Sinistro escrita por Vinefrost


Capítulo 4
Capítulo 3: Um dia um tanto quanto peculiar




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Aproveitamos o restante da tarde, com a ameaça iminente de uma tempestade, para examinar os agroglifos, os famosos círculos nas plantações da cidade interiorana. Enquanto nossa principal testemunha permanecia fortemente sedada, nos dedicamos a coletar evidências.

Nos dirigimos até a fazenda onde os desenhos apareceram; o proprietário era um tal de José Torres. Foram necessários alguns minutos de conversa para convencê-lo a nos mostrar onde estavam os agroglifos. Além dos inúmeros xingamentos direcionados aos tais alienígenas, confesso que até fiquei chocado com a criatividade dos adjetivos proferidos:

— Aqui estão eles - apontou rabugento.

— Bora trabalhar, Gabriel.

Ao analisar a foto que recebi por e-mail, uma visão aérea dos desenhos, percebi que eram diversos círculos que formavam um único desenho. Contudo, ao examinar mais atentamente a área afetada, logo notei que os desenhos haviam sido feitos com algum cortador de grama. Isso me sugere uma possível farsa. Mas para o quê? Isso só poderia estar relacionado ao desaparecimento dos jovens, alguém querendo desviar a atenção...  

O D.E.E. precisa revisar os casos enviados ou considerar a contratação de novos funcionários; isso não era trabalho para o nosso setor nem para o Arquivo X no andar abaixo do nosso.

— Daniel, tenho quase certeza de que já vi desenhos mais bem feitos do que esses - afirmou Gabriel assim que terminou de registrar em fotos e vídeos com o drone.

— Aposto que uma criança poderia fazer melhor – virei-me para o senhorzinho que ainda reclamava. – O seu José, na noite anterior à descoberta dos desenhos, você ouviu algum barulho? Ou notou algo estranho? - perguntei, já perdendo a paciência com esse caso fajuto.

— À noite não, eu durmo como uma pedra. Mas uns dias atrás, vi uma caminhonete preta ao redor da minha propriedade, parecia estar sondando o lugar.  

— O senhor poderia fornecer mais algum detalhe sobre o carro?

— Sim, o modelo e a placa. Minha memória é ótima! E eu estava desconfiado, aqui na região todo mundo conhece a cara de todo mundo, e aquela caminhonete não me era familiar. Pelo menos nunca vi antes nas redondezas - enquanto ele me informava sobre o carro, eu anotava a placa no meu bloco, para que Carla pudesse buscar no sistema.

— Agradecemos a sua colaboração, seu José. Se nos der licença, precisamos encontrar o proprietário desse carro. 

Ou a proprietária, como indicavam os registros: Helena Alves, 46 anos. Pegamos seu endereço e fomos até lá. Ao bater no portão de sua casa, uma mulher grisalha nos atendeu:

— Helena Alves? - perguntei.

— Sim, e quem são vocês? - Ela arqueou as sobrancelhas desconfiada.

— Investigadores, estamos no caso dos jovens desaparecidos, e seu carro foi avistado nas proximidades da fazenda onde foram encontrados os desenhos nas plantações. Gostaríamos de entrar e conversar com a senhora.

— Isso deve ser um mal-entendido, meu carro foi roubado. E não, vocês não podem entrar. Vocês chegaram em uma hora inoportuna.

— Podemos interrogá-la aqui fora então? - insisti.

— Certamente - disse, fechando a porta atrás de si.

— Serei breve, apenas algumas perguntas. Nossa conversa será gravada, não se preocupe, é confidencial e apenas para ajudar na documentação do caso. A senhora conhecia os jovens, supostamente, abduzidos?

— Supostamente? Pensei que eles tivessem sido abduzidos por alienígenas...

— Alienígenas são tão reais quanto o Papai Noel ou o Coelhinho da Páscoa. Agora, humanos, esses sim são reais, e criminosos.

— Bom, eu os conhecia, sou professora deles. Trabalho no colégio municipal. É uma cidade pequena, temos apenas uma escola para o ensino fundamental e médio.

— Poderia nos dizer como eles eram no colégio?

— Reservados, quase antissociais. Tinham notas na média, mas seu envolvimento com outros alunos era mínimo.

— Algo mais? - insisti.

— Nada que eu tenha notado. 

— Uma dúvida, por que não prestou queixa do carro roubado?  

— Era um modelo antigo, já estava quase parando de funcionar. Quem o roubou provavelmente me fez um favor, pois eu evitei ter que pagar um guincho para rebocá-lo assim que parasse de vez - ela estava visivelmente incomodada pela nossa presença, mais do que quando atendeu a porta. Decidi encerrar por aqui; se tivesse mais perguntas, retornaria.

— Isso é tudo, obrigado por sua colaboração - agradeci enquanto ela se retirava para dentro de sua casa, e Gabriel e eu íamos para o carro.

— Isso está mal contado...

— Todo esse caso está - suspirei cansado. - Até que conseguimos muita informação para uma tarde. Está escurecendo; vamos para o hotel descansar. Amanhã cedo, a primeira coisa que faremos é tentar falar com o garoto.

— Aqui estão as chaves dos seus quartos, terceiro andar, números 33 e 34. Tenham uma boa noite, rapazes - e essa era a dona Maria, uma senhorinha simpática que administrava o hotel em Prados Verdes.

Tirei meu casaco e o joguei em qualquer canto do quarto, fazendo o mesmo com meus sapatos e o resto da roupa. Tomei um longo e relaxante banho para, em seguida, cair na cama. 

Despertei me sentindo extremamente desconfortável. Estava cansado demais para abrir meus olhos e continuei com eles fechados enquanto me virava de lado na cama. Notei que o colchão estava duro e meu travesseiro havia sumido. Abri meus olhos instantaneamente e me deparei em uma floresta. Eu ainda estava em Prados Verdes, mas que diabos! Como vim parar no meio do mato? E só de pijamas. 

Me levantei e caminhei pela trilha em minha frente, que deveria me levar a algum lugar na cidade. Estava escuro ainda, com forte neblina na floresta. Ao final da trilha, havia uma clareira não muito grande. Estreitei os olhos para ver melhor pela neblina e vi uma mulher do outro lado da clareira. 

Ela olhava para mim, mas eu não conseguia distinguir a cor de seu cabelo ou mesmo suas roupas. As feições de seu rosto também me eram desconhecidas. De repente, uma corrente de ar frio passou por mim, tão gelada que podia sentir na alma. Um sussurro passou pelos meus ouvidos: “Me ajude.” Nesse momento, a mulher desconhecida virou e correu por entre as árvores.

Senti uma forte necessidade de ir atrás e ajudá-la, acabando por correr em direção a ela. Entretanto, quanto mais eu corria, mais ela se distanciava. Eu nunca conseguia chegar perto o suficiente. A mulher em minha frente havia sumido, e foi aí que me dei conta de quão rápido estava correndo ao não conseguir parar e cair penhasco abaixo.  

Acordei num solavanco e olhei ao redor aliviado, estava no meu quarto de hotel. Fui até o banheiro, lavei meu rosto com água fria para despertar. Que diabos de sonho foi esse? Precisava tomar um ar. Me vesti e desci para a rua; eram três horas da manhã, mas decidi correr um pouco antes de mais um dia de investigação.

Encontrei a praça central da cidade e decidi parar um pouco, apenas caminhar. Havia uma mulher fumando, pedi um cigarro. Estava precisando relaxar, mesmo que fosse dessa maneira, chutei o balde de vez. 

— Poderia me dar um? - pedi educadamente. A mulher tinha cabelos escuros encaracolados e olhos claros, que destacavam em contraste com sua pele morena. Parecia alguns anos mais nova que eu. 

Ela me encarou de cima a baixo, pensou um pouco e me entregou um cigarro junto com um isqueiro:  

— Um cigarro não se nega, não é mesmo? - respondeu. 

— Obrigado. Posso me sentar? 

— O banco é público - disse enquanto guardava o isqueiro de volta no bolso da jaqueta. 

— Não tem medo de ficar sozinha essas horas não? E no meio da praça ainda... - esse mundo é maluco demais para alguém ficar perambulando por aí na madrugada. 

— Você não é daqui, né? Notei pelo sotaque... O que veio fazer nesse fim de mundo? - ela rebate. 

— Trabalho – respondi simplesmente. 

— Talvez eu possa ajudar você - ela disse. 

— Não vejo como você possa me ajudar, especialmente com o que eu faço. 

— Sabe, eu tenho um dom, sou sensitiva. E você parece que está precisando de ajuda. 

— Você está pressentindo isso? - perguntei. 

— Isso o quê? 

— Eu te achando maluca - Misericórdia, cada um que me aparece. 

— Seja como for, Daniel. Você vai me procurar mais cedo ou mais tarde. 

Tá amarrado! Observei a mulher jogar o resto do cigarro no chão, pisar e ir embora. Mas como ela sabia o meu nome? Não me lembro de ter dito a ela. Deve ser porque eu não disse. 

Tenho coisas mais importantes para fazer. Um caso para resolver na verdade. Fiquei mais um tempo pensando sobre o que acabou de acontecer e, quando o relógio marcou quase cinco horas, voltei ao hotel para descansar. 


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