As Folhas de Sicômoro escrita por Mayara Silva


Capítulo 1
As Folhas de Sicômoro


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Voltei com mais um lançamento ♥

Essa fanfic foi feita para comemorar o Halloween, e ela está prevista pra terminar exatamente dia 31 de outubro ♥ Então vamos lá! Espero que gostem OuO



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"Não consigo parar de pensar nisso…

Me enche de desconforto.

Lá fora, à beira da estrada, algo está enterrado…

Debaixo das folhas de sicômoro.

Coberto por folhas de sicômoro.

 

Estou indo te buscar!"

 

Escola St. Johnson, Indiana (4 dias para o halloween) – 13:25 hrs

 

Quando essa história aconteceu, era outubro de 1983, época de outono. As folhas alaranjadas e avermelhadas esvoaçavam por qualquer canto e você teria muita sorte se não encontrasse alguma presa no seu casaco. Era um tempo agradável, estava frio e não chovia, o que deixava os jovens com uma desculpa para se encontrarem e se aquecerem. O céu estava nublado, mas aquelas folhas coloridas traziam um frescor bonito que geralmente só podia ser visto na primavera.

 

Todavia, naquele semestre, na floresta próxima à escola, estranhas e monótonas árvores de sicômoros começaram a surgir. Ninguém entendia quem havia perdido o seu precioso tempo plantando árvores de aspecto pouco atraente como aquelas, que tinham raízes profundas e tomavam o espaço das outras, apenas provocando incômodo e reclamações. De qualquer forma, ninguém se importava muito, pois havia outros assuntos realmente interessantes em pauta.

 

— E então??

 

Luna surgiu, subindo na mesa onde Michael e Prince faziam o seu lanche. Ela estava tão animada que sequer pensou o quão anti-higiênico isso era.

 

— Quem tá se preparando pra mexer o esqueleto na festa de halloween??

 

Michael revirou os olhos e riu com o comentário da garota.

 

— Você sabe que eu nunca dispensaria um bom lugar pra dançar, não é?

 

— Espera… você vai?

 

Indagou Prince, arqueando a sobrancelha. Michael aquiesceu.

 

— Vou sim. Por quê?

 

— Ahg, então eu não vou…

 

Brincou o moreno, puxando uma lixa de unha do bolso. Michael estava pronto para fazer os seus questionamentos, mas Luna entrou no meio dos dois.

 

— Os dois vão sim!! Eu não abarrotei o fax do organizador da festa pra entrar como auxiliar à toa não!!

 

— Quem diabos faz isso? Deixa seu nome com ele, como todo mundo, e aguarda.

 

— Aí é que está, querido… — ela olhou para o Prince, com uma expressão de vencedora — eu nunca ia ter a vaga desse jeito. Eram apenas três auxiliares e eu fui a terceira, dá pra imaginar? Essa festa vai ter a minha cara, tô te falando.

 

Michael riu baixinho, ele adorava a animação da garota. Na verdade, adorava um pouco de tudo nela. Havia chegado há pouco tempo na escola e sentia-se sortudo por ter caído justamente no que considerava o melhor grupo do mundo. Era um moreno de pele cor de chocolate, olhos bem pretinhos e cabelos crespos. Tinha um ar descolado, mas era muito tímido e somente uma pessoa como ela conseguiria acessá-lo para além daquela carcaça introvertida.

Luna Gingerhood era uma garota baixinha que adorava esbanjar suas raízes africanas nos seus penteados e nas suas cores. Gostava de rosa, roxo, amarelo e azul. Era tão sorridente quanto encantadora, mas o que havia chamado a atenção do rapaz desde o primeiro dia em que a viu eram os seus lindos e grandes olhos azuis celeste, algo incomum no meio em que viviam. Afinal, quantas meninas brancas de olhos escuros existem? E as meninas negras de olhos claros? Ele tentava fugir daquele clichê, contudo, uma vez que olhava nos olhos daquela morena, não conseguia escapar deles.

Quanto ao Prince, havia o conhecido assim que Luna o apresentou, pelo visto já andavam juntos. Baixo, de braços sutilmente musculosos e um olhar feminino, a princípio era quieto e desconfiado, talvez um tanto arrogante, porém essa era a carapaça que ele gostava de apresentar. Com o tempo, Michael foi conquistando sua confiança, e, consequentemente, sua amizade. Eram um trio inseparável e um estava disposto a cuidar do outro.

 

— Se não tiver roxo e rosa, eu já sei que não foi você que fez.

 

— Que fofinho… a gente se conhece a pouco tempo e você já sabe as minhas cores preferidas!

 

Luna brincou, o que arrancou uma risada doce do garoto, seguida dos seus ombros retraídos, um tanto tímido. Prince revirou os olhos com todo aquele papo meloso e se levantou.

 

— Logo eu terei que ir pra aula. Vocês vão ficar por aqui mesmo ou dá tempo pra uma caminhada? Preciso esticar as pernas.

 

— Prince, você não conseguiria nem com toda a caminhada do mundo…

 

Brincou o rapaz, que levou um soco no braço e gargalhou com o gesto do amigo.

 

— Todo mundo sabe que não é o tamanho do pé que importa…

 

— Gente, sem diálogos proibidos antes das quatro, hein? Eu quero deixar as piadas de quinta série pras aulas de reprodução.

 

Eles seguiram para fora da cantina a céu aberto, que ficava no pátio da escola. Deixaram lá meio pedaço de sanduíche e embalagens de leite e suco, e caminharam em torno de alguns minutos pelo grande território do colégio. Ao longe era perceptível as copas das árvores coloridas do outono e, mais atrás, os tenebrosos sicômoros na floresta preservada pela gestão da instituição. O frio agradável fazia os jovens esconderem as mãos nos casacos que usavam; Michael, em específico, adorava um de couro escuro que estava sempre utilizando: era preto e branco, e combinava com suas vestes vermelhas. Escondeu as palmas nos bolsos e deixou que a brisa suave e congelante tocasse o seu nariz, o que lhe arrancou um sorriso disperso.

 

— Hoje, a escola tá cheia…

 

— Num dia frio como esse, também me surpreende.

 

Comentou Luna. Olharam para um lado, para o outro, mas não encontraram um lugar para ficar. Haviam jovens por todos os lados, e a morena, como era engajada nas atividades do campus, buscou algum conhecido com o olhar para que pudessem dividir a sombra do cantinho.

 

Todavia, seus olhos azuis encontraram apenas uma mulher.

 

Uma garota. Era desconhecida e um tanto comum demais para chamar atenção, mas fitava-os como se quisesse iniciar uma conversa. Ou pior… como se quisesse estrangulá-los. Luna arqueou a sobrancelha e deu duas batidinhas no Michael.

 

— Olha a menina…

 

— Quem é?

 

Indagou Prince. Já o outro, fitou a garota por alguns instantes, sentiu um arrepio desconfortável subir a espinha; Michael engoliu seco.

 

— Ela conhece algum de nós? Fica olhando como se… como se devêssemos algo…

 

— Nem pensar. Eu prefiro as morenas, embora ela não seja de se jogar fora.

 

— Eu vou falar com ela. A bichinha tá sozinha, não fez nenhum amigo ainda.

 

— Ela é branca. Será que ela teria essa compaixão da gente?

 

Disse Prince. Adorava provocar, sabia que era um pensamento reprovável por Luna, e ela logo tratou de respondê-lo a princípio com um olhar incisivo.

 

— Sua mãe é mestiça, Prince! Vai, deixa de besteira… eu vou chamar ela e quero que vocês a tratem bem!

 

Michael suspirou.

 

— Eu gosto da sua ideia, eu também detesto exclusão. Mas… eu não sei… tenho uma má impressão…

 

Mal completou seu raciocínio, a morena já estava se locomovendo para dialogar com a loira do outro lado do gramado. Era uma menina magra, de pele clara, madeixas douradas e traços finos. Os olhos eram azuis intensos, o olhar era dócil e o que mais destoava das suas feições europeias era o seu nariz redondinho. Embora passasse um aspecto frágil, o olhar que ela deu ao grupo, ininterrupto e inexpressivo, era estranhamente desconfortável. Luna ignorou aqueles sinais e se aproximou com um lindo sorriso no rosto.

 

E, quando chegou bem perto, percebeu que ao menos ela não olhava para si própria, especificamente, mas para alguém que ficou lá trás.

 

— Oi… qual o seu nome? Você é novata?

 

A garota lentamente desviou o olhar para ela, parecia ter despertado de algum tipo de transe. Ainda serena, lentamente estampou um sorriso muito discreto no rosto.

 

— Bunty. Meu nome é Bunty.

 

x ----- x

 

Parque da escola – 14:14 hrs

 

— Você veio das terras nórdicas? Qual delas?

 

— Lá pelos lados da Noruega. Quando vejo vocês agasalhados, lembro que não estou em casa. O frio daqui é bem mais ameno que o do meu país.

 

Michael levou as mãos aos bolsos mais uma vez ao ouvir a palavra "frio". Estava tão distraído que quase esqueceu de se aquecer.

 

— Uau… é arrepiante pensar que existe frio mais intenso.

 

— Ué, é claro que existe. Isso porque você não sentiu o inverno ainda, querido.

 

Brincou Prince, o que fez o moreno rir muito rapidamente.

 

— Você veio de terras tropicais, Michael?

 

— Não, eu só… de onde eu vim, as temperaturas eram menos agressivas.

 

Bunty aquiesceu. Depois daquilo, ninguém se esforçou para iniciar outro diálogo; ou, pelo menos, ninguém quis pensar em nada que os privasse de contemplar a floresta de sicômoros que estava a um passo de distância. Caminhando pelo parque das dependências, perceberam uma bifurcação que dava em direção ao caminho da floresta, e parece ter sido uma decisão unânime e silenciosa quando todos eles, sem questionar, seguiram pela rota atípica.

 

Caminharam pelas sombras das extensas copas esverdeadas. Sicômoros maduros, que não respeitavam a troca de folhagens. Alguns poucos, contados a dedo, possuíam de fato as cores do outono. Os jovens olharam cada detalhe daquela floresta em silêncio, seguindo intuitivamente o caminho de areia que fora aberto, até conseguirem reconhecer o início do topo de uma torre, e, então, enfim compreenderam estar se aproximando dos territórios abandonados de uma casa.

 

Ainda em silêncio, nada passou pelos seus olhares atentos. A madeira era indubitavelmente apodrecida, as árvores do terraço estavam mortas e havia folhas por todo o exterior do terreno, o suficiente para formar uma piscina delas. Prince arqueou uma sobrancelha e deu um chute naquelas folhagens, queria ver se o seu olhar conseguia alcançar o chão, e se surpreendeu ao vê-las esvoaçarem por aí, enquanto mais um bolo delas encontrava-se jazida ali, e nenhum sinal do piso à vista.

 

— Uau…

 

Murmurou o rapaz, virando-se para os amigos logo em seguida.

 

— Vocês estão ligados na lenda por trás dessa casa?

 

— Você sabia da existência dessa casa, Prince?

 

Indagou Michael, enquanto Luna seguia adiante, em silêncio, e empurrava o portão enferrujado que, no mínimo toque, pôs-se abaixo. Ela levou a mão à boca em um reflexo assustado ao ouvir o barulho alto do ferro chocando-se contra o piso, que só não foi mais alto devido ao amortecimento das folhagens. Prince prosseguiu.

 

— Dá pra ver a torre dessa casa do meu dormitório. Toda noite de halloween, a turma conta a mesma história.

 

— Qual história?

 

Indagou Bunty, e recebeu como resposta o sorriso malicioso do moreno.

 

— A história das folhas de sicômoro, querida "bunny".

 

Michael arqueou a sobrancelha. Logo sentiu um arrepio, o que o fez involuntariamente esfregar as mãos nos próprios braços. Ele notou que Luna estava se distanciando e a seguiu, consequentemente passando por aqueles portões velhos. Lá dentro, ainda que no terraço aberto, a sensação era sufocante.

 

— Luna… tá tudo bem?

 

— Eu não sei… Esse lugar… a sensação que eu tenho é que tem alguma coisa… debaixo dessas folhas…

 

Michael paralisou por alguns instantes. Já não era muito corajoso, agora a menina tinha acabado de colocá-lo à prova. Lentamente se aproximou dela, ainda envolvendo os próprios braços em um abraço involuntário, mas a voz do amigo, do outro lado do portão, chamou sua atenção novamente.

 

— Ninguém sabe a origem dessas árvores, nem quem seria o proprietário dessa casa. Mas um dia, em outubro, um casal resolveu se aventurar pela madeira velha desse lugar. O que eles não sabiam é que, como todo bom anfitrião faz, essa casa possui regras.

 

Ele olhou para Luna, como se quisesse provocá-la. A morena levou as mãos à cintura.

 

— Regra número um: não invada. Peça "por favor", e entre. Dois: você está certa, querida, tem alguma coisa nessas folhas, mas você não tem o direito de saber. Não tente desenterrar nada e tudo ficará bem. Três… — ele fez uma pausa dramática, o que fez a amiga revirar os olhos. Michael, por outro lado, estava apreensivo — não se machuque, tome cuidado. Não derrame sangue nas folhas de sicômoro. Tem alguma coisa nessa casa que é atraída por isso.

 

Assim que o rapaz finalizou o seu discurso, todos permaneceram em silêncio. Ninguém sabia exatamente o que dizer depois daquela história, era ridícula o suficiente para parecer uma fábula, mas o ambiente em que estavam era misterioso o bastante para torná-la verdadeira.

Nenhum deles queria admitir, mas o conto os deixou em alerta. O vento frio uivou para as folhas, levando algumas consigo, e a força da sua corrente fez uma das janelas da torre ranger. Os três olharam num instante, e mesmo Prince não escapou da tensão momentânea.

 

Luna suspirou.

 

— Vamos embora.

 

Disse, já atravessando o portão de volta para a floresta, e sendo acompanhada pelos passos frenéticos de Michael.

Bunty os seguiu, mas se contentou em acompanhá-los ao lado do moreno baixinho.

 

— Prince… e o casal? O que aconteceu com eles?

 

— Ah, bunny querida, eu até contaria, mas acho que a madame ali não gostou da história.

 

— Eu também quero saber…

 

Comentou Michael, timidamente. Luna revirou os olhos e freou os passos para que pudesse caminhar ao lado deles.

 

— Conta. Eu sei que você iria contar de qualquer forma…

 

Prince sorriu maliciosamente. Ele contaria de qualquer forma.

 

— Eu contaria de qualquer forma. Bom, o casal nunca mais foi visto. Colégio, familiares, trabalho… esquece. Ninguém viu. O cara tinha comentado com uns amigos que queria fazer uma surpresa pra namorada nesse casarão velho. Isso foi dito para a polícia que, mesmo assim, sequer cogitou vir investigar aqui. Por que vocês acham que nem mesmo a polícia quis vir fazer buscas nesse território? Será que até eles acreditam na lenda?

 

— Francamente, Prince… isso não é real, nunca vi nada sobre esse casal, nem mesmo nos jornais.

 

— Se leu os jornais procurando por "casa abandonada", não vai encontrar mesmo. Eles abafaram esse detalhe, a polícia nunca deixaria o povo descobrir que eles estão com medo de fantasmas.

 

— E se foi algo mais concreto? E se ele atraiu a garota pra matá-la e depois se matar? Talvez a polícia não tenha dito a localização dos corpos pra não incentivar as pessoas a vir aqui tirar a própria vida.

 

Disse Michael. Com essa conclusão, os outros olharam como se não estivessem esperando por um palpite dele. Prince soltou um suspiro discreto.

 

— Você é bem sem-graça, hein?

 

— Prince, você não ia ter uma aula agora?

 

— É, mas sair com vocês foi mais divertido. Agora é melhor irmos, ou o diretor vai ter motivos pra me expulsar.

 

Os jovens apressaram o passo até encontrarem o início da trilha para a escola. Eles pareciam igualmente concentrados em não perder as aulas seguintes, com exceção da Bunty, que olhou para trás uma última vez antes de deixar aquela floresta completamente.

 

Sentiu como se algo ali chamasse pelo seu nome, todavia, apenas limpou as lágrimas silenciosas e seguiu para longe daquelas copas.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

— Quero te fazer um convite.

Luna custou a reagir, mas sorriu casualmente instantes após.

— Ei, Bunty! Qual é a nova?

— Quero te chamar pra me acompanhar até a casa abandonada. À noite.

Disse, direto ao ponto. A garota a olhou por alguns instantes, tentando entender se tinha ouvido direito.

— O… o quê?



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