Decisão - Damianya escrita por Nathalia Croft


Capítulo 5
Negação




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/806712/chapter/5

Ouço pequenos soluços vindos da garganta de Anya.

 

Ela está em pé à minha frente, apoiando as mãos nos joelhos, como se tivesse acabado de percorrer uma maratona.

 

Eu a encarava de olhos arregalados. Com certeza, meu rosto estava sem cor.

 

E-Eu ouvi direito?

 

Anya acabou de me dizer que… Foi a culpada pela morte do meu pai?

 

— Não… - sussurro - É claro que não…

 

Pisco rapidamente, para tentar sair de meu estado de torpor. Balanço minha cabeça várias vezes.

 

Ouço Anya chorar mais.

 

— Não… - agora digo num tom mais firme. Abro as mãos em incredulidade - Isso é… Impossível. O-O que você pode sequer ter a ver com o meu pai?!

 

Aquilo só podia ser uma piada de muito mal gosto.

 

Como uma das garotas mais simpáticas e amáveis da escola pode ter alguma relação com a morte do meu pai? E principalmente, como pode ser culpada por isso?!

 

Não. Aquilo era um engano.

 

Tento alcançá-la, mas Anya se afasta de mim. Agora, ela apenas soluça baixinho e abraça a si própria. Uma brisa passa por nós e movimenta seus longos cabelos.

 

— Anya… - a chamo, minha mão parada no ar - Anya, fala comigo…

 

Tudo agora parecia no mais completo silêncio. Não consigo escutar mais nada ao nosso redor.

 

Ainda abraçada a si, olhando para o chão, Anya começa:

 

— O motivo de eu ter vindo para o Colégio Éden foi por sua causa.

 

Me inclino para trás. O que ela está dizendo?!

 

— Essa era a minha missão… - Anya lentamente olha para mim, com tristeza - Me aproximar de você e conseguir entrar em contato com o seu pai…

 

Um soluço ecoa por sua garganta e ela exclama, como se sentisse muita dor:

 

— Era pela paz mundial!!! Eu juro que nunca quis machucar você!!!

 

Seus olhos estão injetados de sangue, muito vermelhos. Sua voz agora beira ao desespero:

 

— Eu era um rato de laboratório, Damian! UM RATO! - Anya fala como se cuspisse aquelas palavras - Testada e torturada por anos!

 

Lágrimas saem aos montes de seus olhos, e seus lábios formam um biquinho de choro:

 

— Eu só queria uma família… Alguém que me amasse…Só isso…

 

Anya passa as mãos pelo rosto, tentando secar as lágrimas.

 

— Então, Loid Forger apareceu e me adotou… E eu descobri que na verdade, ele era um espião de Westalis… - ela me olha com amargura - Ele estava fazendo a missão mais importante de sua vida; Evitar uma guerra e garantir a paz mundial… E pra isso, eu tinha que entrar no Colégio Éden e ser sua amiga, para conseguirmos contato com Donovan Desmond… - Anya pausa e pressiona os lábios, então, continua - É-É por isso que eu te chamo de “Segundinho”... Porque você é o segundo filho do seu pai…

 

Abro a boca em espanto. Anya funga alto e olha para o céu, engolindo saliva.

 

— Meu pai me tirou do inferno que eu vivia… Me deu uma mãe… - ela volta a me encarar, com uma expressão de grande angústia - Mesmo que apenas para uma missão, mesmo que éramos uma família de mentira, Loid salvou a minha vida…

 

Como num grande lamento, Anya declara, com a voz embargada:

 

— E eu não queria perder a minha família… Não quando ninguém mais me queria…

 

Ela dá um passo em minha direção e estremeço. Meu coração pulsa forte em meus ouvidos. Meu peito sobre e desce com minha respiração rápida.

 

— Eu tive que fazer isso, Damian… - Anya então olha para as próprias mãos - As vidas de inúmeras pessoas dependiam de mim... Era minha responsabilidade!

 

Por um momento, coloco a mão na testa. Tudo parece girar ao meu redor. Quando consigo me recompor um pouco, pergunto:

 

— M-Mas, Anya… Eu não entendo… O que eu e meu pai temos a ver com… A paz mundial?! - cerro os olhos em uma expressão de dúvida.

 

Ela junta as mãos na frente da boca e olha para os próprios pés, como se receosa de algo. Então, lentamente, me responde:

 

— Seu pai… Ele era… Um homem mau…

 

Um calafrio percore meu corpo.

 

Anya não podia estar falando sério…

 

Meu pai era sim, uma pessoa muito ausente, que praticamente só se importava consigo mesmo e com o que os outros ofereciam a ele. Era até mesmo um pouco esquisito.

 

Mas, uma pessoa má?

 

Não… Nisso, ela estava errada. Não podia ser verdade…

 

Levo um susto quando ela me encara novamente e exclama:

 

— É verdade, sim!

 

Balanço a cabeça, confuso com aquela resposta. Anya continua, jogando todas aquelas palavras em cima de mim:

 

— Seu pai era o responsável por uma organização política que desejava iniciar uma guerra contra Westalis. Ele era o cabeça de um ato que tiraria a vida de milhares de pessoas!

 

Sinto meu estômago revirar e cubro a boca.

 

Não…

 

É mentira…

 

Ao ver meu semblante, a expressão de Anya se transforma em amargura.

 

— Quando descobri que seu pai iria viajar para Hungaria, tive que avisar o meu. Seu pai estava indo fazer uma aliança com aquele país, para finalmente poder iniciar a guerra… - ela continua, lágrimas descendo por suas bochechas vermelhas - Já tinha se passado muito tempo desde o início da missão, já éramos até crescidos… Precisávamos agir, ou seria tarde demais… - Anya pressiona os olhos, como se não quisesse visualizar o que falava - E então, por causa da informação que eu dei, o Serviço de Inteligência do meu pai também foi para a Hungaria. Infelizmente, eles acabaram entrando num conflito armado com o seu pai e seus subordinados…

 

Meu corpo inteiro tremia ao ouvir suas palavras.

 

— Não era para ter terminado assim… - Anya soluça, acariciando os próprios braços, como se consolasse a si mesma - O plano inicial era ter evitado a guerra com algum tratado de paz… Mas, as coisas saíram do controle… - ela então me olha profundamente - Seu pai acabou morrendo durante o tiroteio… - Anya volta a olhar para o chão - De uma maneira ou de outra, a guerra acabou sim, sendo evitada… E agora, vivemos em paz.

 

Silêncio.

 

Não consigo sentir meu corpo. As pontas dos meus dedos estão dormentes.

 

Após alguns instantes, consigo perguntar:

 

— C-Como você soube que ele estaria na Hungaria?

 

— Ouvi você conversando com Ewen e Emile na hora do almoço que seu pai ia vir te fazer uma visita de última hora. E então, quando ele chegou, acabei seguindo vocês escondida e… Descobri para onde ele iria…

 

Começo a me recordar daquele dia. Eu fiquei tão feliz quando me avisaram que meu pai estava vindo me ver, mas… Ele não passou nem cinco minutos comigo no jardim. Apenas chegou, me cumprimentou, avisou que iria viajar, e saiu.

 

Porém, me lembro de um detalhe.

 

Ele não tinha me falado que estava indo para Hungaria.

 

Percebo que Anya me olha de maneira significativa após eu pensar nisso. Ela pressiona os lábios, respira fundo e diz:

 

— Tem mais uma coisa que eu não te contei…

 

Sinto um frio na barriga. Tinha mais?!

 

— Ah, meu Deus! - Anya de repente exclama, passando as mãos no rosto - Como se conta isso para uma pessoa?!

 

Ela fica em silêncio por alguns instantes, para então, simplesmente soltar:

 

— Eu… Consigo ler mentes, Damian.

 

Sinto como se o ar escapasse dos meus pulmões.

 

O-O quê?!

 

Ainda estava tendo muitas dificuldades em digerir tudo o que ela tinha acabado de me contar sobre meu pai. Mas aquiloAquilo só poderia ser brincadeira.

 

— Não é brincadeira - Anya me diz. Arregalo os olhos e, como num instinto, recuo um pouco para trás no banquinho.

 

Ela parece notar meu assombro e adquire um semblante de tristeza, ao mesmo tempo que seus ombros parecem relaxar. A impressão que tenho é que ela sentiu um enorme peso sair de suas costas. Está até ofegante e muito vermelha.

 

Começo a analisar o que aquelas palavras sobre ela conseguir ler mentes queriam dizer.

 

Isso claramente é um absurdo.

 

Entretanto…

 

Sinto uma pulguinha atrás da orelha, como se alguma coisa despertasse em mim: memórias.

 

Então, como cenas de um filme, surgem em minha mente momentos em que, realmente, Anya me deu a impressão de que podia sim, saber o que estou pensando.

 

Situações das mais diversas.

 

Confesso que no fundo, eu achava que tudo isso era algum tipo de instinto feminino, que tantas pessoas dizem que as mulheres têm.

 

Mas agora… Momentos aparecem em minha mente em que pensei em alguma coisa e Anya fez algum tipo de comentário muito a ver com o assunto que passou na minha cabeça.

 

Como por exemplo, quando criança, a xingava em pensamento e ela simplesmente me encarava com uma certa perplexidade, como se soubesse que eu estava pensando mal dela.

 

Ou também, quando fazíamos alguma prova e o professor anulava nossas questões, por estarem respondidas exatamente com as mesmas palavras.

 

E, principalmente, quando eu pensava sobre meus sentimentos em relação à ela, e Anya me olhava com as bochechas coradas.

 

Sinto como se eu estivesse tendo uma epifania.

 

Ouço ela voltar a falar:

 

— Você já deve ter visto nos jornais esses laboratórios clandestinos que foram encontrados pela polícia - uma lágrima escorre pelo rosto de Anya - Eu vim de um desses lugares… E foi lá que desenvolvi este meu… “Poder”...

 

Ela respira fundo, parecendo cansada.

 

— Então, quando eu estava seguindo você e seu pai naquele dia… Acabei lendo a mente dele… É por isso que eu sei para onde ele foi.

 

Anya fica em silêncio, olhando para o chão. Mais uma brisa passa por nós, e está bem gelada. Fico arrepiado.

 

Minha cabeça está um turbilhão.

 

O caos reina dentro de mim.

 

Então, algo invade meu coração.

 

Raiva. Muita raiva.

 

Devagar, fico de pé e a encaro profundamente. Minha voz é baixa e firme.

 

— Você entrou no Colégio Éden apenas para me usar? É isso?

 

Anya arregala os olhos e parece estremecer.

 

— N-Não, Damian… - ela balança a cabeça - Na verdade, sim. Q-Quero dizer, não exatamen–

 

— Eu fui apenas mais uma peça de um joguinho político, então?! - retruco, entredentes - Um mero fantoche, pra você usar como bem quisesse?!

 

— Por favor, Damian… - Anya se aproxima e dou um passo para trás, assustando-a - Procure entender! Precisávamos chegar no seu pai! Pelo bem da paz mundial!

 

Paz mundial?!— desdenho, torcendo o nariz - Ah, conta outra, Anya! Parece até história de quadrinhos! - me sinto tão indignado, que as palavras se atropelam - Q-Quem você pensa que é?! Ler minha mente e invadir minha privacidade assim?! Como você pôde fazer isso com a minha família?! - bato a mão no peito.

 

Não acredito que estou querendo defender o meu pai.

 

Tudo o que ela me contou parece ser tão absurdo, que está difícil achar que é mentira…

 

— E não é mentira, Damian! - exclama Anya, abrindo os braços - Pelo amor de Deus! Você acabou de me pedir em casamento! Acha mesmo que eu seria tão idiota assim para brincar com você numa hora dessas?!

 

A encaro com certa fúria.

 

— Não sei! - respondo, dando uma volta no meu próprio eixo, tentando organizar meus pensamentos - Porque aparentemente, você vem brincando comigo desde o momento que me conheceu! Não, pior… Até antes mesmo de entrar nessa escola!

 

Sinto meus olhos arderem. Meu corpo formiga.

 

Então, desde o início, ela sabia o que eu sentia por ela?

 

Sabia que eu a amava?

 

— Sim… Eu sabia… - Anya me olha com uma expressão de angústia, ao mesmo tempo que parecia envergonhada - Demorei um pouco para perceber, mas… Eu sempre soube…

 

— PARE DE FAZER ISSO! - esbravejo num ímpeto, tremendo por inteiro. Anya se assusta e se encolhe, fazendo meu coração doer ao ver que ela está com medo de mim.

 

Sinto vontade de chorar.

 

Estou zonzo…

 

Preciso sair daqui.

 

Me viro e começo a andar rapidamente em direção aos dormitórios.

 

— Damian! - ouço Anya me chamar em desespero - Espere! Por fav– ela não consegue terminar a frase e ouço seu choro entrar em meus ouvidos, fazendo com que o nó em minha garganta crescesse ainda mais.

 

Vou me distanciando, tentando assimilar tudo o que acabei de ouvir…

 

Isso não está acontecendo.

 

Não estou conseguindo raciocinar direito. Não consigo discernir o que é verdade ou mentira agora.

 

Anya… Como você pôde fazer isso comigo?

 

Me enganar, me usar?

 

Eu entreguei meu coração pra você! 

 

E agora você vem me dizer que é a culpada pela morte do meu pai?!

 

Eu entreguei meu coração...

 

Somente para você assistir eu me desfazer em pedaços!

 

Você por acaso sabe o que significa te amar?!

 

Não faço ideia de como estou conseguindo caminhar em direção ao meu quarto. Meus passos nos corredores vazios e escuros parecem bombas aos meus ouvidos.

 

Quando chego no meu quarto, fecho a porta com força, o som ecoando lá fora.

 

Começo a andar pelo cômodo, minhas mãos segurando meus cabelos.

 

Sinto a raiva crescer em meu peito.

 

Então, algo chama minha atenção: a fotografia do nosso primeiro dia de aula.

 

Ela já estava emoldurada de novo.

 

Vou até o objeto e o pego com brutalidade.

 

E, pela primeira vez em minha vida, não é o meu eu criança que eu fuzilo com o olhar.

 

É Anya Forger.

 

O rosto cômico que sempre trazia um acalento para o meu coração nos momentos em que eu pensava na ausência do meu pai, agora era o motivo da minha raiva.

 

E mais uma vez, num ímpeto de fúria, jogo o retrato na parede do meu quarto. Dessa vez, não preciso me preocupar se irei acordar alguém.

 

Assim como aconteceu na semana passada, quero gritar. Berrar a plenos pulmões.

 

“EU TE ODEIO!!!” era o que eu tinha em mente.

 

E finalmente, essas palavras saem da minha boca:

 

— EU. TE. ODEIO!!!

 

Eu grito, repito aquela frase por diversas vezes.

 

Grito para Anya, grito para o meu pai, grito para mim.

 

Deito em minha cama, a cabeça entre as mãos.

 

Eu choro.

 

Choro tudo o que não chorei minha vida inteira.

 

Choro até minha garganta secar e minha cabeça explodir de dor.

 

Mal percebo quando adormeço.

 

♦♦♦

 

Cerca de três dias se passam. Na verdade, eu nem sei dizer se é isso mesmo…

 

Desde que deixei Anya no jardim e me tranquei no quarto, não saí.

 

Mandei trazerem as refeições até aqui, afinal, eu posso.

 

Meus olhos estão inchados, meus cabelos estão bagunçados e meu coração, despedaçado.

 

Estou deitado na cama e uma névoa preenche minha mente.

 

Encaro o quadro ainda estilhaçado no chão.

 

Olho para o relógio na mesa de cabeceira e são quase uma e meia da tarde.

 

Ouço alguém bater na porta.

 

Fico emburrado. Já tinham me trazido o almoço há uma hora atrás. Quem estava querendo encher o meu saco?

 

Não fazendo questão de ser rápido, me levanto da cama e caminho em direção à porta.

 

Ouço bater mais uma vez.

 

— Já vai! - respondo de maneira ríspida.

 

Quando abro, sinto um calafrio por todo o meu corpo, pois, parado à minha frente, está a última pessoa que eu imaginaria encontrar no mundo.

 

Loid Forger.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Decisão - Damianya" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.