The Thorn's Secret escrita por Duda Mockingjay


Capítulo 3
Yor Forger


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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22:30 -- Berlint, Ostania –- Casa dos Forger

Fazia pouco tempo que Anya tinha dormido e Yor já bebia a quinta xícara de chá mudando de lugar no sofá pela milésima vez quando a porta da frente foi aberta, o rangido baixo da madeira enchendo o lugar silencioso. Yor apertou a saia, o corpo congelando diante dos passos calmos de Loid. Ele se manteve de costas para ela enquanto deixava o chapéu e casaco no suporte e tirava os sapatos. Suspirou e virou-se, os olhos azuis finalmente encarando a mulher ereta e paralisada, a frieza perigosa da Thorn Princess totalmente subjugada pelo ar inocente e amedrontado de Yor.

Como duas pessoas completamente diferentes, Loid pensou analisando a mulher com cuidado em busca de qualquer traço da assassina de horas atrás e falhando totalmente. É perturbador!

Yor permaneceu calada, a garganta seca, esperando qualquer reação de Loid. O homem parou atrás da poltrona há pouco mais de um metro de onde Yor estava, as mãos presas no estofado. Ele afastou o cabelo dos olhos, naquele movimento que fazia o peito de Yor acelerar. Dessa vez, ela apenas se encolheu.

— O que fez com o corpo?

A pergunta direta na voz grossa depois dos minutos de silêncio fez Yor se sobressaltar, as sobrancelhas erguidas. Ela suspirou, os olhos se desviando do rosto de Loid, as palavras se prendendo na garganta como em todas as outras oportunidades, mas dessa vez era impossível escapar.

Um novo suspiro, uma busca por coragem.

É isso, não tem volta.

— O Jardim cuidou dele. Eles sempre cuidam.

Loid cruzou os braços, o cenho franzido na sua melhor expressão de confusão. Bem, nem tudo era fingimento. Ele já ouvira falar do Jardim, mas qualquer informação a mais era um completo mistério. E agora eu tenho um dos principais membros deles aqui.

— Jardim? - Ele pinçou o nariz, um suspiro profundo. - Certo, que tal começar pelo início, Yor. Se é que esse é mesmo seu nome...

A morena bufou, as sobrancelhas erguidas em exasperação.

— Meu nome é Yor Briar, trabalho no departamento público de Berlint, tenho vinte e sete anos, adoro comida apimentada e... – É agora. Não dá mais para esconder. Ela respirou fundo, mas não desviou os olhos. – e sou assassina de aluguel.

Ela esperou qualquer reação de Loid, mas o rosto belo e anguloso permaneceu inalterável, os olhos azuis piscando rapidamente, os lábios apertados. Ela afastou a franja dos olhos, se recostou no sofá e começou a confissão.

— Eu tinha dez anos quando meus pais morreram, Yuri apenas três. Fomos mandados para o orfanato Syfell aqui mesmo em Berlint e foi onde todo o inferno começou. – Yor apertou as mãos tentando esconder o quão trêmulas elas ficaram com a mera memória de seus anos naquele lugar. Não, eu preciso contar. Loid precisa entender. Ela cerrou os olhos e suspirou. – O casal que cuidava do lugar tinha prazer em machucar as crianças, principalmente as novatas. Eles eram sádicos, mas espertos e nunca deixavam marcas que ficassem visíveis.

Yor segurou a barra da saia azul plissada e levantou alguns centímetros até pouco acima do meio das coxas, um ato que teria escandalizado Loid se sua atenção não fosse capturada pelas marcas que pontilhavam a pele clara. Marcas escuras de queimaduras de cigarro. Ele arregalou os olhos e encarou o rosto de Yor quando ela voltou a baixar a saia, os ombros encolhidos.

— Eu me tornei o brinquedo favorito deles por três anos. Qualquer coisa, até mesmo falar um pouco mais alto era motivo para me baterem, me queimarem, me prenderem por dias sem água ou comida. E eu aguentava calada, se gritasse ou contasse para alguém eles ameaçavam fazer algo muito pior com o Yuri. – Yor continuou, a voz grave demais para conter o princípio de choro. Ela piscou, afastando as lágrimas, as costas eretas. – Então eu aguentei calada esperando pela adoção que nunca veio. Quando cansei de esperar por um milagre, eu fugi com Yuri para o mais longe possível. Tive que planejar por muito tempo, não podia arriscar que nos pegassem ou tudo ficaria muito pior.

Ela parou recuperando o fôlego, os olhos baixos e fixos nos detalhes da saia delicada. Os olhos ardendo com as lágrimas contidas. Mas não podia parar agora, não conseguia parar.

— Os primeiros meses de liberdade foram difíceis. Era inverno e os casacos que roubei do orfanato não eram tão grossos. Yuri quase morreu de hipotermia. Eu tentei trabalhar em troca de roupas quentes e comida, mas quem ia dar uma chance para uma menina de rua? Então percebi que a única forma de sobreviver com meu irmão seria roubando. – Ela fungou, o choro já incontido ao lembrar de quão perto da morte seu irmão chegou naquela época, os olhos erguidos como se implorasse para Loid entender. – F-Foi minha única saída.

Loid estava sem palavras. Ele se sentou na poltrona a sua frente, atento ao relato de Yor e sentindo o peito apertado ao imaginar tudo que ela passou. Porque ele sabia que ela estava sendo sincera. O corpo, o rosto, a voz. Tudo nela expunha sua vulnerabilidade naquele momento.

Ele se via incapaz de interrompê-la.

— Foi em uma das vezes que estava seguindo uma moça pela estrada norte, aquela que passa pela mata na divisa com a fronteira de Hesven, pronta para abordá-la, que encontrei uma bolsa pequena caída entre as plantas. Infelizmente não tinha nada dentro e eu acabei perdendo a moça que era meu alvo de vista, mas avistei uma meia velha e rasgada mais para dentro do mato. E seguindo essa trilha de objetos inúteis foi que encontrei uma cabana pequena escondida no meio das árvores, por trás de uma grande rocha. Tão camuflada que parecia ter congelado no tempo. Mesmo antiga e cheia de trepadeiras, ainda havia muitas coisas lá dentro: uma mesa e duas cadeiras meio acabadas, um sofá comido por traças e até algumas roupas rasgadas, mas que eram como um verdadeiro tesouro para uma menina que não tinha nada. Talvez o lugar fosse de alguém que fugiu durante a guerra por medo dos bombardeios intensos que Berlint sofreu no passado ou sei lá, mas o importante é que era desabitado e tinha um teto bem resistente. Era perfeito.

Yor sorriu pela primeira vez lembrando da animação de Yuri quando chegou à cabana pela primeira vez, vasculhando tudo com curiosidade. Ela nunca vira um sorriso tão grande naquele rosto redondo e percebeu que faria tudo para que aquele sorriso nunca mais sumisse. O pequeno sorriso nostálgico de Yor fez o coração de Loid saltar e ele disfarçou sua euforia com um pigarrear, tirando Yor de seus devaneios e fazendo-a voltar a história.

— Encontrar a cabana foi como um milagre. Yuri não tinha que dormir no frio, tinha um lugar seguro para deixá-lo quando precisava conseguir comida e foi lá que ele desenvolveu sua paixão por conhecimento. Ele encontrou uns livros velhos escondidos e pediu que eu o ensinasse a ler. Não precisou de muito e logo ele tinha me superado, sempre querendo aprender mais, sempre pedindo que eu conseguisse mais livros quando voltasse para casa das minhas “viagens”. Eu saí da escola com dez anos, não tinha muito que pudesse ensiná-lo já que ele aprendia tão rápido. Ele precisava ir à escola, ele merecia um futuro melhor, mas o que eu podia fazer?

Yor rosnou a última frase, o peito ardendo ao lembrar da frustração que sentiu no passado. Ela ergueu os olhos que queimaram sobre Loid.

— Foi aí que o Jardim me encontrou.

— Jardim...? – Loid questionou curioso, a sobrancelha erguida. A história finalmente estava chegando em algo que o agente Twilight pudesse reportar mesmo que Loid Forger já estivesse imerso em tudo aquilo desde o início.

Yor assentiu circundando uma das mechas do cabelo longo entre os dedos.

— O grupo que me treinou. – Ela confessou. – Fazia pouco mais de um ano que eu tinha fugido do orfanato, Yuri estava na cabana e eu finalmente tinha conseguido três pães dormidos com o padeiro depois de semanas catando apenas restos. Talvez o homem tenha se compadecido com meu estado ou apenas quisesse que eu sumisse e parasse de espantar os fregueses. Não sei, mas nunca tinha ficado tão feliz quanto naquele momento. Eu escondi os pães, mas fui seguida e três garotos me encurralaram num beco quando eu voltava para casa. Eles conseguiram pegar dois pães e me mandaram entregar o terceiro, mas me recusei então eles me espancaram. – Ele abriu as mãos sobre as pernas, os olhos arregalados com a lembrança. – E-Eu não era boa de luta, mal consegui proteger minha cabeça, mas sempre fui resiliente, determinada. Foi isso que o Lojista disse quando me encontrou naquele dia, foi isso que chamou a atenção dele. Ele expulsou os três moleques e quando me avisou que estava tudo bem eu desfiz a bola que meu corpo estava enrolado ainda segurando o único pão restante. Ele sorriu pra mim, o primeiro sorriso amigável que eu recebia em muito tempo, e perguntou se eu queria aprender a me defender, se eu queria nunca mais sentir medo de nada.

Ela apertou os punhos e fixou os olhos marejados sobre Loid.

— Como eu poderia dizer não?

As palavras, aquele olhar penetrante foi como uma faca apunhalando o peito do homem. Loid lembrou de sua própria infância e como ele teria acabado como Yor se as circunstâncias tivessem sido diferentes.  O quanto, na verdade, eles não eram tão diferentes assim.

Mas ainda assim...

— Então você aceitou ser uma assassina? – A pergunta de Loid saiu baixa, incrédula, irada. – Ele recruta crianças para serem assassinos?

— Não, não no início. – Yor negou, as mãos erguidas como numa tentativa de acalmar Loid. – Ele recruta crianças para serem observadores, informantes, a quem ele chama de camundongos. Ninguém suspeitava de uma criança de rua, ninguém lembra da cara delas, então nós seguíamos o alvo conseguindo toda informação possível e repassávamos para o Lojista que designava o assassino mais qualificado para o trabalho.

Ela explicou com simplicidade, o olhar sombrio encarando um ponto qualquer na mesa a frente.

— Mas alguns alvos eram desconfiados demais, espertos demais. Então quando eles percebiam que eram seguidos e nos encurralavam tínhamos que saber nos virar. Com um ano no Jardim eu já dominava diversos estilos de luta. Era uma das únicas garotas, tinha que me esforçar o dobro para não ficar para trás. Então eu me destaquei. Quanto mais missões bem-sucedidas eu completava, mais meu status no grupo crescia e quando percebi já era conhecida como Thorn Princess.

Yor respirou fundo, os olhos vermelhos intensos sobre o rosto sério de Loid.

— Foi por causa do Jardim que eu sobrevivi, foi por causa dele que mantive meu irmão na escola, que custeei toda a educação dele e que eu mesma pude voltar a estudar e me formar. É por causa dele que eu sou quem eu sou hoje. – Ela apertou a blusa sobre o coração, a voz como uma súplica. – O Lojista me ensinou a ser forte, a me proteger e a proteger quem eu amo. Ele era como um pai pra mim até...

A voz dela foi sumindo ao lembrar das palavras tão furiosas do Lojista ao telefone, de como ele ameaçou sua família sem pensar duas vezes, de como ele poderia matar com a mesma facilidade. Mas Loid estava alheio à suas preocupações, o rosto vermelho de raiva, o corpo inclinado para frente na poltrona.

— Mas você cresceu, Yor! Seu irmão se formou e tem o próprio emprego, você tem um emprego honesto! Por que continuou a ser assassina? Por que não saiu disso assim que pode?

Finalmente a pergunta fatal, não é? Ela viria, cedo ou tarde.

Yor apertou os dedos, o olhar duro como mármore.

E a resposta pode afastá-lo de mim ainda mais.

Mas ela não podia mentir, simplesmente não conseguia mais.

— Porque eu gosto, Loid. – Ela falou, direto, sem rodeios. – Não do ato de matar, mas do ato de proteger. Eu...sou boa no que faço, uma das melhores, mas nunca me orgulhei de ser uma assassina. Eu só... faço o que tem que ser feito. É preciso um monstro para acabar com monstros. É preciso um assassino para destruir outro então não me arrependo das vidas inocentes que salvei quando matei algum louco psicopata. Uma em troca de dezenas, não parece uma conta tão difícil.

— Quem é você para fazer essa decisão? – Loid cuspiu a pergunta, indignado.

— Ninguém! – Yor respondeu calorosa, o corpo também inclinado, os olhos vermelhos como chamas vivas. – Exatamente. Eu sou insignificante, Loid. Sempre me mantive nas sombras para poder fazer o trabalho sujo e poupar meu irmão de algo assim, poupar dezenas de pessoas de algo assim! Eu não queria, nunca quis até me ver mergulhada nisso até o pescoço e sem saída. Então me adaptei e me vi acolhida por pessoas que o mundo apontava como monstros enquanto as pessoas dadas como “boas” tinham sido os verdadeiros monstros para mim. Com o tempo o que era só uma forma de me sustentar se tornou um prazer, não o fato de matar, mas de estar ajudando outros mesmo que muitas vezes eles nunca fossem saber. Então eu percebi que minha vida como Yor Briar não fazia tanto sentido como minha vida como Thorn Princess. Como assassina eu sempre tenho um objetivo, uma missão, e sou reconhecida, sou vista enquanto salvo vidas, diferente da Yor que é sempre esquecida facilmente, alguém incapaz ou desinteressante demais se não tiver um homem ao lado.

Yor suspirou, o fôlego sumindo diante do discurso acalorado. Mas ainda tinha mais, muito mais.

— Talvez eu tenha deixado o ego subir para a cabeça, talvez eu só estivesse cansada de deixar os outros me enganarem e me machucarem, talvez eu tenha desistido de ser amada e preferi ser temida. A questão é que essa vida foi a única que eu conheci, a única que me deu um propósito, a única que me mostrou que eu não era invisível, não era uma inútil.

Ela parou, os olhos brilhando na direção de Loid.

— Até você aparecer.

Loid arregalou os olhos, o peito acelerando em antecipação.

— E-Eu?

Yor sorriu.

— Sim. Você me aceitou, cuidou de mim, me fez rir, me mostrou qualidades que eu nunca pensei que tivesse, me incentivou a ser melhor, me deu uma filha e uma família tão perfeita. Não a Thorn Princess, mas a Yor Briar. – A morena estendeu a mão por cima da mesa cuidadosamente, buscando os dedos de Loid como se estivesse se aproximando de um animal arisco. Seus dedos se tocaram e ele não se afastou. Ela suspirou. – Você, Loid Forger, me fez amar a Yor e eu percebi que minha vida como Thorn Princess não chegava aos pés da felicidade e prazer que eu sentia sendo Yor Forger. Eu escolheria essa família, eu escolheria você acima de tudo e qualquer coisa!

Yor não sabia como tivera coragem de uma declaração tão profunda, mas ali estava. Ela se sentia vazia depois de tantas palavras e o silêncio de Loid, seus olhos tão abertos que o azul era quase como uma piscina límpida, estavam deixando-a ainda mais ansiosa.

Loid sentia que o chão tinha sumido sob seus pés, sua raiva e indignação de antes desaparecendo diante do olhar tão intenso da mulher, de suas palavras tão sinceras.

Tão familiares.

Porque ele também sentia que aquela família tinha o salvado de alguma forma, tinha o feito querer mais do que apenas ser o agente Twilight. Além de tudo, quem era ele para julgar Yor? Quantas vezes ele não tinha feito a decisão difícil de matar um para salvar dezenas, as vezes milhares e se sentia um herói por isso? Ele aceitou a vida de espião buscando ser alguém diferente e já era adulto o suficiente para saber que matar estava incluso no trabalho, não tinha uma desculpa boa o suficiente para ter aceitado sem pestanejar. Não foi como Yor que precisava sustentar o irmão e sobreviver, ele teve suas habilidades reconhecidas e agarrou a oportunidade de recomeçar como alguém diferente.

Como ele podia abominar Yor por fazer o mesmo?

O loiro crispou os lábios, as mãos suadas e quentes presas entre os dedos delicados de Yor que ainda o encarava com um olhar esperançoso, as írises vermelhas tão suaves como pétalas de rosa, o corpo curvilíneo inclinado em sua direção, os lábios cheios entreabertos.

Tão macios... tão...

A memória do beijo quente no escritório de Desmond explodiu em sua mente, um momento de descontrole inaceitável para o agente Twilight, mas que deixou Loid nas nuvens, algo de que ele nunca se arrependeria. Tudo nela era tão enlouquecedor e os lábios eram ainda melhores do que ele imaginara em suas fantasias mais utópicas! Encará-la ali, tão perto, tão entregue estava deixando seu autocontrole no limite.

Eu a quero tanto! Mas...

Loid respirou fundo e afastou as mãos do toque de Yor lentamente, os olhos azuis focados no rosto da mulher.

— Você nunca foi insignificante, Yor. Não para mim, não para nós. Anya... ela te ama e... – As palavras dele foram sumindo, se perdendo na garganta ao perceber que tudo aquilo se encaminhava para uma confissão que ele talvez não estivesse pronto para fazer. Ele apertou as mãos na calça, os dedos fincados na perna. – Mas, se essa família é tão...importante para você porque continuou a ser a Thorn Princess? Não vê o quanto isso é perigoso para Anya? Ela pode ser um alvo...

— Eu sei, mas sair do Jardim agora só deixaria vocês em maior perigo! – Yor revelou em um único fôlego, a voz arranhada e rouca. Ela balançou a cabeça, desolada, uma risada sem humor saindo pelos lábios. – Eu...fui uma idiota de achar que seria tão fácil sair quanto entrar, que o Lojista entenderia! Todo esse afeto dele era ganância pelas minhas habilidades, nunca foi realmente por gostar de mim. E eu o via como um pai... tão estúpida!

Loid segurou o pulso de Yor para que ela se concentrasse e parasse de mexer os braços tão freneticamente.

— Yor o que diabos você quis dizer com “maior perigo”? Eles...?

Yor assentiu mesmo que Loid tivesse se interrompido. Ela sabia que ele era esperto o suficiente para entender.

— Eu tentei me demitir do Jardim quando finalmente percebi que você e Anya eram as minhas prioridades, mas... o Lojista ameaçou matar vocês dois se eu saísse. Não sei como, mas ele sabe tudo sobre vocês...

Loid sentiu o sangue gelar.

— Tudo?

— É, onde fez sua faculdade de psicologia, seus amigos mais próximos da faculdade e até os locais que mais frequenta.... – Ela arregalou os olhos de repente, se erguendo num pulo e fechando as cortinas da janela, olhando para a rua por uma pequena fresta. – Talvez ele esteja observando tudo agora mesmo...

Loid, que tinha suspirado aliviado pelas informações falsas que o tal Lojista tinha (até porque Twilight nunca se formou em psicologia), finalmente encarou Yor que saiu de perto da janela, agitada, andando de um lado a outro enquanto murmurava.

— É isso, ele deve ter uma escuta ou está vigiando a casa por algum lugar... provavelmente ele já sabe... – Ela ergueu a cabeça parando de repente, o olhar apavorado sobre Loid. – E-Eu tenho que ir embora.

E saiu em disparada para o seu quarto. O loiro atônito com a correria repentina demorou segundos para se erguer da poltrona e seguir a mulher pelo corredor.

— Yor, espera! O que...?

— Não, Loid, eu tenho que ir! – A morena falava rápido enquanto entrava em seu quarto já pegando a mala de debaixo da cama e a abrindo sobre o colchão. – Ele avisou que se eu revelasse qualquer coisa sobre o Jardim ele viria atrás de vocês e ele sempre, sempre descobre a verdade.

Loid entrou no quarto, bufando, tentando segurar Yor parada, mas sem sucesso. A mulher parecia um furacão pegando suas roupas e jogando desordenadamente na mala.

— Yor, eu sei me cuidar!

— É, você é forte e sabe bastante de luta o que é bem impressionante e surpreendente na verdade, mas estamos falando de um assassino com anos de experiência em matar! – Yor vociferou, parando por segundos para focar nos olhos de Loid e logo voltando a se mover pelo quarto. – Ele não vai parar até cumprir sua promessa. Talvez se eu o encontrar agora e fizer algum acordo eu consiga salvar vocês...

— Ou ele pode ficar ainda mais furioso e acabar matando você no lugar! – Loid fechou a porta do quarto esperando que Anya não acordasse com tantos gritos. Ele cruzou os braços apenas observando Yor que agora organizava uma nova mala, esta cheia das agulhas-lanças douradas. – Já pensou nisso?

— A Thorn Princess é importante demais para ele. E, ainda assim, se ele me matar que importância tem? Se eu conseguir tirar vocês da mira dele vai valer a pena. – Ela falou tão naturalmente que fez o estômago de Loid revirar com a possibilidade. Os olhos vermelhos e tristes se desviaram do rosto do homem, a mão dela passando pela bochecha rapidamente. – Como você disse, já coloquei essa família em perigo por tempo demais. É hora de fazer o certo e me afastar. Apenas diga à Anya... diga a ela que...

A voz embargada demais se perdeu pelo caminho enquanto Yor fungava. Ela respirou fundo, piscando para afastar as lágrimas, pronta para fechar as malas e finalmente desaparecer da vida de Loid quando sentiu sua cintura se puxada para trás, seu corpo virando e se chocando com o peito firme do homem que parecia aliviado por finalmente fazê-la desacelerar, as mãos dele rodeando seu corpo como correntes de ferro.

— Que importância tem se você morrer? – A voz dele soou baixa e gutural, o hálito de hortelã tão delicioso contra o rosto dela. Os olhos azuis dele eram como chamas frias. – Como pode dizer algo assim? Como pode pensar algo assim?

Yor suspirou, o rosto baixo e corado pela proximidade de Loid, os olhos evitando os dele.

— É a verdade, Loid. Eu falei sério quando disse que escolhi essa família acima de tudo. Depois de colocá-la em risco tantas vezes, esse é o melhor que posso fazer agora.

Loid ergueu uma mão até o rosto de Yor, a outra ainda a prendendo ao seu corpo com firmeza. Os dedos longos e quentes dele acariciaram o queixo da mulher, levantando-o para que ela o olhasse nos olhos, impedindo que ela escapasse da visão de seu olhar determinado.

— O melhor que você pode fazer é ficar e lutar. Isso é o certo! Não vou dizer nada para a Anya, não vou deixar você abandoná-la. Você. Não. Vai. Embora.

Yor piscou, confusa.

— Mas Loid, eu...

— Você é uma assassina. Sim, isso ficou bem claro. – Loid rebateu, bufando. Frustrado consigo mesmo, frustrado com sua incapacidade de ser tão corajoso quanto Yor e revelar seu próprio segredo. Ele cerrou os olhos, suspirando. – Droga, Yor, todos tem segredos, alguns bem mais sombrios que outros. Acredite, eu sei! Apesar de crer que ser assassina de aluguel não era o melhor caminho, eu não sou hipócrita de julgar seus motivos de ter aceitado a única saída que surgiu na sua vida quando tudo estava desmoronando. Eu entendo o que é ter que se virar sozinho num mundo que só quer ferrar você.

Yor prendeu a respiração, a mão erguida para acariciar o rosto do homem, os olhos azuis dele parecendo distantes, num passado doloroso.

— Loid, você...

— A questão é que eu entendo. E, céus, eu queria que descobrir tudo isso sobre você tivesse me deixado furioso, me fizesse manter distância de você porque seria tão mais fácil! Mas saber o quão forte, o quão determinada, o quão capaz você é de cuidar de si mesma e dessa família apenas trouxe a resposta para algo que vinha me perturbando por tempo demais.

Ele seria capaz de trazer alguém tão inocente para o meio da vida louca de espião?

Ela não era inocente, frágil ou indefesa.

Ela era perfeita para ele.

Loid inclinou o rosto ainda mais, ansioso e excitado à medida que os lábios dela ficavam mais próximos. Centímetros os separavam quando ele sussurrou como se revelasse seu maior segredo. Maior até mesmo do que ser um espião

— Saber o que você fez para sobreviver, tudo o que passou para poder estar aqui agora, não muda em nada como me sinto, como venho me sentindo desde que te conheci. – Então ele sorriu, o que derreteu de vez o coração de Yor. – Na verdade, apenas me faz te amar ainda mais.

O espaço entre eles se findou quando os lábios finalmente se encontraram em um beijo sôfrego, apaixonado.

Loid nunca se vira tão desesperado, tão necessitado por algo como aquele beijo. Ele apertava Yor contra si, lutando contra sua própria selvageria, tentando ser delicado e falhando miseravelmente quando sentiu a língua tímida dela pedindo passagem para sua boca. Ele abriu os lábios, as línguas dançando em sintonia, o beijo cada vez mais intenso. Loid já tinha passado por diversas situações, algumas boas, muitas ruins, mas sempre se orgulhou de seu controle inabalável em todas elas.

Até aquele beijo. Até aquele maldito beijo!

Seu controle foi sumindo aos poucos: primeiro quando ela se apertou contra ele com força, as mãos se prendendo à sua nuca num agarre enlouquecedor; depois a perna dela avançando entre as suas, dominadora e possessiva; então os dentes dela mordendo seu lábio inferior como se ansiasse provar tudo dele e, por fim, o motivo do seu colapso: um gemido rouco e sensual saído direto do fundo da garganta e despertando toda e qualquer parte do corpo de Loid.

A explosão de felicidade e êxtase que invadiu o peito de Loid era nova e ardente, impossível de refrear então ele apenas se afogou, mergulhando cada vez mais fundo sem intenção de voltar à superfície.

Já Yor sentia que poderia flutuar, seu coração como um balão de ar querendo sair pela boca, o corpo formigando de calor, as pernas bambas, todos os seus sentidos completamente desnorteados. Os braços firmes de Loid em seu corpo, o peito dele colado ao seu, o calor dele agindo como um imã, aquilo era tudo que a mantinha inteira e presa ao chão. Não por muito tempo, sinto que posso derreter a qualquer momento. Mas qualquer pensamento coerente evaporou quando Loid desceu a mão pelo corpo dela, os dedos se prendendo na coxa por cima da saia enquanto ele a erguia em seu colo com uma facilidade impressionante. Yor não conteve o suspiro surpreso, um sorriso surgindo nos lábios quando ele mordeu seu queixo enquanto caminhava com ela até a cama. Ele empurrou as malas para fora do caminho, impaciente, as pernas dela rodeando a cintura delineada e musculosa dele.

Eu sabia que ele era forte, mas me segurar com uma mão apenas. Céus, que homem é esse?

Com o espaço livre, Loid colocou-a no colchão com calma apesar da ansiedade e expectativa visível em seus movimentos. Ela mesma nunca sentira uma ansiedade tão palpável, como algo apertando seu coração e fazendo sua respiração falhar.

Nunca se mostrara tão vulnerável, tão exposta.

Nunca sentira tanto desejo por alguém.

E ali estava Loid, o homem que amava, lhe beijando, acariciando, lhe aceitando como ela era e tudo que ela queria fazer era sorrir e chorar ao mesmo tempo.

Ele me ama. Ele realmente me ama.

Yor fechou os olhos, o sorriso deslumbrante preso no rosto como se fosse eterno, apenas sentindo os toques de Loid, os beijos dele subindo por sua bochecha, secando as lágrimas teimosas que desciam. Ela abriu os olhos e sorriu ainda mais quando viu os olhos dele cintilando com paixão e desejo, fixos nos dela, um entendimento mútuo de que não era hora de ultrapassar aquele limite.

Eles se amavam e aquela era uma verdade irrevogável.

Eles teriam tempo para algo mais... íntimo. Eles teriam tempo para tudo.

Loid sorriu beijando-a uma última vez antes de se afastar, o corpo ainda trêmulo e quente enquanto se sentava na cabeceira da cama e puxava Yor para se recostar em seu peito. O silêncio tranquilo que se seguiu era interrompido apenas pelo farfalhar das roupas de Yor enquanto Loid deslizava a mão pela cintura dela, voltando pelas costas, uma carícia inocente e suave para acalmar os corpos agitados de momentos antes.

Um momento de paz que a assassina e o espião não se lembravam de já terem sentido em toda a sua vida.

— Você...tem certeza de que não atirou em mim na mansão Desmond e agora eu estou delirando ou sonhando porque estou pertinho de passar dessa pra melhor?

O murmúrio de Yor mal quebrou o silêncio de tão baixo, mas Loid ouviu perfeitamente, a cabeça antes repousada sobre os cabelos macios de Yor, agora inclinada para encarar os olhos vermelhos envergonhados. Ele sorriu maliciosamente e deixou um beijo naqueles lábios viciantes.

— Você não está delirando. Eu te amo e vai ser um prazer provar isso em cada minuto de cada dia.

Yor riu de olhos fechados ainda imersa na névoa luxuriosa que o beijo dele causava.

— Se essa é a sua forma de provar que está certo acho que sempre vou querer estar errada.

Loid gargalhou, um som tão espontâneo e novo que fez Yor abrir os olhos, fascinada. Ela admirou o rosto dele contorcido naquele sorriso maravilhoso, os olhos apertados, as covinhas nas bochechas e quando percebeu a palavra já saía de sua boca.

— Obrigada.

Loid a encarou, confuso, o sorriso ainda nos lábios. Ela se aconchegou no peito dele deixando um beijo calmo no pescoço exposto pelo paletó aberto.

— Obrigada por me aceitar, por me entender. Eu...pensei tanto em como você reagiria sabendo de tudo e... em todas as possibilidades você não me perdoava, me mandava embora ou simplesmente sumia com Anya sem olhar para trás. E eu não poderia...

Loid apertou Yor nos braços deixando um beijo sobre os cabelos dela.

— Bem, então você não me conhece tão bem assim...

— Não, não conheço. – Yor balançou a cabeça e ergueu os olhos procurando os de Loid. – Mas é tudo o que eu mais quero.

Loid sentiu o peito apertar diante daquele olhar ávido e esperançoso, almejando ter a mesma coragem de Yor para revelar tudo, absolutamente tudo sobre si.

Talvez se eu começar aos poucos...

Ele sorriu, algo que percebeu não conseguir mais parar de fazer, e encostou seu nariz no dela, acariciando lentamente.

— Então que tal um jogo? Uma pergunta minha e outra sua.

Yor assentiu animada, os olhos vermelhos cintilando.

— Eu primeiro! Como você sabe usar uma arma tão bem?

Loid nem pestanejou.

— Fui do exército durante muitos anos. Aprendi muitas coisas por lá. – Meia verdade é melhor que uma mentira, Loid pensou orgulhoso de si mesmo. Aos poucos, revele quem você é aos poucos. Ele brincou com uma mecha do cabelo dela enquanto pensava na sua pergunta. – Certo, qual sua cor favorita?

Yor riu, perplexa.

— Eu te pergunto sobre porte de arma e você quer saber minha cor favorita?

Loid deu de ombros, divertido.

— Eu quero saber tudo sobre você, até os mínimos detalhes. Então não julgue as minhas perguntas, por favor, senhora Forger!

— Tudo bem, sem julgamentos.

Yor revirou os olhos, apertando o tronco de Loid e murmurando sua resposta como se fosse um segredo de estado, o corpo a flor da pele com o tratamento tão íntimo dele.

— Amarelo, essa é a minha cor favorita, senhor Forger.

Assim eles adentraram a madrugada, perguntas e mais perguntas, se conhecendo enquanto trocavam carícias suaves e selinhos. Quando Loid percebeu Yor ressonava baixo contra seu peito, a respiração dela fazendo cócegas em seu pescoço enquanto os braços ainda o apertavam com firmeza. As pernas entrelaçadas, suas mãos ainda percorrendo as costas dela distraidamente. Tudo que ele queria era ficar ali para sempre, com ela em seus braços.

Ele enfrentaria o Lojista e todo o Jardim se fosse preciso para manter Yor sã e salva ao seu lado. Faria qualquer coisa para que ela nunca saísse de sua vida.

Qualquer coisa...

Loid suspirou, as palavras de Yor o apunhalando como uma adaga afiada.

Me conhecer é tudo que ela mais quer.

E tudo que eu quero é que ela me conheça.

Ele admirou o rosto suave dela, os olhos tremulando durante o sono. Ela revelou tudo, por que eu não consigo fazer o mesmo? Por que é tão difícil para mim confiar?

Loid suspirou baixo se afastando lentamente enquanto depositava Yor no colchão delicadamente, a cabeça dela pousando no travesseiro, um resmungo de desagrado. Ele parou, esperando a respiração dela voltar a ser lenta e ritmada, o corpo se acalmando enquanto ela agarrava um dos travesseiros como substituto fraco ao corpo quente de Loid. Quando virou as costas para o loiro ele sorriu e mal percebeu que se inclinava sobre ela até sua respiração estar bagunçando os cabelos dela, a boca perto da orelha.

As palavras seguintes pareciam um delírio, algo saído de seus sonhos. Um mero sussurro que ecoou no corpo de Loid como um grito de guerra.

— Eu...sou um espião.

O quarto voltou a mergulhar no silêncio calmo, mas tudo tinha mudado em Loid.

Ele nunca tinha revelado aquilo em voz alta, não para alguém que realmente importasse.

Não para alguém que amasse.

Certo, ela estava dormindo, totalmente alheia a suas palavras, mas ainda assim era libertador. Era um passo pequeno, mas algo grande o suficiente para o agente Twilight.

Um começo. Um dia eu terei a sua coragem, Yor. Um dia...

Ele deixou um beijo longo nos cabelos dela, o aroma delicioso de cereja ficando em seus lábios enquanto saía do quarto, a porta se fechando com um clique baixo.

Yor abriu os olhos no momento que os passos de Loid sumiram.

O peito acelerado, as mãos apertando o travesseiro, o segredo de Loid ecoando em sua mente.

Eu sou um espião.

— Segredos sombrios. – Ela sussurrou para o nada. - Talvez esse seja o verdadeiro legado da família Forger.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

Bjux e até outra vez!



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