Um Reino de Monstros Vol. 2 escrita por Caliel Alves
Rosicler caminhava a passos apressados pelos corredores labirínticos. A instalação da sede provisória da Real Força Espagíria parecia muito com um presídio. O QG tivera sido improvisado devido o ataque dos monstros.
Metade do Baronato estava em controle da Horda. O barão e sua família evacuaram a cidade antes da invasão, e se safaram por pouco, muito pouco! Mas o Conde Verdramungo, o seu mais ferrenho crítico e inimigo assumido, agora era o comandante-geral da Real Força Espagíria.
Droga, onde fica a saída desse lugar?
A garota parou. Repentinamente, a sua frente, na travessa de quatro corredores, dois militares vinham discutindo sobre os acontecimentos do dia.
— Sinceramente, eu já tô cansado de fazer o “faz-tudo”, sabia? Nem bem chegamos à sala do Estado-Maior e agora temos que fazer “faxina”!
— Ah, nem me fala, cara. Nem bem voltamos da maldita missão de resgate da Pedra Filosofal, agora estamos aqui, “indo arrumar o paiol”.
Ela entrou numa das celas e ficou espionando a conversa dos dois.
— Fiquei triste pelo major Bernardo. Ele era um cara legal. Um tanto ríspido, mas sei lá, ainda assim não consigo imaginar o Regimento Aeroalquimista sem aquele falastrão.
— Hahaha, nem eu. Mas não sei se tu viu a cara da general-brigadeiro, parecia arrasada.
— É, eu vi sim. Era o melhor amigo dela...
As vozes se tornaram distantes. A garota saiu da escuridão do catre, e continuou sua fuga. Pela descrição dos homens, estava indo na direção certa. Com certeza, a sala do Estado-Maior não ficava longe da sala do comandante-geral.
Ela se esgueirava pelas paredes como uma aranha preste a dar o bote. Parecia esperar um ataque a qualquer momento por parte dos alquimistas.
Dobrou mais um corredor e deu numa antessala enorme. Numa placa na parede, podia-se ler “Comandante-Geral Conde Verdramungo”. A porta se abriu e uma mulher saiu para o corredor, era a general-brigadeiro. Ela bufava furiosa. Com certeza não tivera um encontro prazeroso com o seu superior.
Rosicler esperou até que ela se afastasse. De dentro da sala, ouvia o conde.
Eu preciso pegar aquela pedra, veio. Talvez ainda dê pra negociar com a Horda...
Verdramungo saiu da sala alisando o coldre que atravessava o seu tórax. A garota esperou o momento certo e lançou o seu punhal prateado no nobre.
— O quê?
Tzimmmm, o punhal passou pelas mechas cacheadas do comandante-geral e cravou-se na porta. Se desequilibrando, o homem caiu no chão.
— Sua ladra, como conseguiu escapar?
A ladina deu língua e puxou o olho mostrando a sua pupila. Aquilo irritou o militar profundamente, era muita ousadia de uma larapia fazer isso com ele.
Mas que ofensa!
— Tchauzinho, vovô, hihihihi!
A jovem deu uma corrida desenfreada em direção ao corredor, se distanciando do conde. Este, por sua vez, ergueu os braços e os bateu no chão com as mãos espalmadas.
— Mas já vai, minha netinha? Fique mais um pouco, você nem fez um carinho no seu avô... Transmutação Telúrica – O Muro das Lamentações.
No mesmo instante, as paredes, o teto e o piso sofreram uma estranha metamorfose. Como se tivessem ganhado vida, eles se conectaram uns aos outros. O que restou foi uma impenetrável muralha com padrões de rostos humanos cadavéricos. Usando de sua agilidade, Rosicler saltou para trás. O muro foi desfeito.
Esse lugar é muito apertado, mas eu não vou conseguir atrair ele pra fora daqui assim tão fácil...
Arfando muito, ela se virou para o conde, que por sua vez, sorria jovialmente.
— Vamos, pequenina, mostre-me do que os ladrões são capazes, se é que são capazes.
— Não precisa pedir duas vezes coroa, Chuva de Facas.
— O que é isso, um circo?
Retirando afiadas adagas de várias partes das vestes como as mangas da camisa, cintura e até mesmo de dentro da bandana, a ladra investiu contra Verdramungo. O conde se defendeu usando outra transmutação, repelindo as facas com o ar.
— Isso, minha cara, ataque, lute com tudo que tem.
— Então tá bom, você quem pediu, vovô.
Empunhando uma das facas, Rosicler esfaqueou o comandante-geral. O velho nobre esquivou-se do primeiro golpe, o segundo acertou o dorso da sua mão direita. A gatuna aproveitou a desconcentração do militar para investir numa técnica que o seu irmão mais velho havia lhe ensinado há muito, muito tempo atrás, ela era infalível...
Thunck, o pé de Rosicler atingiu bem entre as duas pernas do homem. Ele projetou o corpo para trás e passou a esfregar a área púbica com as duas mãos.
— S-sua p-pequena p-piranha...
— Para um nobre, o senhor tem uma boca muito suja, sabia?
Os olhos do conde Verdramungo lacrimejaram, sua visão dobrou por alguns instantes.
— Olha aqui, oh, conde Vagamundo...
— Verdramungo!
— Tanto faz... Eu tô pegando essa pedra aqui emprestada, entendeu? Só não sei quando eu posso devolver. Tipo assim, é, ela vai ficar comigo por um l-o-n-g-o-t-e-m-p-o.
Na mão direita de Rosicler, a Pedra Filosofal bailava entre os seus dedos ágeis.
— Tá procurando isso aqui, garotão?
— Sua fedelha!
— Como é que você pode roubar o que não conhece?
— Se vale tanto assim pra você morrer por essa coisa, e a Horda vir até aqui para pegar esse troço, então ele deve valer bastante, acha não? Eu ouvi tua conversinha com aquela galega azeda, esse aqui vai ser meu salvo-conduto no Reino dos Monstros...
Verdramungo chegou a corar. Uma simples garota tinha retirado a pedra de sua mão, sem nenhum esforço! O conde não pôde acreditar numa coisa como aquela.
— Como você conseguiu ir tão longe?
— Sem problema, vovô, eu usei a minha técnica favorita, Mão-Leve. Posso tirar qualquer coisa de você sem que perceba. Eu só preciso chegar perto o bastante, o resto cê sabe como é, né não?
O homem recobrou a postura e olhou a ladina altivamente. O seu desdém preenchia o ar. Andando a passos lentos, o aristocrata chegou perto da garota e disse:
— Mas que gracinha. Me parece que de onde você vem não te ensinaram que roubar é feio, aliás, roubar sem ter como levar é muito vergonhoso para um ladrão. Essa aí não é simplesmente uma joia vulgar para ser posta num colar. Ela tem uma característica especial, ela é a Obra Maior, o resultado perfeito do coito do rei e da rainha...
— Mas que coisa erótica pra se dizer a uma garota solitária num corredor!
— Ora sua... Melhor, vou mostrá-la empiricamente. Espere, mas como?
— Te mais, coroa... Ughr!
De repente, todo o corpo da ladra foi sendo revestido por uma substância amarela e rija. Era a mesma substância que Letícia havia usado para silenciar o conjurador. A Goma Dourada cresceu em tamanho e deixou apenas o rosto e o braço estendido da garota do lado de fora. O alquimista andou até ela, embora ela tentasse, a resina não se dissolvia.
— Isto é inútil, minha jovem. Note que quanto mais se mexer, mais apertado ela ficará.
— Seu desgra... Unh-uhnun...
— Seu silêncio me agrada.
Ele tomou a pedra da mão da gatuna e recostou-se a uma parede, a adorando. A joia rubra brilhava pulsante em suas mãos ossudas. A pele manchada recebia o brilho escarlata da Pedra Filosofal. O nobre virou-se para o corredor e emitiu um suspiro.
— Tudo, menos você!
— Comandante-geral quem é essa garota e o que faz com a Pedra Filosofal?
— Eu é que pergunto o porquê de você ter permitido a fuga desta trombadinha...
— O quê? Ei, não fuja da minha pergunta, conde. Quem permitiu a saída da Pedra Filosofal desta sala?
— Ora, eu impedi que este poderoso artefacto caísse nas mãos dessa ladra, e quem garante que ambas não estão juntas nessa?
Letícia franziu o cenho. Ele estava tentando jogar a culpa para cima dela. A general-brigadeiro olhou para a ladina presa na Goma Dourada, Rosicler revirou os olhos.
A alquimista retirou a sua pistola do coldre e ordenou ao velho militar:
— Entregue a Pedra Filosofal imediatamente ou será preso por mim e julgado por um Tribunal de Guerra. E pela quantidade de seus crimes, nem mesmo o posto de comandante-geral da Real Força Espagíria...
— Olha aqui, garota, eu não tenho mais tempo a perder.
Verdramungo lançou um globo de vidro contendo um líquido esbranquiçado e fumacento, a esfera de vidro partiu-se liberando o líquido que, imediatamente, se transformou numa cortina de fumaça cinzenta e espessa.
Porção Fog, covarde...
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