Frank & Carrie - O Normal da Vida Anormal escrita por L R Rodrigues


Capítulo 4
Quando a Serpente Morde a Própria Cauda




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O aproveitamento daquele dia de folga estava se saindo melhor do que Carrie jamais imaginou. Mas como ela sempre desconfiava, quando as coisas pareciam ir de bem a melhor, nada poderia anular as probabilidades de acabarem indo de mal à pior, isto em uma fração de segundos. Essa fama de ser meio azarada foi um dos tópicos discutidos ao longo de uma conversa com uma amiga numa visita da qual ela voltava sentindo ter sido bastante produtiva. 

Mas antes dera uma passadinha antes no mercado e trazia duas sacolas de papelão carregadas de mantimentos para encher a despensa. Ao chegar frente a porta, deixara as sacolas no chão enquanto tirava a chave do bolso e a inseria na porta para abrir.

Pegando as sacolas de volta, a assistente, naquele dia usando um moletom roxo e calças jeans, entrou na sua residência mantendo a satisfação muito palatável de ter tido um papo frutífero com uma amiga íntima em um dia de merecido descanso. No entanto, após largar as sacolas no sofá, Carrie boquiabriu-se com o que via no corredor que direcionava aos quartos e a cozinha. 

— Meu Deus... Eu tô tendo uma alucinação, deve ser. Alucinando de tanta paranoia desse dia dar errado a qualquer momento. Isso aí não pode ser real... — dizia ela com cara de quem fosse começar a chorar. Fechou os olhos por um breve instante e os reabriu para frustrantemente encarar a verdade — Não... Por que isso tá acontecendo? Como isso veio parar aqui?

A apreensão chorosa estampada no rosto de Carrie tinha todo o nexo diante do que havia invadido sua casa em plena tarde de folga e a fez assumir que o dia estava indo bem demais para acabar tranquilamente. Não moveu um passo, apenas seu coração batia aceleradamente ao fitar o intruso. 

Uma cobra robusta e longa passeava no corredor, botando sua língua infame para fora. Carrie olhou para o telefone fixo pensando em fazer um ligação para o controle de animais ou o instituto que cuidava de apreender animais silvestres ilegalmente criados, pois julgava que a serpente fosse de uma espécie proibida para acolhimento doméstico. 

— Controle de animais... Serviço de Crimes Ambientais... Preciso de um de vocês aqui e agora. — disse ela, ora olhando para o telefone, ora para a cobra que se assemelhava visualmente a uma jiboia. Mas um estalo lhe veio a mente — Ah, merda! Esqueci a droga do número. Aliás, os dois números. E agora? Pensa, Carrie... Você não pode ficar aqui parada, congelada de pavor, olhando para essa invasora de lares e estraga-prazeres pelo resto desse dia que estava bom demais para seguir assim até o fim! — falou como se brigasse com a cobra. 

Não fazia de como proceder, mas pensou a fundo. Os números para os órgãos especializados para a contenção daquele tipo de problema se encontravam em alguma gaveta da cômoda no seu quarto. Recuperou-se do choque inicial para mover as pernas, andando de um lado para o outro na aflitiva busca por uma solução rápida de salvar seu dia.

— Ah, bingo, é isso! O Frank! Ele deve saber os telefones de contato do Controle de Animais, já passou por uma situação parecida. — disse Carrie, tirando do bolso do moletom seu celular — Esse danado do nervosismo desacelera meu raciocínio. — ligara para o detetive  cllajdo o aparelho ao ouvido em seguida — Permaneça quietinha aí, serpente. Não saia rastejando até meu quarto ou... Alô, Frank, que ótimo ouvir sua voz numa hora dessas. Como está indo meu dia de folga? Melhor impossível. No momento estou ocupada apreciando a visita de uma cobra de não sei quantos metros de comprimento que entrou sem pedir licença. — fez uma pausa, escutando a resposta dele — Eu não sei por onde essa nojenta invadiu, mas uma coisa é certa: Muito improvável que tenha vindo fugitiva de algum cárcere privado mais distante até esse bairro. Considerando a suspeita de alguém da vizinhança possuir essa cobrança de forma ilegal, é aí que entra o Serviço de Crimes Ambientais na parada. Mas como você já teve experiência com invasão domiciliar de animal silvestre, pensei no Controle de Animais como opção, ainda mais porque não lembro do número de contato e acho que deixei anotado numa agenda guardada no meu quarto e a minha visitante indesejada está obstruindo o corredor. Te liguei exatamente pra pedir o número. — fez uma pausa, ouvindo bem, sua expressão tomada num misto de desânimo e aflição.

A cobra rastajava em lentidão pelo corredor, a cada novo ínfimo movimento soando mais ameaçadora.

— Já que você perdeu o número e nem sabe também o do Serviço de Crimes Ambientais... Me resta a medida drástica: Eu vou matá-la. — disse Carrie, dando mais uma olhadela na cobra. Pausou para ouvir a réplica de Frank — Pois é, nessa incerteza de ser ou não de algum vizinho, eu estaria encrencada. E vai saber se ele não tem uma autorização para criar qualquer animal selvagem que possa domesticar. Ai, caramba... OK, eu vou me manter com a alternativa mais sensata que é recorrer ao Serviço de Crimes Ambientais, minha intuição precisa me diz que esta cobra foi adquirida ilegalmente. — fez nova pausa — Pela Internet? Não, a pior parte desse meu dia, até então, era a falta de conexão pelo meu atraso no pagamento, tive que ir na casa de uma amiga usar o wifi emprestado. — ouviu o que Frank dizia, a deixando atônita — Nem você?! Que diabos tá havendo hoje? O que deu pra você ficar nessa também? Onde você tá agora? — escutou Frank se justificar — Área de instabilidade, né? Putz...

 Carrie passou a mão esquerda pelo rosto em um sinal nítido de preocupação, logo voltando seus olhos para a cobra que passou a movimentar-se um pouco mais rápido. A assistente empalideceu.

— Frank, foi bom falar com você, mas agora vou desligar porque a desgraçada pegou mais ritmo. E parece estar indo diretamente pra porta do meu quarto! Antes esse troço ter entrado na casa da piscina e não no meu precioso lar! Ficar calma? O que quer que eu faça, Frank? Ah não, espera... Ainda há esperança. Já sei o que fazer. Darei a volta pela casa, entrar no meu quarto antes dela e pegar o número do Serviço de Crimes Ambientais. Te ligo mais tarde contando como terminou. OK, não vou cometer a idiotice de esmagar a cabeça dela com uma pedra, nem maneja-la com uma vara pra jogar lá fora. Boa sorte aí no caso do garoto-lobo. Ah, é um híbrido de lobisomem e kitsune?! Por essa não esperava nem um pouco. Tá legal, a gente se fala depois, me deseja sorte. Obrigada. Tchau, até.

Encerrou a chamada, encarando a cobra que se via numa distância mais reduzida com a porta do quarto de Carrie

— Quer apostar quem entra primeiro? — perguntou Carrie com um olhar estreitado e mordaz para a cobra. A assistente saíra de sua casa às pressas, mas antes de entrar pela janela do quarto, verificou a porta da cozinha — Eu sabia, eu sabia. Sabia que tinha esquecido essa droga aberta antes de sair. — falou, olhando com frustração, logo voltando a correr, indo até a janela de seu quarto que abrira rapidamente. Ao entrar, tratou logo de fechar a porta depressa antes que ela ganhasse proximidade. 

Em seguida, remexeu nas gavetas da sua cômoda desesperadamente atrás do bendito número de telefone do Serviço de Crimes Ambientais, não encontrando nenhum papel no qual tivesse escrito. 

— Cadê? Cadê? — se perguntou, removendo todas as gavetas e sentando no chão para procurar mais calmamente, por mais que seus nervos estivessem a ponto de fazê-la explodir — Essa agenda é velha, nunca teria anotado aqui. — disse, descartando uma agenda de capa rosa. Porém, parou para pensar a respeito, voltando seus olhos para agenda — Ou teria? — questionou, logo reconsiderando folhear com menos impaciência. Ao mesmo tempo, pairava na mente a curiosidade sobre a cobra ter saído pela porta da cozinha que não fechara — E se ela já tiver ido embora por onde entrou? Não, não vou lá conferir, é perda de tempo, ela não se deslocou tão rápido.

Passou várias páginas da agenda, o dedo indicador nas folhas procurando identificar o número. 

— Talvez eu tivesse encontrado em menos tempo numa lista telefônica. — reclamou ela que ainda conjecturou não ter escrito o nome do órgão acima do número, mas afastou tal possibilidade pessimista.

A busca árdua a cansou de modo que a encorajasse dar uma conferida no corredor. Largou a agenda, mas dobrando a ponta superior da folha para não se perder e levantou-se andando em direção a porta. Levou sua mão direita trêmula à maçaneta longa, a tocando com a palma suada. Abriu a porta vagarosamente com os olhos fechados no rosto virado. Para ela, seria lógico não olhar se já contava que a serpente não poderia estar longe. Mas uma parte dela desconfiava levando em conta que o animal elevou o ritmo de seu sorrateiro jeito de andar. Viu que a cobra ainda estava no corredor, logo no momento em que a mesma parecia encará-la mostrando sua intimidante língua. 

Carrie fechou a porta subitamente ao vislumbrar a cobra, voltando à sua caça. Pegou a agenda, retomando a procura de onde havia parado, desta vez permanecendo de pé e andando pelo quarto nervosamente. 

— Tem que estar aqui, não é possível, na agenda mais recente eu mal fiz anotações. — disse ela não parando nem por um minuto. De repente, para sua infeliz surpresa, a campainha tocara — Não pode ser. Visita a essa hora!? Quer saber? Que se dane, seja quem for, fique plantado me esperando até cansar.

Seguiu ignorando o som da campainha por uns minutos, a insistência de quem fosse começando a irritar a assistente. No entanto, Carrie recordou-se de um detalhe importante que poderia ter fugido a sua mente para culpar o desespero causado pela mera presença da cobra, um dos animais venenosos que mais era alvo de sua repulsa, só perdendo para as lacraias. Ela cessou a busca como se tivesse vivido uma epifania, pegando o celular e dando uma olhada concentrada em sua longa lista de contatos. 

— Maldita fobia de serpentes, apagou temporariamente uma memória recente. O caso do Frank ocorreu há pouco mais de dois anos, desde então guardei o telefone no meu celular para no caso de um dia eu precisar, mas telefones de emergência eu também anotava na agenda antiga em caso do celular dar defeito e... é óbvio que não vou trocar a praticidade da tecnologia por uma lista física repleta de números aleatórios. Letra S, vamos lá... 

A campainha seguia tocando, mas a assistente, em vez de gritar que já estava indo, preferiu não se render ao descontrole graças a sua rememoração - que por outro lado a fazia sentir-se desleixada. 

— Achei! Achei! — disse ela, sorrindo de euforia — Finalmente! Como fui idiota de esquecer que gravei o número justo no meu celular? O que o medo não faz, né? Ótimo, ligando... — disse ela, telefonando e torcendo para que estivessem disponíveis naquele dia — Alô, é do Serviço de Crimes Ambientais? Eu gostaria... de fazer uma denúncia. Uma cobra invadiu minha casa, aparentemente é de uma espécie bem perigosa. — fez uma pausa — Em oito minutos? OK, lá vai o endereço. 

Após fornecer o endereço e encerrar a chamada, Carrie ficou deitada nacama de barriga para cima, aguardando. Intercalava sua espera com olhadas cautelosas no corredor, fazendo uma brecha demasiadamente estreita na porta. A cobra parecia ter avançado um pouco mais além. Os oito minutos esperados passaram, mas Carrie acabou adormecendo de tanta exaustão mental pelo estresse. 

O som da buzina de um carro a despertou num sobressalto, a fazendo indiretamente correr para a porta, mas ao ver a cobra com seu longo corpo ainda interrompendo a passagem, dera um grito de horror, recuando para o quarto de imediato. Saiu pela janela e correu para o outro lado, vendo dois homens do Serviço de Crimes Ambientais saírem do carro e virem na direção da casa. Carrie não havia notado de início, mas um homem gordo de cabelo longo e ondulado preso, vestimdo uma camisa preta com estampa da capa do álbum "The Dark Side Of The Moon", do Pink Floyd, estava parado na entrada. 

— E você, quem é? — perguntou ela, franzido a testa.

— Era eu quem tocava a campainha. Por que demorou tanto? — indagou o homem que tinha marcas visíveis de espinhas no rosto rechonchudo. 

— Estava no meio de algo. 

— Trancada no banheiro... fazendo o número dois pra aliviar a tensão?

— Não. — disse Carrie, a expressão de incômodo — Espera aí, você não é o vizinho que se mudou faz uns dois meses? Desculpe, é que eu mal reparo em quem entra e sai da vizinhança. 

Antes que o homem respondesse, os agentes do Serviço de Crimes Ambientais dirigiram-se à Carrie. 

— Onde está o animal? — perguntou um deles que trazia um cabo específico para manipular cobras enquanto o outro carregava uma caixa similar a uma jaula com algumas grades.

— Venham comigo. — disse Carrie conduzindo-os para entrar na sua casa. O vizinho tentou dizer algo, mas sua voz soava presa. Ele adentrou também. 

— Ei, não te dei permissão pra entrar, que falta de educação. Afinal, o que você quer de mim? — perguntou Carrie, impaciente demais para falar num tom menos rude — Tocou minha campainha umas milhões de vezes, é bom que seja algo que valha meu inestimável tempo livre de hoje. 

Porém, o homem mirou sua atenção nos homens que vinham trazendo a cobra de grande porte. 

— Gertrudes! — disse ele com um semblante se felicidade ao ver a cobra. 

— Gertrudes!? — repetiu Carrie, olhando para a serpente. 

— É minha cobra de estimação. Estive procurando por ela há horas e comecei acreditar que ela tivesse entrado na casa de algum vizinho. Bati em quase todas as portas, até que cheguei na sua onde fiquei plantado esperando alguém me atender. — disse o homem mudando um pouco seu tom para Carrie ao falar sobre a espera prolongada. 

— Tem autorização da lei pra criação de animais selvagens? — perguntou um dos agentes. 

O homem se mostrou desconcertado, querendo exprimir uma palavra, mas nada saía a não ser um som entrecortado. Carrie o olhou com reprovação.

— Eu estava certa desde o início. A legislação barra qualquer pedido de criação legalizada independente de bons cuidados ou da qualidade do local. Como conseguiu tão facilmente? 

— O deus mercado negro torna o impossível possível sempre. — respondeu o homem. 

— Terá que vir conosco. — disse um dos agentes após colocar a serpente na caixa. Ele sacou as algemas, prendendo o vizinho transgressor — Fez bem ter aparecido. 

— Peraí, vamos ter uma conversinha, o meu fornecedor me enganou... Ah cara, eu pelo menos vou poder me despedir da Gertrudes?

O agente o fitou com ar severo. 

— Não. — disse ele, secamente. 

— Acredite, ela vai superar. — disse Carrie, zombeteira — A propósito, de que espécie exatamente ela é? — perguntou aos agentes. 

— É uma sucuri, famigerada Anaconda. — disse o que havia posto as algemas no vizinho de Carrie — Muito provavelmente nosso amigo aqui a obteve de algum ofertante do mercado negro localizado no Brasil. 

— E nem é venenosa. — disse o homem.

— Como não é? — indagou Carrie. 

— Simples: Paguei por uma que tivesse as presas removidas. 

— Chega de papo, vamos andando. — disse o agente, levando o homem algemado para fora.

— Muito obrigada, os dois. — disse Carrie ainda perplexa com o que seu vizinho criminoso dissera — Sem veneno... É, acho que eu devia ter especulado isso também. — falou sentindo-se uma tola — Enfim, pouco importa. A intuição infalível de Carrie Wood favoreceu o cumprimento da lei. É, ganhei meu dia. — declarou, cruzando os braços enchendo-se de satisfação por sem querer envolver algo de caráter criminoso justamente em sua folga.

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