Depois do Crepúsculo escrita por FSMatos


Capítulo 11
Capítulo Dois


Notas iniciais do capítulo

Estou há uma vida e meia atrasada. Perdão por isso.
Mas, em vez de me odiarem, torçam para que eu passe em um concurso público. Só assim terei tempo de sobra novamente que não seja apenas para estudar.

Boa leitura! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805783/chapter/11

*EDWARD*

 

Foram necessários trinta minutos para fazer Alice se acalmar. Por mais que sua visão fosse alarmante em primeiro momento (quatro membros da guarda Volturi liderados por Caius), as notícias não eram de todo ruins - após revisar as possibilidades que nos aguardavam.

Diferente da ideia de que eles poderiam nos perseguir para nos matar, seus objetivos eram opostos: eles estavam ali com um convite do próprio Aro Volturi.

— Uma visita? - Emmett gargalhou, o que deixou Alice mais desconfortável. Era cômico, para ele, a ideia de que talvez os Volturi não estivessem tão sentidos por ter suas defesas rompidas. Se é que havia uma defesa! Sob seu olhar, os caras não eram tão bons em guarnecer suas muralhas da maneira da qual eles gostavam de se gabar. - Os dois invadem os domínios dos velhotes e todos nós somos convidados para um pequeno reencontro de grandes amigos? 

Jasper tinha o olhar fixo no horizonte. Ele tentava visualizar o castelo da maneira como Carlisle havia descrito para ele, minutos antes, nos mínimos detalhes, analisando o terreno, tentando se familiarizar. Era impressionante a sua capacidade de montar em sua mente um cenário no qual nunca havia se inserido, apenas por relatos alheios.

— Parece ser uma armadilha. - murmurou Jazz.

— É claro que é uma armadilha! - Rosalie estava agitada. Suas mãos não paravam de se mexer, como se pudesse esmagar pedras imaginárias com elas. Ou uma forma estranha de dedilhar teclas de piano.

Carlisle ainda estava em silêncio e pensativo. Havia ligado para o hospital a fim de informar a razão de sua súbita ausência. Mesmo quando Esme lhe perguntou o que estava acontecendo, ele lhe dirigiu poucas palavras. Tive a tarefa de explicar aos de mais.

Assim como nós, ele também tentava compreender a situação, pensando nas mais variadas hipóteses. Pensou nas irmãs Denali, na maneira em como elas foram levadas diante dos anciãos para que fossem questionadas sobre o envolvimentos delas nos crimes de sua mãe. Porém, Alice não viu nada hostil ou punitivo sobre mim ou ela própria, portanto, não poderia ser uma notificação de comparecimento.

Um convite amigável. As intenções eram sórdidas, disso ele tinha absoluta certeza. Talvez checar se éramos uma ameaça? Ninguém ultrapassa suas defesas de maneira despercebida. Até Carlisle estava surpreso com o nosso feito.

— Quanto tempo, Alice? - perguntou.

— Oito dias. - respondeu ela, cruzando as pernas e alisando com as pontas dos dedos os cabelos curtos e rebeldes. - Caius não está muito feliz com o arranjo pacífico de Aro, então temos que ser cautelosos em nossa recepção. Ele está de péssimo humor. - Em sua mente, um vislumbre de um Caius desgostoso e sem paciência, ordenando que todos fossem levados à força. A possibilidade era fraca, mas estava ali.

Jasper, que não a havia soltado nem por um segundo desde que retornaram horas atrás, apertou os seus ombros. Uma onda de alívio e tranquilidade nos atravessou, como uma correnteza fraca, porém, refrescante.

— Não vou deixar chegar a tanto. - Assegurou. De fato, nas previsões de Alice, Jasper se sai muito bem em deixar os visitantes à vontade e despreocupados.- O problema mesmo, Carlisle, é o castelo. Por mais que eu crie estratégias de fuga, eles estarão em maior número lá. Nem sabemos se Bella irá querer colaborar conosco. Ela é uma recém-criada manipulável. As palavras certas farão que ela fique ao lado deles.

— Você não pode ter certeza. - Esme estava incomodada com as suposições pessimistas de Jasper acerca da nova condição de Bella. - Bella é uma menina doce, e nem todo sangue e lavagem cerebral do mundo fará com que ela mude. Basta que ela nos enxergue como a família certa para se estar. Ela já nos via assim antes, não?

— Isso quando ela era humana, Esme. - grunhiu Rosalie, ainda inquieta. - Humana, jovem e ingênua. Nada garante que ela continue a mesma depois de todo esse tempo. Humanos mudam.

— Nem sabemos se ela estará lá. - murmurou Alice. - Aro ainda está se decidindo se deixará Bella sair da torre ou não.

— Sair da torre? - Carlisle ficou confuso. - O que ela está fazendo lá?

— O que é essa torre? - perguntou Emmett.

— É o local onde ficam abrigadas as esposas dos anciãos. Aro e Caius determinaram que elas ficassem ali dia e noite, sob constante supervisão, por segurança. - explicou Carlisle. - Geralmente, seriam dias entediantes, mas com Corin lá, usando suas habilidades para que se sintam satisfeitas e confortáveis, a proteção é eficaz.

— Ele deve estar tentando domá-la. - murmurou Jasper, como se a conclusão fosse óbvia. A visão mental dele, de uma Bella mais velha e totalmente bestializada, ao ponto de precisar ser trancafiada, era atormentante demais para mim. Precisei bloquear o seu fluxo de pensamentos antes que eu avançasse contra o seu pescoço para que parasse de pensar tamanha barbaridade.

— Mas se ela é tão perigosa, por que deixá-la perto das esposas? - Questionou-se Carlisle.

— Ele pode estar usando os poderes de Corin para que ela se acostume com a nova vida. - comentei, de repente feliz pela luz de lógica de Carlisle. - Bella não é um soldado. Os membros da guarda podem ser muito hostis para ela.

— Você a trata como se a garota ainda fosse mais frágil do que cristal. - desdenhou Rose, de braços cruzados e totalmente imóvel logo atrás de Esme, os olhos fixos no horizonte que se abria pela janela de vidro, totalmente obscurecido pelas sombras da noite, mas claro para os seus olhos de vampira. - Até quando aquela coisinha era uma humana, era destemida e nem um pouco covarde. Entregar-se e encarar de frente um psicopata, sem pestanejar, na esperança de salvar a própria mãe… acho que nem eu seria capaz de um feito desses.

Não fui o único a encarar Rosalie, surpreso. Era raro ouvir algum discurso de humildade vindo dela.

Ser encarada por tantos olhos questionadores a deixou visivelmente desconfortável. - Outro comportamento curioso partindo de alguém que sempre amou a atenção. Se não fosse pela tensão do momento, eu teria achado engraçado e tirado sarro dela.

— É apenas o meu ponto de vista. - deu de ombros. - Ela é uma de nós agora, e não um bebê-foca inocente. Se for ensinada do jeito certo e com o propósito certo, virará a soldada perfeita.

— Ou uma pacifista. - concluiu Esme, ainda esperançosa com a ideia de que Bella não tenha mudado tanto quanto o seu exterior.

Rose precisou de muita força de vontade para não revirar os olhos.

— Sim, isso também. - grunhiu.

Emmet, por mais propenso que tivesse a concordar com tudo que Rosalie falasse, desta vez ficou do lado de Esme, assim como Carlisle. O restante de nós permaneceu em seu pessimismo velado, a fim de não chatear a nossa mãe.

Alice continuava a vasculhar o futuro, mas nada mudava. Nem mesmo o menor fiapo do destino. Emmett fervilhava de emoção, na esperança de haver algum conflito entre nós e a guarda. Jasper ainda pensava no castelo, nas saídas e entradas, no sol brilhante do lado de fora que nos impedia de fugir à luz do dia. Carlisle voltou ao seu escritório. Esme o acompanhou. Eles conversavam sobre preparativos a serem feitos para uma recepção agradável. Carlisle era grato pela paciência e calma de Esme ao lidar com tudo aquilo. Rosalie ficou parada no mesmo lugar, olhando para o nada, tentando ignorar a euforia de Emmett, este se empenhando para animá-la de qualquer jeito. Ela estava preocupada conosco, mas muito mais indignada com a nossa atenção direcionada a uma “menina que não fazia mais parte da nossa vida”.

Fiz o que melhor me cabia: segui para a porta dos fundos e sai em disparada mata a dentro. Precisava caçar. Precisava correr. Precisa ficar longe do mal-humor ácido de Rose. Teríamos uma reunião desconfortável e inoportuna em um pouco mais de uma semana, e o meu humor ruim causado pela sede e pensamentos hostis não ajudariam em nada.

Bastou meio minuto de corrida para ouvir pensamentos indignados logo atrás de mim. Felizmente, eu não havia começado a rastrear, então a aproximação súbita não acionou os meus instintos de autodefesa. Parei automaticamente. Dois segundos depois, Rose parou ao meu lado, o rosto retorcido em uma careta.

— O que há de errado com as suas pernas? - perguntou, sua voz aguda e alta demais para o silêncio da floresta. Ela jogou os cabelos loiros para trás; sob a luz fraca da lua minguante, eles brilhavam como prata líquida. - Você está vazio há semanas! Não deveria estar correndo tão rápido.

— Nada de errado, eu presumo. - comentei, apático, ignorando seu comentário impertinente. - O que veio fazer aqui?

— O mesmo que você, é claro! - Foi o que ela disse, mas a verdade é que Rosalie estava incomodada com o clima bizarramente eclético de casa. Determinação, medo, esperança, paciência. Olhar para mim a deixava mais tranquila. O meu rosto, os meus olhos, continuavam os mesmos para ela: sem vida e totalmente distantes. E por mais que soubesse que a minha aparência estava diferente da minha real situação, era mais confortável estar comigo do que em casa, onde tudo parecia prestes a explodir.

— Você não precisa caçar. - Era óbvio; seus olhos brilhavam no escuro como poças de ouro líquido e as olheiras tinham quase desaparecido por completo. - Deveria voltar para casa. - murmurei, dando as costas para ela e iniciando um trote calmo entre as árvores.

Porra, Edward, não seja um babaca!, eu a ouvi gritar mentalmente, enquanto um grunhido vibrava em seu peito e ela começava a me acompanhar, contrariando o meu conselho. Eu também tenho direito a um momento de paz!

— “Um momento de paz”? - Eu me projetei sobre ela, bloqueando o seu caminho e a obrigando a recuar.

Tanto a minha postura quanto o meu tom de voz a deixaram tensa e se perguntando o que havia dito de errado.

— Acha que ter que ficar em casa, com todos a sua volta sobrecarregados, é não ter paz? - Minha voz era lenta, baixa e soava cansada. - Não ter paz é saber que a pessoa que você ama está em um lugar desconhecido, longe de você, em uma situação completamente drástica e que poderia ter sido evitada. Não ter paz é sentir uma culpa tão grande que você não consegue nem mesmo olhar nos olhos das pessoas mais importantes de sua vida sem sentir vergonha.

Rosalie queria discutir, mas não tinha argumentos. Apenas apertou os lábios em uma linha fina e permaneceu calada.

— Eu sei, sua pequena garotinha mimada e egoísta, que por mais fútil que você possa ser, ao menos sobre “se importar com alguém” você entende. - sussurrei.

Em sua mente, a cena de um Emmett humano e a beira da morte veio à tona. Ela engoliu em seco, mas manteve o semblante sereno.

— É claro que sabe. - murmurei antes de lhe dar as costas de novo e disparar mata adentro.

Desta vez, Rosalie não me seguiu. Eu não a vi até a manhã seguinte, após retornar para casa depois de uma longa noite caçando e correndo, a fim de esfriar minha cabeça.

Ter sangue fresco circulando pelo o meu corpo novamente clareou as minhas ideias, tornando-as menos mórbidas e melhorando o meu humor. O remorso veio logo em seguida, pois eu sentia que não merecia estar bem depois de tudo o que aconteceu. - Ver a expressão e sentir o alívio nos pensamentos de Esme assim que me viu cruzar a soleira da porta, mais uma vez com os meus antigos olhos dourados e não tão pálido como de costume, apaziguou os sentimentos ruins. Um pouquinho.

De fato, pela sua perspectiva e a dos outros, eu parecia mil vezes melhor; algo muito próximo do meu antigo eu. Ligeiramente mais vivo. - Arrisquei sorrir para ela, e Esme reluziu como o sol. Fiquei surpreso como pareceu verdadeiro. Pude sentir algo próximo de uma ponta de felicidade, um calor incômodo com o qual eu já não estava acostumado. Mas bastou que os pensamentos de Alice chamassem a minha atenção, para que as sombras e o frio do vazio absoluto tomassem conta mais uma vez.

Tenha cuidado, eu a ouvi sussurrar enquanto me mostrava o futuro outra vez. Era algo mais a frente, ainda sobre nossos visitantes inoportunos. Por mais tranquilo que pudesse parecer, ainda havia os riscos. Para todos nós.



*BELLA*

 

— Faça ela parar! - Por mais que o som estivesse abafado pelas paredes grossas de ferro da minha lindinha cela, pude identificar a voz irritada e infantil de Jane. Ela não estava nada feliz com a minha persistência e com o fracasso de Corin em me convencer a cooperar.

— Faça ela parar você!— retrucou Corin. - Não é minha função conter uma vampira jovem e descontrolada no braço.

Jane bufou, exasperada. Pude ouvir também sua mandíbula trincar antes de sair batendo pé.

Quando tudo voltou a ficar silêncio, dei alguns passos para trás, agachando-me no canto mais afastado oposto ao da porta de entrada. Não havia luz do dia ali, nem mesmo ar circulando. Um ser humano comum sufocaria dentro em questão de horas por causa da ausência de oxigênio, mas eu não era mais humana.

Contraí todos os meus músculos de pedra, focando toda a energia e a força de uma sanguessuga (como Jacob diria) para poder pegar impulso. Foquei no meu alvo à frente. Estava marcado pelas minhas quatro tentativas de romper a estrutura, porém, obtive apenas alguns amassados de poucos centímetros de profundidade.

Usando toda minha energia de destruição, lancei-me mais uma vez contra aquela porta teimosa como se estivesse sendo atirada por um canhão. Outro estrondo abafado, desta vez acompanhado pelo som de uma leve rachadura, não na estrutura ao meu redor, mas o que havia embaixo e em cima dela: as rochas maciças da fundação do castelo.

— EI! - ouvi Corin berrar e socar a porta de minha cela. - Está querendo derrubar o castelo em cima de nós?

Limitei-me a rir em vez de responder. Analisei a superfície com a sua nova textura. Onde a porta se encaixava, dois milímetros de deslocamento. Um fiapo de ar passava por ali; podia sentir na ponta dos meus dedos. - Meu bom humor logo foi embora. Aquela lata velha em que eu estava aprisionada era resistente. Um metro e meio de espessura, aproximadamente; foi o que constatei quando fui arrastada por quatro guardas até ali após tentar arrancar a cabeça de Demitri quando ele ousou fazer uma piadinha.

Era impressionante a minha capacidade de ter surtos de raiva, além das mudanças de humor. Aro me explicou que aquilo era normal, que recém-criados precisam aprender a lidar com o próprio gênio e que vampiros, por pensar rápido, seu humor também estava em constante movimento.

Tentaram manter Corin perto de mim o tempo todo para que pudesse usar os seus poderes em mim. Sem sucesso; minha mente ainda era um refúgio inviolável para qualquer um que tentasse entrar nela.

Tentaram fazer com que eu criasse afeição pelas esposas. Sem sucesso. Elas eram mesquinhas e mimadas demais para o meu gosto.

Aqueles vermezinhos inseparáveis (Demitri e Félix) estavam sempre tentando me provocar. Aro os repreendia. Caius ria e dizia que era besteira de seu irmão discutir brincadeiras entre guardas. Marcus se mantinha neutro, poucas vezes olhando em meus olhos e tendo algum contato comigo, ou mesmo opinando sobre mim.

Foram semanas de idas e vindas em treinos de disciplina, implicância e sons primitivos de ameaças reverberando pelos corredores. Duas brigas e alguns membros decepados e pedaços arrancados a dentadas, incluindo os meus, mas que logo foram reconectados ao corpo. Foi assustador a princípio, mas depois eu entendi e lembrei de que apenas o fogo poderia me destruir completamente. Sem ele, basta apenas juntar as partes estraçalhadas e esperar que a regeneração vampírica faça o seu dever.

Natalie foi designada para outra parte do castelo. E nas poucas vezes em que a vi, estava apática e não falou comigo. Creio que esteja magoada por sua nova condição. Nem mesmo eu estava lidando muito bem com a minha (senão, não estaria trancafiada). Não apenas pelos picos de estresse e fúria, ou a sede constante que faz a minha garganta queimar enquanto é arranhada por areia escaldante e faz com que eu me sentia mais seca do que osso no deserto, mas também pelo o que era necessário fazer para me manter e me controlar: o sangue.

O cheiro e sabor de sangue humano era enlouquecedor. “Eu poderia colocar Volterra e metade de toda a província abaixo se isso garantisse todo o sangue quente e saboroso do mundo apenas para mim”, era o que eu pensava sempre que sugava das minhas vítimas, uma após a outra. Da primeira vez, fui limitada a consumir apenas três, e levei menos de dez segundos para concluir o serviço. Avancei sobre outra, mas fui impedida por uma garota ruiva chamada Caroline. Eu a ataquei, irritada por estar sendo interrompida. Isso lhe custou a mão direita; arranquei-a a dentadas. 

Eu me sentia ensandecida. E sempre que a loucura passava, o remorso era persistente. Então eu lembrava, através de lembranças foscas e incertas, da minha família, dos meus pais, de Jacob. De Edward. Como esses dois reagiriam ao me ver assim, transformada em um monstro?

Se Aro estiver certo, se eu estiver certa, provavelmente Edward não se importaria. Talvez fosse lamentar a minha condição, mas mais por empatia do que afeição.

Jacob convocaria os quileutes. E se seu pedido não fosse atendido, iria até Volterra sozinho e tentaria matar cada vampiro presente. Talvez fizesse o mesmo comigo, como uma atitude de misericórdia. Ou morreria lutando. - Jacob havia amadurecido muito nos últimos anos, mas eu ainda podia ver uma vez ou outra todo aquele impulso jovial, o qual havia me cativado há tanto tempo. No início, eu realmente tinha me apaixonado, porém, conforme os anos passavam, permanecer ao seu lado havia se tornado apenas uma comodidade conveniente. Ele tinha percebido isso, mas estava disposto a persistir. E eu fingi estar cega em relação a sua dor.

Como Aro falou, tudo nos vampiros se amplifica, incluindo seus sentimentos. Minha reação à vergonha daquelas lembranças e a aceitação de que eu fui um monstro sugador, mesmo quando o meu coração ainda batia e meu corpo era macio como carne fresca, foi arrancar lascas de metal da porta usando as pontas dos dedos, como um gato afiando suas garras contra a madeira, controlando-me para não berrar. Era como tentar atravessar resina ou alguma espécie de cera muito dura. - Se eu ainda tivesse pele macia e rosada, provavelmente meus dedos estariam em carne viva agora, tamanha era a força que eu aplicava.

Ouvi Corin bufar do outro lado e se afastar. Acho que ele estava cansado de ficar ouvindo as minhas tentativas frustradas de sair dali. Mas ele não foi muito longe; em uma esquina mais adiante, passos leves como plumas deslizando sobre mármore encerado. Eu já havia memorizado aqueles passos e podia identificá-los de olhos vendados e enterrada sobre pedra embaixo d’água.

— Mestre. - Corin gaguejou e ouvi o farfalhar de sua capa enquanto ele abria caminho para o seu senhor. Ele realmente parecia não estar esperando ser pego abandonando o seu posto. A nota de pânico em sua voz era evidente. - O senhor…

Mas Aro não se mexeu.

— Não precisa se justificar, meu caro Corin. - A voz macia de Aro estava carregada de decepção e (falsa) compaixão. - Tenho certeza de que seu desleixo não foi com objetivo de prejudicar este clã, esta casa. Mas tenha cuidado e não abuse da minha benevolência. Odiaria perdê-lo por traição.

Por mais doce que fosse sua voz, Aro não brincava quando o assunto era “obediência”. Nenhum erro era admissível, eu ouvi Caius dizer enquanto ordenava que um dos humanos que trabalhavam ali no castelo para os Volturi fosse executado, após o mesmo não imprimir um documento importante em papel timbrado. Ele não teve tempo nem para se explicar. Apenas foi retirado da sala e nunca mais ouvi falar dele.

Micael era o seu nome. Um garoto grego de aproximadamente 19 anos. Cabelos escuros e rebeldes que ele penteava com pomada para o cabelo. Era magro e de altura mediana, talvez dez centímetros mais alto do que eu. Pele bronzeada de sol e olhos mais amarelos do que verdes. Cael (como seu avô costumava chamá-lo) dizia vir de uma vila no litoral, daquelas que se veem em fotos de turismo, com todas as casas pintadas de branco. Sua família era de pescadores até quinze anos atrás. Logo depois, os barcos de pesca viraram barcos de passeio pela costa rochosa e de ondas azuladas, às vezes em tons de turquesa, às negras como ônix. Ele foi mandado para a Itália para que pudesse estudar teologia, e se apaixonou pela Toscana e por Volterra. Abandonou os estudos e passou a trabalhar no castelo. O trabalho tinha que ser impecável e tinha orgulho de si mesmo por ser capaz de entregar nada mais do que o melhor de suas habilidades. Era o seu sonho viver ali, fazer parte disso. Da primeira vez que vislumbrou a guarda, sabia que havia algo de “especial” e não se assustou quando soube a verdade. Muito pelo contrário: ficou ainda mais maravilhado e entusiasmado. Jurou sua lealdade e serviços, em troca de um dia se tornar imortal também e servir ao clã.

Como eu sei disso sobre o garoto morto? Bem, eu perguntei, em um dos meus raros momentos de passeio pelo castelo desacompanhada. Queriam saber se eu seria capaz de me comportar em meio aos outros guardas e aos humanos. Até aquele momento, estava apresentando avanços consideráveis, apesar do meu constante mal-humor em relação aos meus “algozes” irritantes, e contanto que o sangue fresco fosse mantido longe de meus olhos, eu podia ignorar a sede e interagir normalmente com os humanos. Era reconfortante poder me sentir um pouco normal, mesmo que aquela conversa com Cael me deixasse apavorada. - Quem em sã consciência aceitaria fazer parte desse mundo tão horripilante, cheio de monstros e corpos empilhados?

Claro, não precisei de muito tempo para que uma voz em minha cabeça comentasse que eu era um dessas pessoas sem bom senso e que havia aceitado fazer parte daquilo duas vezes, entretanto, apenas na segunda vez a proposta foi levada adiante. Eu não tinha moral para julgá-lo por suas escolhas e senti pena e lamentei por ele quando soube de seu fim inevitável, uma semana e meia atrás. Por mais que tivéssemos conversado uma única vez, tê-lo ali era um elo com a realidade, com a antiga realidade. Mas não demorou muito para que fosse substituído, agora por uma garota, igualmente jovem, igualmente bela e igualmente ingênua. Não quis falar com ela. Já tinha notado que era um laço que não valia a pena ser criado, pois logo deixaria de existir.

Voltei a focar em aprender a dinâmica do castelo, as saídas, as entradas. O menor alçapão e a porta mais bem adornada.  Os quadros, as relíquias armazenadas em cofres. Os labirintos subterrâneos que levavam para fora da cidade, para áreas desabitadas nos campos, onde corpos eram carbonizados em grandes fornalhas esculpidas nas rochas e seus restos enterrados sob a terra. O chão era muito fértil ali, diga-se de passagem, mas era área particular; pertencente aos Volturi, obviamente.

— Sim, Mestre. - Havia dor em sua voz, um profundo sentimento de humilhação. Eu podia imaginar seu corpo esguio curvado, um pedido de desculpas silencioso. Vislumbrar tal cena me fez abrir um pequeno sorriso de satisfação. - Não voltarei a cometer tal erro.

— Eu acredito em você. - murmurou Aro, voltando a andar em direção a porta de minha prisão intransponível. - E como nossa querida Isabella tem se comportado?

— Ela continua tentando sair. - respondeu, obviamente irritado e desanimado. - Creio que tenha danificado a estrutura de apoio. 

— Estou vendo… - comentou Aro, soando estar pensativo. - Srta. Isabella?

Não pude evitar a careta ao ouvi-lo me chamar pelo nome completo.

— Sim? - respondi de má vontade.

— Você está pronta para sair?

É óbvio que sim!

— Estou. - grunhi.

— Ótimo! - Ele realmente estava animado. - Abra.

Ouvi o som de chaves em um molho chocando-se umas na outras, uma pequena  placa de metal sendo arrastada para o lado e uma chave sendo encaixada em uma pequena abertura da parede de ferro. Corin girou a chave, e a chave girou a engrenagem interna, acionando um mecanismo elétrico responsável por deslocar a grande porta. Ela abriu dez centímetros, e então travou no chão. Os componentes elétricos foram forçados, mas a porta estava empenada.

Sem esperar pela ajuda de quem estava de fora, agarrei a lateral daquele bloco de metal e o ergui o suficiente para continuar abrindo. Pude sentir a fragilidade do sistema interno e tive que ter cuidado para não terminar de quebrar o restante da entrada da jaula. - Como um animal de exoesqueleto: sua casca era dura e conseguia aguentar as mais brutais pancadas, mas seu interior e articulações eram totalmente vulneráveis. Bastava que soubesse onde aplicar a força da maneira correta.

Quando a porta escancarou completamente e dei alguns passos para fora, fui pega desprevenida por um abraço caloroso de Aro e muito cabelo negro voando na minha cara. Precisei de todo o recurso acumulado do meu treinamento para não entrar em uma luta corporal com o ancião, lançando-o para o outro lado do pequeno salão que era a porta de entrada da cela especial. Apenas fiquei paralisada, como uma rocha, esperando que ele me soltasse. Quando o vampiro mais velho o fez, pude ver pelo canto do olho um Corin muito desgostoso dirigindo-se até a entrada de ferro para fechá-la novamente.

Aro estava radiante e talvez aliviado, também.

— Minha linda e querida Isabella! - cantou, segurando o meu rosto entre as duas mãos fragilizadas. - Saiba que esses últimos dias sem a sua presença foram dias lamentáveis, sem sombra de dúvida.

Franzi o cenho e ele riu.

— Acha que estou exagerando? - Seus olhos opacos pareciam brilhar.

— Acho…

Aro gargalhou. Quis dar um soco nele para ver se ele parava com aquilo. Tudo que eu falava ou fazia era motivo de divertimento para ele. Fazia eu me sentir uma criança pequena e engraçadinha, ou uma atração de circo muito interessante; mas não alguém que pudesse ser levada a sério. Se aquele era o plano dele para que eu desenvolvesse afeição, estava indo por água abaixo.

Quando viu que o meu humor não iria melhorar, ele parou, voltando ao mesmo semblante condescendente de sempre.

— A senhorita Natalie perguntou sobre você. - comentou, atirando a informação sobre mim como se fosse nada. Algo dentro de mim fervilhou, muito diferente da raiva, da frustração, do temor, da desconfiança ou da sede: por algumas semanas havia me esquecido como era sentir “felicidade”. - Quando ela soube que estava aqui embaixo, pediu para vir vê-la, mas como era um período de reflexão necessário, disse a ela para que se mantivesse paciente. - Seu rosto atemporal se iluminou em um sorriso satisfeito enquanto analisava as minhas reações. - Demorou, mas ela finalmente aceitou sua nova condição e está pronta para reatar a amizade de vocês duas.

— Me leva para cima. - sussurrei, incapaz de disfarçar a minha ansiedade.

Corin rosnou com o meu tom autoritário, mas não discutiu. Todos estavam mais do que acostumados com a minha falta de subserviência e respeito ao protocolo.

Aro agiu naturalmente, como sempre.

— Como a senhorita deseja. - concordou, conduzindo-me de braços dados para fora dos subterrâneos. Normalmente, eu odiaria ser tocada por ele por mais do que alguns segundos, mas agora o que mais importava para mim era poder estar perto de Natalie de novo, pedir desculpas pelo o que aconteceu e por tudo que a fiz passar, perguntar se estava bem, como estava lidando com esta nova vida. Se ainda me amava, se eu ainda era sua irmã

Meus pensamentos ansiosos foram interrompidos por um suspiro cansado de Aro. Olhei automaticamente para ele e senti minha mandíbula contrair. Ele estava sério, como no dia em que nos vimos novamente e ele tomou a decisão de dar a oportunidade de me tornar um deles, visando as possíveis habilidades que eu teria ao me tornar uma vampira. Era uma lembrança humana mais recente, então mais fácil de recordar.

Aquilo soava um mau sinal para mim.

— Qual é o problema? - perguntei, entredentes. Já estávamos no elevador e subindo. Corin estava de costas para nós, nos ignorando.

Foi uma viagem curta. Aro respondeu somente quando estávamos no saguão iluminado do castelo. Estava de noite e todas as portas de entrada estavam fechadas. Haviam alguns faxineiros limpando, mas eram os únicos humanos à vista. Todos nos desejaram uma boa noite, indiferentes aos nossos olhos vermelhos como sangue e as nossas peles fantasmagóricas.

Fomos em direção aos próximos elevadores.

— Isso me magoa, sabia? - lamentou. - Sua falta de entusiasmo conosco… comigo.

Tossi para disfarçar uma risada.

— Não pode estar falando sério. Você é casado, - eu caçoei, tentando deixar o clima melodramático mais descontraído. - e não acho que a sua esposa ficará feliz em ter outra dividindo espaço e o marido.

— Bella, estou falando sério. E nem todas as relações e laços são baseados no amor romântico. - murmurou, exausto. - Nós somos sua família, agora. Gostaria que gostasse de nós tanto quanto gostamos de você.

As portas do elevador abriram e agora estávamos na recepção superior. A nova secretária nos cumprimentou, levantando-se somente para fazer uma pequena reverência ao vampiro mais velho. Um exagero que ele parecia gostar, dada a sua expressão de deleite ao passarmos por ela.

— Ninguém gosta de mim aqui. - desdenhei. - Com exceção da Natie.

— E de mim. - completou.

Atravessamos as portas duplas e paramos no corredor de acesso ao torreão. Lá dentro, eu podia sentir a movimentação dos de mais membros da guarda. Vozes agitadas e sussurradas, e Marcus parecia conversar em voz baixa com alguém, alguém novo. Eu não conseguia reconhecer o seu timbre, então deduzi que fosse um convidado. Talvez um amigo.

— O senhor não pode estar falando sério. Nem ao menos me conhece direito.

— Conheço-a o suficiente. - contra argumento. - Os olhos atentos de Natalie nunca falharam. E por mais que eu não possa ter acesso a sua mente, eu posso ver através dela. Um amor assim… - Ele balançou a cabeça, incrédulo. - Nem os livros mais poéticos são capazes de expressar.

Paramos em frente a estreita porta de madeira. Corin não nos esperou e apenas entrou. Novos cheiros invadiram minhas narinas. O cheiro de outros vampiros. Frutas, terra, madeira, flores e especiarias.

— Quem está aqui? - perguntei, ainda sem olhar para dentro para espionar.

— Um velho amigo. - Aro sorriu, alegre novamente. E como sempre, a alegria dele me deixava tensa e desconfiada. - E a sua linda família. Tenho certeza que irá adorar conhecê-los. Eles são bem diferentes de nós. - disse ele, levando-me para dentro.

Assim que pus os pés para dentro do torreão, ergui a minha cabeça e foquei em nossos visitantes. Quando vislumbrei seus sete rostos e sete pares de olhos amarelos como ouro puro que cercavam um Marcus ligeiramente contente e um Caius aborrecido, por meio segundo perguntei-me se o tempo em que fiquei trancafiada nas masmorras, no total escuro, tinha me deixado louca, afinal.

Paralisei ali mesmo, como havia ocorrido quando Aro me abraçou, e eu não respirava mais de tão tensa. O vampiro mais velho se desvencilhou de mim, indo de encontro ao vampiro de cabelos dourados no centro do novo grupo, tomando-o em um grande abraço empolgado.

— Meu querido amigo Carlisle! - Aro era puro entusiasmo. Carlisle por uma fração de segundo parecendo desconcertado e desconfortável, mas logo retribuiu o gesto, abrindo um sorriso cordial. Não sem antes fixar o olhar em mim. Ele e todos os outros. Especialmente daquele de cabelos avermelhados como cobre.

Se Aro conseguia vê-los e tocá-los, talvez eu não estivesse maluca.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Muito obrigada, gente, pelo apoio.
Continuem comentando e dando as opiniões de vocês. São sempre muito gratificantes e ajudam bastante para que eu melhore a minha narrativa e escrita.

Até o próximo capítulo! ^-^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Depois do Crepúsculo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.