Kháos escrita por Alice


Capítulo 11
Ho'omau


Notas iniciais do capítulo

Sign.

Na língua havaiana: 1. habilidade de continuar em frente com determinação. 2. continuar sem nunca desistir.



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Jackson


— Ramona.

Resmungando em meio ao sono, a chacoalhou levemente quando não retornou aos seus chamados. Jackson suspirou, a balançando novamente e a vendo rolar para o outro lado, se aconchegando em meio às mantas e travesseiros. Ela sempre insistia em dormir cercada por almofadas e travesseiros, dizia que se sentia mais segura e confortável, mas durante a madrugada chutava a metade para fora da cama antes de se enrolar contra ele. A encarou receoso, não queria acordá-la, mas precisava da Gibbler desperta para tomar a outra dose do remédio. Doutora Autunn tinha deixado bem claro que as doses deveriam ser ministradas no horário correto para que Ramona ficasse boa rapidamente, levando em conta que ela não poderia tomar qualquer outro medicamento mais forte por conta da gravidez.

Esfregou o rosto com as duas mãos em cansaço. Ramona evitava a todo custo proferir a palavra gravidez, não falava do bebê ou desviava a atenção para qualquer outro assunto minimamente distante. Eles precisavam conversar, Jackson necessitava saber a escolha dela. Detestava ficar no escuro, não ter certeza do que estava acontecendo com sua vida. Seus anos com Lola o ensinaram a sempre esperar o pior, depois de uma discussão sempre vinha uma nais intensa, após uma piada não engraçada vinham comentários maliciosos e nas vezes em que se davam bem, a culpa por algo bobo sempre era multiplicada por mil.

Lola não era uma pessoa ruim, ela era apenas péssima em construir um relacionamento. As vezes em que o fez duvidar até de sua própria sanidade eram as piores, quando apontava que se ele não tivesse agido de maneira tão infantil ou rido em um momento desnecessário, segundo ela, eles estariam bem, o faziam querer se encolher e baixar a cabeça. O que ele fez por muitos meses, falando apenas quando sentia que podia, sorrindo o mínimo possível e a seguindo para onde fosse. Suas discussões acabavam provocando o pior dos dois, falou coisas das quais se arrependia fortemente. Foi horrível e o Fuller jurou que nunca mais passaria por algo assim.

Em todo o relacionamento sentia que estava pisando em ovos a cada interação, era cansativo e estressante, o o medo de falar algo e ser mal interpretado era uma constante em seus dias. Tudo poderia virar uma briga em questão de segundos, e aquela sensação o acompanhava até nos dias tranquilos, dias que o faziam desistir de terminar, momentos de tranquilidade em que tudo parecia certo... Era notável que sua relação com Ramona era completamente diferente, mas o medo de que ela começasse a tomar decisões importantes sem levá-lo em consideração ainda o atormentava. Porém, precisava dizer para si mesmo a todo momento que aquela situação deveria ser decidida apenas pela Gibbler, era o corpo dela e sua vida que mudaria mais que a dele.

— Ei, querida.

Chamou novamente, ajoelhando ao lado da cama enquanto a balançava pelo ombro. Ramona abriu a boca em um bocejo preguiçoso, piscando letargicamente enquanto tentava abrir os olhos. Levou uma mão ao rosto, coçando os olhos fechados enquanto resmungava.

— Me dê um bom motivo para me acordar tão cedo ou eu te esgano.

Rindo, Jackson pegou o copo de água e a cartela de comprimidos em cima da mesa de canto.

— Hora do seu remédio.

Não.

Apesar do resmungo, ela elevou um pouco o corpo e tomou rapidamente o comprimido, mas logo rolou para o outro lado da cama, ressoando em um sono profundo em questão de segundos. Jackson riu baixinho em incredulidade, a capacidade da Gibbler de dormir em qualquer circunstância foi elevada à outro nível. Se inclinou sobre ela, beijando seu ombro em despedida antes de se retirar com cuidado do quarto. Ramona merecia dormir, além do mal-estar ocasionado pela gripe, seu emocional abalado a jogou em uma espiral que Jackson não fazia ideia da profundidade. Se a mente dele estava um nó a dela provavelmente nem existia mais. Parou no corredor, apoiando o ombro contra a parede enquanto puxava o ar profundamente ao sentir as batidas do coração acelerarem.

Demorou alguns segundos para conseguir abrir os olhos e começar a pensar. Seu antigo terapeuta havia ensinado algumas técnicas para evitar que o pânico tomasse conta de seu corpo, porém, há mais de um ano não experimentava aquela sensação aterrorizante novamente. Suas sessões começaram antes de reencontrar com Lola, durante seus primeiros anos no curso. A pressão de ter que ser bom em pelo menos algo que não fosse o futebol americano o dominou, muitas pessoas esperavam que ele falhasse ou não desse importância como em vários aspectos de sua vida. Mas Jackson era bom, realmente bom em toda a área de informática e se encontrou fazendo de tudo para não falhar. A ansiedade se fez presente após sua primeira nota baixa em uma matéria com um professor carrasco, teve que repetir a disciplina e esse foi o ponto de colapso que moldou toda a sua forma de tratar as responsabilidades da vida.

Encontrar Lola foi... incrível e viver com ela se tornou algo menos incrível. Os dois haviam mudado muito, mas se agarraram ao conforto de ter o outro ao seu lado e quando a realidade se fazia presente nos momentos de nostalgia, se espalhava como um imenso mofo em torno deles, puxando toda a atenção para o fato de que o relacionamento estava adoecendo. Reviver o passado sempre tirava o melhor dele, por isso seguia a filosofia de lidar apenas com o que podia. Um passo de cada vez, uma lufada de ar por respiração. Respirou fundo por mais alguns segundos, resolvendo fazer algo produtivo em vez de remoer velhas feridas. Tudo isso havia passado, ele teve sua parcela de culpa tanto quanto ela, não havia mais o que fazer, voltar no tempo era impossível e Jackson já tinha feito as pazes com suas feridas.

Deixando o copo sobre a pia e a cartela de comprimidos acima do balcão, pegou um bloco de notas para anotar as informações do dia. Era um hábito dos dois, quando um saía sempre deixava anotado o que era para fazer. Naquele dia, Jackson escreveu os horários que ela deveria tomar os comprimidos, que havia deixado um shake de frutas para ela na geladeira e que o lanche para o almoço só precisava ser esquentado. Ao terminar, pegou a bolsa sobre o sofá e saiu do apartamento. Ainda era cedo, então a maior parte dos seus vizinhos do corredor estavam se aprontando para o dia. Acenando para Tom, que morava no apartamento perto do elevador e o esperava em frente à ele, apertou o número do térreo.

— Como estamos nessa manhã, Tom?

O velho senhor resmungou uma resposta fazendo Jackson sorrir. Ele se fingia de amargurado, mas o Fuller sabia que ainda iria conquistar o coração dele. Assim que as portas do elevador se abriram, viu Tom abrir a porta de casa, o mandou um beijo assim que se virou, tendo como resposta um gesto obsceno que o fez gargalhar. Tom estava começando a esperá-lo pelas manhãs só para desejar bom dia, do seu jeito, mas ainda era um gesto bastante atencioso em sua opinião.

<♡♡♡>

Soltou o ar ruidosamente assim que sentou em frente ao seu computador. Era um dos primeiros a aparecer pela manhã e quase um dos últimos a sair pela tarde. Gostava do que fazia, mas queria fazer mais. Queria provar que podia fazer mais, porém, as chances de trabalhar em algo diferente ainda não havia sido apresentada. Ligou a tela e se preparou para o dia, como era um dos responsáveis por atualizar o layout de um antigo sistema de segurança que seria renovado naquela tarde, teria que terminar a sua parte antes da reunião semanal. O tempo voou, como sempre, e em pouco tempo já era horário de almoço.

— Como estamos nessa manhã, Fuller?

Ignorando a pergunta de seu amigo, sentou na mesa em frente à ele. Abrindo um sanduíche que havia comprado na cafeteria ao lado do prédio, franziu a testa quando encontrou uma rodela de tomate. Detestava a textura do tomate quando estava quente, então apenas retirou do sanduíche e olhou para John.

— Deu certo o pedido?

John deixou os ombros caírem em um gesto de desolação, voltando o olhar para o prato de salada que acompanha um hambúrguer vegetariano. Seu amigo estava tentando conseguir um aumento há quase dois meses, porém, toda vez seu pedido era negado com uma desculpa qualquer. Na primeira vez seu chefe disse que ainda estava muito cedo para ele pedir um aumento, John tinha completado quase dois anos trabalhando naquela empresa, e na segunda vez foi usado como justificativa os maus tempos que a empresa vinha passando, algo que nunca ocorreu segundo John.

— Dessa vez disseram que vão fazer uma reformulação na grade de funcionários. - bufou inconformado, praticamente esfaqueando a salada com um garfo. - Vão demitir muitas pessoas, Jackson, e tenho certeza que o Kevin só está esperando uma oportunidade para me colocar para fora.

Franziu a testa quando não conseguiu pensar em nada para consolar o homem a sua frente. Ele estava certo, Kevin o destetava por medo de perder o próprio emprego. John era ótimo nas relações públicas, os clientes adoravam quando ele liderava as reuniões e esse era um dos motivos que faziam com que Kevin tentasse diminuí-lo em cada chance que possuía.

— Talvez você deva finalmente falar com a Elisa?

John levantou o olhar do prato e o encarou como se ele tivesse dito a pior ideia do mundo. Jackson riu, ele era tão exagerado e não custava nada realmente falar com a chefe do departamento.

— Você está louco? Eu não posso simplesmente chegar e pedir um aumento pra minha chefe.

— E falar que já pediu antes, mas foi negado três vezes. - antes mesmo de terminar sua fala seu amigo já estava balançando a cabeça em negação.

— Jackson, você não sabe o que é suicídio trabalhista. - apoiou as mãos contra a mesa enquanto se inclinava para sussurrar furiosamente. - Se o Kevin descobre que eu fui pelas costas dele...

— Você não acabou de falar que ele vai te demitir de qualquer jeito? - o interrompeu calmamente, não era uma loucura deixar claro o que você queria.

Bufando, John cruzou os braços enquanto se recostava na cadeira de plástico reforçado.

— Uma coisa é ele me demitir e ficar apenas por isso, outra totalmente diferente é ele fazer a minha caveira para cada setor de relações públicas que eu for tentar trabalhar. - o encarou como se Jackson fosse uma criança pequena que não entendia nada da vida. - Ele pode acabar comigo.

Tentou outra abordagem, não aguentava mais ver seu amigo sendo diminuído em situações embaraçosas. E ele estava há apenas seis meses ali, não viu metade do que John passou ao longo de quatro anos.

— John, você possui contatos, os clientes gostam de você e sabem como é o seu trabalho. Tenho certeza que a Elisa também está ciente de tudo.

— Você faz parecer simples. - voltou a comer, ignorando a expressão otimista do Fuller. - E se ele acabar com a minha reputação?

— Você também tem como acabar com a dele.

Rapidamente John levantou o olhar,encarando Jackson de maneira divertida. Os dois sabiam muito bem que ele estava falando de áudios que John conseguiu gravar de algumas de suas discussões com Kevin na qual o chefe falou mais do que devia.

— Não sabia que você era adepto de chantagem.

— Não é chantagem se você usar. - deu de ombros em pouco caso.

— Esse é exatamente o conceito de chantagem.

Riu do tom exasperado do outro, o que fez com que seu amigo começasse a rir também, balançando a cabeça como se Jackson tivesse perdido o juízo.

— Não é não, chantagem é quando você...

— Eu não quero escutar!

— Só pensa nisso um pouco. - pediu, sorrindo levemente enquanto mordia seu sanduíche. Olhou para cima quando sentiu a presença de Edith.

— Pensar no quê? Tudo bem. - resmungou quando os dois deram de ombros, voltando o olhar para o Fuller. - Jackson, Clair está lhe chamando no escritório.

— O que você fez? - John perguntou assustado.

Jackson levantou as mãos em defesa, alternando o olhar entre os dois amigos.

— Juro que não fiz nada.

— Apenas vá. - mandou, gesticulando para ele sair enquanto puxava uma cadeira para sentar ao lado de John. - Você sabe que ela não é muito paciente.

— Tudo bem. - falou, empurrando o prato na direção de Edith que já pescava algumas batatinhas. - Mas peça um sanduíche e deixe na copa, por favor.

— Dessa vez vou lembrar de escrever seu nome. - prometeu, as palavras soando emboladas por conta das batatinhas que quase saltavam de sua boca.

Riu de John que se encolhia enojado ao lado dela, o homem puxava a cadeira discretamente para longe, fingindo prestar atenção ao outro lado da sala quando Edith o encarou entediada. Jackson saiu, caminhando apressado e um pouco nervoso em direção à sala de sua gerente. Não lembrava de ter feito algo errado ou cometido um deslize desde que entrara na empresa, mas nada era certo naquele ramo. Trabalhavam com dados privados de inúmeros CEO'S e estavam expandindo seus serviços a nível internacional. O trabalho do Fuller consistia basicamente em auxiliar no suporte técnico no uso de equipamentos e programas computacionais. Fazia parte  apenas do primeiro degrau da pirâmide que era a empresa.

Em pouco tempo chegou em frente à sala. Parou, lembrando a si mesmo de respirar antes de ganhar um aceno de cabeça em liberação da secretária e dar duas batidas leves na porta antes de abri-la. Clair Bolton se encontrava sentada atrás de uma grande mesa de mogno escuro, os óculos de marcação vinho acima da cabeça enquanto analisava sua entrada com um olhar atentos. Jackson se sentiu encolher por dentro, mas permaneceu firme. Ela gesticulou para a cadeira a frente da mesa antes de falar em uma voz melodiosa, porém, decidida.

— Sente-se, senhor Fuller.

— Obrigado. - agradeceu, principalmente pelo fato de ter sentido que a qualquer momento iria cair no chão, suas pernas estavam moles tal qual gelatina.

— Agora vamos ao que interessa.

Era um ponte marcante da personalidade de sua superior, seu óbvio desdém pela enrolação e capacidade de ir direto ao que interessava a ambas as partes. E assim começou a reunião mais surpreendente de Jackson desde a sua entrevista de emprego. Algumas horas depois, quando sentou em uma cadeira em uma cafeteria perto de casa, encarou a cópia do contrato acima da mesa de vidro temperado em uma concentração impressionante. O chocolate quente esfriava ao lado das folhas, o pedaço de torta de chocolate com algo salgado esquecida enquanto seus olhos percorriam as linhas quase borradas do papel.

Era uma oportunidade única, participar de um treinamento em Los Angeles com um dos maiores especialistas em ciber segurança nos Estados Unidos, porém, ir significaria ficar quase um mês longe de Ramona. De acordo com uma das cláusulas, se ele estivesse progredindo rapidamente poderia voltar antes do fim do treinamento, mas isso teria que levar em conta seu esforço e concentração. Sem distrações, pensamentos paralisantes ou planos incompletos. Jackson teria que mergulhar de cabeça naquele treinamento, provar seu valor e assim conseguir voltar o mais rápido possível para Nova Iorque.

Ramona estaria sozinha, apenas ela e seus pensamentos, assim como ele. Soltou o ar pesadamente, cortando um pedaço da torta e saboreando o gosto de chocolate com... ah! Caramelo salgado! Ramona iria amar e fez uma anotação mental de levar um pedaço para ela. Ao considera-la, percebeu que sua namorada poderia pedir para ele ficar, algo que ele faria no mesmo momento. Chegou a conclusão de que não fazia sentido continuar pensando no "e se...", tudo dependia apenas de uma conversa que ele iria ter assim que chegasse em casa. Um diálogo calmo e sincero, como todas as conversas entre casais deveriam ser.

Guardou o contrato na bolsa, tomando rapidamente o chocolate já frio e engolindo com calma o restante da torta. A luz dos postes que iluminavam a avenida constratavam com a luz amarelada da pequena cafeteria. Era um espaço aconchegante com decoração moderna. Um bom achado que o fez pensar novamente em Ramona, ela iria adorar aquele lugar. Alguns minutos depois se encontrava caminhando até seu prédio, a alça da bolsa transpassada pesando em seu ombro enquanto o saco de papel que continha um pedaço de torta balançava de acordo com seus passos. O aperto em seu peito e o frio em seu estômago o deixavam ansioso.

Se forçou a respirar o ar frio da noite, expirando lentamente enquanto procurava uma música para ajudar a clarear sua mente. Uma melodia que seu pai cantava para ele e Max dormirem ressurgiu do fundo de sua mente, a letra calma e ritmada teve o efeito procurado, desatando o nó em sua garganta e aliviando o peso em seu peito...

"If you don't know if you should stay... If you don't say what's on your mind... Baby just breathe..."

Cantarolava baixinho enquanto seguia rumo ao seu lar. Sorrindo satisfeito quando percebeu que sentia que estava construindo algo com Ramona, algo sólido e incrível. Eles realmente precisavam conversar sobre aquela situação, tudo o que Jackson queria era espalhar a notícia de que iria ser pai, principalmente para a sua mãe. DJ iria ser uma avó incrível e merecia fazer parte daquele momento com eles. Porém, era assunto para depois, naquele momento ele iria aproveitar a caminhada até sua casa, cantarolando uma das músicas preferidas de seu pai.

"Baby just breathe..."


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