A Deusa da Morte escrita por Aline Lupin


Capítulo 2
Capítulo 2




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Adam adentrou a casa de Emily. O lugar era aconchegante, com tapetes espalhados pelo chão. O piso era de madeira e parecia ser bem cuidado. A casa era de dois andares. Na parte de baixo havia a cozinha, a sala de estar, sala de jantar e aos fundos da casa uma piscina. No andar de cima havia os quartos e o escritório em que o pai de Emily costumava trabalhar. Adam foi recepcionado pela melodia de um violoncelo. Ficou surpreso, pois o som era maravilhoso de ser ouvir.

— Venha, meu irmão Mikael está tocando hoje - ela diz, puxando Adam pela mão.

Adam se sente confortável na presença de Emily. Parece que já se conhecem há anos. Ele tem a visão dos seus cabelos longos e escuros caírem sobre suas costas, com leves cachos nas pontas. Ela usava um vestido azul, com mangas curtas, que ia até os pés. Ele notou que ela estava descalça. O que era curioso, pois uma dama não se portaria daquela maneira. Contudo, Adam não estava ali para julgar ninguém. Eles adentraram a sala. Era decorada com um dois sofás, de cor rosa, com bordado de flores. Eram narcisos. A lareira estava apagada. Havia quadros da família nas paredes e alguns quadros representando a natureza e outro da deusa Vênus. Sentado no sofá, próxima a janela, Mikael tocava a melodia. Ele estava de olhos fechados. Ele era a versão masculina de Emily, só que mais jovem. Ele sentiu a presença dos dois e abriu os olhos, parando de tocar. Eram olhos azuis, claríssimos. Mikael deixou o instrumento sobre o sofá e disse com bom humor:

— Minha irmã, trouxe mais alguém para casa, essa tarde?

Ele parecia olhar distante. Adam se sentiu desconfortável, pois não sabia se estava sendo uma visita indesejada.

— Sim, Mikael - ela diz, sorridente - Quero que conheça meu novo amigo. O senhor Adam.

— Adam. Seja bem vindo - Mikael diz, com um sorriso idêntico ao da irmã - Se aproxime, por favor.

Adam se aproxima cauteloso. Fica próximo ao rapaz. Os olhos de Mikael eram quase translúcidos.

— Abaixe seu rosto, por favor - ele pede, erguendo as mãos.

Adam faz o que Mikael pede. Mikael toca a face do visitante, sem parecer vê-lo. Ele para o movimento, colocando as mãos sobre o colo. Adam havia compreendido a situação, o rapaz era cego. Ele se afastou, respeitosamente.

— Deve ser muito bonito, nosso novo visitante - comenta Mikael, com um sorriso - Sinta-se a vontade, senhor Adam. Espero que não se assuste conosco. Somos muito excêntricos. Mas, acredito que somos bons hospedes, não acha, Emily?

— Pare de dizer bobagens, Mika - ela diz, rindo - Não dê atenção ao meu irmão, Adam, por favor.

Adam lhe ofereceu um sorriso sincero.

— Eu na verdade estou adorando estar aqui e seu irmão é muito interessante - ele diz.

— Obrigado, meu senhor - Mikael diz, contente - Se não se importarem, voltarei aos meus exercícios. Emily precisa praticar mais, também. Hoje à tarde, sem falta.

Emily suspirou.

— Tudo bem, tudo bem - ela diz, resignada - Mika é meu professor de música, particular. Não temos um professor faz um ano e ele é exímio ao tocar violino e violoncelo. Não sou tão boa como ele. Na verdade eu apenas desenho e faço pinturas.

— Devem ser lindos seus quadros - Adam diz e olha para as paredes, tentando encontrar algum da autoria de Emily.

A música tocava, como um balsamo para a alma de Adam. Ele se sentia feliz, pela primeira vez em anos.

— Obrigada senhor - ela diz, corando - Meu quadro está aqui, veja.

Ela dá alguns passos até o quadro de uma paisagem bucólica. Sentada em uma pedra, uma mulher de cabelos ruivos parece pentear seus cabelos com os dedos e suas vestes são vestais, apenas não usava o capuz.

— É uma virgem de vesta? - ele pergunta, admirado pelo traço e pela pintura a óleo.

Era perfeita.

— Sim - ela responde - Adoro as representações gregas e me inspirei muito nos mitos da Grécia e Roma antiga. Essa, em especial, é a representação de uma sacerdotisa da Roma Antiga. É claro que a representação não condiz com a realidade. É apenas um sonho que tive.

Adam aproxima os dedos, sentindo a textura do quadro. Parece ser transportado para aquela paisagem.

— É incrível, senhorita Emily - ele sussurra.

— Ah, por favor. Não consigo lidar com elogios - ela diz, sem graça - Vamos, quero que conheça minha mãe.

Ela puxa Adam pela mão. Ele a segue, admirando-a ainda mais. Ela parece ser uma miragem, algo sublime e belo, que ele tem medo de tocar e se evaporar. Eles adentram a cozinha. Havia um fogão a lenha, uma grande mesa, com pães e bolo. Uma dama de cabelos loiros, com um vestido primaveral e um avental amassava o pão. Ela sorriu ao ver a filha entrar. Observou Adam e deixou escapar um riso.

— Mais um essa semana, Emily - ela diz, com bom humor.

Limpa suas mãos no avental e se aproxima deles. Adam sente ainda mais vergonha por ter aceitado o convite para entrar.

— Mãe, por favor...tenhamos modos - ela pede, envergonhada - O senhor Adam irá pensar que sou louca.

Era a vez de Adam rir.

— Não, acho, senhorita - ele diz, fitando-a embevecido - Acredito que senhorita tem bom coração, mas deveria tomar cuidado.

A mãe de Emily assente.

— Realmente, querida, seu amigo tem razão - ela diz.

— Ah, por favor, que mal poderia me suceder? - Emily diz, com uma leve irritação - Ah, que modos eu tenho - ela diz, dando um tapinha em sua testa - Mãe, quero apresentar o senhor Adam. Senhor Adam, está é minha mãe, Flora.

Adam se aproxima e toma a mão de Flora, depositando um beijo em seu dorso e a solta.

— Muito prazer - ele diz.

— Oh, querido. Muito obrigada - ela diz, enternecida - Faz tanto tempo que não beijam minha mão.

Emily riu.

— Mamãe, é por que a senhora não sai de casa - ela diz - Se fosse comigo a livraria, vários cavaleiros iriam querer conhece-la.

E naquele clima tranquilo, Adam passou a manhã e a tarde. Eles tomaram café, na cozinha e chamaram Mikael para se juntar a eles. Flora contou que seu marido havia falecido e que eles viviam apenas da herança dela e dos consertos que pagavam para Mikael participar, além de claro, os irmãos tocavam em festas e em bailes. Era uma vida tranquila, não passavam apertos, mas não era tão luxuosa. Contudo, eram felizes. E pelo que Adam poderia perceber, também poderia fazer parte daquela família, sendo amigo e quem sabe algo mais.

***

Emily deitou a cabeça no travesseiro, tranquila e serena. Fazia meses que estava em estado melancólico e precisou juntar forças para viver, depois que seu pai morreu. Adam era uma brisa fresca, depois de tanto tempo árido em sua vida. Sua mãe sofria em silêncio, também. Havia se descuidado e não fazia nada para si, só pensava nos filhos. Mas, parece que como mágica, Adam preencheu o coração de todos naquela casa, até mesmo de Mikael, que era recluso. Ela sonhava com a próxima visita de Adam e adormeceu, vendo os olhos verdes dele e seu sorriso doce.

Emily corria, tentando escapar. Estava exausta e cansada. Suas vestes estavam rasgadas e ela podia ouvir risadas maléficas. Era ele, ainda a estava perseguindo. Ela olhou para o céu e estava cinzento, parece quase noite. As árvores ao seu redor eram pretas, sem folhas. Pareciam carbonizadas. O chão sob seus pés descalços era infértil. Ela viu o rio escuro correr, a sua frente. Tinha medo de entrar na água. Para atravessar, precisava de um barco, que misteriosamente apareceu a sua frente. O barqueiro a deixou entrar, contudo, ela precisou lhe dar uma moeda. Ele tinha dois buracos fundos, aonde deviam ter olhos e seus cabelos eram prateados. Ela sentiu arrepios ao vê-lo, mas o homem era inofensivo. Eles atravessaram o rio para outro lado.

— Se for para lá, não terá mais volta - o barqueiro diz, com uma voz cavernosa - Terá que ficar por milênios e milênios.

Emily franziu o cenho. Não compreendia o que ele dizia. Ela tentou sair do barco e alguém a puxou para fora. Ela viu seu pai.

— Papai? - ela exclamou.

O homem parecia abatido. Sua pele era translucida.

— Filha, volte com o barqueiro - ele pede.

— Mas pai, aquele homem horrível voltou - ela diz, em desespero.

— Vá, querida, eu mesmo cuidarei dele. Mas não deve atravessar para o mundo dos mortos - o pai dela aconselha - Volte com o barqueiro.

Ela assente. Ao entrar no barco novamente, uma forte correnteza o empurra e Emily, o barqueiro e a embarcação eram tragos pelo rio.

Emily acorda assustada e com suor escorrendo sobre suas têmporas. Ela sente na cama, com dificuldade. Jurava que estava se afogando naquele rio escuro e fétido. Sentiu arrepios percorrem seu corpo. Procurou uma vela no criado mudo e a acendeu. Ela nunca tivera um sonho daquele. Fechou os olhos, tentando esquecer, mas via os olhos amarelos do homem a encarando, com ódio. Ele não parecia humano, parecia belo, mas uma beleza divina. Contudo, os olhos eram carregados de maldade, como se ele desejasse a aprisionar. Ela não conseguia esquecer o rosto dele. Levantou-se e abriu seu closet e pegou seu cavalete, seu conjunto de pinceis e tintas. Iria pintar aquele rosto. Quem sabe poderia esquecer aquilo?


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Notas finais do capítulo

A música que Mikael toca é a mesma do link da música do Spotify.

Compartilho com vocês uma música de Johann Sebastian Bach, Cello Suite No. 1 G Major. Quem quiser ouvir, enquanto lê o capítulo, segue o link: https://open.spotify.com/track/5MCLPbKKBho2D6isNd7T1g?si=1ld1wnaBSl-23rjns69Bkw&utm_source=whatsapp&



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