Kháos escrita por Alice


Capítulo 18
Ipseidade


Notas iniciais do capítulo

Do latim haecceitas:
1. aquilo que distingue um ser de todos os outros; 2. características que tornam um indivíduo singular, único.



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Ramona respirou fundo, aconchegando-se contra o corpo quente e familiar de sua mãe. Estava deitada com a cabeça em seu peito, da mesma maneira que fazia quando criança e se encontrava assustada de mais para retornar para a própria cama. Kimmy estava acomodada no quarto do bebê, Jackson havia conseguido uma cama de casal montável com Tom e um colchão inflável com John. O velhinho dramático do início do corredor resmungou durante todo o momento em que seu namorado foi pedir o favor, alegando que se o Fuller destruísse alguma parte da sua mobília ele iria pagar... E não completou sua fala, apenas lançou um olhar ameaçador antes de fechar a porta na cara dele. Óbvio que Jackson ainda estremecia ao lembrar da ameaça, o que a fazia gargalhar toda vez. A cama que possuíam foi vendida em favor do berço, afinal, não fazia sentido a manterem sendo que o mais novo morador da casa iria aparecer em menos de quatro meses.

 

Com os olhos fechados, se concentrou nas batidas aceleradas de um coração que já sentiu tanto e que amava infinitamente, era... como regressar para o calor de um lar distante após uma longa viagem. Estava muito feliz em ter sua mãe ao seu lado, apesar de todas as discussões e lágrimas derramadas nos dias anteriores. Era a sua mãe. Seu primeiro lar. E a constatação de que, por mais que amasse Kimmy Gibbler indiscutivelmente, nunca poderia retornar para São Francisco e deixar Jackson sozinho em Nova Iorque não era tão assustadora quanto pensou que seria.

 

O homem que possuía orgulho em chamar de pai do seu filho, seu companheiro nas horas mais confusas e motivo de seus risos diários, se espalhou como raízes em solo fértil por seu coração. Como peças de um quebra-cabeça, se conectaram apesar das diferenças e se complementavam por conta delas. Ele não era sua cara-metade, ela era inteira, mas sim seu complemento. Uma escolha diária que os dois necessitavam fazer. Ela o amava e foi esse sentimento que a impulsionou a sair do conforto dos braços de sua mãe e declarar decidida:

 

— Não vou voltar. - mordeu o lábio quando viu o rosto da mulher mais velha franzir em confusão. - Iremos passear, passar uns dias com vocês, meu bebê merece ter um convívio com essa família linda e louca, mas não vou voltar para São Francisco sem o Jackson.

 

Essa era uma discussão velada que se arrastava há dois dias e, sinceramente, Ramona já estava cansada de tentar ignorar a insistência de sua mãe. Kimmy a encarou determinada e a grávida se preparou para a sua defesa.

 

— Ele pode voltar também, podemos fazer um quarto para vocês no quintal ou transformar o antigo quarto dele e do Max para o bebê e vocês dois ficam com o que era o seu.

 

— E o Tommy? - perguntou a fim de mudar de assunto, já formulava em sua mente perguntas em relação à nova pegadinha que havia dado errado e que o deixara de castigo por tempo indeterminado.

 

— Ele vai morar no porão, Steff não está mais lá há um bom tempo. - abanou a mão em pouco caso, ignorando o olhar descrente da filha.

 

— Porque ela construiu uma família e precisava de espaço para eles. - declarou o óbvio, se contentando em apenas levar a mão à barriga a fim de se firmar.

 

— Mas ela não sai da casa, praticamente todo dia está por lá.

 

— Eu sei, mãe. - estirou as mãos, apertou as mãos dela entre as suas, parecia que Kimmy precisava de mais consolo que a filha. - Eu não vou sumir.

 

— Mas... mas, Ramona! Eu vou ficar longe do meu neto.

 

Piscou rapidamente para evitar as lágrimas, respirando fundo quando notou que sua mãe chorava silenciosamente. Com o rosto vermelho e lágrimas salgadas fazendo um rastro por suas bochechas, Kimmy Gibbler estava tornando difícil para Ramona permanecer inteira.

 

— Não é muito longe, estamos a um avião de distância e...

 

— E mais de 40 horas de carro, filha! - rebateu frustrada.

 

Ramona franziu a testa, observando suas mãos unidas. Sua mãe tinha um ponto, a distância era longa, praticamente dois extremos do país. Era óbvio que eles não se veriam todo fim de semana, nem passariam as férias dos primeiros anos de seu bebê voando de um lado para o outro, era caro e cansativo, mas eles poderiam fazer funcionar.

 

— Eu sei. - murmurou, soltou o ar lentamente pelos lábios e retornou a encarar sua mãe com o máximo de determinação que conseguia reunir. - Vocês sempre serão bem vindos aqui e... 

 

Kimmy começou a negar prontamente com a cabeça, os fios loiros voando em revolta, quase acertando Ramona.

 

— Não é a mesma coisa, filha, e você sabe muito bem disso.

 

— Eu sei...

 

E ela sabia, ah, como sabia. Cresceu cercada por pessoas que a amavam e a enchiam de carinho e preocupação. Morou anos em uma casa lotada, tendo que dividir cada cômodo com alguém. Sabia o quão louca e única foi aquela experiência. Nunca imaginou que iria criar uma família longe deles, tendo que vê-los em certas datas do ano, não dividindo a mesa nas refeições, churrascos em fins de semana, noites de cinema ou momentos em que não faziam nada, apenas se juntavam e conversavam por horas. Agora seriam apenas ela, Jackson e o bebê deles. Em um apartamento em Nova Iorque tentando descobrir como viver. Longe de suas mães, tias, avós, pai, padastro e irmãos. Longe da família que tanto amavam.

 

— Eu sei. - repetiu, a puxando para um abraço apertado. Engoliu o nó que se formava em sua garganta, sentindo o rosto molhado por lágrimas quentes. - M-mas eu te amo, mãe, tanto, tanto...

 

— Também te amo, meu bebê. - fungou alto, a voz trêmula pelo choro. - P-por que, Ramona?

 

— Por que você ficou com o pai na Espanha? Durante todos aqueles anos e longe da sua família?

 

Kimmy bufou uma meia risada incrédula, puxando a filha para outro abraço e se recusando a responder. Ramona sorriu em meio às lágrimas ao sentir a palma quente da mão de sua mãe repousar carinhosamente sobre sua barriga. Seu bebê se movimentou agitadamente antes de se acalmar, era como se sentisse a presença acalentadora de sua avó. Ramona nunca pensou que acharia a palavra avó tão bonita, principalmente depois dos sentimentos turbulentos que fizeram morada em seu coração desde o descobrimento de sua gravidez, mas Kimmy era a sua mãe e agora seria avó e aquilo era simplesmente incrível. Seu bebê seria muito amado e ela sentia aquele amor crescer naturalmente a cada dia dentro de si.

 

Elas estariam longe, mais longe do que nunca estiveram, vivendo seus dias sem a presença constante da outra. Ramona Gibbler teve sorte de nascer com pais que a amavam tanto e possuía reconhecimento disso, porém, era hora de oferecer a um pequeno ser humano, seu ser humano, todo o amor que aprendeu e recebeu durante sua vida. Seria difícil, mas sabia que acabaria se acostumando, afinal, não estava sozinha e era aquele fato que a mantinha certa de sua decisão. Era hora de realmente fincar raízes e construir algo incrível. Fazer das circunstâncias em que se encontrava algo lindo e iria conseguir. Em algum momento conseguiria.

 

<♡♡♡>

 

— Então, hum, não é querendo expulsar ela nem nada, mas...

 

— Quando minha mãe vai voltar? - o interrompeu, rindo levemente e sentindo sua risada aumentar gradualmente quando o viu ficar vermelho de vergonha.

 

Jackson coçou a nuca, um sorriso tímido em seu rosto, se recostando no balcão ao seu lado enquanto lançava um olhar de soslaio para a sogra que dobrava uma pequena montanha de roupas no sofá da sala. Kimmy esticou os braços à frente do corpo, observando com uma careta uma blusa xadrez de flanela, Ramona continuou rindo quando viu a expressão levemente exasperada dele.

 

— Você sabe muito bem que quando ela se for será a sua mãe que irá ficar aqui. E ela com certeza sabe ser mais opressora que a minha.

 

— DJ Tanner-Fuller é adepta do amor levemente sufocante. E sim, eu sei. - se inclinou para beijá-la levemente nos lábios, a mão sempre apoiada em sua barriga, antes de pegar a mochila em cima do balcão. - Volto mais tarde.

 

— Bom trabalho.

 

— Não se estresse.

 

— Então não me dê motivos. - provocou, o que o fez lhe mandar língua antes de sair rapidamente. 

 

Riu novamente quando percebeu que ele estava fugindo de sua mãe. Afastando-se do balcão, caminhou em direção à sua mãe para sentar ao seu lado no chão.

 

— Essas roupas são caras, Ramona. 

 

Mal havia se sentado, pensou levemente impaciente, se recostando contra o sofá e dobrando as pernas abaixo do corpo.

 

— E são um presente, não se preocupe. 

 

— Não falei nada. - seu tom era levemente defensivo.

 

— Mas insinuou. - disse, pegando uma blusa de Jackson antes de se inclinar e começar a separar as roupas dele. O Fuller já tinha mencionado o quão desconfortável ficava por ter Kimmy arrumando suas roupas. - Olha, eu não estou tentando ser grossa, mas nós sabemos como cuidar de nossas finanças, mãe. Sei que no momento apenas o Jackson está trabalhando, mas assim que a bebê nascer vou voltar a procurar um emprego.

 

A Gibbler torceu a boca, esticando os braços para analisar o pequeno macaquinho que segurava. Era uma peça minúscula, decorada com uma estampa de estrelas coloridas. Ramona o amou, principalmente pelo fato de ter sido a primeira peça de roupa que comprou para o seu bebê. Quando havia decidido se jogar de cabeça nessa nova fase de sua vida, saiu para andar por algumas lojas e, seguindo um conselho passado, decidiu entrar em uma dessas lojas e comprar algo. O macaquinho a chamou, sentiu seu coração aquecer no momento em que segurou a pequena peça nas mãos, imaginando seu futuro filho, tão minúsculo e cheio de vida, vestido com aquela roupinha.

 

— E com quem ele vai ficar?

 

A pergunta de sua mãe a tirou de seu devaneio. Virou o rosto para encontrá-la esperando por uma resposta. Suspirou audivelmente, voltando a dobrar as peças de roupas antes de responder calmamente.

 

— Encontraremos uma creche.

 

— Você não ficou com estranhos, eu a levava para todos os lugares comigo.

 

Apertou uma blusa entre os dedos, sentindo o tecido amassar antes de fechar os olhos e contar até três. Após, retornou à atividade, tentando não ceder ao desejo de usar um tom mordaz que levaria a outra discussão. Elas se davam tão bem, não entendia o porquê de ter que andar ao redor de sua mãe como se estivesse em um lago congelado em alguns momentos, tomando todo o cuidado para não pisar em falso e acabar afundando. Pensou que as conversas anteriores teriam surtindo efeito, mas a veia controladora de Kimmy Gibbler ainda pulsava forte.

 

— Mas nem todos podem contar com isso, mãe, e eu sou uma dessas pessoas.

 

— Em São Francisco sempre teria alguém para ajudar. - resmungou, evitando olhar para ela.

 

Mãe.

 

Tudo bem, entendi. - falou, levantando as mãos para cima em rendição antes de tentar outra abordagem. - Olha, meu bebê, só quero o melhor para você.

 

— O melhor para mim é ficar aqui com o Jackson. - deixou claro, novamente, não impedindo a carranca quando notou que ela ainda estava descrente. - Não é apenas pela bebê, mas sim porque é aqui que estou construindo a minha vida. Eu gosto de morar em Nova York, sou feliz aqui e vamos ficar bem.

 

Kimmy sustentou seu olhar, com as sobrancelhas franzidas e os lábios apertados em uma linha fina. Então, com um longo suspiro, demorado e dramático na opinião de Ramona, falou quase suavemente:

 

— Tudo bem.

 

Reprimindo um sorriso vitorioso, ao menos por hora, continuou a dobrar as roupas antes do toque do celular de Kimmy as distraísse. Inconscientemente, a Gibbler mais velha atendeu a ligação, o que deu um total de três segundos antes que Ramona escutasse um grito engasgado e virasse o pescoço para encontrar DJ Tanner-Fuller congelada na tela do celular de sua mãe. Seu sorriso caiu, uma expressão de pânico tomando sua face quando percebeu a posição em que estava. Sentada no chão ao lado de sua mãe, posição que empurrou sua barriga para cima, não foi preciso muito para que sua sogra somasse dois mais dois. 

 

— Carambola! Eu vou, urgh, vocês dois!

 

Kimmy riu, Ramona encarou sua mãe incrédula ao vê-la dar de ombros em pouco caso.

 

— É, eu também fiquei desse jeito. 

 

— Mãe!

 

— Eu disse que vocês deveriam ter contado antes. - acusou, sorrindo satisfeita quando a escutou gemer irritada.

 

DJ encarou a melhor amiga com um olhar beirando ao mortal.

 

— E você sabia?!

 

— Claro que não! - exclamou logo, levantando uma mão em promessa. - Bem, não antes de eu chegar aqui. Eles também me enganaram, você não está sozinha nessa, DJ.

 

— Onde está o meu filho traidor?

 

— No trabalho. - informou, continuando assim que viu sua sogra abrir a boca. - Ele só volta a noite e hoje vai fazer uma apresentação importante, então nem pense em encher o celular dele de mensagens.

 

— Ramona! - sua mãe gritou indignada, não esperando o tom firme que ela havia usado com DJ, a qual somente a observava sem reação.

 

— Ele não pode ficar estressado, essa reunião é importante para a carreira dele e não vou deixar alguém estragar tudo. - não recuou, pousando uma mão acima da barriga e tendo novamente a atenção da Fuller mais velha.

 

— Eu sou a mãe dele!

 

— E eu a mãe da filha dele. - sorriu satisfeita quando a viu abrir um enorme sorriso apesar de tudo.

 

— É uma menina?

 

Parou para pensar, quando falava sobre o bebê sempre vinha a vontade de dizer: "Ela está bem, crescendo e exigindo espaço como o esperado"; "Sendo a causa dos meus pés cansados e rosto redondo, mas ela está bem" e tantas outras variações que a fizeram confessar:

 

— Bom, eu sinto que é. 

 

— Já eu acho que é um menino. - Kimmy opinou, acariciando a barriga da filha em óbvia adoração.

 

DJ fez um bico do outro lado da tela, observando o movimento da mão da amiga e Ramona sabia que ela estava com ciúmes por não estar podendo enchê-la de carinho e atenção. Afinal, era o seu primeiro neto e logo ele estava crescendo distante dela. 

 

— Quando vamos saber?

 

— Iríamos fazer uma surpresa para todos e revelar a bebê em uma festa virtual. Mas... é. - respondeu à sogra, dando de ombros e a fazendo exclamar animada.

 

— Ainda podemos fazer isso!

 

— E o papai? - indagou quando Kimmy fez coro a outra mulher. Seu pai ainda era a sua principal preocupação.

 

— Do Fernando eu cuido. - garantiu, sorrindo brilhantemente em direção à sua barriga. - O importante é fazermos algo incrível para dar as boas vindas ao nosso pequeno tesouro.

 

Ramona se encolheu internamente ao notar o olhar em seu rosto, os Gibbler nunca faziam algo pequeno, sua família não sabia o significado de descrição e, ao encarar DJ, teve a confirmação de que os Fuller aceitaram aquela loucura de braços abertos há muito tempo.

 

— Eu tenho tantas perguntas e preciso de respostas. Mas primeiro, você está bem, minha querida? Está fazendo o acompanhamento e tomando as vitaminas corretamente? E os exercícios? A dança?

 

E assim ela passou as próximas horas ao telefone com DJ, discutindo sobre as melhores marcas de vitaminas, suplementos e alimentos que a ajudariam antes e após o parto. Ela respondeu a todas as perguntas dela assim como desviou de algumas bastante pessoais. Quando Jackson finalmente retornou, toda a atenção de DJ foi desviada e Ramona ficou a sós com Kimmy enquanto ele seguia para o quarto ao som dos gritos da mãe pelo celular. 

 

— Ele é grandinho, como fez questão de frisar. E ela é a mãe dele, Ramona.

 

Os tapinhas em sua mão, que deveriam ser consoladores, não tiveram resultado. Olhou mais uma vez em direção ao corredor, expirando lentamente antes de voltar a atenção para a sua mãe. Ela estava certa, ele conseguiria lidar com a própria mãe, não era como se DJ tivesse achado a novidade repulsiva e quisesse deserdá-lo por ter um filho fora do casamento. A Fuller poderia ser bastante conservadora em alguns pontos, mas Ramona acreditava que ela não iria jogar a carta da culpa e insistir que eles se casassem, não é? Era melhor tentar se concentrar em outra coisa e foi isso o que fez, permaneceu parcialmente presente durante o jantar com sua mãe, falando quando era necessário e apenas assentindo em concordância ao que ela esperava que ela queria apoio. 

 

— O que aconteceu?

 

Fechou a porta atrás de si após dar boa noite a sua mãe. Kimmy estava dormindo, finalmente, após convencê-la de que não, seu netinho não iria nascer sem saber quem era a sua avó. Olhando para o namorado, fez uma careta para a sua indagação, era ela quem deveria estar fazendo aquela pergunta. Se aproximou da cama, onde ele estava deitado de costas, as mãos cruzadas sobre a barriga e a encarando à espera de uma resposta. Ramona franziu o nariz em uma careta forçada, sentando-se na cama e se aproximando para deitar ao lado dele. Apoiou as mãos entre o rosto e o travesseiro, o vendo deitar de lado para ficar próximo à ela. 

 

— Como foi? - indagou preocupada, por mais que ele tentasse camuflar, conseguia perceber o cansaço em seu rosto.

 

— A apresentação ocorreu bem. Eles gostaram da minha ideia de implementar um novo software no setor de plataformas e produtos, assim facilitaria as nossas vidas se os dados vierem mais completos após passarem por eles. - informou, fechando os olhos quando ela levou uma mão ao seu rosto, fazendo um leve carinho antes de arrastar seus dedos entre os fios escuros de seu cabelo. - Não vou ganhar mais por isso, porém, estou no radar do diretor executivo de um grupo parceiro e a Edith disse que devo receber boas notícias em breve.

 

— Então um novo emprego?

 

— Um que paga mais e que vai nos deixar menos preocupados quando a bebê nascer.

 

Franziu os lábios, a preocupação de sempre rondando sua mente.

 

— Você sabe que eu vou voltar a trabalhar, certo?

 

— Claro que sei. - deixou óbvio em seu tom, seus olhos ainda permanecendo fechados. - Nada contra, mas você enlouqueceria se tivesse que ficar em casa por muito tempo. - girou a cabeça para encará-la, piscando um olho divertido ao continuar. - Acho impressionante você não ter pintado cada parede desse apartamento só para ter algo para fazer.

 

— Eu queria, mas você não deixou. - resmungou, um bico infantil adornando seu rosto o fazendo rir. - Eu também poderia muito bem ter insistido, mas esse ser humaninho aqui não me deixa sossegada. - passou a mão sobre a barriga, observando quando a mão de Jackson se juntou à sua antes dele se mover para baixo a fim de apoiar a orelha acima dela com cuidado.

 

— Ela está quietinha. - falou, sorrindo para ela que levou a mão esquerda ao cabelo dele, passando novamente os dedos pelos fios lisos. - ...Ramona.

 

Franziu a testa para o tom hesitante, nada de bom vinha quando ele falava com ela daquela maneira. Da última vez, Ramona chegou em casa e o encontrou imerso em papéis de um contrato oferecido por um de seus colegas de trabalho.

 

— Por favor, não me diga que você investiu suas economias...

 

— Nossas. - a corrigiu, rindo quando a escutou bufar.

 

— A porcaria das nossas economias em alguma ação falida. 

 

— Claro que não, amor. - garantiu, a observando com uma expressão provocativa. - E nem comprei um berço de segunda mão lotado de cupins.

 

— Eles me garantiram que estava em bom estado. - se defendeu, virando o rosto em falsa irritação. 

 

— Você confia de mais nas pessoas, linda.

 

Jackson não aguentou muito a expressão séria, logo caindo na risada junto com ela. Os dois sabiam muito bem o quão desconfiada Ramona era. A compra do berço fora apenas um lapso de julgamento que ela alegremente pôs a culpa na "cabeça de grávida".

 

— Agora me fala a verdade. O que está preocupando a sua cabecinha?

 

— Quando você tiver a bebê, você vai precisar de muita ajuda, Ramona. Não vou poder tirar um tempo do trabalho, eles não me liberaram, e você vai ficar aqui sozinha com ela. - sentou-se rapidamente quando a viu franzir a testa, pronta para retrucar. - Escuta, você não vai poder se esforçar muito e estará extremamente cansada, eu sei que você fará tudo por ela, amor, mas você não é uma imune a tudo. 

 

— Onde você quer chegar?

 

— Eu acho que seria melhor para vocês duas se você fosse para São Francisco enquanto ainda pode viajar de avião...

 

— Jackson..

 

— Me escuta...

 

— Você não pode estar falando sério! - sentou-se irritada, cruzando os braços quando o viu tentar se aproximar. - Não! Você não pode me mandar embora desse jeito.

 

— Amor, eu não estou tentando me livrar de você. - deixou claro, suavizando a voz apesar do brilho de lágrimas se fazer presente em seus olhos. - Ei, eu só quero que vocês duas sejam cuidadas e que tenham assistência durante esses primeiros meses.

 

— Então o quê? Você vai ficar longe nos últimos meses da minha gestação? Perder o nascimento da sua filha? Ficar longe quando nós mais precisamos de você? Quando eu mais preciso de você?

 

Um nó de angústia se formou em sua garganta, a cada pergunta sentia seu coração pesar. Apenas uma frase se repetindo em looping na sua mente. 

 

Não é justo. Não é justo. Não é...

 

— Claro que não, eu nunca abriria mão de qualquer tempo com vocês duas se fosse necessário. Eu nunca te deixaria, Ramona. Nunca. - segurou o rosto dela entre suas mãos, limpando o rastro das lágrimas com os polegares enquanto lutava para conter as suas próprias. - Mas você tem que entender, nossas mães não vão poder vim e ficar mais do que duas semanas, nossos amigos também não vão poder ficar vindo a todo momento. Você sabe que é verdade, não vemos a Daisy, o Ryan, o John ou a Edith aqui em casa há séculos. Eu só quero que você fique bem.

 

Não conseguindo controlar mais, Ramona caiu no choro. Lágrimas grossas rolando por sua face enquanto seu queixo tremia. Se permitiu ser puxada para um abraço, passando seus braços pelo torso dele, o apertando forte e detestando o quão racional ele estava sendo. Não era para ser assim. 

 

— Mas que grande me-merda. - resmungou em meio as lágrimas. - Não estou gostando nada disso e não po-posso nem xingar... porque prometi que não iria mais falar caralho de xingamento nenhum e-e agora eu só... não ria, caramba! 

 

Jackson respirou fundo, deitando-se na cama e a puxando contra si. Ramona se aconchegou contra ele, passando um braço por sua cintura enquanto apoiava a pequena barriga contra a lateral de seu corpo. Passou um perna por cima da dele, entrelaçando seus corpos o máximo que podia e murmurando indignada enquanto escutava as batidas aceleradas do coração sob sua cabeça. Fechou os olhos fortemente, se permitindo retomar o controle por alguns segundos. Focou na sensação calmante que o toque de Jackson em suas costas a provocava, apenas o calor do corpo dele contra o seu já a deixava segura, como iria ficar longe no momento em que mais iria precisar dele?

 

— Também não gosto disso, mas precisamos fazer o que for melhor para vocês.

 

— Sei que você tem razão e que eu vou ficar perdida quando a bebê nascer, mas eu quero você lá comigo. Ficando tão perdido quanto eu. - fungou alto, esfregando o rosto contra a blusa dele e rindo a contragosto quando o escutou fazer um som de nojo. - Na saúde e na doença, meu amor.

 

— Não me lembre votos. - pediu em um resmungo incomodado. - Já aguente muito da minha mãe agora a tarde.

 

— Você desviou o assunto e não me disse o que aconteceu. - acusou, suavizando a voz em seguida quando se direcinou para o bebê tranquilo em seu ventre. - Ainda bem que você está dormindo e não está vendo o quão enrolado o seu pai é.

 

— Não a jogue contra mim! - exclamou indignado, arrastando os dedos pelas costelas dela a provocando cócegas.

 

— I-isso é golpe... caramba, Jackson! - tentou se afastar em meio às gargalhadas, lutando contra as mãos dele, uma risada sonora saindo em ondas de seu corpo quando foi virada de barriga para cima. Puxou o ar, ofegante em meio à fala. - Você não... escapou dessa conversa.

 

Ele apenas riu, mas logo sua risada diminuiu e um silêncio incômodo os cobriu como um cobertor grosso em um dia quente. Ramona ainda se encontrava ofegante e agradecida por não ter feito xixi nas calças. A legging que usava era horrível de tirar. Girou a cabeça para encontrar Jackson encarando o teto, a luz oriunda dos postes de luz atravessavam a janela entreaberta e os iluminavam parcialmente. Sentiu seu coração pesar ao vê-lo tão perdido. 

 

— Está tudo bem. Nós vamos ficar bem.

 

Não sabia se o estava confortando ou a si mesma, talvez fosse a ambos, mas, apesar de saber o quão certo ele estava, possuía certeza de que não iria conseguir sair de casa daquela maneira. Não parecia justo privar Jackson de seus últimos meses de gravidez, se privar dele justo naquele momento. Então apenas fechou os olhos e o apertou mais forte, sentindo o cheiro amadeirado de seu perfume e se aconchegando o máximo que conseguia enquanto fugia aos poucos para a inconsciência. 

 

 


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