A Pergunta escrita por Dona Maricota


Capítulo 4
O porcupido


Notas iniciais do capítulo

Ei, o site tá me alertando que tem uma galera lendo sem favoritar e comentar e isso é crime!! Tá no código penal!! Vou enviar um mandado de prisão pra todos vocês, canalhas!!

Mas na moral, dá uma forcinha aí pq escrever capítulos com mais de 10 mil palavras não é fácil e é muito gostoso receber feedback. Nem que seja pra me xingar e falar q tá uma merda, manda bala KKKK.

Nesse capítulo o Ranma e a Akane ficam um tiquinho de segundo plano, os coadjuvantes tem mais espaço nesse aqui, mas acho que ficou bom.

Vambora lerrr!!



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(DISCLAIMER: Querem ver como eu desenho todos os personagens? Aqui o link )

 

A velha amazona estava em seu quarto assistindo TV enquanto comia uns quitutes chineses, fumava seu charuto com uma tranquilidade exacerbada, se dando ao luxo de relaxar naquele fim de domingo. Estava entretida com a novela quando sua paz foi interrompida por gritos que vinham do restaurante e foram se aproximando da área residencial. 

— Por que você ser sempre tão intrometido?!? - ela ouve sua neta berrar – Shampoo ter Akane na palma de sua mão e você estragar tudo!! Como sempre!! 

— Ora Shampoo, eu te fiz um favor!! - dessa vez era Mousse, berrando junto com ela – Ele tava te agarrando!! 

— Foi Shampoo quem agarrou Ranma!! - ela aumenta ainda mais o tom de voz, completamente furiosa – E Mousse saber disso!! Só estar com ciúme!! 

— E se eu estiver?! - ele bate no peito, defendendo sua honra – Eu não admito! Não admito, Shampoo! Não admito que você fique dando corda pro cretino do Saotome que nem é homem o suficiente pra você!! 

— Se Ranma derrotar Shampoo em uma luta, ele ser homem o suficiente pra ela sim!! Diferente de Mousse!! 

Cologne percebe que as coisas poderiam estar saindo do controle, solta ar pela boca, cansada, e se retira de seus aposentos, indo até o corredor onde aqueles jovens brigavam. 

— Ora vamos, que algazarra é essa? - a voz rouca da velha chama a atenção deles - Tô tentando ver minha novela! 

— É o Mousse, bisavó! - Shampoo cruza os braços e rosna na direção dele – Shampoo estava a um passo de desmascarar Akane e ele estragar tudo! 

— Desmascarar? - a velha levanta a sobrancelha. 

— É! Shampoo sabe que Akane estar fazendo um teatrinho pra roubar Ranma de Shampoo! - ela espreme seus dedinhos – E ela estava a isso aqui de explodir com Ranma... Mas aí Mousse chegar com essa história de não virar mais pato e roubar a cena!! 

— Como é?! - Cologne engasga e olha para o rapaz, espantada – Que história é essa, Mousse?! 

— Quer saber?! - ele começa, também se alterando um pouco – Eu também estava a isso aqui de derrotar o Saotome! Mas aí, idiota que sou, parei a luta só pra te agradar e nem assim sou reconhecido! 

— Ao menos Mousse reconhecer que é idiota – a mais nova desdenha dele. 

— Argh! Shampoo! O que mais você quer de mim?! - a voz do rapaz fica meio embargada, ameaçando que ele estava prestes a chorar – Olha pra mim! Eu não viro mais pato! Sou um homem completo! O que mais eu preciso fazer pra- 

— Já chega, vocês dois! - a velha ordena, pousando por cima de seu cajado e ficando bem de frente para o rapaz, lhe lançando um olhar intimidador – Agora me diga Mousse, como você curou sua maldição? Até onde se sabe, apenas uma fonte de Jussenkyo pode curar a maldição de outra... E você com certeza não foi a Jussenkyo coisa nenhuma! 

O interesse da velha amazona na cura milagrosa de Mousse era bastante suspeito, e apesar dele ser bem idiota pra muitas coisas, pra outras ele era bem esperto, sabia que não podia entregar essa informação de bandeja para qualquer um. Principalmente aquelas duas. 

— Hunf! Como se eu fosse te dizer, velha demônia! - ele cruza os braços e faz cara de desdém. 

— Vamos, não seja egoísta! - ela semicerra os olhos – Se ama tanto a Shampoo, vai querer ajudá-la a se livrar da maldição do gato também. 

Seria uma chantagem emocional muito eficaz, mas aquilo surpreendentemente não o afetou. 

— Perdão, mas não posso ajudar – ele vira as costas para as duas amazonas e vai em direção ao seu quarto - Além disso, eu conheço vocês! Tão muito mais interessadas em curar o Ranma do que a Shampoo! 

— Mousse, espere! - a velha tenta fazê-lo voltar. 

— Não! 

Ele bate a porta de seu quarto com força e as deixa plantadas no corredor. Cologne, um tanto atônita, tentava processar a nova informação. 

— Ele realmente não vira mais pato? - a velha pergunta para a neta. 

— Não - responde, desinteressada. 

— E você não conseguiu fazer ele contar o que fez? 

— Ah bisavô, pouco me importar! - dispara, ainda muito irritada, ela começa a caminhar em direção ao seu quarto – Seja homem, seja pato, Shampoo não quer saber! 

— Ah, pois devia! - a velha a segue, tomando sua atenção - Não percebe, minha neta? Essa cura pode te ser muito útil... Pra muuuita coisa. 

Shampoo olha para a senhora, que deu meia volta e tornou a caminhar em direção ao seu quarto. A velha tinha um olhar muito sugestivo e distante, como quem mirabolasse alguma coisa. 

— É só pensar um jeito de fazer ele falar... 

As duas amazonas se separam, indo cada uma para os seus aposentos. 

Por trás da janela, do lado de fora da casa, dois olhinhos negros espiaram cada movimento daquela cena no corredor. Ranma, que ainda estava em sua forma de garota, seguiu os amazonas até em casa na esperança de que Shampoo ou Cologne conseguissem tirar a informação de Mousse, já que ele com certeza não lhe contaria, mas infelizmente nem elas conseguiram tal proeza. 

— Saco! - ele amaldiçoa, chutando terra de tanta raiva, sentindo que perdeu seu tempo vindo atrás deles. 

Ranma salta para o telhado e corre até o outro lado da casa, se apoia na telha e espia o quarto de Mousse pela janela, de cabeça para baixo. O amazona estava deitado em sua cama, sem óculos, e com uma cara de poucos amigos. E não era pra tanto, afinal as coisas definitivamente não saíram como planejado. 

O garoto de trança ruiva o fita cerrando as sobrancelhas, tentando canalizar a grande vontade que sentia de quebrar aquela janela e esganar Mousse até que ele revelasse seu segredo. Mas sabia muito bem que ele não o diria, nem sob tortura. 

— Desgraçado... - rosna para si mesmo, espremendo os olhos diante do rosto do amazona, imaginando como seria saciar a vontade de socá-lo – Eu vou dar um jeito de descobrir o seu segredinho... Pode apostar... 

Ranma se ajusta, erguendo seu torço para cima e se sentando no telhado com as pernas e braços cruzados, tentando mirabolar algum plano para arrancar aquela informação de Mousse. Mas nada lhe vinha à mente.  

Se ao menos Mousse fosse bobo que nem Ryoga, poderia muito bem usar um disfarce para seduzi-lo em sua forma feminina, e assim fazê-lo contar da cura. Mas Mousse era muito mais atento para essas coisas, e bem, ele só tinha olhos para Shampoo. 

Talvez pudesse unir forças com Shampoo?... Não. Arriscado demais. Shampoo era muito dissimulada, se unisse forças com ela, ela com certeza daria um jeito de tirar proveito da situação, quem sabe até fazer alguma chantagem. E a Akane morreria de ciúmes. 

“... Akane...” 

De repente, enquanto tentava colocar sua cabecinha para funcionar, lembrou da menina que deixou de lado para que viesse atrás dos amazonas. Quando estava nervoso ele não conseguiu entender porque ela ficou com raiva, mas agora, com mais calma, estava começando a repensar suas atitudes. 

Primeiro, ela o flagrou com Shampoo agarrada em seu colo sem o direito de explicação, depois ele começa a lutar com Mousse a deixando sozinha, e por fim, optou por acabar com o encontro ali mesmo, dando prioridade para a cura do amazona. 

— Ah Akane, dá um tempo! Isso aqui é muito mais importante que um encontro!!” 

— Nhm... - ele grunhe ao lembrar de quando disse aquilo para ela ainda que de forma inconsequente, sentindo uma pontada de vergonha e arrependimento – Aquilo não foi legal, né?... 

Ranma se deita sobre a telha com as mãos apoiando a cabeça, olha para as estrelas e pensa em Akane. A onda de remorso o fez esquecer completamente as motivações que o levaram até ali, a única coisa que pensava agora era na carinha triste que a menina fez quando ele a deixou. Isso sem contar toda a gentileza dela, que nunca antes esteve tão aflorada, e ele precisava reconhecer isso. Mesmo assim, ele a esnobou como se não fosse nada importante. 

Ainda que muito orgulhoso e egoísta, no fundo ele sabia. Pisou na bola. 

— Eu devia falar com ela... 

 

—--

 

Cinco horas da manhã, o sol mal havia nascido, e Akane já estava correndo pelos quarteirões com uma roupa de ginástica. Corria rápido e ofegante, alternando entre chutes e socos no ar para extravasar toda a frustração que sentia e quase lhe tirou o sono. Também aproveitava para procurar pelo seu porquinho que mais uma vez fugiu durante a noite, mas como de costume, nenhum sinal daquela bolotinha preta. 

Após uns quarenta minutos de treino, a menina dá uma última volta no quarteirão e volta para casa, exausta e suada, ela pega uma toalha úmida na cozinha e envolve pelo seu pescoço. Kasumi, que já estava muito bem dispersa e perambulando pela casa, entra pela porta dos fundos e sorri para a irmã mais nova. 

— Bom dia, Akane. 

— Bom dia. 

— Você tem uma visita lá no quintal. 

— Hein? - ela levanta uma sobrancelha, curiosa. Kasumi não se prolonga e vai até o corredor. Mas quem seria uma hora dessas? 

Akane sai pela porta dos fundos e vai até o quintal, onde quase congela ao encontrar seu noivo, em sua forma masculina e com uma cara péssima. 

— Ranma?! 

Ela fisga o olhar dele, exausto e cheio de olheiras, diga-se de passagem. A verdade é que o peso da culpa era tão grande que ele sequer conseguiu dormir, passou a noite apenas contando os minutos até o amanhecer para que pudesse acertar as contas com Akane. Sabia que poderia esperar até a hora da escola, mas estava ansioso demais para isso. 

Ranma diminui a distância entre eles e olha para ela todo sem jeito, desviando o olhar vez ou outra, enquanto ela sentia uma mistura de raiva com muita curiosidade. 

— Olha Akane... eu... - ele fica cabisbaixo, buscando as palavras certas, mas ali diante dela era muito mais difícil. Ficou em silêncio por quase um minuto, e ainda não sabia o que dizer – Eu.. 

— ...Você? - ela o apressa, começando a perder a paciência. 

— Eu... Você... Você entendeu errado! - começamos mal – Eu não queria ter acabado com o encontro ontem... Foi culpa do Mousse e da Shampoo! 

— Ah é? - ela cruza os braços e junta as sobrancelhas, olhando para o lado – Foi você quem quis ir atrás deles. 

— Eu sei! Mas... - ele se embanana ao ser jogado contra a parede, coça a cabeça e semicerra os olhos, rezando para que acabe não falando alguma besteira – Eu só queria entender porque o Mousse não vira mais pato... Aquele babaca tá armando alguma coisa! 

— Bom... Então você admite que foi uma escolha sua. 

— Ei, não é assim! - ele tenta se defender, alterando um pouco o tom de voz, fazendo-a se irritar ainda mais. 

— Então como é?! - ela também aumenta a voz, embora houvesse todo um plano para ser mais boazinha, depois de ontem a sua personagem estava por um triz. Dependendo do que Ranma dissesse, a bomba iria explodir – Vai, me diz! 

— Eu...! Eu...! - Ranma era orgulhoso demais para simplesmente assumir a culpa e se desculpar, ainda mais com a postura dela, parecendo até que voltou a ser a mesma chata bruta de sempre – Ah Akane, tenta me entender também! Isso é muito importante pra mim!! 

— Pois é, mais importante que eu, pelo visto! - dispara, decretando o início do que prometia ser uma bela briga, coisa que já estava em falta entre os dois tinha umas semanas. 

— ARGH!! Como você é insuportável!! - após se sentir completamente ameaçado, ele perde as estribeiras e deixa os velhos hábitos assumirem dali em diante – Ainda por cima é egoísta!! 

— Como é?! - ela berra, esquecendo-se completamente de seu plano e voltando ao posto de “velha Akane” - Tá me chamando de egoísta?! VOCÊ?!? 

O berro dela faz o garoto que ainda estava no telhado acordar num susto. Ryoga nem percebeu quando acabou dormindo ali mesmo, no telhado da casa dos Tendo, mas bem, não é como se aquilo fizesse muita diferença para ele, se não fosse ali, teria dormido em algum terreno baldio qualquer. Ele espreme os olhos e boceja, engatinha até a beira do telhado para espiar seja lá o que estava acontecendo lá embaixo. 

— É!! Egoísta!! Não consegue se colocar no meu lugar nem por um minuto!! - ele começa a berrar junto com ela, inclinando o corpo em sua direção - Sabe há quantos anos eu tô atrás dessa cura?! Daí ela aparece bem diante dos meus olhos e eu não posso querer ir atrás?!? 

— Você faz tudo ser só sobre você, Ranma!! - responde, cerrando o punho e também se inclinando na direção dele. 

— Não!! VOCÊ faz tudo ser só sobre você!! - Ranma grita ainda mais, dando a entender que aquilo só iria de mal a pior, causando um frio na espinha do rapaz logo acima deles – A coisa mais importante da minha vida aparece, mas você só pensa no seu encontrinho!! 

— Escuta aqui, seu-!! 

— OPAAA!! 

Uma terceira voz surge do nada, junto com o corpo parrudo que saltou do telhado e pousou bem no meio dos dois, fazendo-os saltarem para trás e arregalarem os olhos. Ryoga se ergue novamente e os olha com uma cara muito bizarra, olhos arregalados e um sorriso de ponta a ponta muito forçado. 

— Bom dia amigos!! Tudo bem com vocês?! 

— Ry-.. Ryoga?! - Akane balbucia, ainda muito chocada. 

— De... De onde você...?! - Ranma sequer completa a pergunta, incrédulo não só com a chegada triunfal do amigo, mas também com a expressão dele, parecia até estar possuído. 

— Ah, vocês me conhecem! - Ryoga toma os ombros dos noivos nos braços, Akane em um, e Ranma no outro, os puxando para mais perto de si, quase num abraço - Eu estava perdido por aí e pensei: “Hum! Por que não dar uma passada na casa dos Tendo?!” E vejam só! Acabei parando aqui sem querer! HÁ HÁ HÁ! - ele dá uma risada tão forçada que quase grita - Não é engraçado?! HÁ HÁ HÁ! 

Ranma e Akane se olham, extremamente desconfortáveis, quase assustados com toda aquela bizarrice. Akane finge rir junto com ele por educação, já Ranma levanta uma sobrancelha, bastante desconfiado. 

— Ryoga... Você tá bem, amigo? - Ryoga para de rir e olha diretamente para Ranma, que sente um calafrio diante daqueles olhos arregalados que pareciam penetrar sua alma – Parece até que bebeu... Ou pior... 

O mais alto aproxima seu rosto do dele, com a pálpebra tremendo e um sorriso macabro que esbanjava não só seus caninos afiados como também suas gengivas, parecendo até que ele sentia dor de tão forçado, deixando Ranma amedrontado. 

Eu tô ótimo, Ranma! Não tá vendo?— ele diz, rangendo os dentes.  

Sua pálpebra treme mais rápido, seu sorriso alarga ainda mais, e Ranma sente como se uma aura negra rondasse em torno de Ryoga. O mais baixo começa a suar frio e decide não mais questioná-lo. 

A verdade é que Ryoga era um péssimo mentiroso. Se sentiu na obrigação de apartar a briga, sabendo que esta poderia trazer sérias consequências para o plano de Akane, e como seu mais novo fiel escudeiro, precisou agir rápido. Estava tentando amenizar a situação, sendo a figura amigável que aparece para quebrar o gelo, mas estava mais parecendo um maníaco extremamente suspeito. A vontade que estava sentindo de esganar Ranma vendo a forma como ele tratava a menina também não estava o ajudando muito a bancar esse teatro. 

Sem pensar em nenhum roteiro, Ryoga começou a tagarelar tudo o que lhe vinha à cabeça: 

Entãaaao, eu estive pensando! - com as mãos ainda nos ombros deles, Ryoga os aperta um pouco mais, trazendo-os mais pra perto – Eu andei muito sumido, não é?! Acho que está na hora de mudar isso, né não?!? Está decidido!! Vou ficar mais perto dos meus amigos!! 

— Ah há há... Isso é ótimo, Ryoga... - Akane ri, completamente sem jeito.

— E vocês são meus melhooooores amigos!! - Ryoga os aperta ainda mais. 

— Você só pode tar bêbado... - Ranma indaga, semicerrando os olhos. 

— JÁ SEI!!! - ele nem percebeu que gritou, quase estourando o tímpano dos amigos – Por que não saímos juntos?!? Mas é claro!! Eu, e vocês dois... AH!! - Ryoga finalmente os solta e leva as mãos às bochechas, estava literalmente falando a primeira coisa que lhe vinha à cabeça, sem raciocinar por um único segundo – E eu posso levar a Akari!! É isso!! Perfeito!! Vocês dois! E..! Eu e ela...! Num... encontro... duplo... 

Ryoga freia a sua língua no momento em que percebe a grande furada em que se meteu, sem desmanchar aquela cara de psicopata, ele começa a suar frio desesperadamente, sua vontade era de enfiar sua cara na terra, e a sensação era de que estava à beira de um desmaio. Ele, Akari, Ranma e Akane num encontro duplo era, sem sombra de dúvidas, o PIOR pesadelo possível. Ele não iria aguentar. Seria uma tortura. Por que diabos ele propôs aquilo?? 

“Eu quero morreeeeer...”, ele pensa em meio ao seu desespero. 

Ranma e Akane trocam olhares que liam desconforto e muita confusão. Nunca, em nenhuma circunstância, imaginaram Ryoga agindo daquele jeito, propondo uma coisa dessas. Akane por saber que ele era muito tímido e socialmente esquisito, e Ranma por saber que Ryoga sempre foi o primeiro a se posicionar contra sua relação com Akane, ainda que Ryoga estivesse namorando agora, ainda era um cenário beeeem esquisito. 

Akane puxa uma mexa de seu cabelo para atrás da orelha, e sem jeito, não soube como recusar o convite do amigo. 

— Ah... Tudo bem, pode ser – ela responde, meio tímida, fazendo Ryoga se derreter em desespero por dentro – O que acha, Ranma? 

Ela passa a bola para o noivo, que não estava sabendo bem como reagir a tudo aquilo. Ele também não esqueceu que ele e Akane estavam brigando há alguns minutos atrás, mas talvez eles precisassem dessa brecha pra evitar o conflito. 

— Err... Tá bem, se vocês querem... - Ranma responde, dando o golpe de misericórdia no amigo que agora só queria se jogar de um precipício. 

Eeeeeeeba...— Ryoga comemora com uma voz de enterro, chorando por dentro, mas ainda sorrindo. 

No fundo, o menino porco estava torcendo para que eles recusassem, evitaria um sofrimento ainda maior. Mas agora não tinha mais pra onde correr. Teria um encontro duplo com sua namorada, a garota que ele não consegue esquecer, e o seu rival/melhor amigo. Só de imaginar Akane e Akari no mesmo ambiente, tinha vontade de estourar a própria cabeça. Nunca houve maior autossabotagem na história. 

Ranma, que já não aguentava mais nenhum segundo de desconforto, aproveita a brecha para sair pela culatra. 

— Bom, eu... Eu preciso fazer umas coisas lá em casa – anuncia, dando alguns passos pra trás - Decidam aí os detalhes... Té mais! 

E foge, deixando que Akane lide com aquele Ryoga completamente esquisito e fora de si. Akane observa Ranma partir, caindo em si de que eles não só ainda estavam em maus termos, como quase colocou seu plano por um triz. Uma onda de culpa percorre a sua cabeça e ela suspira, decepcionada. 

Caminha até a arquibancada de bambu e se senta, apoiando os braços no joelho e as bochechas nas mãos, tinha um olhar distante e preocupado. Ainda bem que Ryoga apareceu para interromper a briga, ainda que desse jeito estranho. Soou quase como uma bênção, ou um anjo caído do céu bem na hora certa. 

Mal sabia ela que foi tudo premeditado, justamente na intenção de ajudá-la. Ryoga consegue sair de seu transe de desespero e olha para Akane, voltando a agir como um ser humano normal quando percebe que ela está triste. Ele se agacha de frente para ela, de cócoras, e a examina com ternura. 

— Tá tudo bem, Akane? - pergunta, lhe oferendo acalento. 

Akane encontra conforto no olhar de Ryoga, desde ontem ela sentiu vontade de se abrir com ele, mas não teve a disposição. Hoje ele parecia diferente. Ela não conseguia explicar, mas era como se o olhar dele a penetrasse. Como se de alguma forma ele a entendesse, e tivesse dimensão das coisas. E bem, ele tinha. 

Sem pensar muito, ela resolveu aceitar o ombro amigo e se abrir, pelo menos um pouco. Suspira e começa: 

— É que... É muito difícil lidar com o Ranma... - Ryoga sente um aperto no peito quando ela diz aquilo – Eu só queria me dar melhor com ele... Mas antes mesmo de você chegar a gente tava brigando... Você viu? 

— N-Não... - ele mente, sem querer parecer que estava espionando. 

— Que bom... - ela suspira mais uma vez, apoia as mãos na arquibancada e inclina o corpo para trás - É que ele é tão... Tão egoísta... - continua, triste porém irritada. 

— Eu sei – ele diz quase que imediatamente, também demonstrando uma pontada de raiva. 

— Mas não importa. Eu... preciso me dar bem com ele... É complicado... - ela se refere ao seu plano, sem pretender tocar nesse assunto – Mas sei lá... Às vezes só parece que a gente não combina mesmo... Nem nunca vai... 

Akane semicerra os olhos e fica distante. Era surpreendente que ela se abrisse dessa forma com alguém, ela sempre foi o tipo de pessoa que guardava as dores pra si e assumia a postura de durona que consegue resolver seus conflitos internos sozinha. Mas alguma coisa no olhar de Ryoga a fez se sentir confortável o suficiente para desabafar, mesmo que um pouco. 

Já Ryoga travava mais uma batalha interna diante dela. Seus instintos eram totalmente contrários ao que ele realmente precisava fazer naquele momento, ele já tinha um discurso pronto de como Ranma não a merecia e deveria pagar pela forma como ele a tratava, mas na noite anterior ele jurou aos céus que faria o que fosse preciso para unir aquele casal, já que isto seria a solução dos problemas de Akane. Por mais difícil e doloroso que fosse, ele precisava ir contra tudo o que acreditava. 

Pelo bem da Akane. (E do seu namoro). 

— Não diga isso, Akane... - ele começa, quase rangendo os dentes, como se sentisse dor física ao pensar no que estava prestes a dizer - Você e o Ranma... São... - ele junta toda a força que tinha e faz um sorriso fingido – Um ótimo casal... 

Ele pôde jurar que sentiu vontade de vomitar ao dizer aquilo, a coisa mais absurda do mundo. Mas para Akane, aquilo foi uma surpresa agradável e reconfortante, até lhe arrancando um olhar esperançoso. 

— Você acha? - ela pergunta, olhando bem nos olhos dele. 

Claaaro...— mente, com muito esforço e desconforto – Bom... O Ranma é um cara difícil... E egoísta... E arrogante... Irritante... Insuportável... - ele junta as sobrancelhas, mas quando percebe que estava saindo do personagem, respira fundo e volta a si – Mas ele... é um cara legal... Acho que você aprende a lidar com ele. 

Ainda que meio fingido, Ryoga tinha um sorriso muito doce e acolhedor. Para ele, proferir todas aquelas palavras que aumentavam a moral de Ranma era quase um método de tortura, ainda mais se estava dizendo isso justamente para Akane, praticamente a estimulando a não desistir dele. Era o fim dos tempos. 

Mas suas palavras de fato confortaram a menina, que até sorriu, pintando o rosto dele de vermelho. 

— Espero que sim... - ela o olha com ternura, fazendo aquele pobre coração palpitar – Obrigada Ryoga... Você é um bom amigo. 

— Ah.. Há há... - ele coça a cabeça, tímido e corado. Um elogio de Akane era quase um mantra divino. 

Ainda que Akane fosse muito reservada e cabeça-dura... Depois desse momento, ela se convence de que talvez Ryoga seja alguém com quem possa contar. Um ombro amigo. Um confidente. E o melhor, era uma pessoa de verdade com consciência e opiniões, e não um bichinho que vai apenas assentir a tudo que ela diz.  

Que ironia. 

Depois de alguns segundos em silêncio, ela pergunta: 

— Bom... Quando podemos sair nós quatro? 

— Ah! Err... - droga, por um momento ele havia esquecido que cavou a própria cova no pior plano do mundo. Lembrou-se então que Akari queria lhe ver no fim de semana – Que tal no sábado? 

— Combinado! 

 

—--

 

Ranma estava há alguns minutos de sua casa andando por cima dos muros ao lado do canal, não tirava da cabeça aquela cara bizarra de Ryoga, junto com aquele sorriso estridente e os olhos de assassino. Pareceu até um filme de terror. Fazia nem quinze minutos que bateu em retirada da casa de Akane, quando de repente ele ouve um: 

— RANMAAAA!! 

O garoto de trança olha para trás de imediato e vê o dito cujo se aproximar mais uma vez numa velocidade sobre-humana. Ryoga por algum milagre conseguiu encontrar Ranma muito rápido, saiu atrás dele no momento em que foi embora da casa dos Tendo. Ranma, que já estava muito assustado com a simples existência de Ryoga, se arrepiou por inteiro e tentou desviar do brutamontes que vinha em sua direção, mas é agarrado pela gola da camisa, a proximidade de seus rostos fica mínima e ele tem mais um vislumbre do olhar macabro do amigo. 

— Quê é que é, Ryoga?! Meu Deus!! - indaga, uma gota de suor escorre em seu rosto. 

— Olha aqui, seu cretino – ele rosnava com o nariz torcido e os olhos semicerrados - Você trate de ser mais legal com a Akane, tá me ouvindo?!? 

— Hein?!? Do que você tá falando?!? 

— Você SABE do que eu tô falando!! - ele aproxima o rosto de Ranma de tal forma que a ponta de seus narizes encosta, e era surpreendente como nem ele e nem Ranma se desequilibraram de cima do muro – Por Deus Ranma, já se faz DOIS ANOS!! Não vê que ela tá tentando ser mais legal com você?!? 

Ranma sente um estalo percorrendo sua mente, embora tudo aquilo fosse muito estranho, a alfinetada de Ryoga foi tremendamente certeira. A ponto que pareceu até suspeito. 

— Do.. Do que você sabe?? - Ranma pergunta, semicerrando os olhos e juntando as sobrancelhas. 

— Eu tenho olhos, Ranma – Ryoga solta a gola da camisa dele e eles enfim se afastam - Não sei se aquele tanto de mulher correndo atrás de você te fez subir à cabeça... Mas seja homem e preste atenção nos sinais!! Tá óbvio que a Akane quer dar o próximo passo!! 

— Ryoga... Fala sério, o que deu em você?!? - resmunga, totalmente incrédulo com as coisas que o rival dizia - Já não basta agora a pouco que você... Enfim!! Agora tá me dando conselhos com a Akane?!? Que doidice é essa?!? Isso não é você!! - de fato, aquilo fazia total sentido, e Ryoga começa a ficar nervoso com a possibilidade de pôr os pés pelas mãos - Tá parecendo até que... sei lá... 

— Que o quê? 

Ranma faz uma pausa, tentando ler a expressão de Ryoga na tentativa de entendê-lo, mas tava difícil. O rosto do maior parecia misturar raiva, tristeza, confusão, desespero e fúria, tudo de uma vez só.  

— ... Que tá tentando me ajudar com ela. 

Aquilo doeu mais que um soco, era a mais pura verdade, mas ainda estava difícil de suportar. Muito difícil acreditar que ele realmente estava se submetendo a esse papel. Ryoga respira fundo, e com muita dificuldade e as pálpebras trêmulas, responde: 

— Ranma, eu... - ele dá um sorriso, um muito forçado, mas Ranma estava tão chocado que nem percebeu - Não posso querer ver meus amigos felizes? 

Ryoga sente o corpo se arrepiar e os olhos de Ranma brilham. Em qualquer outra circunstância ele concluiria que Ryoga estava tramando alguma coisa, afinal ele sempre se demonstrou contra aquele noivado, mas agora era completamente diferente. Digo, Ryoga tinha uma namorada, ele já não era mais obcecado em derrotar Ranma, e que outras intenções ele poderia ter? 

O garoto de trança fica todo sem jeito, quase emocionado. 

— Caramba... essa é nova – ele dá um sorriso brincalhão - Tem certeza que não bebeu? 

— Para com isso, Ranma... 

— Ou o fim do mundo chegou mais cedo? Ainda faltam dez anos pros anos 2000 – Ranma ri, zombando do amigo que estava no limbo entre o amigável e o esquisito - Tá bom Ryoga, vou seguir seu conselho. 

— Vai mesmo?!? - pergunta, com urgência. 

— Vou. Mas com uma condição - responde, levantando o dedo indicador. 

— Diga! 

NUNCA MAIS faça aquela cara que você fez hoje cedo! Eu vou ter pesadelo com aquilo! 

— Cara? Que cara? - pergunta na maior inocência, afinal ele não percebe o quão mau ator é. 

— Essa aqui — Ranma imita a cara dele, franzindo o cenho, arregalando os olhos, torcendo o nariz e dando um sorriso psicótico. 

— Ah, para! Não foi assim! 

— Sua cara é feia naturalmente, mas hoje você se superou – brinca, mostrando a língua pra ele. 

— Aqui pra você! - ele mostra o dedo do meio, e Ranma ri. 

Pois é, Akane sendo boazinha, Ryoga sendo um suporte da sua relação... Tava tudo de cabeça pra baixo! Mas ele bem que podia se acostumar com isso. 

 

—--

 

Na escola, Ranma e Akane não trocaram uma única palavra. Ranma praticamente dormiu em todas as aulas, e Akane passou o dia reflexiva sobre o que aconteceu mais cedo, especificamente o que conversou com Ryoga depois que Ranma saiu. 

“- Acho que você aprende a lidar com ele.”. 

Essa frase ecoou na sua cabeça em looping. Será mesmo que ela aprenderia a lidar com o jeito de Ranma? Mesmo tendo o pavio mais curto que o dele? Refletia isso enquanto o observava dormir, alternando entre a vontade que sentia em socá-lo ou acariciá-lo. 

O sino da escola tocou e todos os alunos foram se dispersando, exceto Ranma. Primeiro ela pensou em deixá-lo ali, mas respirou fundo e venceu o orgulho mais uma vez. Ele não merecia que ela cedesse, mas precisava priorizar suas motivações. 

Akane aperta o nariz dele, fazendo-o acordar num susto. Ele olha para um lado, para o outro, e pergunta, meio atordoado: 

— Já acabou a aula?!? 

— Sim, seu bobo – ela faz uma cara emburrada, embora, agradável. Caminha até a porta da sala e o chama – Vem, vamos pra casa. 

Ranma espreme os olhos e a obedece. À medida que caminhavam juntos, passando pelos corredores, escadas, armários, até chegar do lado de fora da escola, ele voltou a ficar desperto e percebeu que, apesar da briga mais cedo, Akane voltou a falar com ele. Não só isso, como parecia inofensiva. 

Caminhavam lado a lado pelos quarteirões no fim de tarde, e aquele momento tinha tudo para ter um clima bom. Ranma olha para Akane, que andava alguns centímetros à sua frente, hipnotizado por aquelas madeixas negras meio azuladas que balançavam na brisa. Queria falar alguma coisa, mas cada sílaba era bloqueada pelo seu orgulho de rinoceronte. 

“- Seja homem e preste atenção nos sinais!! Tá óbvio que a Akane quer dar o próximo passo!!” 

Foi quando lembrou do que Ryoga lhe disse, e aquilo o deixou um tanto inspirado. Respirou fundo, travando uma batalha interna muito sofrida, e diz: 

— Desculpa... 

Akane para de andar na hora, olha para trás com uma cara espantada e encontra um Ranma cabisbaixo com as bochechas vermelhas. 

— O que disse? - ela pergunta, estupefata. 

Para Ranma já era difícil dizer a primeira vez, imagine a segunda. Mas não poderia arregar agora, ainda mais com uma Akane adorável bem à sua frente, com os olhos marejados de emoção e as bochechas rosadas. 

— Eu... fui babaca – ele coça a cabeça e espreme mais os olhos, morto de vergonha, mas orgulhoso de si por ter chegado tão longe – Foi mal... 

Akane agora estava no céu. Nunca antes viu Ranma assumir o erro, ainda mais dessa forma, tão vulnerável. A garota enfim se lembra que apesar do último encontro ter sido um fracasso, eles já não eram mais os mesmos desde que ela tomou o primeiro passo. Não é como se precisassem voltar à estaca zero. Ela não consegue evitar um sorriso, quebra a distância entre eles e Ranma fica ainda mais nervoso. 

— Tudo bem... Já passou. 

A forma como ela disse aquilo com uma voz tão tenra o deu coragem de olhá-la nos olhos de novo. Os noivos trocam olhares e sorrisos carinhosos, devidamente reposicionados no lugar onde pararam antes. Ranma estava incrédulo com o fato de que abaixar a guarda poderia deixá-lo tão feliz, no fim das contas. 

Eles voltam a caminhar lado a lado em silêncio. Um silêncio confortável e acolhedor. Por dentro, estavam nas nuvens. 

— Então... O que você e o Ryoga combinaram? - Ranma foi quem quebrou o transe primeiro, curioso. 

— Sábado de tarde, no jardim botânico. 

— Que breguice... 

— Seu chato. 

Eles riem, voltam para casa juntos trocando boas conversas e mais algumas risadas. Um grande peso foi tirado de suas costas, e isso não seria possível sem as palavras inspiradoras do menino porco desengonçado. 

Até que Ryoga era um bom cupido. 

 

—--

 

Um pouco distante dali, Nabiki chega em casa após seu primeiro dia na universidade, foi mais um evento do boas-vindas para os calouros do que uma aula de fato, e assim como ela temeu, sua classe era sim cheia de mauricinhos. Era de se esperar, afinal ela escolheu um curso considerado de elite, sendo ela uma exceção numa turma onde os alunos vinham de escolas particulares. A primeira coisa que ela sentiu falta foi do velho costume de virar-se para trás e encontrar Kuno na carteira. Ao contrário do que todos pensavam, não era só do dinheiro dele que ela sentia saudades. 

A Tendo do meio tira seus sapatos e coloca sua bolsa no cabide, olha para um lado, para o outro e estranha não ser recebida por Kasumi. Caminha pelos corredores sorrateiramente e vai até a porta da sala de jantar sem ser percebida, vê sua irmã mais velha apoiando os cotovelos na mesa e as mãos no rosto, se debulhando em lágrimas. 

Kasumi aproveitava esses momentos em que Akane e Nabiki não estavam em casa para colocar suas emoções para fora, desde a chegada daquela maldita carta do Conselho ela precisou fingir serenidade e agir como se nada estivesse acontecendo perto de suas irmãs, já que seu pai implorou para que ela guardasse segredo. Mas por dentro, o seu emocional estava tremendamente abalado. 

Era uma situação desesperadora que lhe causava um sentimento de desamparo e impotência, só de imaginar que sua família poderia estar a um passo de perder tudo o que tinha, a ânsia de choro vinha com tudo. Por isso, para que pudesse manter as aparências, ela precisava se distrair e evitar pensar nisso ao máximo. Mas todo aquele choro acumulado tinha que ir pra algum lugar, e lá estava ela, abrindo a torneira sem perceber que foi flagrada pela irmã do meio. 

Nabiki sente um aperto no seu peito ao ver Kasumi naquele estado, respira fundo e solta o ar pela boca, decidida de que chegara a hora de abrir o jogo com a irmã mais velha. Algo que Soun e Kasumi haviam esquecido era de que Nabiki de boba não tinha nada. 

A irmã do meio se aproxima, e quando a mais velha percebe, enxuga as lágrimas com pressa e finge um sorriso. 

— Bem vinda, Nabiki – sua voz ainda estava meio embargada, ela tenta se recompor o mais rápido possível - Como foi o primeiro dia? 

— Foi normal – Nabiki se senta ao lado de Kasumi – Nem teve aula direito, foi mais uma recepção pros calouros. 

— Entendi. Quer comer alguma coisa? - Kasumi dá indícios de que vai se levantar – Posso preparar alguma coisa pra você. 

— Não, valeu. Só queria uma coisa. 

— O quê? 

— Vai, me diz... Por que você tava chorando? 

Kasumi volta a se acomodar no chão, atônita, sem saber como reagir. Nabiki lhe lançava um olhar determinado e muito atento, não lhe dando muita escolha a não ser responder. 

— Ah, eu... - ela desvia o olhar, tentando contornar aquela situação sem que precisasse necessariamente mentir, já que isso iria contra o que ela acreditava ser correto - Não era nada... Eu só... 

— Kasumi... - impaciente, a irmã do meio não consegue mais se conter. Segura a mão de Kasumi, que fica confusa, e a penetra com o olhar - Vocês não conseguem esconder nada de mim... Sabia? 

A irmã mais velha junta as sobrancelhas. 

— O que você...? 

— Eu sei de tudo, Kasumi  – dispara, fazendo a mais velha arregalar os olhos de imediato – Sei o que tá acontecendo nessa casa. 

— Mas... 

— Eu sei da carta. 

— Hein?! Mas como?? - Kasumi quase engasga – O papai te contou?? 

— Não - o olhar de Nabiki, embora recomposto, era visivelmente frustrado - Vocês é que são muito óbvios... Tava na cara que tinha algo errado e resolvi investigar – ela pega um copo vazio que estava em cima da mesa e começa a passar os dedos no topo dele, fazendo um círculo - E cá pra nós, o papai é péssimo pra esconder as coisas. Tava logo embaixo do travesseiro. 

— Nabiki... - Kasumi faz um tom e olhar de reprovação - Você não devia... 

— Vocês é que não deviam ficar de segredinho – rebate – Ainda mais com uma coisa dessas... 

Kasumi solta um suspiro. No fundo, estava um tanto aliviada por Nabiki ter descoberto, pelo menos agora não precisava guardar tudo o que estava sentindo só para si. Afinal, ela evitava falar sobre isso com seu pai, pois ele sempre acabava chorando. Sabia que Nabiki era casca grossa o suficiente para suportar a verdade, diferente de Akane, que era mais sensível. 

— É muita grana... - Nabiki suspira, decepcionada – Nem se eu arrancasse todo o dinheiro do Kuno dava pra abater. 

— Eu sei... - Kasumi ameaça chorar novamente – Eu nem sei mais o que pensar... Não dá pra fazer nada... 

— Na verdade dá, né? - Kasumi levanta as sobrancelhas quando ouve aquilo – Se uma de nós casar com o Ranma... Tá resolvido. 

— Como sabe disso? 

— Eu dei uma pesquisada – Nabiki cruza os braços - Você nem imagina quantos livros sobre esse tal Conselho tem na biblioteca. 

Nos últimos dias que se passaram antes das aulas começarem, Nabiki aproveitou o tempo livre para estudar o seu inimigo, no caso o Conselho das Artes Marciais que ameaçava açoitar sua família. Tentando pensar em alguma maneira de tirar os Tendo dessa enrascada, ela fez várias visitas à biblioteca de Nerima e leu dezenas de livros, que ela pessoalmente achou um saco, sobre a história do Conselho e as regras que os regem, buscando uma solução nas letras miúdas. Mas tal qual Soun alertou, só haviam três opções, sendo uma delas a única palpável para eles. 

Kasumi então se lembra de um detalhe muito importante que essa descoberta de Nabiki, que era uma baita fofoqueira, poderia acarretar. 

— Você não contou pra Akane, contou?? - pergunta, preocupada, afinal Akane seria uma peça chave nessa história, e consequentemente quem mais sofreria as consequências da triste realidade. 

— Claro que não. 

— Ah, que bom... 

— Mas eu acho que ela também sabe. 

— Quê?! - Kasumi se inclina na direção de Nabiki com os olhos arregalados – Por que acha isso? 

— Ah Kasumi... Vocês subestimam demais a Akane, ela não é boba – Nabiki volta a brincar com o copo em seus dedos - Não acha estranho que logo depois dessa carta aparecer, ela de repente grudou no Ranma? 

Kasumi tinha andado tão desorientada da cabeça que nem pensou nessa possibilidade, mas aquilo fazia sim algum sentido. De fato, nunca viu Akane tão próxima dele, ou pelo menos de maneira tão pacífica. Seja saindo juntos no fim de semana, ou ele a deixando em casa depois da escola, as coisas definitivamente estavam atípicas entre os dois. 

A irmã mais velha sente o peito apertar, imaginando que se a teoria de Nabiki estivesse correta, Akane estaria se forçando a algo tão sério como selar um casamento com alguém que vive se desentendendo em prol de sua família. Se este fosse o caso, era incapaz de mensurar o sofrimento que a menina estaria sentindo. 

— Você acha... - Kasumi tinha um olhar preocupado e cheio de pena – acha que ela está fazendo isso pra...? 

— Certeza eu não tenho de nada. Mas é um bom palpite – Nabiki leva o copo vazio â ponta de seus lábios, mordendo-o - Você sabe como ela é... Se ela descobrisse... 

— Sim... - a mais velha suspira, triste e meio desorientada – Ela com certez- 

— Cheguei! - elas ouvem uma voz vinda da entrada da casa, era Akane. 

As duas irmãs se olham, olhares que diziam que aquela conversa se encerraria por ali. Ainda que teorizassem que a irmã mais nova tinha consciência de tudo, e pior, que queria tomar as dores por todos, não poderiam arriscar falar disso perto dela. 

Kasumi se levanta e vai até a porta, seguindo em direção à entrada para receber sua irmãzinha. 

— Bem vinda, Akane – Nabiki ouve a voz da mais velha se afastar no corredor. 

Ela continuou ali sentada na sala de jantar com uma expressão distante e melancólica. Ainda que Nabiki fosse lida como alguém sem sentimentos, era impossível não se sensibilizar com a situação de sua família. De seu pai. De Kasumi. Mas pessoalmente estava mais mexida com Akane. Nabiki conhecia a irmã como a palma de sua mão, e sabia que ela seria capaz de tudo para protegê-los. Mas como fazer isso sem esquecer de si mesma? 

Pela primeira vez, Nabiki não tinha nenhum plano diabólico para sair de uma enrascada. Acima de tudo, da grande peça que seu coração pregou nela mesma perante aquele noivado. 

 

—--

 

E então, chegou a tarde de sábado. Aguardada por uns, temida por outros. Especificamente o garoto de bandana que estava suando frio no banquinho da praça do jardim botânico. Suas mãos estavam grudentas, suas pernas balançavam, e sua respiração estava pesada, não tinha a menor ideia de como conceberia toda aquela situação que arrumou por acidente, e quanto mais pensava nos detalhes, pior aquilo parecia. 

Ao seu lado estava a sua namorada, encantadora e muito bem arrumada com um vestido branco e sandálias cor-de-rosa, parecia bastante entusiasmada com tudo aquilo. 

— Que ótima ideia você teve, meu porquinho! - ela diz enquanto alisa o braço forte do rapaz – A gente nunca sai com outras pessoas, né? 

— Ah.. Há há... Você acha? - responde com uma voz meio desanimada. 

— Uhum! E eu adoro o Ranma e a Akane – Akari tinha um olhar distante, quase sonhador – Sabe, eu queria ser mais amiga dela. 

— C-Como é?! - Ryoga gagueja perante o absurdo que ouviu. 

— Claro! Eu acho a Akane tão legal.. Tão descolada! - Ryoga arregala os olhos, desacreditado com o quão azarado era, mas Akari nem percebeu o desconforto dele, continuou enchendo a bola de Akane com uma voz animadora – Ela é tão determinada e forte... E imagina, nessa idade já tá noiva! 

— Err... - Ryoga desvia o olhar, queria se atirar do oitavo andar de um prédio ao ouvir sua namorada elogiando a garota que secretamente era uma ameaça ao seu relacionamento - Não é como se isso tivesse sido escolha dela... 

— Ah, não importa! É tão legal! - ela insiste, para o desespero do namorado que pensava que não tinha como aquilo piorar – E ela é tão bonita... Você não acha? 

Pronto, era só o que faltava. Ryoga sente que poderia desmaiar, uma pergunta feita com tanta inocência era comparável a um revólver apontado bem na sua testa, e sinceramente, ele não se importaria se apertasse o gatilho agora. 

— Eu... Err... 

— Ah, eles chegaram! - Akari se levanta com certo entusiasmo e começa a acenar para as duas figuras que se aproximavam ao longe. 

Ryoga permanece sentado, mas examina o casal com o coração a mil. Akane estava, como sempre, maravilhosa, usava uma blusa azul e uma saia cor-de-rosa que a deixaram muito delicada. Se bem que mesmo se ela usasse um trapo de pano velho, Ryoga ainda a acharia maravilhosa. Ranma não estava muito fora do comum, embora já morasse no Japão há dois anos, seu guarda roupa ainda era constituído de peças da China. 

Os noivos estavam meio sem jeito perante aquela situação tão inusitada, nunca tiveram um encontro duplo, tampouco tinham intimidade com Akari. Mas apesar do desconforto, cumpriram o combinado e foram de encontro ao amigo que estava dez vezes mais desconfortável que eles. 

— Desculpa a demora – Akane pede. 

— Pois é, alguém demorou muito pra se arrumar – Ranma a cutuca, zombando dela com um sorriso travesso. 

Tanto Akane quanto Ryoga disparam um olhar emburrado para o garoto de trança. 

— Tudo bem, não demoraram! - Akari dá um sorriso muito simpático, ela segura as duas mãos de Akane e a admira – Akane, você está linda! 

— Ah há há.. Brigada! - Akane fica sem jeito, seu rosto fica vermelho. Não estava acostumada a ser elogiada, ainda mais por uma menina tão bonita e delicada como Akari, que seria o tipo de garota a deixar Akane insegura - Você também tá muito linda! 

As duas garotas se sentiam confortáveis uma com a outra, Akari mais extrovertida, e Akane mais tímida. Ryoga tenta desviar o olhar da cena para que não tenha um piripaque. 

— E aí, o que tem pra fazer aqui? - Ranma pergunta, cruzando os braços e olhando para um lado e para o outro, tentando entender o que aquele lugar tinha de atrativo. 

— Ah, a gente pode passear, ver as flores, tomar um sorvete... – Akane responde. 

— Nhm... - Ranma torce o nariz, sem conseguir disfarçar que achou uma programação bem sem graça - Quem teve a ideia da gente vir pra cá? 

— Err... Eu – retraída, Akane o responde mais uma vez. 

— Só podia ser... - Ranma fez uma cara cínica - Uma breguice dessas... 

Antes mesmo que Akane pudesse reagir, Ranma olha de relance para Ryoga, que enfim se levanta e fica atrás dela tal qual um guarda-costas, tinha uma aura negra que o preenchia, olhos demoníacos e os dentes cerrados como se rosnasse, muito intimidador e sinistro. Lia-se nos olhos dele “ande na linha ou acabo com a sua raça”, e algo dizia para Ranma no pé do ouvido que se ele voltasse a ser desnecessariamente grosso com Akane, as coisas se complicariam. 

O garoto de trança se arrepia por completo, ele nunca na vida teve medo de Ryoga, mas desde o episódio no começo da semana, ele passou a ter pesadelos com aquela cara feia. Puxa a gola da camisa e sorri, sem jeito. 

— M-Mas sorvete é legal... - ele tenta sair da enrascada que ele mesmo criou – Onde é que fica? 

— Ah... - Akane não entende a mudança repentina de Ranma, mas de todo modo, fica aliviada - É por ali. 

Akane aponta para uma direção onde mostrava um lago, uma ponte, arbustos lotados de flores, mas nada de sorvete, sinal de que teriam de andar um pouco até chegarem lá. 

— Ah, vamos! - Akari fica entusiasmada, agarra um braço de Ryoga no ímpeto e o acaricia – O Ryoga adora sorvete, não é meu porquinho lindo? 

Akari força uma vozinha fina, daquelas que se faz pra falar com um bebê, Ryoga instantaneamente fica vermelho e a ponto de explodir de vergonha. Ranma e Akane, por outro lado, se espantam, mas secretamente acham engraçado, Ranma não tão secretamente assim. 

— A-Ai Akari para com isso... - ele suplica quando ela começa a apertar suas bochechas e persistir na voz de bebê. 

— Você não ama sorvete de menta, fofuxo? - ela afina ainda mais a voz, fazendo biquinho e tudo, sem a menor vergonha. 

Se estivessem sozinhos, Ryoga acabaria entrando na brincadeira e respondendo-a com os mesmos gracejos sem o menor problema, mas na frente dos outros aquilo era vergonhoso. Sobretudo na frente de Akane, e especialmente na frente de Ranma, que já estava com as bochechas cheias de ar, contendo uma gargalhada escandalosa. 

Aquilo estava patético. Mas pateticamente adorável. Até mesmo Akane estava se segurando para não rir. Percebendo isso, Ryoga precisou agir tão rápido quanto um foguete. 

— V-Vamos lá! Vamos atrás do sorvete! - ele quase grita, todo vermelho e suando de nervosismo, seguindo na frente de todos eles. 

— Ryoga, é pro outro lado! - Akane o chama de volta, fazendo-o frear e ficar ainda mais envergonhado. 

Voltando a andar em grupo, as meninas ficam na frente e os rapazes atrás, seguiram em direção ao lago e agora estavam atravessando a ponte. Não era um parque de diversões, mas era um lugar agradável. 

Os pássaros cantavam, a brisa era gostosa, e o cheiro das flores impregnava o ambiente. Muito romântico e acolhedor. Caminhando lado a lado, Akari não parava de puxar assunto com Akane, doida para se aproximar mais dela. 

— E então Akane – ela junta as duas mãozinhas delicadas que tinha e sorri amigavelmente para a mais baixa - você tá em que ano na escola? 

— Ah, tô no último. 

— Eu também! Nossa, mal começou e eu já tô morta! 

— Nem me fale... Você vai fazer vestibular? 

— Sim, sim! Eu quero ser veterinária! - Akari fica ainda mais empolgada quando tocam nesse assunto – Eu quero cuidar de bichos da fazenda. E um dia quero ter um sítio cheio de porquinhos! 

— Ah é, você adora porcos, né? - Akane pergunta, e aquilo provoca um arrepio na espinha do garoto de bandana que caminhava logo atrás delas. 

— Sim! - responde, com um brilho intenso nos olhos – Por enquanto eu só tenho o meu querido Katsunishiki, mas ele vale por dez! 

— Que legal! Não sei se você lembra, mas eu também tenho um por- 

ATCHIIIIM!!— Ryoga dá um espirro tão escandaloso que ecoa por todo o parque, fazendo todos olharem para ele com espanto. 

— Você tá bem, fofuxo? - Akari se aproxima de seu namorado e põe a mão em sua testa – Pegou um resfriado? 

— N-Não foi nada – Ryoga gagueja, porém contente por ter conseguido desviar a atenção de todos. 

— É fofuxo, tá tudo bem? - Ranma pergunta, forçando uma vozinha fina e uma cara de deboche – Justo quando a Akane ia falar do P-chan. 

Ryoga lança um olhar de ódio fulminante para o rival, que pouco se importa. 

— P-chan? - Akari pergunta, para o desespero de Ryoga. 

— E então, ainda tá muito longe do sorvete?!? - ele tenta desviar a atenção mais uma vez, berrando. 

Tanto Akari quanto Ranma tinham conhecimento sobre sua maldição, mas a namorada do menino porco não fazia ideia de que Akane não sabia. Tão pouco de que ele vivia uma vida dupla como P-chan. Tocar naquele assunto perto das duas era um terreno muito perigoso. 

— Ah não, já já a gente chega – Akane o responde, apontando para frente - É logo depois do mini labirinto. 

Depois daquilo, as meninas mudam de assunto e continuam a conversar futilidades, fazendo Ryoga suspirar aliviado, Ranma percebe e revira os olhos. Os quatro jovens atravessam a ponte e passam por um canteiro de rosas que chama a atenção de Akari. 

— Olha que lindas, Akane! 

As duas garotas se afastam um pouco deles para olharem e cheirarem as flores mais de perto. De longe, eles conseguiam escutar elas rindo e falando sobre flores. Ranma aproveita o breve momento de privacidade com Ryoga para zombar dele com um sorriso cínico: 

— Até que elas se dão bem, não é fofuxo? 

— Me chame assim mais uma vez e eu te mato – Ryoga lança um olhar matadouro para o garoto de trança, que dá de ombros. 

— Prefere “meu porquinho”? 

Ryoga o puxa pela gola da camisa em uma mão e ameaça lhe dar um soco com a outra. 

— P-chan, então? - Ranma conclui, sem o menor pingo de medo. 

— Ora, seu... 

— Ei, vocês dois! Parem de brigar! - Akane se aproxima dos rivais com uma cara emburrada, mas dessa vez, sozinha. 

— Ué... - Ryoga olha para um lado, para o outro, e não encontra sua namorada - Cadê a Akari? 

— Ela foi no banheiro – Akane aponta para Akari, que se afastava não tão distante dali em direção a uma casinha no meio do jardim. Ryoga, por sua vez, ainda não tinha soltado a gola de Ranma, e Akane cruza os braços - Vocês não cansam de brigar não? O que foi agora? 

— O fofuxo tá com vergonha porque a namorada dele faz vozinha de neném - Ranma força uma voz fininha para imitar Akari, fazendo Ryoga sentir o rosto quente e Akane segurar o riso com força. 

— Cala essa boca! - Ryoga dá um cascudo no menor, formando um galo bem no topo. 

— É Ranma, deixa o Ryoga em paz – Akane complementa, deixando escapulir um sorriso de canto – O Ryoga e a Akari são um casal romântico. 

— Chama aquilo de romântico? Eu chamo de mico – sem amor à própria vida, Ranma debocha de Ryoga aos risos mais uma vez, levando outro cascudo. 

— Não liga pra ele, Ryoga – Akane se aproxima do maior com um sorriso gentil, fazendo-o ir de irritado à tímido em questão de segundos – Dá pra ver que você é muito carinhoso. Se todos os homens fossem assim... 

O rosto de Ryoga, que já estava vermelho pela raiva, agora era um vermelho de euforia, quando Akane o elogiava assim ele se sentia nas nuvens. Já Ranma, compreendeu que aquilo se tratava de uma alfinetada, e ficou um tanto sentido. 

— Lá vem a sem graça defender a breguice alheia – dispara, cruzando os braços e emburrando a cara. 

— Como é? - Akane resmunga com o tom de voz alterado, tanto ela quanto Ryoga lançam olhares que fuzilavam Ranma. 

— Deus me livre ficar fazendo vozinha de bebê - Ranma continua, e dá indícios de que aquilo poderia ir de mal a pior – Tudo bem pra uma garota feminina como a Akari, mas você Akan- 

— O-O que o Ranma quer dizer, Akane – Ryoga o interrompe, coloca a mão no ombro dele e sorri para Akane, de novo aquele sorriso estridente e macabro que ele fez no começo da semana - É que ele tem vergonha de fazer isso em público! Há há há! - ele volta a olhar para Ranma, mas não estava sorrindo, tinha os olhos flamejantes e uma expressão mais ameaçadora que um demônio, atraindo aquela mesma aura negra ao seu redor que fez o garoto de trança sentir calafrios - Você é muito tímido, não é mesmo, Ranma?!? 

— E-Eu... - gagueja de medo, sentindo-se intimado a andar nos trilhos - É... O que ele disse... 

— Ah, é mesmo? - ela abaixa o tom de voz, voltando a ficar calma. Ryoga solta um ar pela boca, aliviado por aquilo ter funcionado - Você, Ranma? Tímido? Essa é boa. 

Akane apoia as mãos na cintura e ri cinicamente, embora tivesse achado adorável a ideia de que Ranma seria tímido com esse tipo de coisa. 

— Ah há há... - ele ri, sem jeito e ainda estupefato pela forma como Ryoga o olhou. Esse novo Ryoga era ainda mais esquisito que a nova Akane – Pois é... Que coisa... 

Mais uma briga contornada com sucesso pelo “porcupido”. Quem diria que ele realmente seria bom nisso? Essa era a proposta daquele encontro duplo, afinal: ajudá-los a se darem melhor, tendo um momento juntos sem brigas. Embora o maestro fosse um tanto inusitado, ele estava se saindo surpreendentemente bem. 

— Bom... De toda forma, eu queria te dizer uma coisa, Ryoga – Akane muda de assunto, trazendo a atenção do tímido garoto de bandana para si. 

— O.. O quê? 

— Obrigada por ter chamado a gente – ela diz, com um sorriso mais radiante que o sol, aquecendo o coração dos dois rapazes diante dela – A gente devia fazer mais coisas juntos. 

— Ah.. Há há... - ele coça a cabeça, ficando cabisbaixo e ainda mais tímido - Você acha? 

— É, bobão - Ranma o agarra pelo pescoço e o força a se inclinar para baixo, agarrava a cabeça dele com um braço enquanto a coçava com a outra mão - Eu sei que você é sumido, mas volta pra a gente de vez em quando. 

Vindo de Ranma, aquilo era bem carinhoso. Apesar das divergências, Ryoga não era como os outros rivais do garoto de trança, que o tratavam com certa distância, houve um envolvimento ali que transcendeu a rixa. Ainda que tivessem travado incontáveis batalhas, seja por Akane ou não, ali havia afeto. E quanto à Akane, nem precisariam de meias palavras para expressar o quanto ambos se queriam bem, sobretudo da parte dele, que secretamente era mais intenso. 

Tanto Ranma quanto Akane o estavam fazendo se sentir muito querido naquele momento. Quem diria que ele fizesse tanta falta assim? Sem Akari por perto, e desconsiderando todas as outras circunstâncias, ficar com os dois era estranhamente aconchegante. Eles já se conheciam há muito tempo, passaram por tanta coisa juntos, e quando não estavam tomados pelo caos, conseguiam agir como um trio bastante amigável. Como uma espécie de zona de conforto. 

Ranma solta o amigo quando vê Akari se aproximar, Ryoga enfim se lembra da situação em que estava e volta a ficar meio nervoso. 

— Demorei? - ela pergunta, sempre sorridente. 

— Não, não - Ryoga a responde. 

— Vamo logo, eu quero sorvete! - Ranma reclama e todos voltam a caminhar, dessa vez lado a lado, Ryoga e Akari no meio, Ranma ao lado de Ryoga e Akane ao lado de Akari – Ei, Akari. 

— SIm? - ela se vira para Ranma, curiosa. Mas Ryoga fica duplamente interessado. 

— Conta aí, como é namorar essa peça rara? - quem o conhecia, já sabia que aquilo tinha sido em tom provocativo, mas Akari inocentemente não se ligou. 

— Ah, é maravilhoso! - ela começa, Ryoga sabia que ela já tinha o discurso pronto que o deixaria bem encabulado, o que o fez querer matar Ranma naquele instante – O fofuxo é o melhor namorado do mundo! É carinhoso, gentil, prestativo, cuidadoso... - ela começa a listar mil e uma qualidades de Ryoga, e a cada adjetivo ele ficava mais vermelho, soltando fumaça pelos ouvidos – E está sempre lá por mim, não é meu porquinho? 

Ela o agarra pelo braço, Ryoga apenas fica rindo timidamente junto com Akane, e Ranma faz uma cara cínica. 

— Tem certeza? Tá sempre lá por você ou só quando consegue chegar sem se perder? Há há há!! - Ranma dá sua famosa risada de gralha perante a piada sem graça que fez, Ryoga lhe dá o terceiro cascudo do dia, dessa vez um bem forte – Ei, essa doeu! 

— Você não cansa de ser insuportável?! - Ryoga rosna para ele. 

— Calma lá, fofuxo. Tô só brincando. 

— Me chama de fofuxo mais uma vez pra você ver!! 

— Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo. Fofuxo – como o bom canalha que era, Ranma dispara o apelido de Ryoga como se fossem misseis ilimitados. 

— Desgraçado!! - Ryoga tenta dar um soco em Ranma, mas ele desvia e continua repetindo o nome “fofuxo” tal qual um mantra, começando até a cantarolar. 

— Ah não, brigando de novo... - Akane leva a mão à testa, desgastada. 

— Eles são sempre assim? - Akari pergunta para ela enquanto os rapazes estavam muito distraídos com sua briguinha. 

Akane olha para os dois, Ryoga tentava socá-lo enquanto Ranma cantava o nome “fofuxo” no ritmo de “Somebody to Love” do Queen. De fato, eles eram sempre assim, estavam brigando há dez minutos atrás, e estavam brigando agora de novo, raros eram os momentos em que Akane os presenciava sem que estivessem se estapeando. Parecia uma obsessão mútua. 

Chegando nessa conclusão, uma lamparina acende na cabeça dela e ela começa a rir cinicamente. 

— Sabe o que é, Akari – chama a atenção da garota enquanto os outros dois ainda estavam vidrados um no outro - É que no fundo eu acho que eles são apaixonados. 

Aquilo os fez frear imediatamente e olhar para Akane com espanto. 

— Como é?!? - eles balbuciam em coro. 

— Pois é, eles são tãaaao obcecados um pelo outro – ela pisca para Akari, continuando a brincadeira - Só pode ser amor verdadeiro. 

Akari ri, Ryoga fica tão corado que parece que a cara vai explodir, e Ranma cruza os braços com a cara emburrada, também um pouco vermelho. 

— Para de falar besteira, Akane! Até parece! - Ranma resmunga. 

— É, nada a ver... - Ryoga também fica um pouco emburrado, ainda que cabisbaixo e visivelmente mais tímido.  

— Ah, é brincadeira, vai – Akane ri, contente por ter conseguido parar a briga sem que precisasse meter um tabefe nos dois – Olha ali a sorveteria. 

Ela aponta para frente e eles encontram várias mesinhas perto de um trailer branco, onde seria a tal sorveteria. Os quatro jovens se aproximam de uma mesinha que ficava embaixo de uma sombra. 

— Quer que eu vá pegar pra a gente? - Ryoga oferece, olhando para Akari. 

— Tudo bem! Você sabe do que eu gosto, né? - ele assente, prestativo como sempre. 

Vendo a forma atenciosa como Ryoga tratava a namorada, Akane sente uma pontadinha de inveja. Olha para Ranma, que está um pouco distraído, e diz: 

— Você pode ir com ele, Ranma? - pergunta, tentando estimulá-lo a ser mais carinhoso. 

— Hein? - ele levanta uma sobrancelha. 

— Pra comprar o nosso sorvete. 

Ranma faz uma cara um tanto desgostosa, detestava fazer favores pros outros, mesmo que fosse Akane. 

— Por que eu, hein? - a forma ranzinza como ele disse aquilo escancarava sua má vontade, deixando Ryoga irritado, mas não tanto quanto Akane. Já seria humilhante para ela ser tratada dessa forma a sós, mas era muito pior na frente de um casal tão exemplar como Akari e Ryoga. 

Levada por suas emoções, a morena começa a perder a paciência, torce o nariz e range os dentes. Atento, Ryoga foi o primeiro a perceber, e tentou pensar rápido para agir. 

— Ranma, não custa nada ser um pouco mais prestativo, sabia? - ela dispara, já estava tão desgastada com as inconveniências de Ranma que a cada dia se tornava mais difícil bancar sua personagem. Ranma franze o cenho, pronto para respondê-la a altura, mas ela continua - É nessas horas que eu vejo como você é um- 

BOBINHO!! HÁ HÁ HÁ!!— Ryoga dá um grito que ecoa por todo o jardim, fazendo os que estavam ao seu redor arregalarem os olhos. Ele se levanta, vai até Ranma e lhe dá uns tapinhas moderadamente fortes no ombro – Ranma, Ranma, Ranma... Não tá vendo que as duas querem ter uma conversa a sós?!? Coisa de mulher!! HÁ HÁ HÁ!! - o mesmo sorriso estridente e os olhos sinistro que assombravam Ranma voltaram ao rosto de Ryoga, e pelo visto ele agiria assim toda vez que fosse interromper uma briga dos dois – Não é, Akane?!? 

Ele lança um olhar para Akane que a faz sentir calafrios, composto por olhos arregalados, um sorriso forçado, sobrancelhas arqueadas e um suor escorrendo a testa. Embora assustada, ela se alivia por Ryoga ter dado aquele surto. Já era a segunda vez que, quando ela estava prestes a sair da linha, Ryoga aparece e, ainda que de forma muito bizarra, contorna a situação.  

Talvez ele fosse mesmo seu anjo da guarda. Um bem desajeitado. 

— Err... Sim, é isso mesmo – ela mente, rindo sem jeito. 

— Nhm... - Ranma grunhe, sem entender mais nada. Podia jurar que Akane ia lhe dar uma dura, mas foi só o Ryoga dar esse show que ela voltou a ser fofa. E bem, ele não tinha culhão para contrariar aquela cara assustadora de Ryoga, então apenas aceitou seu destino - Então tá, né... E vai querer o quê? 

Ryoga suspira aliviado, voltando a uma expressão normal. Já era a quarta briga entre Ranma e Akane que ele apartava e isso era admirável, poderia concorrer ao prêmio Nobel da paz. 

— Hum... - ela leva o dedo ao queixo – Pode ser de baunilha. 

Ranma já tinha uma piada pronta de como aquele sabor era tão sem graça quanto ela, mas não iria arriscar ver aquela cara feia de Ryoga de novo, apenas assentiu e se foi com o garoto de bandana até a fila do trailer, deixando as duas garotas sentadas na mesa sozinhas. 

Akane os observa se afastarem para ter certeza de que não acabariam brigando mais uma vez, mas quando viu que tudo parecia pacífico, deu uma relaxada. Akari sorri para ela e diz: 

— E aí, quando sai o casamento? 

— Q-Quê?!? - Akane se espanta com uma pergunta tão direta. 

— Sim, vocês não estão noivos? - Akari apoia os cotovelos na mesa e as mãos nas bochechas, tinha um olhar encantador – Ai, eu acho tão legal vocês já estarem noivos nessa idade! Eu bem que queria que o Ryoga me pedisse em noivado, mas acho que ele não quer apressar as coisas. Sabe como é a modernidade, né? Mas eu bem que prefiro as coisas mais tradicionais – tagarela, como se fosse uma senhora de sessenta anos. 

— Ah há há... - ela ri, sem jeito – Mas foi uma escolha dos nossos pais, sabe? Nós nunca... Bem... 

— O quê? 

— Hum... Como eu posso explicar?... - Akane desvia o olhar e fica pensativa, de fato, tentar explicar a grande confusão que era a sua relação com Ranma parecia uma tarefa impossível, e a mais nova bagagem trazida pelo seu mais novo plano de estreitar os laços com ele tornava tudo ainda mais difícil - A gente nunca... Levou isso a sério, sabe? 

— Ohh... - apesar de surpresa com aquela revelação, Akari se manteve otimista – Mas agora... Agora é diferente, né? 

— Hein? 

— Dá pra ver. Eu sinto o clima – Akari agora tinha os punhos fechados apoiando o seu queixo - Vocês querem dar o próximo passo, né? 

— É... Mais ou menos... - Akane fica cabisbaixa e desconsertada. 

— Vai dar tudo certo! - Akari segura as mãos dela com a sua e a contamina com seu sorriso – E me chamem pro casamento, viu? 

As duas meninas riem. Era ótimo que estivessem se dando bem, ainda que pra Ryoga aquilo fosse um pesadelo. Apesar de piegas, Akari era uma boa menina. 

— Ah, vai que você e o Ryoga se casam também - no momento em que ela diz aquilo, Akari fica vermelha e eufórica só de imaginar - Vocês se dão muito bem, né? 

— Ai, muito! - Akari se vira de costas na cadeira para espiar Ryoga ao longe, lhe arrancando suspiros apaixonados – Ele é tão perfeito... - depois de alguns segundos delirando, ela se volta para Akane novamente – Sabe, eu nunca conheci nenhum garoto como ele... 

Akari tinha um olhar distante e apaixonado, sua mente com certeza estava no menino porco. Akane fica contente ao ver que aquela garota gostava tanto de Ryoga, pois apesar de ser o garoto mais gentil, sensível e atencioso que ela conhecia, ele também sempre aparentou ser muito solitário, e aquilo a preocupava um pouco. Como amiga, era um alívio que ele tivesse encontrado alguém que o amasse, ele merecia isso. 

— Sinceramente, eu também não - Akane o observa de longe, ele fazia uma cara emburrada para Ranma enquanto recebia duas casquinhas de sorvete, e quando pensa em todas as qualidades do amigo, e no quão especial ele era, ela sorri, depois se volta novamente para Akari - Você é uma garota de sorte. 

As duas garotas sorriem uma para a outra, e antes que aquela conversa pudesse se prolongar, os rapazes se aproximam com uma casquinha de sorvete em cada mão. 

— Pronto, chegamos – Ranma anuncia, entregando o sorvete branco para Akane – Tavam falando mal de mim? 

— Imagina – Akari ri, e Ryoga lhe entrega seu sorvete – Obrigada, meu porquinho. 

Akari aperta a bochecha do namorado com sua mão livre, e sem jeito, ele se senta ao lado dela. Ranma também se senta, mas ao lado de Akane. 

— Desculpa a demora, o Ranma levou um tempão pra escolher o dele – Ryoga pede, alfinetando o amigo. 

— Hunf! Se eu estivesse na forma de garota eu teria escolhido algo bem mais gostoso – responde, se referindo àqueles sorvetes super enfeitados que por alguma razão ele tinha vergonha de pedir como homem. 

— Ah Ranma, que besteira! - Akane o cutuca – Homem não pode gostar de banana split? 

— De jeito nenhum! - responde, orgulhoso como uma rocha - É coisa de mulher. 

— Vocês não acham isso uma besteira? - Akane pergunta, olhando para o casal. 

— Sim – eles respondem em coro. 

— Sério Ryoga, você?!? - Ranma se espanta por ele concordar, já que também era um homem. 

— Acho que você tá viajando – Ryoga faz uma cara estranhamente cínica - Além disso, você também é mulher. 

— Olha quem fala, porco – o menor resmunga. 

— O que disse?!? - Ryoga altera a voz e ameaça se levantar. 

— Ihh, lá vai o casal – Akane zomba deles mais uma vez. 

— Para com isso!! - os dois gritam pra ela em coro, arrancando risadas das garotas. 

Ela com certeza usaria essa tática mais vezes para apartar as brigas. 

 

—--

 

Fim de tarde, e os casais andavam em grupo pelos quarteirões, prestes a se dispersarem e voltar para suas casas. Passaram boas horas conversando, rindo, apartando algumas briguinhas e indiscutivelmente tendo um bom momento juntos. Até que aquele encontro duplo, que tinha tudo para ser um horror, não foi tão ruim. 

Quando chegaram numa rua em específico, onde teriam de seguir caminhos opostos, Akari sorri para eles e diz: 

— Minha casa é pra lá - ela aponta para a esquerda – Foi muito bom! A gente devia repetir! 

— Claro! Por que não? - Akane a responde, sorrindo gentilmente para os dois – A gente marca, né Ryoga? 

— A-Ah! Tudo bem... - ele sorri, desconfortável. 

— Té mais, gente! - Ranma acena para os dois e segue com Akane pela direita, o casal acena de volta e vai para a esquerda. Sozinho com sua noiva, ele diz - Até que foi legal, né? 

— Foi sim! A Akari é um amor, né? 

— Tirando a vozinha de neném... 

— Ai Ranma, para com isso! - ela lhe dá um soquinho no ombro, sem conter uma risadinha ao lembrar da voz que Akari fazia. 

— Quer que eu te chame de fofuxa também, é? - brinca, imitando a voz fina, fazendo ela rir ainda mais. 

Ao longe, Ryoga olha para trás e os vê se afastando, não ouvia o que eles diziam, mas conseguia vê-los rirem juntos, parecendo um casal de verdade. Por mais doloroso que aquilo fosse, o objetivo foi alcançado. 

Porcupido - Operação 001 : Encontro duplo tremendamente agonizante ---> SUCESSO 

Ele caminhava ao lado de sua namorada, tão distraído que nem percebeu a figura que os seguia pelas beiradas. A mesma que secretamente espiou todo aquele encontro do início ao fim, por entre os arbustos, flores, e até embaixo das mesas da sorveteria. 

Escondido atrás das lixeiras, e depois de um poste, a figura alta e masculina examina cada passo que Ryoga dava para frente, ajusta seus óculos engarrafados e sorri maleficamente. 

— Muito interessante, Ryoga Hibiki – ele olha para trás, avistando bem de longe os noivos num clima surpreendentemente amigável - Muuuuito interessante. 

 

—--

 

Na frente da casa de Akari, o casal encenava mais uma daquelas típicas despedidas prolongadas, ele agora estava confortável o suficiente para corresponder aos gracejos dela, trocando abraços e beijos carinhosos sem quererem se desgrudar. 

— Quando a gente se vê agora? - ele pergunta, acariciando a bochecha dela. 

— Eu não sei... Semana que vem começam as provas, eu preciso estudar – ela faz um beicinho emburrado, mas entrelaça os braços no pescoço dele – E a gente precisa começar a estudar pro seu supletivo, não é mocinho? 

— Tá bem, tá bem... 

Ela lhe dá um beijo carinhoso na testa, no nariz, e depois na boca. Fazem mais algumas dezenas de juras de amor, e ela fecha o portão, deixando um Ryoga bem disperso e sonhador do lado de fora. 

A figura misteriosa enfim se aproxima o suficiente de Ryoga para ser notado, e diz: 

— Sua namorada é encantadora. 

— É... - ainda com a mente nas nuvens, ele reconhece a voz e é atirado de volta para o chão, virando-se de costas numa velocidade insana – Mousse?!? 

— Olá, Ryoga Hibiki – Mousse o cumprimenta, e já no tom de sua voz, dava pra ver que ele tinha intenções suspeitas. 

— Tá fazendo o quê aqui?! - bobo como era, demora pra cair a ficha. Franze o cenho e torce o nariz – O que você quer, hein?! 

— Uma conversa. É o que eu preciso. 

Desconfiado, Ryoga vira-se de costas e segue seu caminho. 

— Como se eu fosse idiota – ele era, mas precisava fingir que não - Tenho mais o que fazer. Tchau. 

— É sobre o Saotome – aquilo faz Ryoga frear, arrancando um sorriso satisfeito do amazona – E Akane Tendo. 

Ryoga olha para trás, encontrando um Mousse muito suspeito, mas que atiçou sua curiosidade. 

 

—--

 

— Bem vindos! - a doce voz de Konatsu ecoa pela pizzaria. 

Mousse e Ryoga sentam numa mesa para dois, ainda estava cedo e o movimento era baixo nesse horário, então eram os únicos clientes. Devido a pouca demanda, Konatsu estava sozinha atrás da chapa, deixando que a patroa descansasse no conforto do quarto. 

A linda garçonete vai até a mesa deles e pergunta: 

— O que desejam? 

— Uma pizza de legumes pra dois, por favor – o amazona pede, muito educado. 

— Algo pra beber? 

— Por enquanto não... Ryoga? - Mousse aponta para ele. 

— Não, obrigado – o dentuço resmunga. 

— Okay! - Konatsu volta para a chapa e os deixa, começando a preparar a pizza. 

Ryoga fuzilava o amazona com o olhar, muito desconfiado com tudo aquilo. Já Mousse, parecia muito calmo, elaborando dentro de si a melhor maneira de conduzir a situação. 

— Vai, fala! - Ryoga o apressa – O que você quer? 

— Primeiramente, quero lhe dar os parabéns. 

— Hein? - o menino porco levanta uma sobrancelha, e Mousse dá um sorriso misterioso. 

— A forma como você manipulou aqueles dois... Foi divina! Vi quando parou as brigas deles – Ryoga demora um pouco para processar, até entender que ele estava falando de seu encontro mais cedo – Eu nunca, em todos esses anos, vi eles interagindo sem que estivessem berrando um com o outro. É de tirar o chapéu. 

— Pera, pera, pera... - Ryoga gesticula com as mãos abertas, fazendo uma pausa para digerir tudo o que o amazona disse - Você tava espionando? 

— Espionar é uma palavra muito forte, faz eu parecer um maníaco - embora fosse exatamente o que ele estivesse parecendo – Eu estava... Estudando. 

— Conta outra! - Ryoga perde a paciência - O que você quer comigo, hein?! 

— Fique calmo, eu estou do seu lado. 

— Do meu... quê?!?  

Mousse limpa seus óculos com a manga de sua camisa, e quando volta a pousá-los em seu nariz, lança para Ryoga um olhar determinado. 

— Ryoga Hibiki... Você tem meu apoio! - ele faz uma pausa, esperando que Ryoga entendesse, mas seria superestimar demais a capacidade intelectual dele. Percebendo que apenas plantou mais interrogações na cabeça do maior, se viu na obrigação de explicar - Tá... Eu estava seguindo o Saotome hoje cedo, eu pretendia desafiá-lo mais uma vez. Mas quando vi que ele e Akane Tendo foram se encontrar com você e a sua namorada, fiquei muito curioso – Ryoga presta bastante atenção nas palavras dele – Um pouco confuso, confesso, mas aí eu percebi... – Mousse inclina o torso sobre a mesa, se aproximando do rosto dele com os olhos semicerrados - Você tava tentando juntar os dois... E conseguiu! Nunca os vi se darem tão bem, pareciam até um casal de verdade! E eu sei que isso foi coisa sua! Eu vi você agindo! 

— Hunf! Seu maluco! Eu nunca faria isso! - Ryoga tenta fazer uma cara de desentendido, mas era um péssimo mentiroso. 

— Ah, é mesmo? Que eu saiba, você também nunca ia se submeter a um encontro daqueles – Mousse dispara com uma cara cínica e braços cruzados, fazendo uma gota de suor escorrer na testa de Ryoga - Você ia preferir a morte ao ver o Saotome com sua preciosa Akane Tendo. 

— E por um acaso você esqueceu que eu tô namorando agora?! - aquela seria uma boa cartada, mas Mousse era mais esperto que ele. 

— Pois é, o que também é um choque – zomba – Ryoga, eu posso ser meio míope, mas vi a cara de ódio profundo que você fez quando o Saotome ofendeu a Akane. E ainda assim você limpou a barra dele. Você nunca faria isso, a não ser que estivesse querendo fazer eles pararem de brigar. Não pode me enganar – Ryoga engole seco – Me pergunto o que aconteceu pra você mudar tão drasticamente... Eu fiquei chocado, não vou mentir. 

Encurralado, Ryoga não encontrou mais nenhuma forma de se justificar, solta um suspiro da derrota e entrega os pontos para Mousse. 

— Eu tenho meus motivos, tá?... - resmunga, cruzando os braços e ficando cabisbaixo, com as sobrancelhas juntas e uma cara melancólica - Não tô fazendo isso por mim... 

— Humm... - Mousse o examina, muito curioso – E por quem seria? Akane? 

Mousse viu que acertou na mosca quando ele arregalou os olhos e mordeu o lábio. 

— Eu... - ele tinha uma expressão distante e muito sofrida – Ela... Precisa de ajuda... 

Mousse não entendeu, mas sinceramente, os detalhes não tinham tanta relevância. Nunca esperou que um dia Ryoga viria a ser conveniente nesse aspecto, nada seria mais estranho que aquilo. 

— Bom, não me importam seus motivos – Mousse cruza os braços e se apoia na cadeira - Só vim lhe oferecer minha ajuda. 

— Quê? - Ryoga volta a olhar para ele, sem mudar a expressão emburrada. 

— Eu também quero garantir que Ranma Saotome e Akane Tendo fiquem juntos – Ryoga arregala os olhos - Você já deve saber meus motivos. 

— Nhm... - grunhe, muito incomodado com tudo aquilo – E quem disse que eu preciso de ajuda? 

— Pois é, você já está se saindo muito bem – confessa, tentando conquistar a confiança do garoto de bandana – Mas digamos... Que eu conheço alguém muito interessada em atrapalhar seus planos. E só eu a conheço como ninguém - o olhar de Mousse era penetrante, quase hipnotizava – Acredite em mim... Você vai precisar da minha ajuda. 

Ryoga fica atônito, muito pensativo e tentando digerir tudo o que o amazona lhe dizia. De fato, não parou pra pensar nos obstáculos que viria a ter, as pretendentes de Ranma ainda o importunavam e podiam causar problemas. E não é como se uma mãozinha fosse atrapalhar. Do tempo que conhecia Mousse, sabia que ele não mediria esforços para tirar Ranma de seu caminho para conquistar Shampoo, não haveria motivos para ele o trair. 

Convencido, e já muito desgastado por aquele dia de fortes emoções, Ryoga entrega os pontos mais uma vez e solta ar pela boca, cansado. 

— Tá, faz o que você quiser... - resmunga, arrancando um sorriso vitorioso do amazona 

— É isso aí, Ryoga! Não vai se arrepender! 

De repente, Konatsu se aproxima dos dois e traz a famosa pizza de legumes que dava água na boca de qualquer um. 

— Bom apetite! - ela diz. 

— Obrigado, querida – Mousse a agradece, e ela se afasta. Mousse corta a pizza pela metade e entrega uma fatia ao prato do maior – Toma Ryoga, por minha conta hoje! 

— É sério? - Ryoga fica genuinamente surpreso. 

— Claro – Mousse abocanha o primeiro pedaço, e sorri de canto – Pra comemorar a nossa nova parceria! 

Ainda que um pouco sobrecarregado, Ryoga aceita o presente e se junta a Mousse, afinal, se não fosse aquela deliciosa pizza, ele teria que jantar macarrão instantâneo. Eles comem, conversam, riem e até chegam a brindar sua parceria logo mais. 

Esse tipo de parceria era interessante de ser mantida em segredo. Mas fora do campo de visão de todos ali presentes, a pizzaiola se escorava atrás da entrada que dividia a pizzaria da residência dos Kuonji, com as mãos pousadas na ponta de suas orelhinhas, se deliciando com todas aquelas informações que lhe foram entregues de bandeja. 

 

—--

 

Depois de mais algum tempinho, os dois rapazes foram embora, deixando Konatsu sozinha mais uma vez. Ao menos ela pensava que estava sozinha. Ukyo atravessa a divisória com uma cara muito misteriosa. 

— Ah, senhorita Ukyo! - Konatsu se assusta ao vê-la chegar tão sorrateiramente – Pensei que você tava descansando. 

— Eles foram embora mesmo, né? - Ukyo fica na ponta dos pés olhando para a porta, tentando avistar Mousse ou Ryoga. 

— Ah... Sim, foram sim – a garçonete responde, e quando Ukyo sorri, quase que maleficamente, ela fica curiosa – O que foi, minha querida? 

— Humm... - Ukyo grunhe, amarra seu cabelo numa fita branca e ergue as suas mangas roxas. Começa a arrumar os preparativos para receber mais clientes, já que as noites de sábado eram bem movimentadas. Ela pega uma faca e começa a amolar, mas sua expressão era sinistra, parecia um filme de terror – Algo me diz que o Ryoga sabe alguma coisa da Akane... 

Ela continuava amolando a faca, com a mesma cara e um olhar distante, fazendo Konatsu sentir calafrios. 

— E algo mais me diz que é exatamente o que eu tô querendo saber... - com a faca afiada, ela observa seu reflexo na lâmina, admirando sua própria determinação e sede por controle – E ele vai me contar, como um bom menino... 

Ela finca a faca na tábua de madeira, espantando a garçonete ainda mais. Ukyo olha para ela com um sorriso doce e diz: 

— Konatsu. 

— S-Sim?? 

— Como está o nosso estoque de álcool? 


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Notas finais do capítulo

Ela andou meio sumida mas ATENÇÃO!! UKYO KUONJI VAI REAGIR!!! JOGA Y JOGA!!

E aí, gostasse? COMENTA PORRA!! AAAAAAA!!!

"Mari, quando sai o 5?"
Pergunta difícil kkkk, já viram que demorei quase um mês pra fazer esse, afinal eu ainda fui inventar de montar capítulos looooongos. Mas é garantia que pelo menos um capítulo por mês vai sair. Pretendo melhorar isso, mas sou uma moça assalariada que trabalha e putz, me falta tempo até pra descansar.

Não desistam de mim, favoritem, comentem, manda pro seu amiguinho que gosta de Ranma e assim como nós é carente por um final definitivo da obra, e ALERTA de fofura no próximo cap pois ele será adorável!!

Beijooo.



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