na terra, tentou seguir o rastro do seu doce perfume, buscou qualquer pista que o levasse ao paradeiro de sua amada, até dar de cara com uma estranha e abandonada casa de cores cinzas, exposta na parte aberta da floresta.

 

Não teve sequer tempo de admirar a paisagem, viu a menina seguir para dentro dos seus portões enferrujados: viu-a seguir rumo às folhas que cobriam-lhe os joelhos; correu em sua direção e viu, a poucos metros de distância, quando ela levou as mãos às folhagens e desenterrou alguma coisa…

 

… um corpo.

 

Luna, em movimentos automáticos, não estava em condições para reconhecer que desenterrou o que estava debaixo das folhas de sicômoro, e não encontrou nada mais além de si própria e do prenúncio do seu destino.

 

Algo saiu de dentro da casa. Nesse momento, foi tudo muito rápido.

 

— NÃO!!!

 

Michael bradou, temendo pela vida dela. Era… um monstro. Disforme, tinha dentes cerrados como navalhas, os olhos quase saltavam das órbitas, o corpo era humanóide. Bípede, e ainda sim grunhia como um animal selvagem, não parecia passível de nenhum tipo de diálogo, estava pronto para matar, pronto para comer.

 

E foi o que fez.

 

Atacou a garota. Michael não sabia se conseguiria salvá-la, mas tentaria e não permitiu-se pensar duas vezes. Lançou-se no que quer que fosse aquele ser deplorável, e o demônio não poupou esforços em mudar de alvo quando ouviu o disparo…

 

… quando sentiu o gosto ferroso de seu sangue tocando nas folhas de sicômoro.

 

Michael gritou de dor e abriu o casaco que estava usando. O disparo havia atingido sua perna; a arma não possuía trava e estava perigosamente vulnerável. Aquela criatura esqueceu a menina completamente, seguiu em direção ao dono do líquido escarlate; embora sua presa estivesse lutando com destreza para sobreviver, conseguiu mordê-lo no ombro. Michael sentiu esvair todas as suas forças, como se a sua essência estivesse sendo drenada — como se aquilo que o fazia ser ele mesmo estivesse sendo roubado —, até que sua existência estivesse completamente encerrada.

 

x ----- x

 

Quarto do paciente, hospital referencial de Indianápolis (2 dias para o halloween)  – 11:22 hrs

 

Michael despertou em um pulo.

 

Estava completamente assustado, suava frio e sentia dor de cabeça. Olhou para os cantos com dificuldade e demorou para acostumar os seus olhos com a claridade exacerbada do lugar. O relógio sem graça da parede marcava pouco mais de meia hora para o meio-dia. Ele engoliu seco e suspirou lentamente, buscando manter a calma, até que a maçaneta passou a girar e, em poucos instantes, um homem entrou na sala.

 

— Bom dia, senhor… Michael — disse-lhe, olhando para a ficha técnica em sua prancheta. Michael permaneceu em silêncio, o olhando com certa desconfiança. — Como está? Espero que esteja bem, você estava com febre alta — ele se direcionou até seus utensílios, onde buscou um termômetro. — Vou aferir sua temperatura, okay? Se estiver melhor, já poderá sair, porém vou precisar que algum parente venha buscá-lo.

 

Michael abaixou o olhar para o tecido liso e monótono daquelas cobertas hospitalares. Buscou sua mão, olhou para sua palma uma única vez e viu um curativo profissional a enfaixando. Tinha os pensamentos dispersos, quase não conseguia ouvir a voz daquele homem, mas retomou a conversa quando ele fez um pedido.

 

— Estamos tentando ligar para eles, mas a sua escola ainda não encontrou seus dados. Já que está acordado, poderia nos ajudar? Só preciso que me responda algumas perguntas simples.

 

— Hurum… — ele murmurou — posso, mas não tenho ninguém por aqui, são todos de Gary. Só posso sair com um parente?

 

— Hum… nesse caso… — disse o homem, enquanto semicerrava os olhos para conferir o resultado do pequeno aparelho — a administração do hospital orientará no seu caso. Acredito que o seu responsável legal seja a escola. Eles devem mandar alguém para te buscar.

 

— Alguém… — Michael murmurou, ainda sem conseguir olhar nos olhos daquele homem por muito tempo. O sonho vinha e ia pelo seu pensamento, várias e várias vezes, e ele não sabia o porquê daquele mero pesadelo perturbá-lo tanto. Suspirou novamente e voltou a deitar, enquanto observava aquele desconhecido se afastar de sua cama e retornar à porta.

 

— Você melhorou bastante. Irei ligar para a escola, continue descansando.

 

E saiu. Michael fechou os olhos e tentou dormir novamente. Conseguiu apenas descansar a visão e a mente, pois logo foi acordado mais uma vez.

 

— Senhor Michael…

 

— Jackson… — murmurou — o meu nome… o meu nome é Jackson — ele umedeceu os lábios antes de prosseguir com o seu pedido. Pensou se devia se importar com isso, afinal não costumava ser exigente, mas ouvir o seu primeiro nome sendo proferido por pessoas desconhecidas, ao menos naquele momento, o fez se sentir desconfortável. Ele queria Prince e Luna consigo. — Michael Jackson… e eu não tenho cinquenta anos.

 

— Okay, senhor… ou melhor, Jackson… você terá alta agora. Um representante da escola veio buscá-lo.

 

Michael assentiu em silêncio e se levantou sem muitas dificuldades. Foi ao banheiro para se trocar com as mesmas roupas que usava no dia da pequena aventura do grupo, e, assim que estava prestes a sair de seu quarto, viu, logo na entrada para o corredor, aquele que seria o seu "representante legal".

 

— Luna…?

 

Ela lhe desferiu um sorriso fechado, de canto a canto, enquanto seu olhar dizia, sem a necessidade de palavras, que já estava esperando por ele. Lentamente caminhou em sua direção, aproveitando todos os detalhes dos lindos e grandes olhos pretinhos de um Michael surpreso e estagnado. Seu sorriso se abriu assim que já estava bem perto, e ela pôde lhe dar um abraço, tomando muito cuidado para não machucá-lo.

 

— Ser auxiliar do organizador da festa tem suas vantagens — ela deu uma piscadela. — Vem, bebezão. Vamos pro campus.

 

Se afastou e seguiu em frente. Sem questionar, Michael a acompanhou e, após dar baixa no hospital, seguiram o bonito bosque que dava em direção à instituição de ensino.

No meio do caminho, ela iniciou um assunto.

 

— Você está bem?

 

— Estou! Eu… o que aconteceu ontem?

 

Ela suspirou.

 

— Você passou mal. Eu passei o dia todo preocupada contigo. O dia todo… e o dia nem terminou — enfim olhou em seus olhos, o encontrou olhando para si. — Eu não consegui assistir aula nenhuma hoje. Me mandaram pra casa, mas eu fiquei pra caso você desse notícias. Você não tem número, então eu dei o contato da escola. Eu até tentei dar meu número, mas disseram que "amigo não pode" nhé nhé nhé…

 

Michael gargalhou e aquiesceu.

 

— Luna, eu… eu acordei um pouco confuso… estressado… e eu… — ele mordeu os lábios. Não sabia se deveria contar sobre o sonho, mas era algo que queria — eu sonhei com você.

 

A garota arqueou a sobrancelha no mesmo instante. Michael delicadamente franziu o cenho, confuso, e só depois conseguiu compreender o que passou pela cabeça dela.

 

— Não era sexo.

 

— Ah, tá… — ela voltou a olhar para a estrada — como foi?

 

O moreno custou a falar, tentando recobrar aquelas imagens estranhas.

 

— Foi… estranho. Estávamos num carro, viajando por uma estrada deserta. Éramos um casal… — ele deu ombros — mas não parecia com a gente. Não sei… parecia um casal de brancos.

 

Luna soltou um risinho.

 

— Como assim? E qual a diferença?

 

— Ah, tem uma diferença. Eu não sei explicar direito, mas, no sonho, você era toda fragilizada…

 

No mesmo instante, a garota levou a mão ao seu abdome e o fez parar de caminhar. Sorrindo, como se estivesse gostando do rumo do assunto, o encarou.

 

— Eu não sou frágil, Michael?

 

Ele engoliu seco.

 

— Tá brincando? Eu tenho medo de levar um soco de você.

 

Ela gargalhou.

 

— A Bunty é frágil?

 

Michael ponderou. Novamente esse nome. Não queria ter chegado nela, contudo, não teve escolha.

 

— Acho que sim… ela é corajosa, mas não parece muito resistente.

 

— Ela é mais feminina do que eu?

 

— Ahm, Luna… não faça perguntas difíceis, ainda estou me recuperando.

 

Ela gargalhou e aquiesceu.

 

— E qual a diferença comportamental entre um homem branco e um homem negro?

 

Michael deu ombros e sorriu, enquanto tornava a caminhar em passos vagarosos.

 

— Ah, somos mais descolados… no jeito de falar, de vestir… de tudo.

 

Luna fez um movimento negativo com a cabeça, tinha um sorriso largo no rosto, parecia estar se divertindo.

 

— Você é muito exibidinho, isso sim — ela brincou, dando um tapinha bem leve no seu braço, ainda preocupada em não machucá-lo como da última vez. — Sabe…  no meu país, não tem muito essa separação. Tem desigualdade, mas não é como aqui.

 

— No seu país… eu queria saber mais sobre ele. Como é lá?

 

Quando fez a pergunta, depararam-se com os primeiros pilares da grande construção da escola, não muito distante. Os jovens pararam, olharam por alguns instantes e então ele conseguiu ouvir a voz dela mais uma vez.

 

— Posso te contar depois… em outra ocasião — ela o encarou de soslaio e sorriu de canto. Puxou uma chave do bolso e pôs na mão boa do rapaz, que automaticamente agarrou como se fosse cair. — Vai descansar. Arrumei um dormitório pra você. No fim da aula, a gente pode ir pra casa juntos. Eu não acho legal que você vá pra casa sozinho no estado que tá.

 

— Isso é um… convite?

 

— Não vou falar duas vezes…

 

Luna lentamente tornou a caminhar, seguindo em frente. O moreno estagnou, tentando compreender tin tin por tin tin, tentando acreditar que era aquilo mesmo que ela queria dizer.

Suspirou e seguiu para dentro do campus, pisando em nuvens. Estava encantado, tudo naquela menina mexia com o seu interior, mas foi apenas quando perambulou pelos corredores e enfim encontrou o seu quarto, que pôde recapitular toda a conversa que tiveram…

 

… que pode notar que não havia lhe contado todo o sonho. Não sabia se por desatenção ou medo, todavia, não fazia ideia até onde aquele pequeno detalhe era, de fato, preocupante.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

— Michael…

— Eu não te contei — disse ele, assim que chegou mais uma vez ao térreo. Parecia nervoso, cansado, levou as mãos aos cachinhos escuros e voltou a puxá-los discretamente mais uma vez. — Eu não te contei tudo. Eu… eu não te contei todo o sonho.

Luna o seguiu. Quando ouviu suas palavras, temeu pelo que saberia. Algo, eu seu coração, já dizia que tinha relação com a pequena aventura deles.

— O sonho…?

[...]

— Luna… — ele a encarou — a maldição é real. As folhas do sicômoro. Ela não estava brincando…



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