Eternidade — Um Conto da Terra-Média escrita por O Elessar


Capítulo 7
Capítulo 6: Calendel, o Terror Esmeralda


Notas iniciais do capítulo

Olá.
Segue o capítulo semanal de nossa história. Espero que gostem!



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Alatar irrompeu pelas maciças portas de bronze, reunindo em seu peito a coragem necessária para dar força aos braços.

A sala, como anteriormente descrevi, não era especialmente espaçosa. Diante de tudo que em seu âmago tomava abrigo, parecia até mesmo pequena. Um montante de moedas de ouro ocupava o centro e se erguia tal qual uma cama para o grande lagarto verde que ali repousava. Esqueletos vetustos e armas enferrujadas repousavam nas extremidades do lugar, quase invisíveis sob a penumbra: as tochas nas paredes haviam se apagado incontáveis décadas atrás, de modo que a grande fonte de luz vinha, agora, do cajado de Alatar, cuja chama branco-azulada se opunha às trevas como sua figura se opunha à do dragão.

O plano de Calendel envolvia, como vocês já compreenderam, encenar um sono profundo para pegar suas presas de surpresa. Não esperava, entretanto, que o Mago tivesse outras pretensões.

— Mostra tua face, fuithlug — enunciou em voz firme assim que Hador tomou a escuridão como égide. — Podes enganar os homens incautos que vêm ao teu encontro, mas não a este velho Mago.

Irritado, Calendel abriu primeiro um de seus olhos, ainda um tanto cego pela luz forte que caía sobre si. Estava há tantos anos recluso em seu ninho escuro que a luminosidade e o barulho já lhe pareciam estranhos. Devagar, ergueu seu peso sobre as patas e se levantou do chão com dificuldade. Embora debilitado, ainda era capaz de se impor com seu tamanho e seu peso — motivo pelo qual Hador, mesmo que ainda incógnito, engoliu em seco. Ainda assim, o rapaz aproveitou a deixa de seu companheiro (que roubava toda a atenção para si) e adentrou o lugar, tentando se esconder na escuridão.

— Quem ousa perturbar meu sono?

O Mago exibe um sorriso convencido.

— Ora, sono? — pergunta, caminhando lentamente para dentro do salão de modo a garantir que Hador pudesse permanecer nas trevas. — Não és tu um grande e orgulhoso dragão, herdeiro das maiores dentre as criaturas deste mundo? Se ainda resta em seu coração alguma vergonha, erga-te à altura dos seus antepassados e me diga… — Com estas palavras, uma forte ventania entra pelos portões da sala, tremulando as vestes azuladas de nosso herói. Simultaneamente, seus olhos brilham em um forte tom azulado. — Quem é você?

Com movimentos mais velozes e olhar mais cauteloso, o dragão rasteja como serpente enquanto estuda seu adversário. Hador dá um passo apressado para trás quando percebe a proximidade assustadora de suas escamas.

— Eu sou o terror que assola os pesadelos daqueles que um dia erigiram este lar ancestral. Aquele que derrotou os mais bravos dentre os guerreiros do Leste, e que já não encontra quem possa a eles fazer sombra. Eu sou a morte, o fogo e a destruição; sou a serpente que derrubou os velhos senhores dos anões de seus tronos.  — afirmou, sua língua ofídia escapando entre os dentes. — Eu sou aquele que chamam Calendel, o Terror de Esmeralda; nome muito distinto daquele que recebi nos dias de minha juventude, mas que obtive ao banhar-me no sangue daqueles que ergueram suas lâminas contra minha armadura. Porque o verde de minhas escamas ainda brilha sobre o escarlate dos cadáveres que um dia abati; porque o fogo que arde em mim queimará como mil sóis e fará arder cada cidade e cada montanha antes que eu pereça diante das forças insolentes de vermes como tu e o teu discípulo!

Conforme diz estas palavras, seu bafo quente parece chamuscar as barbas de Alatar. O fartum que escapava entre seus dentes era suficiente para fazer Hador sentir ânsias de vômito enquanto avançava. O intrépido Mago, entretanto, meramente tragou seu cachimbo e, percebendo que a erva de fumo já se apagava, puxou mais algumas folhas de um bolso e as alocou pacientemente em seu devido lugar — enquanto as ferozes palavras do dragão ainda ecoavam. Devagar, colocou o cachimbo apagado entre os lábios.

— Ó Calendel, Pesadelo dos Anciões, Algoz dos Heróis de Outrora, Lagartixa Maldita, diga-me… onde está o dragão de que fala? Onde está a besta fera que me prometeram quando contrataram meus serviços para esta aventura? Tudo o que vejo aqui é uma velha e gorda serpente, e não posso acreditar que o Devorador de Reis tenha se reduzido a algo tão triste.

O dragão salta sobre ele com fúria. A sala treme e pequenas pedras caem do teto, as moedas de ouro sendo arremessadas por todos os lados.

Quando tudo parece perdido e Hador leva a mão à bainha, uma forte luz azul irrompe de súbito, cegando a besta e a forçando a recuar. Ela para a menos de três metros do Mago — que, entretanto, não moveu um músculo sequer. Os dentes ainda à mostra, os olhos incomodados com a súbita claridade, Calendel ameaça:

— Já devorei homens mais poderosos do que tu, velho! Mas de todos que ousaram se erguer contra mim, és certamente o mais insolente… — O calor de suas palavras incendeia o tabaco e coloca um sorriso no rosto de seu interlocutor. — Dê-me um só motivo para que não os torne meu almoço! Qual é o teu nome?

— Eu sou aquele que veio de além do mar para dar fim às hostes que ameaçam este mundo; sou a voz da razão que sobrevive à tormenta. Sou o algoz dos teus ancestrais, Calendel, o Imundo, e sou aquele que dará fim à tua existência patética se não se colocar em seu lugar. — A voz de Alatar é agora muito mais imponente, e ecoa pelo salão conforme sua própria estatura parece aumentar. O Mago aproveita para lançar um olhar intenso na direção de Hador, que já tateia as paredes em busca da fresta prometida. — Meu nome é Alatar, mas deves me conhecer por Morinehtar, o Executor do Escuro, Domador das Chamas, o maior dos servos de Oromë… e o teu tormento.

Diante da força avassaladora que o Mago demonstrava, mesmo o orgulhoso Calendel recuou. Seus passos para trás, entretanto, o aproximaram perigosamente de Hador, que agora tateava a rocha com certo nervosismo.

— E o que quer de mim, Alatar, o Maldito? — indagou o dragão, cessando seu recuo e exibindo a língua enquanto recolhia o seu corpo numa tentativa de emular o aumento de estatura do oponente. Devagar, as frestas de suas escamas se iluminavam.

— Estou em busca da verdade, Calendel, o Profano. Disseram-me que um dragão vivia nas entranhas da Montanha, e que guardava ainda o tesouro dos Pés-de-pedra. Mas ouvi também que mesmo os Nove jamais vieram procurá-lo em seu ninho. Precisei averiguar com meus próprios olhos o mistério que se erguia diante de meus olhos, mas agora compreendo a verdade: os Nazgûl e seu senhor não teriam qualquer interesse em uma criatura patética como…

Mentira! — bradou o dragão. — O Senhor do Escuro teme a minha fúria! Se apavora com o meu poder! Sabe que uma vez liberto minhas asas criarão ciclones, minhas garras serão como aríetes, meu sopro arrasará fortalezas e meus golpes trarão o relâmpago! — Suas palavras adornavam movimentos velozes e poderosos que faziam toda a sala estremecer. — Mas eu aguardo, Alatar, o Ardiloso! Durmo enquanto aguardo o dia derradeiro, no qual o Senhor do Escuro, acuado, terá de apelar à minha força; e então serei livre, e colocarei armadas e exércitos aos meus pés! Trarei de volta os dias das glórias de Ancalagon, o Negro, e então aprenderão o que é o verdadeiro tormento!

Expelindo sua própria fumaça — que se contrapunha à que escapava das narinas do vilão —, Alatar abriu um grande sorriso.

— Cala-te. Não tenho tempo para seus sonhos pueris, Calendel, o Insano. Duvido que tuas asas sequer sejam capazes de erguê-lo nos ares, quanto mais de criar ciclones; tuas garras já me parecem pouco mais que agulhas e tudo o que teu sopro fez até aqui foi acender o meu cachimbo. Imagino que mesmo uma lâmina enferrujada já seja capaz de perfurar as frestas de sua armadura.

Em um movimento traiçoeiro, o dragão se aproximou com rapidez, sua língua quase tocando a barba de nosso herói. Simultaneamente, entretanto, Hador se atentou às palavras que ainda ecoavam pela sala, e aproveitou os barulhos da sala tremendo para desembainhar sua espada.

 — Já viste o que desejava ver, Mago. Lhe darei uma última chance de dar meia-volta e retornar por onde entrou… ou então acenderei mais do que o teu fumo.

Os olhos de Alatar procuravam Hador, percebendo que ele ainda cravava a lâmina na fresta da rocha. Intrépido, o Mago fecha seus dedos escurecidos sobre o cajado, soprando a fumaça do cachimbo em um anel audacioso.

— Não vim até aqui apenas para vê-lo, Calendel. Vim para eliminá-lo.

O semblante do dragão misturava fúria e temor. Em uma tentativa de ocultar o próprio medo, se ergueu sobre as patas, as chamas escapando entre suas escamas e subindo pela garganta.

Antes que pudesse atacar, entretanto, Alatar uniu as mãos e bateu seu cajado contra o chão. Em um átimo, a sala parecia tremer e virar ao contrário; era como se os próprios pontos cardeais e a gravidade se invertessem. O Mago foi o único a permanecer de pé, ancorado em seu cajado; Calendel rugiu em confusão, seu brado ecoando pela montanha conforme perdia o equilíbrio e caía para trás, o fogo escapando com timidez por sua bocarra. Hador, por sua vez, se segurou à espada — ainda cravada na parede — com certa dificuldade, as pernas escorregando conforme se apoiava na rocha.

Tudo isso durou apenas alguns segundos. Logo tudo parecia voltar ao normal: era como se a sala tivesse permanecido estática — o que, na realidade, de fato acontecera, de certo modo. Ao recuperar o fôlego e se erguer, Hador percebeu que o Mago parecia ferido: se apoiava, recurvado, sobre o cajado, ofegando e demonstrando, pela primeira vez, alguma fraqueza.

Ao mesmo tempo, Calendel começava a se recuperar. Deslizando pelo chão como serpente, jogou seu rabo para o lado e se ergueu novamente. Agora mais veloz e atento, o fogo já escapava de sua garganta quando se virou para um impotente Alatar.

Hador, entretanto, fora ainda mais rápido: puxando a lâmina da parede, saltou sobre o dragão pelas costas e a enfiou no começo de sua cauda.

Calendel uivou, mas ainda lançou seu ataque. Seu atraso, porém, permitiu que Alatar caísse no chão, de modo que o fogo apenas chamuscou seu chapéu e escapou pelos portões abertos da sala — incendiando o corredor e acendendo duas tochas perdidas pelo caminho.

Seu movimento seguinte arremessou o jovem para longe, fazendo com que caísse sobre a pilha de ouro.

— Rato imundo! Teu senhor não o salvará aqui, Mago. Esta será a tua lápide, não importa o que ele queira!

Um assobio ecoa pela câmara. Quase de imediato, um latido vem em resposta. Embora o dragão avance rapidamente na direção de seu inimigo caído, Huan é ainda mais veloz, saltando contra a besta e abocanhando seu pescoço. O sangue jorra, o rugido ensurdece a todos. As duas criaturas se engalfinham, aos poucos se aproximando do tesouro.

— Hador! — chama o Mago, se erguendo com dificuldades.

Ainda um tanto letárgico com o impacto, o dúnedain consegue rolar para o lado bem a tempo de evitar que o dragão caia sobre ele. Ainda mancando e se esforçando para se esquivar dos golpes que atravessavam a sala, corre na direção do mago, que ainda está ofegante.

— Está comigo — anuncia o rapaz.

— Então é hora de partirmos — responde o outro, ainda observando Calendel, que tentava se livrar do cachorro. Ofegante, dá alguns passos para trás, puxa algo de dentro das vestes e arremessa ao chão. — Esta será a tua lápide, Calendel, o Tolo; e eu contarei a todos a história da tua farsa.

Com outro assobio, Huan se afasta do dragão e atravessa a porta. O Mago bate o cajado contra o chão e uma fagulha incendeia uma pequena corda.

***

Conforme Alatar, Hador e Huan deixam a montanha pela mesma passagem que usaram para entrar, os urros do dragão ainda ecoam.

— Pensei que planejava matá-lo, senhor Mago.

— Calendel já está morto, meu jovem — responde, se apoiando no cajado para se afastar da gruta e iniciar sua jornada descendente. — Se tudo seguir como está, o tempo dará conta dele. Não seria sábio acabar com ele agora. Apesar de tudo, ainda o enterrei. Assim não poderá escapar jamais, mas ainda poderei procurá-lo aqui se precisar de novas respostas.

Descendo atrás do Mago, Hador franze o cenho.

— E o que exatamente o senhor fez antes de sairmos?

Com um sorriso, Alatar olha pra cima.

— O teu Gandalf não é o único que gosta de fogos de artifício.

Bastam alguns segundos para que os três ergam os olhos aos céus e vejam as fortes luzes explosivas escapando pela gruta e se erguendo na direção das nuvens, ainda estourando, ainda fazendo seus desenhos e rodopios no ar — até que formam, enfim, a imagem dum dragão verde a voar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!